Jogo sujo, lucro limpo!

23/07/2025

Num tribunal pacato, onde até os carimbos pareciam cochilar, um juiz austero chamou à sua

presença um senhor de terno impecável, cuja declaração de imposto de renda cheirava mais a mágica

do que a matemática:

No ano retrasado, o senhor declarou 10 milhões. No ano passado, pulou para 50 milhões.

Como explica essa façanha? Rugiu o magistrado, com a caneta em riste.

O homem, tranquilo como quem assiste ao pôr do sol, ajeitou a gravata:

Excelência, trouxe meu advogado para acompanhar os esclarecimentos.

Pode ficar, mas só o senhor responde! — disparou o juiz, batendo o martelo como quem

bate ponto.

Pois bem… — disse o velho, com um sorriso de quem já venceu o jogo. — Sou apostador

profissional. Ganhei tudo em apostas.

Apostador?! O juiz arregalou os olhos, entre a surpresa e o susto.

Isso mesmo. Quer uma demonstração? Aposto 100 reais que mordo minha própria orelha

direita.

O juiz riu. Era impossível.

Aceito! Disse, confiante.

O velho tirou “a ditadura” (prótese dentária) e mordeu a orelha com um click teatral.

Pagamento em espécie, por favor! Pediu, como quem cobra couvert artístico.

Constrangido, o juiz jogou a nota na mesa.

Agora dobramos! Disse o apostador, animado.

Aposto 200 reais que mordo meu olho esquerdo.

Mas sem tirar a dentadura! Advertiu o juiz, esperto agora.

Justíssimo, sem tirar a" ditaduradetoga"

Com agilidade de ilusionista, o homem arrancou o olho de vidro e o mordeu.

Obrigado pelos 200, doutor! Disse, guardando o prêmio no bolso.

O juiz começou a suar. O advogado tentava não rir, escondendo o rosto nas mãos.

Isso é puro blefe! Vociferou o magistrado.

Mas o velho não parou:

Última aposta: um milhão de reais. Tá vendo aquela lata de lixo a cinco metros?

Aposto que subo na sua mesa, mijo em pé e acerto a lata!

O juiz, já desconfiado, analisou a cena. Um de oitenta anos, com as pernas bambas, tentando

acertar uma lata de longe? Impossível.

Aceito!

O velho subiu na mesa do juiz, desembainhou a "arma" e soltou um jato dourado que

encharcou processos, sapato do juiz, o brasão da República e a mesa, tudo, menos a lata.

Trapaceiro! O senhor disse que acertaria a lata! Gritou o juiz, ensopado.

Nunca! Disse apenas que mijaria. A lata era só cenário, excelência.

O advogado descabelado desmaiou.

Tinha apostado com o cliente um milhão e duzentos mil que ele jamais teria coragem de urinar

na mesa de um juiz.

Com isso, o apostador pagou o juiz e ainda sobrou duzentos mil reais no lucro limpo.

O juiz teve que explicar o vexame ao Conselho Disciplinar, que encerrou com uma advertência

pedagógica:

Excelência, nunca aposte com idosos portadores de próteses.

Moral? Nenhuma. Apenas mais um capítulo tragicômico sobre o vício nacional das apostas que

hoje migrou das esquinas suspeitas para as plataformas digitais, com patrocínio milionário e promessas

sedutoras de enriquecimento rápido. Mas o truque é velho: ganha-se pouco, perde-se muito, e o

sistema sempre vence.

Apostar, além de contravenção quando informal, é combustível para lavagem de dinheiro e

manipulação. E mesmo nos modelos “legalizados”, muitos caem em ciladas psicológicas — a compulsão,

o autoengano, a esperança de virar o jogo sem jogar limpo na vida real.

É preciso informar, não iludir. Ensinar, não viciar. O apostador honesto se é que existe, deveria

apostar na educação financeira, na prudência, no esforço produtivo.

Mas, como se vê, poucos querem fugir dos espertalhões. A maioria, sem perceber, já apostou a

dignidade e está pagando juros.

E o pior: ainda sorri, achando que está jogando.

Querem apostar?  

 

Walter Naime

Arquiteto-urbanista e Empresário.

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