PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de setembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: MARIA BARBOSA MELLEGA
Maria Barbosa Mellega nasceu a 13 de dezembro de 1937 em uma fazenda próxima a Artemis, quando tinha dois anos a sua família mudou-se para Piracicaba. É filha de José Barbosa Galvão e Rosalina Clemente Barbosa que tiveram seis filhos: Lázaro, Pedro, Benedito, Antonio, Maria e Manoel Luiz. Seu pai trabalhava na Fazenda São Pedro, quando se mudou para Piracicaba passou a ser empreiteiro com uma turma que realizava serviços na agricultura. Maria Barbosa Mellega, a Dona Maria da Biblioteca do Colégio, quando tinha 12 anos ajudava a sua tia que tinha uma cantina no Colégio Piracicabano. Torrava café, buscava doces, carregava gelo em uma bolsa de pano que pingava pelo caminho. A cantina ficava perto do muro que separava as áreas femininas e masculinas. Haviam janelas separadas para servir aos meninos e as meninas. Antonio Mellega nasceu a 28 de maio de 1932, em Rio das Pedras, filho de Luiz Mellega e Teresa Perboni. Realizou seus estudos em Piracicaba no Instituto Cultural do Trabalho, curso de Sindicalismo e Cooperativismo nos Estados Unidos. Realizou viagens referentes ao sindicalismo ao México e Canadá.
Em que escola a senhora iniciou seus estudos?
Estudei na escola que ficava ao lado da Igreja dos Frades, o prédio existe até hoje.
Em que bairro a família veio morar?
No bairro da Paulista, na Avenida Madre Maria Teodora, dois quarteirões abaixo da Praça Takaki, na época era conhecido como Morro do Enxofre, chão de terra onde passava boiada, caminhão carregado com cana-de-açúcar. Em frente à Igreja dos Frades, onde hoje é um jardim eram realizadas as quermesses. Nos fundos havia um salão de festas, após celebrar o casamento na igreja iam comemorar no salão. Havia o trem da Companhia Paulista, todo o domingo ia esperar a chegada do trem. Durante a semana não dava para ir. Minhas amigas e eu íamos esperar o trem do meio dia. Nos arrumávamos para irmos. Eu tinha 11 anos. Tinha um mocinho que vendia revistas no trem, nós íamos só para vê-lo chegar, nem conversávamos com ele. Ele chamava-se Ariovaldo. Dali a pouco todos iam embora, o trem fazia a manobra para voltar. Era trem a vapor. Em frente a estação havia a sorveteria do Amstalden, nas imediações morava a dupla de cantores Cachoeira e Diamante. Fui fazer o curso preparatório para ingressar no ginásio. Só que na época ocorreu uma crise financeira. Tive que ir trabalhar.
Em que lugar a senhora foi trabalhar?
Fui trabalhar na Sapataria Santo André, de propriedade de João (Joanin) Fustaino, situada na Rua Joaquim André, na época eu tinha por volta de 14 anos. Em frente havia uma casa muito bonita, de propriedade de Agostinho Scalise, fazendeiro. Tinha uma escada majestosa, uns desenhos alusivos a gado. Na outra esquina era o Perina, acredito que trabalhava com material elétrico. A Regina Perina é filha do proprietário na época. Permaneci na loja de calçados Santo André por volta de um ano e meio, Quando casei, eles foram meus padrinhos.
Com quantos anos a senhora casou-se?
Tinha dezesseis anos quando casei-me com Antonio Mellega. Ele tinha trabalhado com o Giovanni (Joanne) Ferrazzo na Fábrica de “Vassouras Canta Galo”. Depois ele trabalhou na Vila Rezende, com o Gianetti na “Fábrica de Vassouras Elefante”. Até que depois ele abriu a própria fábrica, chamava-se “Nossa Senhora Auxiliadora” ficava onde naquele tempo era camada de Bimboca, na Rua Manoel Conceição, entre a Travessa Luis de Bragança e Avenida Lourenço Ducatti. Moramos muito tempo na Rua Dona Santina. Dona Santina era tia do meu marido. O meu sogro, Luiz Mellega, que tem seu nome em uma das ruas do bairro, tinha um bar na esquina da Rua Dona Santina com a Rua Dr.Eulálio, antes o bar era do Osvaldão, depois meu sogro comprou. Ali em volta era brejo, meu sogro é que tomava conta. Quando eu fui para lá, só tinha o Hospital dos Fornecedores de Cana, era pequeno, do lado do hospital havia uma cerca de arame, dessas que se estica e prende-se em um arame no mourão, muito comum em áreas rurais. Do outro lado só tinha o Mário da Baronesa (Mario Areas Witier), minha tio, tio, primos, por parte do meu marido eram funcionários do Mario. Nós íamos muito lá. Conheci o Mario, a sua esposa Da. Mercedes, lembro-me da Da. Vitalina, que era cozinheira. O Mario teve os filhos, Ana, Nice, Marinho e outra filha, se não me engano Luisa. Nesse tempo eu já era casada.
A senhora casou-se em que igreja?
Casei-me na Catedral de Santo Antonio no dia 15 de maio de 1954.
(09-06-2013) Ernst Mahle – Catedral de Piracicaba
Como foi o namoro da senhora e o seu marido?
Naquela época existia muita rixa de um bairro com outro bairro. Eu morava na Paulista e ele na Vila Rezende. Cada vez que ele ia namorar passava um aperto, o pessoal esperava ele descer do bonde. Do ponto de bonde onde ele descia até a minha casa tinha bastante bar, meu irmão às vezes esperava ele descer do bonde para acompanhá-lo até a nossa casa. . Depois ele começou a ir de carro com os famosos “biribas” (automóveis Mercedes-Benz, diesel, que eram utilizados por taxistas). O problema era na hora dele voltar, os pontos de biribas não tinham telefone. Namoramos só nove meses. Em casa eram cinco homens, só eu de mulher. Meu marido disse: “-Vamos casar, está muito difícil!”.
Ele continuou com a fábrica?
Ele parou com a fábrica de vassouras e interessou-se pela vida sindicalista, isso foi em 1964. Fez curso, foi para os Estados Unidos onde fez diversos cursos inclusive de cooperativismo. Nos Estados Unidos ele permaneceu três meses. Quando voltou dedicou-se ao sindicalismo, pertencia ao CNTI- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria de Brasília. E atuou no setor religioso.
ANTONIO MELLEGA HOMENAGEADO “EM QUEM É QUEM”
ANTONIO MELLEGA
Ele representava o sindicato de qual categoria?
O sindicato do papel, hoje denominado Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Papel, Papelão e Cortiça,cujo presidente hoje é Francisco Pinto Filho, o Chico. Meu marido que fundou o sindicato. Ele fundava sindicatos. Em Campinas, Santa Bárbara D `Oeste, Capivari, Piracicaba, Americana. Meu marido trabalhou com o Lula, com a Dilma, com o Fernando Henrique, Ruth Cardoso, isso foi em 1964. Ele ficava mais em São Paulo do que em Piracicaba. Foi um período em que meu marido passou por muito aperto devido a situação política daquele momento. E eu sofria muito com isso tudo. Ele trabalhava em um sindicato em Americana, tinha que descer do ônibus um ponto antes ou um ponto depois. No ponto correto em que ele deveria descer tinha alguém esperando. Ele fundou também o Sindicato dos Motoristas de Ônibus em Americana.
Ao fundar um sindicato o objetivo era oferecer as melhores condições ao trabalhador agindo sempre com lisura. Meu marido, Toninho, conheceu o deputado Rubens Paiva,
Quantos filhos vocês tiveram?
Tivemos seis filhos: Rosani, Antonio Celso, Marli Terezinha, Elide Regina, Eliana Cristina e Andrea Cristiani.
Ele atuou até aposentar-se no Sindicato em Americana?
Ele ia trabalhar de ônibus. No final, quase aposentando conseguiu adquirir um carro. Mas vida inteira ia de ônibus, levava marmita, o objetivo dele era defender o trabalhador. Lá ele atuava no Sindicato dos Empregados em Empresas de Ônibus. Tinha muitas reivindicações junto a AVA – Auto Viação Americana e a Auto Viação Ouro Verde.
Com seis filhos a senhora não tinha outra atividade a não ser cuidar das crianças?
Eu ainda costurava, de madrugada às vezes, levantava da máquina não agüentava nem andar. Cortava, costurava roupas femininas. A nossa família é grande, sempre costurei para eles. Além dos filhos tinha meu marido, meu pai e minha mãe em casa. Por duas vezes fiz a matricula para estudar inglês, não consegui, não tinha tempo para estudar.
Como a senhora foi trabalhar na biblioteca do Instituto Piracicabano?
Fiquei sabendo que estavam ampliando a escola e contratando funcionários, em minha carteira consta como início 1º de Maio de 1977 como meu primeiro dia de trabalho. Fui, passei pelo teste com Levi Cachioni, fiz uma entrevista com a Marisete, no dia seguinte comecei a trabalhar na secretaria. Após dois anos fui para o Campus Taquaral, trabalhava das 14:00 ás 18:00 horas e das 19:00 ás 22:30 horas. Eu mudei na Rua do Rosário esquina com a Rua XV de Novembro, a dois quarteirões do Colégio. Pedi para ser transferida para o Campus Centro. Aposentei-me em 1997, mas continuei trabalhando até 2004. Eu trabalhava na biblioteca. Sempre tive amor pelos livros. Se eu fechar os olhos lembro-me perfeitamente das seções principais onde se encontravam os livros respectivos aos assuntos. Tínhamos na biblioteca do Campus Centro em torno de 13.000 livros. A medida que os cursos foram sendo transferidos para o Campus Taquaral os respectivos livros iam sendo levados. Calculo que devem existir mais de 30.000 livros na biblioteca do Campus Taquaral. Sem contar o Campus de Santa Bárbara D`Oeste e o Campus de Lins. A biblioteca que pertenceu ao folclorista João Chiarini inicialmente foi para um depósito para ser cadastrada. Nesse mesmo deposito tinha muitos livros bem antigos. O pátio do prédio na Rua Boa Morte, a noite tinha que andar de lado de tanta gente. Depois que inauguraram Taquaral, Santa Bárbara.
LANÇAMENTO DO COMPLEXO TAQUARAL
A senhora leu muito?
Li e leio bastante. Comecei lendo filosofia. Adorei. Conforme ia chegando os livros, ia lendo. Tive a oportunidade de fazer muitos cursos que eram oferecidos pela universidade, todos voltados para o trabalho com os livros, inclusive Marketing Bibliotecário, Psicologia, com isso ia me aprofundando cada vez mais.
A qual a leitura que a senhora está se dedicando mais agora?
Estou lendo muito sobre religião por estar fazendo um curso a respeito. Sou católica, catequista e agora vou iniciar aulas de catequese para adultos. Há muitas pessoas que sequer são batizadas! Apesar de não ter podido estudar formalmente a vida foi uma escola que me ensinou.
Até hoje a senhora gosta de ler?
Gosto muito! Leio de tudo! Depois separo o joio do trigo.
Há muita técnica envolvida na manutenção de livros?
São necessárias uma série de procedimentos. Cada livro exige um tipo de cuidado em sua manutenção. Quando há traça tem ser passado o veneno próprio. O ideal é a dedetização. Na prateleira não se põe ela inteira cheia de livros, uma vez por semana, a cada quinze dias, você pega o livro e limpa, muda de lugar na estante. Vai limpando o lugar e o livro. Isso evita que a traça venha. Os livros muito antigos são mais delicados. Temos lá na biblioteca uma bíblia do século XIX. Ela fica quebradiça, é mandada para especialistas arrumarem, dá para ler, não fica muito bonito, mas recupera.
A senhora usa internet?
Uso! Acho que o livro digital não vai substituir o livro em papel. Hoje temos inúmeras obras na internet.
Por que dizem que o brasileiro não lê?
Há o fator custo, mas também não há interesse em ler. O pouco que lêem é em sua maioria leitura de consumo.
Qual é a melhor forma de incentivar a leitura?
Se o custo do livro for menor já ajuda muito. Na escola eles pegavam muitos livros na biblioteca. Às vezes a criança ainda não sabia ler, mas a mãe lia para eles. Os pais são responsáveis em incentivar a leitura. Pelo fato de que eu gosto de leitura, todos os meus filhos gostam de ler. A família deve motivar, com o passar do tempo a própria criança irá mostrar sua vocação para leitura.
Sob o ponto de vista da senhora qual é a importância do livro para a humanidade?
É uma estrada interminável. Uma casa sem livros é uma casa meio morta.
O Estado deveria ter uma política voltada para incentivar a leitura?
Acho sim. Lembro-me que em Piracicaba chegaram a fazer um ônibus que estacionava em determinados pontos e oferecia livros emprestados. (Atualmente no Parque da Rua do Porto, aos domingos pela manhã, são colocados livros para doação, assim como os jornais do dia para leitura no local). Eu tenho uma passagem bastante curiosa que aconteceu comigo e com o meu neto Ricardo, ele morava com a minha filha e sua família em São Paulo. Ele telefonou-me dizendo que não ia para a escola porque não sabia fazer a lição. Disse-lhe que pegasse o caderno, eu ia ditar e ele iria escrever. Disse que após escrever deveria ler umas dez vezes, porque se a professora perguntar ele saberia o que tinha escrito. Fui ditando, ele foi escrevendo. No outro dia ele foi para a escola. Na volta a mãe perguntou-lhe como tinha ido, ele disse que ia telefonar para a avó. Ele ligou todo eufórico dizendo: “- Vó! Tomamos dez!”. Hoje ele é adulto, tem um conhecimento geral muito grande, já morou em vários países.