Soberania é uma dessas palavras de paletó: tem um ar solene, veste-se de Constituição e desfila em cúpulas internacionais. No fundo, é um conceito que se resume à dignidade de um Estado em dizer: “Aqui mando eu.” É o direito de um país tomar decisões sobre si mesmo, sem ser tutelado. Só que, no mundo em que vivemos, a soberania vive num eterno braço de ferro com o velho ditado: “quem pode mais, chora menos”.
A soberania deveria prevalecer no Estado com E maiúsculo, enquanto nação estruturada, com instituições sólidas, povo consciente e capacidade de se manter em pé, mesmo quando ventos geopolíticos sopram contra. Ela também exige sabedoria. Não se grita soberania com peito estufado e bolso vazio. Usá-la na hora certa é mais sobre estratégia do que bravata. É o cálculo de saber quando dizer “não” e arcar com as consequências.
Ela é de fato prevalente quando está acompanhada de independência econômica, segurança militar, confiança interna e diplomacia respeitada. Caso contrário vira soberania de papel, dessas que ardem fácil no calor de um embargo ou na pressão de um mercado que ameaça ir embora. E aí entra o “quem pode mais chora menos”. Esse é o lema não oficial das potências que tratam relações internacionais como partidas de xadrez com tabuleiro torto. Quem tem mais tanques, dólares ou influência chora menos e impõe mais.
Comparar soberania com o “quem pode mais” é quase injusto. Uma representa um ideal jurídico e moral; o outro é uma prática cínica e pragmática. A soberania é o que se espera num mundo justo. O “quem pode mais” é o que se faz num mundo realista ou brutal.
Nos dias de hoje, a soberania tem oportunidade de brilhar quando se apoia em alianças multilaterais, em fóruns internacionais, quando recorre ao coletivo para conter o individualismo imperial. Ela também se perde quando esses mesmos espaços são desprezados ou manipulados por quem tem mais poder. E a ONU que o diga, sofre calada ao ver suas resoluções rasgadas no conflito Rússia x Ucrânia, ou em Israel x Irã, onde a regra internacional é frequentemente ignorada por quem tem mísseis e não tem paciência.
No caso do Brasil, as imposições estrangeiras vêm embrulhadas em retórica de cooperação, ajuda, parceria. Muitas vezes são ordens disfarçadas de convite. E o Brasil, mesmo com seu tamanho, sua biodiversidade e seu peso regional, nem sempre está abastecido do arsenal político, militar ou discursivo que é necessário para exercer sua soberania com firmeza. Quando falta força, sobra prudência. E aí, o recurso é estratégico: se fazer de morto, virar o “João-sem-braço ” diplomático, dar o famoso “chá de sumiço” em negociações desfavoráveis.
Quando não há potencial de defesa, é preciso recorrer à astúcia. Executar a soberania silenciosamente através da cultura, pelo comércio diversificado, pelo discurso afinado. A arte é não bater de frente, mas também não ceder. O Brasil, por vezes, adota esse comportamento: finge que não entendeu a provocação, muda de assunto, enrola no cafezinho da diplomacia. É um jeito de preservar sua posição sem comprar uma briga que não pode vencer.
Há limites. Quando regras internacionais são violadas sistematicamente e as potências continuam agindo como se tivessem passe livre, o conceito de soberania perde sentido, vira fantasia. E nesse jogo, o desafio é escolher: resistir com o que se tem, ou ceder esperando tempo melhor.
A soberania, portanto, é como um guarda-chuva: funciona bem se não for dia de tempestade nuclear. Ela deve ser usada mas com consciência. Porque quem grita “soberania!” sem ter com o que sustentá-la, acaba falando sozinho. E quem impõe o “quem pode mais” sempre espera o silêncio dos outros. O desafio está em encontrar meios de falar mesmo que baixo sem ser calado.
No fim, entre a soberania formal e o poder real, está a política como arte de equilibrar dignidade e sobrevivência.
A parte econômica e comercial deve ser negociada, como está sendo, porque a política é inegociável.
Walter Naime
Arquiteto-urbanista
Empresário.