Jogando Verdi para colher o Maduro

30/09/2025

Giuseppe Verdi não imaginava que sua ópera Nabucco atravessaria mares e séculos

para ser lembrada nas esquinas de Caracas. O maestro, lá no século XIX, afinava trompetes e

coros para cantar o drama de Nabucodonosor, rei da Babilônia que perdeu a coroa, a razão e

voltou humilhado aos seus súditos. Entre as árias, brilhou o coro dos hebreus, conhecido como

"Va, pensiero", "Va pensando", que virou quase hino da liberdade italiana. E lá estava também

a marcha triunfal, que fazia o público levantar como se fosse final de Copa.

Avançamos até a Venezuela, palco de outra ópera: Maduro e seus Generais. Nicolás

Maduro, herdeiro político de Chávez, dança no palco internacional entre a batuta da esquerda

e as vaias da plateia mundial. Seus violinos tocam socialismo bolivariano, mas desafinam

diante da inflação que faz a arepa custar mais que caviar. Ele se apresenta como regente

democrático, mas muitos críticos dizem que a orquestra só toca a partitura que ele escreve.

Do outro lado do Atlântico e do Caribe, entra em cena Donald Trump, tenor de voz

grave e cabelo barroco, que ao ouvir falar em esquerda bolivariana resolveu soltar trombones.

O pretexto? Narcotráfico. A sinfonia? “Operação Liberdade Caribenha”. Mas na verdade

parecia mais um ensaio de “jogar verde para colher Maduro”: sondar, pressionar, provocar

para ver até onde o regime resiste.

O coro americano entoava refrões de “restaurar a democracia”, enquanto Caracas

respondia com tambores de “soberania nacional”. A frota bélica dos EUA navegou pelo Caribe

como se fosse o balé militar da Marcha Triunfal. Canhões substituíram trompetes; porta-

aviões, os contrabaixos. A Venezuela, sem a mesma orquestração, reagiu com notas

desafinadas: “agressão imperialista, não passarão!”.

Trump chegou a evocar a cabeça de Maduro como prêmio, coisa que parecia saída de

libreto de ópera barroca. Mas o final não teve o terceiro ato explosivo: a invasão da Venezuela

ficou mais no campo da novela política do que nos campos de batalha. O enredo virou

folhetim: ameaça aqui, sanção ali, discurso acolá.

Dá para falar em confronto bélico real? Se fosse guerra, o libreto incluiria tanques,

caças, drones, mas também fome, refugiados e consequências colaterais para toda a América

do Sul. O Brasil, plateia da ópera, temia ser arrastado para o corredor do conflito. Afinal, a

novela não é apenas sobre petróleo ou cocaína, mas sobre influência: quem rege a orquestra

latino-americana?

No meio disso, a Marcha Triunfal de Verdi pode ser traduzida em palavras: “Avançai,

livres! Cantai, fortes! Que o futuro não se curva!”. Mas, no palco venezuelano, a marcha soa

mais como paródia: “Resistir, mesmo sem arroz; triunfar, mesmo sem papel higiênico”.

E a moral? Soberania não se canta apenas com trompetes. Democracia não se sustenta

só no discurso: precisa de plateia que não durma e músicos que não toquem playback. Jogar

verde para colher Maduro pode render manchetes, mas a lição da ópera é que impérios

passam, ditadores desafinam e o povo, mais cedo ou mais tarde, canta o Va, pensiero… nem

que seja no karaokê da esquina.

O final, em clima de cortina fechando:

“Liberdade, liberdade, ainda que parcelada em 12 vezes sem juros! Que o povo

encontre, mesmo entre ruínas, a sua terra prometida, de preferência com supermercado

abastecido.”

 

Walter Naime

Arquiteto-urbanista

Empresário.

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