Maria Natalina da Silva Barbosa e seu irmão Luiz Pedro Cardoso da Silva nasceram em Miracatu. Pouco tempo depois a família foi morar em Chavantes, onde começaram a trabalhar ainda muito jovens e seguiram caminhos distintos. Maria Natalina passou a morar em São Paulo, onde exerceu uma das profissões mais valorizadas da época, que tinha muito glamour e importância. Tornou-se Telefonista, aprendeu a trabalhar com os intrincados sistemas de conexões, fios e pinos e chavetas. As ligações telefônicas não eram automáticas. A precariedade do sistema telefônico, obrigava o usuário muitas vezes esperar horas para conseguir a ligação. Um ambiente de muita tensão, onde as telefonistas tinham que manter a calma, delas dependia a ligação telefônica e o ambiente mais agradável possível. Muito jovem, casou-se com um soldado da Força Pública, mais tarde Cabo da ROTA.
Seu irmão Luiz, entrou no ramo de Construção Civil, trabalhando inicialmente como servente, até galgar postos de confiança em grandes empreiteiras. Participou da construção de obras majestosas, como a Rodovia dos Imigrantes, Rodovia Airton Senna, obras ferroviárias, portuárias, grandes represas. Percorreu boa parte do país, sempre na construção de infraestrutura.
Após aposentarem-se, mudaram-se para uma chácara em Piracicaba, onde tem como lazer cultivar frutas, hortaliças e acolhem cães que aparecem feridos e famintos.
Maria Natalina da Silva Barbosa nasceu a 4 de janeiro de1948, é natural de Miracatu, região do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo. É filha de Júlio Cardoso da Silva e Madalena Marinella da Silva. Maria tem dois irmãos: Joana da Silva Neves e Luiz Pedro Cardoso da Silva. Em Miracatu estudou até a antiga quarta série primária.
A senhora morou em Miracatu até que idade?
Quando eu estava com 13 anos a nossa família mudou-se para Chavantes que é um município do Estado de São Paulo, próximo a Ourinhos, na divisa do Estado de São Paulo com o Estado do Paraná. (Sua população estimada em 2014 era de 12.482] habitantes). O meu pai foi para lá transferido pela empresa em que trabalhava, a CBPO- Companhia Brasileira de Projetos e Obras, que construiu a Rodovia Régis Bittencourt, a BR-116, que liga São Paulo a Curitiba. Tanto a família do meu pai como a da minha mãe são de Miracatu. Meu pai trabalhava na área de segurança da empresa.
Em Chavantes a senhora trabalhava em que local?
Trabalhava na Santa Casa de Misericórdia de Chavantes. Eu era muito nova, mas não escolhia o tipo de serviço para fazer. Naquela época todos já começavam a trabalhar ainda muito jovens, e não recusavam trabalho. Lembro-me de um acidente feio que ocorreu na BR-116, foi no dia 15 de março de 1963. Dois caminhões colidiram-se na ponte, um deles ia para Ribeirão Claro, para a Usina Hidroelétrica de Chavantes. Lembro-me de detalhes das pessoas que morreram, eu tinha 15 anos de idade!
A senhora tinha feito algum curso de enfermagem?
Fiz o aprendizado prático com as freiras. Na época era uma cidade de difícil acesso a cidades maiores, tudo era mais restrito: as estradas, os meios de locomoção. Tínhamos que dispor daquilo que existia no momento e muitas vezes esperar por milagres! Em um quadro da época na Santa Casa de Chavantes, tinha os dizeres: “A medicina realiza os seus prodígios e a fé realiza os milagres”. Eu comecei pelo básico, sob a orientação das freiras, aprendi no dia a dia! A madre superiora era a Irmã Glória. A Irmã Dina cuidava da enfermaria, a Irmã Melânia, argentina, dedicava-se mais aos cuidados emocionais e espirituais do hospital. A Irmã Elizabeth cuidava mais da dieta dos pacientes e da cozinha.
Os médicos eram de lá mesmo?
Sim! Eram o Dr. Wanor e o Dr. Leonel. Ali eles faziam de tudo! Cirurgias, cesariana se fosse o caso, parto. As Irmãs faziam muitos partos, principalmente a Irmã Dina e a Madre Superiora Glória. Se houvesse alguma intercorrência, Dr. Wanor e Doutor Leonel eram acionados.
A senhora permaneceu por quanto tempo trabalhando na Santa Casa de Misericórdia de Chavantes?
Fiquei de 1962 a 1966.
Nessa época a senhora já estava mocinha!
Naquele tempo se emancipava depressa. Atualmente menina de 12 a 13 anos são meninas ainda! Antigamente com essa idade já éramos donas de casa, ajudando nossos pais. Na Santa Casa trabalhava das 6 horas da manhã até às sete horas da noite, trabalhava fim de semana, só tinha uma folga de quinze em quinze dias. Não tinha registro em carteira, não tinha nada! Só que estava trabalhando, ganhando para poder ajudar os pais.
E o fato de acompanhar a evolução dos pacientes, cria uma relação de apego?
Sim! O fato de passar a conhecer todo mundo, cria um círculo de amizade. Eu trabalhava com pacientes da clínica geral, maternidade e infantil.
Profissionalmente qual foi o próximo passo da senhora?
Prestei um concurso para ingressar na Companhia Telefônica Brasileira, a CTB! Fui aprovada, mas não tinha vaga nas cidades próximas, como Ourinhos por exemplo. Com isso, vim para tentar conseguir uma vaga na cidade de São Paulo. Eu trabalhava e morava na casa de uma família conhecida.
Prestei concurso novamente, agora em São Paulo, na CTB, que ficava na Rua 7 de Abril, no centro de São Paulo. Era um prédio muito imponente, ficava próximo ao Edifício Copan.
Como foi a reação da senhora, de sair de uma cidade pequena e vir morar em uma cidade enorme como São Paulo?
No início é natural encontrar algumas dificuldades, mas com o tempo vamos nos acostumando. Formam-se novas amizades, passamos a ter domínio de como se locomover. Minha amiga, Neusa, tinha três filhos. Ela morava no bairro Pompéia.
Ao ingressar na Companhia Telefônica Brasileira, a senhora teve algum curso de treinamento para o serviço?
Tive um curso de aproximadamente um mês, para treinamento como telefonista. Sem falsa modéstia, posso dizer que na época eu tinha muita agilidade para calcular números, e sempre fazia corretamente. Nós tínhamos que calcular o tempo de duração em minutos usados quando a pessoa estava falando, multiplicado pelo valor de cada minuto.
Tinha alguma máquina para calcular essa contagem de valor de cada minuto e duração da chamada?
Não tinha nada! Era a telefonista que tinha que calcular usando seus conhecimentos de matemática!
Quantas cabines telefônicas individuais existiam na Rua 7 de Abril, em São Paulo?
Tinha muitas cabines, 40 delas eram cabines dedicadas para o 197, prefixo que atendia a Baixada Santista. O prédio da CTB era enorme, ia da Rua 7 de Abril até a Rua Basilio da Gama.
No tempo em que trabalhei, havia cordões e pinos, as ligações telefônicas eram através do encaixe do pino no terminal correto, chamado de “pegas”. Isso tudo manual. Tinha que ter agilidade e habilidade. Cada cidade tinha uma sigla, já tínhamos decorado. As ligações de uma cidade eram feitas para a telefonista de outra cidade, havia casos como ligar de Chavantes para São Paulo, nesse caso não havia linha direta para São Paulo, tinha que ligar de Chavantes para Ourinhos e de Ourinhos para São Paulo, assim a pessoa de Chavantes conversava com a pessoa de São Paulo.
Qual era o tempo de demora para completar essas ligações?
Havia um tempo estimado de duas a três horas, avisávamos o solicitante o tempo de espera, geralmente a pessoa saía, ia fazer qualquer outra coisa e voltava no tempo estimado. Na telefônica tínhamos cabines de madeira, individuais, uma ao lado da outra, havia uma porta sanfonada, de tal forma que permitia alguma privacidade e conforto ao usuário. As ligações nem sempre eram com a voz clara e alta, com isso alguns erguiam o tom da voz.
Quando completávamos a ligação chamávamos o solicitante: “Sr. José da Silva, ligação para Santos, cabine 6!”. A partir do momento em que inicia a conversa até o fim, anotávamos o tempo de duração da ligação e calculávamos a tarifa. Geralmente as ligações eram curtas em função do custo. tínhamos também a figura do mensageiro ou estafeta, que levava os recados, ou fonogramas, que eram uma espécie de telegrama, mas mais rápido do que enviar pelo correio.
As emergências eram consideradas?
Sim, havia prioridades no caso de notícias urgentes, como falecimento, doença, todos os casos em que pleiteavam emergência eram analisados e atendidos. Em localidades muito pequenas, em que a telefônica não funcionava a noite inteira, a telefonista às vezes se levantava de madrugada para atender alguma emergência. Naquela época, não só a comunicação era difícil, mas os meios de transportes eram difíceis. O trem era um dos principais meios de locomoção a longa distância, mas demorava. As estradas e os veículos não ofereciam a rapidez e o conforto atual.
Havia ligações telefônicas internacionais?
Sim! Em sua maioria era para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Também para Portugal e Itália havia mais chamadas. Geralmente tinha um intérprete da própria Companhia Telefônica. Era uma ligação que ficava cara, só que era tudo sucinto, falavam rapidinho. Havia poucas linhas para a demanda que era grande, tínhamos que atender a todos. As casas não tinham telefone, era muito raro alguém ter uma linha telefônica na sua casa. Só as famílias muito ricas é que possuíam telefone. Girava a manivela, a telefonista atendia, pedia para ligar por exemplo para o número 106, que era da casa onde queria falar. A telefonista completava a ligação e falava-se normalmente.
Em meados da década de 70, na vizinha cidade de Tietê, algumas casas ainda dispunham desse sistema!
Quando trabalhei na Santa Casa de Misericórdia de Chavantes, o telefone era acionado por manivela!
A senhora permaneceu por quanto tempo na Companhia Telefônica em São Paulo?
Fiquei por cinco anos! Em 1969 eu me casei, meu marido era militar da antiga Força Pública.
Na época as telefonistas tinham o charme parecido com o das aeromoças! Como a senhora conheceu o seu marido?
Ele era meu primo distante, em segundo grau de parentesco. Eu mesma não o conhecia! O seu nome era Deoclides Rocha Barbosa, o PM Rocha. No falecimento da minha avó, em 1968, nós fomos para Miracatu.
Voltando ao seu trabalho como telefonista, havia uma lenda de que as telefonistas sabiam de tudo que acontecia nos bastidores da cidade. Isso é só lenda?
Dois fatores envolvem essa questão: sob o aspecto técnico, tínhamos que ouvir a pessoa falando, para saber se estava na linha. Sob o aspecto da ética, tínhamos que ouvir o suficiente apenas para saber se estava tudo bem tecnicamente. Portanto, usando o princípio ético, não cabia a telefonista acompanhar a conversa alheia. A meu ver talvez, com raras exceções, o imaginário popular criou essa atmosfera em torno da telefonista.
Quando a pessoa estava falando, ficava acesa uma luz, no painel, só que as vezes a luz apagava, mesmo a pessoa falando, então entrávamos na linha e perguntávamos: “Continua falando?”. Naquela época os equipamentos não tinham o nível de confiabilidade que existe hoje. Se a pessoa respondesse que estava ainda falando, dizíamos: “Obrigada!” e saíamos da linha.
Vocês almoçavam lá mesmo?
Sim, tínhamos o nosso refeitório!
A senhora casou-se em qual igreja?
Nos casamos na Capela Santo Expedito, na Rua Jorge Miranda. Fica junto ao Quartel da ROTA- Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Tivemos dois filhos: o mais velho que vai fazer 53 anos, o Deoclides Rocha Barbosa Júnior e a Patrícia Renata da Silva Barbosa. Tenho três netos: a mais velha tem 30 anos, chama-se Angélica Nascimento Barbosa, depois o Vitor Nascimento Barbosa, com 25 anos, o terceiro neto é Isaac Mar Barbosa. A Sofia Rafaela Zamboni, tem 6 anos, e tem um menino que vai chegar em julho, é o Bernardo.
Depois que a senhora se casou, saiu ou continuou na Telefônica?
Trabalhei até 1971, quando engravidei. Naquele tempo a legislação trabalhista não contemplava a mulher com os direitos que ela oferece hoje. A primeira pergunta que me fiz foi: Com quem eu vou deixar esse nenê? Eu morava no antigo Parque Modelo, próximo ao Barro Branco, onde está a Academia Militar. Subindo vai para a Cantareira. Era na Avenida Santa Inês, na época um sossego muito bom, hoje um trânsito muito grande. Cheguei a pegar o final do Trenzinho da Cantareira, eu ainda era noiva do meu marido. Esse trem tinha um ramal que saía para Jaçanã, imortalizado na música de Adoniram Barbosa.
Existe a Estação Adoniram Barbosa?
Se não demoliram, existe a Estação Adoniram Barbosa. O trem saía lá da Cantareira, perto do Mercado Municipal de São Paulo, seguia pela Avenida Voluntários da Pátria, passava pela Estação do Mandaqui, passava na Estação da Invernada, ai ele pegava o ramal para o Tremembé, lá embaixo, perto do Carandiru ele ia para o Jaçanã. Onde hoje é a Avenida Guapira.
O marido da senhora foi para a Força Pública, que passou a ser a Polícia Militar?
Exatamente! Por volta de 1972 ele foi para a ROTA, foi um dos primeiros a servir na ROTA. Lá ele permaneceu por uns dois ou três anos. Aí ele foi para a RONDA no Tatuapé, a seguir foi para a 31ª Companhia na Conselheiro Carrão. Ele era Cabo.
A senhora ficava com o coração na boca cada vez em que ele ia trabalhar?
Infelizmente foi um período muito triste, muitos inocentes perderam a vida de forma banal.
A senhora conheceu o Guarda Luizinho (Luiz Gonzaga Leite)?
Conheci de vista! Ele ficava na esquina do Mappin, na Rua Xavier de Toledo. Motoristas e pedestres que passavam por ali ficavam admirados com a pedagogia aplicada pelo Guarda de Trânsito PM Luizinho. Quando um veículo parava em cima da faixa de pedestres, no sinal vermelho, ele com delicadeza, convidava o motorista a descer do carro e os pedestres passavam por dentro do mesmo, atravessando a via. Outras vezes o pedestre não tinha paciência e queria atravessar com o sinal vermelho para ele, o Luizinho delicadamente conduzia o mesmo de volta para a calçada de onde tinha saído.
A senhora usou muito o bonde em São Paulo?
Usei mais o ônibus, inclusive o trólebus, que era um ônibus, movido por energia elétrica aérea. A energia vinha por fios elétricos suspensos no leito carroçável e através de um sistema existente no teto externo superior do veículo, duas hastes impulsionadas por uma mola deslizavam pelo fio energizado. Ele fazia o percurso do Mandaqui até o centro da cidade. Esse tipo de ônibus existe até hoje em São Paulo, é conhecido como ônibus elétrico. Na época, quando ele chegava próximo a Rua Conselheiro Crispiniano, as hastes saiam do local correto, e o trólebus parava. O cobrador descia, e colocava a haste em seu lugar, manobrando um cabo que não passava corrente elétrica. Pacientemente os passageiros esperavam! Isso acontecia também na Zona Norte, perto do Supermercado Pastorinho. Nem bem o cobrador arrumava e a haste caia novamente!
A Senhora morou em São Paulo até que ano?
Até 2021, vim para Limeira, perto da minha filha. Após uns seis meses, o Luiz, meu irmão, também veio para Piracicaba e a princípio eu queria morar na cidade, ele pretendia morar em uma chácara. Após algum tempo, encontramos a chácara que ele tanto queria, no Bairro Campestre. E aqui, graças a Deus, vivemos bem. Temos uma excelente amizade com os vizinhos.
Aqui vocês estão na cidade e ao mesmo tempo estão com sossego!
Exatamente!
Hoje Maria Natalina e seu irmão Luiz Pedro Cardoso da Silva, dividem o mesmo teto. Em uma casa confortável, ampla, cultivam plantas e flores, estão cercados de amigos. Tanto os humanos como os adoráveis cães que mostram o amor pelos dois irmãos que os acolheram e abrigaram. O mimo é tão grande, que uma cachorra de médio porte, apareceu bastante machucada. Com muita paciência e dedicação ela foi tratada e curada. Era arredia, assustada. Ao receber tanto carinho, hoje tem uma cama especial feita para ela, espaçosa, na sala de televisão! É lá que ela gosta de ficar. É possível ver algo não muito comum em cachorro: o avô, o papai e o neto!
E você, Luiz? Você é natural de qual cidade?
Nasci em Miracatu, eu era bebê quando os meus pais mudaram para Chavantes. Nasci em 19 de outubro de 1954. Cursei o primário no Grupo Escolar Manoel Ferreira, depois o ginásio no Colégio Estadual Ernesto da Fonseca. No ginásio já estava naquela idade de estudar, trabalhar e ajudar os pais. Comecei trabalhando em um bar, o “Barra Limpa”. E tinha um grande movimento! Eu tinha menos de 18 anos, mas parecia até o patrão! Ele deixava o bar na minha mão e dos filhos dele, que só jogavam bola! Por quatro anos fiquei no “Barra Limpa”. Eu estava com uns 19 anos de idade. Nós morávamos em uma região isolada, denominada de Acampamento da CBPO. Ficava na divisa entre São Paulo e Paraná. Aí nós mudamos para o Paraná, em uma região em que só tinha casas, a recreação era cinema, tinha que pegar ônibus para estudar. Eu ficava em Chavantes, trabalhando e estudando lá, ficava na casa do patrão ou na casa da minha irmã. Meus pais mudaram-se para Ribeirão Claro, onde fiquei morando com eles. Nessa época comecei a fazer um Curso Técnico Comercial, fui trabalhar como contínuo em uma agência do Banco Bamerindus. Comecei a estudar a noite e trabalhar no banco. Chegou a um ponto em que o banco já não dava o retorno financeiro necessário.
O que o senhor fez?
Saí do banco, onde era contínuo, e fui trabalhar como servente na CBPO. Saía as cinco horas da manhã, no caminhão que tinha um toldo na carroceria, ia todo mundo sentadinho, íamos trabalhar na obra do núcleo da CESP – Centrais Elétricas de São Paulo. Eu trabalhava como servente. O fato de eu ter trabalhado no bar me fez muito conhecido. Eu jogava bola. Era goleiro! Isso em futebol de salão. Fiquei uns seis meses carregando concreto e o cimento me dá alergia. Um amigo, que Deus o tenha, disse-me: “- Você vai trabalhar dentro do escritório comigo!” Disse-me que eu tinha a letra boa, tinha conhecimento, era comunicativo.” Assim fui trabalhar no apontamento de mão de obra. Comecei a trabalhar com um pessoal paralelo a CESP, conheci mais pessoas. Fazia essa vida de pegar o caminhão às cinco horas da manhã e voltar às seis horas da tarde. A nossa marmita ia pelos caminhões, eles pegavam nas casas e levavam. A marmita era um pequeno caldeirãozinho! Uma linguicinha, um ovinho, que a mãe mandava, um lanche, comia tudo! Nossa pega, era braçal né!
A empresa não dava nada?
Não dava nem EPI – Equipamento de Proteção Individual. Era chapéu, seu sapato, sua calça, sua camisa. Nem luvas eles davam! Nem protetor auricular era dado!
Mudou muito, hoje o operário é tratado a pão de ló perto daquela época!
Hoje o funcionário é feliz! Nós éramos muito unidos, esquentávamos a marmita em cima de uma chapa de ferro, com areia, colocávamos fogo embaixo, ficava esquentando e um de nós ficava cuidando, Esse que cuidava já ia buscar água no corote de madeira em alguma mina de água. Não bebíamos água filtrada! Íamos distribuindo água, na hora do almoço, após o almoço. Sempre com a canequinha, principalmente embaixo do sol. E como trabalhávamos! Aí que eu comecei a trabalhar dentro do escritório. Comecei a jogar bola pelo time do escritório! O nosso time chamava-se COBRAPI – Companhia Brasileira de Projetos Industriais. Terminamos aquela obra. Essa empresa me segurou e disse-me: “Você vai para a Rodovia dos Imigrantes, primeira pista” , isso foi em 1973/1974. Era a primeira pista da Rodovia Imigrantes. Onde o filho chorava e a mãe não via! Ali era tudo mato. Só tinha a Via Anchieta. Começamos fazendo a via de trabalho, para poder chegar o material e a mão de obra até o destino. Foram construídos os refeitórios, o alojamento, ambulatório médico, escritório, naquele lugar trabalhavam várias empresas. Perto do Jabaquara era a Constran, depois era a Mendes Júnior
, a CBPO, Andrade, Better, Camargo Correa, e lá embaixo, na baixada tinha outra empresa. Cada trecho era construído por uma empresa. A nossa empresa construía túneis e viadutos. Descíamos no quilômetro 40 da Via Anchieta e seguíamos em uma Kombi. Quando chovia, nem ia trabalhar. O funcionário morava no alojamento 30 dias, com chuva, sol, neblina. Comecei a trabalhar lá, morava em um quarto em comum com 10 “peões”, como eram chamados os trabalhadores braçais.
A distração era jogar baralho?
Jogar baralho e beber cachaça! Domingo não tinha nada para fazer, não tinha uma igreja para ir, do quilômetro 40 até São Bernardo do Campo era longe. A pé não ia, kombi na época para esse fim não tinha, com o correr do tempo, as coisas começaram a melhorar e eles colocaram ônibus. Era um de manhã e outro a tarde. Não adiantava nada. Tinha gente que trabalhava de segunda a sábado, no domingo estava exausto. A medida que a obra ia prosseguindo, foram implantados futebol, jogo de sinuca. Tinha a hora de lazer.
Dava para avistar Santos, a praia, do local onde vocês estavam trabalhando?
Dava sim! Quando não tinha neblina! Lá de cima dava para ver a noite tudo iluminado! É uma vista linda! Quem tinha carro descia para Santos, São Vicente, Praia Grande, Cubatão. A Praia Grande em 1970 era cheia de turistas e não tinha recurso nenhum. Esgoto a céu aberto. Em 1972, 1973 você descia pela Anchieta, e para subir? Ficava na Anchieta 4 ou 5 horas só para chegar no alojamento onde eu morava. Com isso nem saía.
Como era o relacionamento pessoal no acampamento?
Eu passei a trabalhar no setor de Folha de Pagamento. Em dia de pagamento, chegava um carro forte da Brinks, os trabalhadores faziam uma fila enorme para receber. O valor a ser pago para cada funcionário vinha envelopado. Havia uns guichês improvisados, segurança armada, esse local existe até hoje, abandonado é claro. Ali era a moradia de aproximadamente 3.000 homens.
Então o volume de dinheiro era muito grande!
Era grande! Naquela época não tinha cartão magnético. Era tudo em dinheiro. Tinham alguns que sumiam. Descobríamos que estavam presos em Cubatão, Santos! Gastavam mais do que podiam, outros faziam arruaça… Cansamos de ver essas situações. Tinha pessoas de praticamente todos os Estados do Brasil!
Como era feita a triagem desse pessoal?
Era muito difícil, a falta de um único Registro Geral (RG), para o Brasil todo dificultava a identificação. Uma pessoa podia mudar tudo de um estado para outro. Teve caso de a polícia ir até o acampamento e prender a pessoa por ter cometido algum delito em outro Estado. Com o tempo adquiria-se experiência. Quando satisfeitos, os empregados que lá trabalhavam, acabavam chamando um irmão, um tio, até mesmo quase a família toda para trabalhar também! Quando íamos dar o alojamento, procurávamos mantê-los juntos. Não chegamos a ter conhecimento de briga entre eles.
E os aventureiros?
Esse pessoal desertado da vida, tínhamos que colocar em outro canto.
O controle sobre esse pessoal tinha que ser muito eficiente?
Tínhamos que impor uma disciplina quase semelhante a de um presídio! Além dos riscos do próprio trabalho, o terreno acidentado, qualquer negligência poderia ser fatal. O alojamento tinha a entrada controlada por 24 horas, era cercado para impedir saídas fora da programação, assim mesmo, era difícil controlar a criatividade de alguns.
Havia serviço religioso?
Não tinha. Mais tarde é que apareceu um espaço reservado, onde em horários pré-determinados eram realizados serviços religiosos de acordo com a crença de cada grupo de pessoas. Era um ambiente neutro, sem nenhum simbolismo, isso o tornava ecumênico. Em 1975 fui transferido para o Paraná.
Para que localidade?
Fui para Sertanópolis, próxima a Londrina. Fui trabalhar na Bacia de Inundação da Usina de Capivara, na divisa do Paraná com São Paulo. O serviço era no Rio Paranapanema. Fizeram uma represa para gerar energia nessa região, chamada Usina Capivara. Na empresa que eu trabalhava para fazer a ponte no desvio do Rio Tibagi que ia ser inundado, fizemos todas as obras de infraestrutura como estradas, pontes, antes de inundar a área. Quando a água foi represada, houve a inundação programada, e estava tudo pronto! Lá eu permaneci por um ano. Voltei para a Rodovia dos Imigrantes, para o mesmo lugar, Km 40! A obra tinha sido concluída, precisava fazer a desmobilização. De Sertanópolis eu vim para a Avenida Paulista,2.240, onde ficava o escritório da empresa, no Edifício Oscar Americano. Em seguida fui para a Imigrantes. Concluída a desmobilização, voltei para a Avenida Paulista. A seguir fui para o “Cebolão”. O nome oficial é Trevo-32. É onde ocorre o encontro do Rio Tietê com o Rio Pinheiros. Uma via sai na Rodovia Castelo Branco, outra na Marginal Pinheiros e outra via na Marginal Tietê. Ali fiquei perto do Departamento de Estradas de Rodagem, na Vila Leopoldina. Fiquei uns tempos ali. Quando acabou voltei para o Sul do Paraná.
Para onde você foi?
Fui para Guarapuava. A obra era na Usina Hidroelétrica da Copel. – Companhia Paranaense de Eletricidade. Era um frio! Lá que eu vi neve. Tinha 5.000 homens trabalhando na construção da Hidroelétrica. Na parte de escritório, enfermaria e refeitório tinha mulheres trabalhando.
O fato de ter homens e mulheres trabalhando em um canteiro de obras não era problemático quanto ao alojamento?
Tinha uma área, semelhante a um condomínio fechado, onde elas tinham o seu espaço, ali ficavam também as casas dos engenheiros, pessoal técnico e suas famílias. Tinha uma cidade denominada Faxinal do Céu, lá tinha tudo: supermercado, igreja, clube. Mesmo o pessoal braçal casados, moravam lá. Só os solteiros moravam no alojamento. Em 1975 teve uma grande geada que dizimou com o a plantação de café no Paraná. Inclusive até fizemos uma música alusiva ao fato “ A Grande Geada”, o compositor era meu amigo, o Domingos Salatin. A empresa fornecia alimentação, recreação, farmácia, tinha padre, pastor, igreja, tinha até cadeia! Era uma cidade planejada!
Qual era a empresa responsável pela construção dessa represa?
Era a COPEL e a CBPO. Eu comecei a trabalhar na CBPO, com o tempo fui crescendo dentro da empresa, estudando, fazendo cursos. Passei a ser conhecido dentro empresa. Conforme a tarefa, havia a indicação da pessoa com capacidade para realizá-la.
Qual foi a próxima obra para a qual você foi?
Fiquei em São Paulo, onde fizemos o planejamento da Rodovia Airton Senna. Ela sai de São Paulo e segue até São José dos Campos. O nome original era Via Leste, depois é que foi colocado o nome de Airton Senna. Ali permaneci até 1982, quando vim para Sorocaba. Trabalhei na variante da FEPASA, que foi até a Serra. Para descer a Serra em direção ao Porto de Santos, ela era contornada. Da FEPASA fui para São Vicente para subir a Serra, pela mesma FEPASA. O escritório da FEPASA era próximo a Avenida Ana Costa, em Santos. Eu ficava lá em Icaraí, Mangue, perto do presídio. Ali passava um trem, nós mandávamos marmitas para o pessoal que estava trabalhando na Serra. Certa vez ocorreu um acidente grave, tive que subir, a pé, em marcha acelerada parte daquela Serra. Os meios de comunicação eram precários, o rádio individual não funcionava regularmente.
Você presenciou acidentes graves em obras na Serra?
Ocorreram vários acidentes fatais. Nessas horas eu era mobilizado para tomar as providências cabíveis. A segurança em trabalho estava começando a ser implantada. Muitas vidas foram perdidas até chegarmos aos níveis de hoje.Naturalmente as obras oferecem riscos, em um local hostil, de mata fechada, os riscos aumentam muito. Atualmente há uma conscientização maior tanto por parte da empresa como por parte dos trabalhadores, que no início eram displicentes e até mesmo contra o uso de EPI, achavam aquilo tudo desnecessário.
Você passou por situações no mínimo chocantes?
Exatamente! E era determinado para coordenar a solução que havíamos encontrado nesses casos, muitas vezes chocantes.
Já andei por esse Brasil todo, sempre a serviço, estive no Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Maceió, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Eu parecia dono de circo! Depois de 20 anos de empresa saí da CBPO, fui para a a Odebrecht. Conheci, entre eles o Marcelo. Eles ficavam na Avenida Paulista. Atualmente o escritório deles é Marginal Pinheiros. O fundador da CBPO foi Oscar Americano, falecido em 1974. Tinha um filho chamado Oscar Americano Filho e Luisa Americano, além de outras três filhas. Não sei se estão vivos ainda.
Luiz, você tem uma visão prática de muitas regiões do Brasil, por que algumas delas são pouco desenvolvidas?
É uma questão complexa e de difícil solução. Há vários fatores, um deles é o clientelismo político, ao qual parte da população adere, por desconhecimento, por acomodação. Os que não se enquadram nessa regra, tornam-se excelentes profissionais. Chegamos ao ponto de ter que buscar mão de obra em outras regiões, diferentes daquelas em que estávamos trabalhando.
Luiz, você casou-se?
Casei-me em1978 em Santos. Tenho um filho, Júlio Cardoso da Silva Neto, de 45 anos, ele mora em Santos junto com a mãe dele, e a minha filha Juliana da Silva Cardoso Vilella, casou-se com Rodrigo Vilell, e tem dois filhos: Heitor Vilella e Artur Vilella.
Telefone antigo
Central Telefonica de Grande Porte
Cia Telefônica de Jundiaí por dentro, já na década de 1960(Foto Janczur)
Central Telefônica de Pequeno Porte
Telégrafo
Capela Santo Expedito (SP)