Hoje temos a honra de entrevistar uma personalidade que é, sem dúvida, uma fonte de inspiração para muitos. Com uma mente brilhante e uma capacidade intelectual notável, nosso convidado se destaca em diversas áreas, sempre buscando novos desafios e ampliando seus horizontes. Além de sua agudeza mental, ele mantém uma forma física admirável, demonstrando que a disciplina e o comprometimento são fundamentais tanto para o corpo quanto para a mente. A influência da cultura japonesa está presente em muitas cidades do Brasil. O Professor Abe concedeu uma entrevista de cerca de seis horas para o Jornalista Fernando de Morais, por volta do ano 2.000, que publicou o livro “Corações Sujos”.
Curiosamente, sua presença e estilo nos lembram o icônico Sr. Miyagi (Nariyoshi Miyagi), interpretado pelo ator Pat Morita. O cabelo do Sr. Miyagi é grisalho e geralmente é visto preso em um coque ou em um estilo mais despojado, com uma bandana que ele usa na cabeça. Esse visual reflete a sabedoria e a tranquilidade do personagem, além de ser um elemento icônico que contribui para sua imagem de mestre de artes marciais. Assim como o personagem, nosso entrevistado é alguém que valoriza a perseverança, a resiliência e a busca contínua pelo autoconhecimento. Prepare-se para uma conversa rica e inspiradora, onde exploraremos suas experiências, desafios e a filosofia que guia sua jornada.
Quando foi lecionar para um público muito jovem que eram alunos do Curso vestibular do Anglo, o Professor Abe, para aproximar-se mais dos alunos, principalmente pelas diferenças de faixa etária entre ele e os alunos, ele decidiu adotar um visual mais arrojado, e assim adotou os cabelos em forma de coque, tornando-se muito semelhante ao Sr. Miaggi. Foi um sucesso com os alunos, fruto de uma psicologia acertada. Ele não contava, contudo, em ser confundido com o ator que estava no seu auge, a ponto de tornar-se uma celebridade, com muitos fãs querendo tirar fotografias e pedindo autógrafos, o que ele com sua sabedoria encarou com leveza e paciência oriental, sem, contudo, deixar que a fama do protagonista do filme o contagiasse. Recusou diversas ofertas para ser “garoto propaganda”; sua ética não permitia.
O Professor Universitário Shiguemizu Abe tem excelente oratória e uma voz possante. Observo e comento essas características, ele confirma: “Eu dava aulas em uma classe do Curso de Direito, para 120 alunos, sem o uso de microfone!”. No Brasil, infelizmente, é comum em muitos cursos de nível superior, a evasão escolar, pelos mais diversos motivos. Um curso com 75 alunos, pode chegar ao seu término com 30 a 35 formandos. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), a taxa de desistência acumulada até 2021 atingiu 39% nas faculdades federais e 59% nas privadas.
Professor Shiguemizu Abe, qual é o nome dos seus pais?
Meu pai é Yutaka Abe e minha mãe Tisako Abe, eles tiveram três filhos: meu irmão Toyofiça Abe, médico, minha irmã Toshiko Abe e eu!
Você é natural de qual cidade?
Sou nascido em Araguari, Minas Gerais, no denominado Triangulo Mineiro! Nasci no dia 19 de janeiro de 1936.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu pai era engenheiro topógrafo. De 1940 até o seu falecimento, ele trabalhou como engenheiro. Meu pai e a minha mãe vieram do Japão, como imigrantes. Desceram no porto de Santos, de lá vieram para o interior de São Paulo, nas proximidades de Lins. Como era comum aos imigrantes na época, dirigiram-se a uma fazenda, para trabalharem. Houve um período de adaptação aos costumes e culturas diferentes, sendo que com o decorrer do tempo ele passou a exercer a profissão de engenheiro. No início, até mesmo a alimentação era muito distinta da conhecida no Japão. Uma das grandes barreiras no início era a linguagem. Meu pai tinha mais facilidade para estudar, ele tinha feito Agronomia no Japão. Para aprender a língua portuguesa ele lia a Bíblia em japonês e traduzia em português. Assim, ele acabou aprendendo o português, através da Bíblia! Com isso ele dominou o idioma desconhecido e passou a adquirir novos conhecimentos. Ele sabia até análise sintática! Imagine! A geração nova nem aprende isso mais! Possivelmente deve ter saído da grade de ensino escolar!
Que idade você tinha quando saiu de Araguari?
Com mais ou menos cinco anos de idade, eu vim para Oswaldo Cruz, localidade situada no Estado de São Paulo, onde havia apenas duas casas. A cidade de Oswaldo Cruz, nós praticamente vimos crescer, até tornar-se município, comarca. Quando chegamos, havia apenas um hotel e uma casa de um cidadão. Nós ficamos no hotel até que fosse construída a nossa casa. Na época, o acesso era apenas por estrada de chão batido. Era uma dificuldade! De Oswaldo Cruz até Tupã, que dista cerca de 40 quilômetros, levava cerca de cinco horas de percurso. Naquela época, à noite, podíamos ouvir os rugidos profundos de onças!
Você sentia-se em um mundo dividido entre a realidade japonesa, que em parte, possivelmente seus pais conservavam e a realidade brasileira, bem diferentes?
Um fator interessante foi que a cidade foi crescendo, não sentíamos muito a diferença. Só que quando eu cheguei em Oswaldo Cruz, eu só sabia falar em japonês!
A Escolha de Oswaldo Cruz foi aleatória?
Meu pai foi o engenheiro contratado pela empresa do suíço Max Wirth que tinha uma gleba de cerca de 1.000 alqueires (24.200.000 metros quadrados). A sede da empresa de Max Wirth está localizada na cidade de Oriente, no Estado de São Paulo. As terras de Max Wirth se estendiam de Oswaldo Cruz até Diamantina. Foi o meu pai que foi traçando os limites e foram-se formando cidades. Formou-se a cidade de Inúbia (Atual Inúbia Paulista), Lucélia, Adamantina, essas cidades foram divididas em ruas, avenidas, lotes de terrenos. Quem executou todos os loteamentos dessas cidades foi o meu pai; um trabalho muito grande e muito nobre.
Na cidade de Tupã havia uma forte colonização japonesa?
Em Tupã havia colonização japonesa, mas a maior colônia era na cidade de Bastos. Bastos chegou a um período que era dado como sendo uma “Tóquio” no Brasil! Só tinha japoneses…! O idioma era praticamente só o japonês! Tanto é que eu fui professor em Oswaldo Cruz, depois acabei indo para Bastos, como professor também, e a minha esposa também era professora, cada um em um colégio diferente).
Bandeira do município de Oswaldo Cruz
No mapa abaixo a localização de Oswaldo Ccrus
LOCALIZAÇÃO
Osvaldo Cruz é um município brasileiro do estado de São Paulo. Foi fundado com o nome de Califórnia em 6 de junho de 1941 por Max Wirth, um cidadão suíço. Em 11 de novembro de 1941 foi elevada a distrito, sendo que em 1 de janeiro de 1945 foi criado o município que recebeu o nome em homenagem ao proeminente cientista brasileiro Oswaldo Cruz. O município é formado pela sede e pelo distrito de Lagoa Azul .Bastos é um município que em 2022 era de 21.516 habitantes. O nome do município originou-se da Fazenda Bastos, propriedade de Henrique Bastos, pai de Charles Bastos. E foi nessas mesmas terras que ocorreu a fundação do município, em 18 de junho de 1928, por Senjiro Hatanaka, enviado pelo governo japonês para procurar terras para receber as levas de imigrantes japoneses. Após ciclos de culturas como o café, algodão, sericicultura, a partir de 1957, o município descobriu
sua vocação econômica: a avicultura de postura.
O município tem o maior plantel de galinhas de postura do país, sendo, assim, o município com a maior produção de ovos do Brasil
Bandeira do Município de Bastos
MaxWirt 1881–1952 Lichtensteig,(Suíça)
Filho único do dono de uma fábrica de tecidos, Max Wirth emigrou para o Brasil em 1899.Natural de Lichtensteig, nasceu em 1881.
Chegando ao Brasil, estabeleceu-se no município de São Sebastião da Alegria, no Estado de São Paulo, onde permaneceu por cinco anos, até ser acometido pela malária e retornar a sua terra natal.
Na Suíça casou-se e tomou a frente dos negócios da família.
Após a morte de sua esposa, em 1922, decidiu voltar ao Brasil. Para tanto, vendeu a tecelagem que herdara do pai e partiu para São Paulo, acompanhado de sua segunda esposa e de seus filhos.
Ao aportar novamente no país, fixou residência em Lins, perto de Bauru, numa fazenda batizada de “Fazenda Suíça”. A partir dessa época, começou a investir na especulação de terras e comprou grandes propriedades em áreas pouco povoadas na região oeste do estado.
Em 1941 fundou, nas proximidades de Marília, um povoado com 5 mil alqueires, ao qual deu o nome de “Califórnia” e que mais tarde se transformaria na atual cidade de Oswaldo Cruz.
Max Wirth faleceu em São Vicente, no dia 13 de dezembro de 1952, quando já era proprietário de vastas terras no oeste do Estado de São Paulo.
Seus filhos continuaram o trabalho do pai latifundiário e ampliaram suas terras, dedicando-se especialmente à cultura do café e à pecuária.
Os primeiros estudos você fez onde?
Fiz em Oswaldo Cruz o curso primário. Lá não havia o curso ginasial. Fui para Lucélia estudar o curso ginasial na Escola Salesiana. Viajava de Oswaldo Cruz até Lucélia, ia e voltava todos os dias com a famosa “Jardineira”, um antigo modelo de ônibus, com as laterais abertas.
Jardineira ano 1931
Isso foi até quando?
Até quando abriu o colégio em Oswaldo Cruz e eu passei a estudar lá. Era o Colégio Max Wirth, onde fiz o ginásio, e aí comecei a fazer o Curso Normal, ao mesmo tempo em que estudava Contabilidade. Após concluir esses cursos, fui fazer a Universidade no Rio de Janeiro.
Você deu um salto olímpico!
Saí de uma cidade que já estava com uns 5.000 habitantes e fui para o Rio, que era a Capital Federal!
O Rio era uma cidade mágica, polo de tudo que acontecia de novo no Brasil. Tinha uma estrutura de capital!
Você chegou a frequentar a icônica Confeita Colombo?
Uhuuuu! Nessa época eu estava com uma moça que foi minha noiva. Não entendíamos o sofisticado cardápio, era quase um enigma para quem entrava pela primeira vez lá. Era difícil saber o que aqueles nomes específicos significavam.
Confeitaria Colombo Rio de Janeiro, coleção de cardápios.
Todos os nomes constantes no cardápio eram muito bonitos! Sugeri que escolhêssemos aquilo que achássemos mais bonito. Escolhi um, ela escolheu outro. Para mim veio um chá quente, isso em um clima de 40 graus! E para ela veio um sorvete! Naquela época Confeitaria Colombo foi até trecho de marchinha de carnaval, que fez muito sucesso. A Colombo resiste até hoje, com muita classe. Só que os tempos são outros.
Quantos anos o senhor tinha quando foi para o Rio de Janeiro?
Eu já tinha mais de 18 anos de idade. Morava em pensão. Meu irmão fazia medicina na Praia Vermelha. Morávamos no bairro Botafogo. Um tempo moramos juntos, depois separamos. O dono da pensão era um Professor, Doutor e Fiscal das Universidades; naquela época tinha fiscalização das universidades.
Não era aquela pensão tradicional! Era uma casa de família, uma residência mais requintada. Na época, a maioria dos nisseis seguia a carreira científica. Eu fui o único diferente, acabei indo para Letras Clássicas!
Como surgiu essa inspiração?
Eu fui escrevente de Cartório, em Oswaldo Cruz. Ao ver uma petição, o advogado, na petição inicial ele já contestava, escrevendo: “Você disse tais e tais palavras, portanto isto significa isto, portanto não cabe nesta lei, talvez caiba na outra lei! Ali ele já estava fazendo a sua defesa na petição inicial! Ali ele estava dizendo que o que estava sendo pedido, sob a visão da linguagem portuguesa, implicava em outro artigo legal e não aquele descrito na petição! Aí me veio a vontade de estudar a Língua Portuguesa como gente grande. Eu pretendia ser advogado. Fiz até o terceiro ano de Direito! Fazia o terceiro ano de Direito, ao mesmo tempo fazia Letras. Como eu tinha me classificado em segundo lugar no vestibular, eles me deram uma bolsa de estudos na Católica, em Petrópolis. Com isso fazia as duas faculdades. Quando chegou no terceiro ano de Direito, eu perdi três matérias. Aí me cortaram a bolsa.
Qual é a distância de Petrópolis até o Rio de Janeiro?
De carro demorava cerca de uma hora a uma hora e meia. O curso de Direito era aos sábados e no período de férias no curso de Letras. Nos meses de dezembro e janeiro tínhamos aulas de Direito nos dois meses inteiros.
Não deveria ser muito fácil! Um jovem, passar por aquelas praias maravilhosas e seguir para as aulas!
Sorrindo, Abe parece voltar ao passado, e diz: “- É complicado!”. Se bem que Petrópolis é também uma cidade maravilhosa, conserva construções históricas como por exemplo, o palácio que foi residência do imperador. Hoje é um museu, com todos os cuidados próprios de museus especiais. Por exemplo, ao visitante cabe o cuidado de usar uma pantufa, para preservar o piso.
A Faculdade de Direito em Petrópolis, como era denominada?
Era a Universidade Federal de Niterói. Na época pegávamos as barcas Rio-Niterói. Eram barcas muito grandes. Quando eu ia para o Rio, pegava as barcas. Eu tinha um amigo, filho de usineiro, ele tinha um carro do último tipo e todo sábado ele me levava.
Nessa época você morava na cidade do Rio de Janeiro?
Nessa época eu passei a morar em Niterói. Meu irmão ficou morando no Rio de Janeiro.
Qual era a diferença entre a cidade Rio de Janeiro e a cidade de Niterói?
As praias de Niterói também são bonitas, na época a cidade tinha um ar mais nos moldes interioranos. O Rio já tinha o ar de capital mesmo. O Rio sempre foi muito bonito! Por um período eu fui tradutor, japonês-português. Quando vieram as grandes indústrias, eu trabalhava em uma companhia de tradução, eu passava a levar o pessoal que vinha do Japão, para conhecer o Rio e fazia a tradução toda para eles. Eu ia mostrando para eles o Pão-de-Açucar, o Cristo Redentor, com isso era comum eu estar nesses lugares, isso foi por volta de 1958, 1959.
O Rio era uma cidade “pacata”?
Ah! Sim! Íamos para Copacabana, ficávamos até as 4 ou 5 horas manhã, era uma tranquilidade! Não havia violência, arrastões, não tinha nada disso. Havia as vezes furtos de pequena monta, o mais comum eram os batedores de carteiras! O malandro esperto aproveitava-se da displicência da vítima.
Qual era a reação dos japoneses diante da beleza do Rio de Janeiro?
Ficavam encantados! Além das belezas naturais, a agitada vida noturna e os melhores restaurantes estavam incluídos nessas visitas. Para eles a alimentação era diferente da consumida no Japão. Naquela época no Rio não tinha um restaurante japonês! Quando íamos a Copacabana, éramos vistos como pessoas diferentes! Quase como se fossemos de outro planeta! Inclusive, na minha faculdade, teve uma aluna que me disse: “-Minha mãe gostaria de conhecer um japonês! Você não vai jantar em casa?”
Respondi-lhe: “- Claro que eu vou!”. Ainda mais um jantar em uma casa de família, um banquete!
Mudando de assunto, você é casado?
Sou casado com Dulce Helena Castilho Abe, descendente de portugueses e espanhóis. Uma curiosidade, eu fui ao casamento dos pais dela! Nós tínhamos muita amizade entre as famílias, naquela época em que havia o trem Pullman que vinha de Oswaldo Cruz até Duartina, o casamento foi em Duartina. O avô da minha esposa, tinha fretado o Carro Pullman para nós! Naquela época, quem viajasse no carro de Primeira Classe necessariamente tinha que usar paletó e gravata. No carro Pullman o glamour era maior! Era composto por cadeiras giratórias, de veludo vermelho, ar-condicionado! E para completar, havia no trem um restaurante de excelência.
E vocês se conheceram como?
O fato de a família ir morar em Oswaldo Cruz, o avô paterno da minha esposa, foi inventor das máquinas descascadoras de café. O primeiro descascador “CASTILHO” do Brasil, foi ele que construiu. Roubaram a patente dele, ele acabou construindo uma outra máquina nova, aí ele acabou inclusive tomando medidas legais para assegurar a patente como de sua propriedade. Ele era muito inteligente! A mãe dela foi professora no colégio em que eu dava aulas. Fomos colegas de magistério. A minha futura esposa foi minha aluna no ginásio e na faculdade! Eu digo que ela tem diploma por metro! Como eu era professor de faculdade, ela fez Letras, Pedagogia em todas as áreas, Estudos Sociais, História e Geografia!
A sua formação inicial foi em Letras?
Sim, depois eu fiz Pedagogia também, e Cursos de Especializações. A minha cadeira de faculdade era Teoria da Literatura, Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira. No curso de Direito eu lecionava Língua Portuguesa. Eu era Chefe do Departamento da disciplina Estudos de Problemas Brasileiros, na época a lei obrigava que essa disciplina fosse lecionada. No início cheguei a lecionar essa matéria que era de caráter obrigatório. Depois achei difícil continuar, o que eles queriam que lecionássemos não era mais do feitio nosso.
Teve uma época em que lecionei Estética Filosófica, a Estética do Belo. Um aluno danado me perguntou: “Professor, eu não sei o que é estética marxista!” Disse-lhe: Você sabe o que é marxismo?” Ele disse que não sabia. Disse-lhe então que iria chamar um amigo meu, que era marxista, Rui Dantas, ele tinha fugido da Paraíba, ele proclamava-se comunista, mas não tinha nada de comunista. Tinha feito doutorado na Bélgica, doutorado na França, era poliglota, um profundo conhecedor da Filosofia e de Línguas. Entrei em contato com ele, perguntei-lhe se ele falaria sobre marxismo. Com o sotaque carregado disse-me “-Pois não!”.
Aí fomos expor o que tínhamos a dizer, ele falava sobre marxismo eu falava sobre estética. Quando acabamos, evidentemente, o DOPS estava na porta e nos prendeu! (O temível Departamento de Ordem Política e Social). Isso foi em Adamantina. Fomos presos, o delegado esbravejava: “Vamos colocar esses subversivos no “Pau-de-Arara”. Eu disse: “Rui! Nós vamos apanhar, mas vamos bater também!”. Eu topo!
Ficamos esperando, à meia-noite chegou um delegado, abriu a porta, foi logo dizendo: “-Como é que você veio parar na minha delegacia?” Me abraçou, era colega meu de escola! Aí fomos para a casa dele tomar whisky! Já fui preso várias vezes! A primeira prisão foi porque eu tinha um livro: “”História do Petróleo no Brasil” de Gondim da Fonseca. Um cidadão disse que eu era comunista, falou com o delegado e ele me prendeu. Mostrei o livro ao delegado, ele disse que não tinha nada demais e me soltou.
Na época era comum uma pessoa denunciar outra pessoa quando não simpatizasse com ela. Tem um caso em Oswaldo Cruz que a pessoa era um fumeiro, vendia fumo de corda, antigamente muito usados em cigarros de palha. Ele foi preso porque disseram que era comunista. Coitado, ele não sabia nem ler, foi preso e ficou muitos dias, ele sequer sabia fazer sua defesa. Depois descobriram que não tinha nada.
O senhor e sua esposa casaram-se onde?
O casamento civil foi em Oswaldo Cruz e o religioso em Araraquara. Foi em 1972. Já são 52 anos de casados! Atualmente a concepção é se der certo continua, se não der certo cada um vai para um lado.
Até que ano o senhor lecionou?
No Estado, até 1989 e na Faculdade até 2.000. Quando me aposentei estava morando em Bastos e lecionava em Adamantina, cerca de 60 quilômetros distantes uma cidade da outra. Quando me aposentei eu disse literalmente: “- Quero morrer na praia!” Fomos morar em Florianópolis!
Como surgiu a ideia de ir morar em Florianópolis?
Meu filho tinha ido para Florianópolis, ele disse-me: “- É um lugar muito bom para morar!”. Acabamos indo! Alugamos uma casa, ficamos por algum tempo, depois compramos uma casa, fizemos uma reforma, fica no local conhecido como Santinho, é bem espaçosa, são 500 metros quadrados.
Vocês tiveram quantos filhos?
Tivemos dois filhos: o Guilherme e a Letícia. O Guilherme morava em Piracicaba e foi para Florianópolis, a nossa filha mora aqui em Piracicaba, é médica do SAMU.
O senhor vem para Piracicaba, fica um pouco aqui, depois volta para Florianópolis?
Nós gostamos muito de viajar! Fizemos uma viagem pelo Mercosul todo, foram 27 dias percorrendo as estradas de carro. Minha esposa e eu. Nós dois dirigindo. Ela dirige mais do que eu! Na época tínhamos um Chevrolet Spin
Era um Spin com capacidade para 7 ocupantes. Isso foi antes da pandemia, 2018.
O que mais o atrai em uma viagem?
O conhecimento de cada país, com seus hábitos, seus costumes. Alimentação diferente. O relacionamento, é uma outra cultura que você vai vendo. Aprende-se muito. Recomendo viajar o quanto puder!
Tem pessoas que evitam de viajar por receio que algo aconteça com o avião, navio, e outros acidentes.
Fomos de navio do Brasil para a Europa, quando viajamos para lá na primeira vez. Na última vez, fizemos ao contrário, viemos de navio da Europa para o Brasil. Isso porque você cansa de andar pela Europa toda, para lá, para cá, cansado você pega o navio, vem descansando e vendo outros países também. Para em um país, em outro dia para em outro. Até chegar no Brasil. Dentro do navio você tem tudo, é uma tranquilidade.
Essa sua disposição é exemplar!
Se fizermos a conta, estou com 88 anos de vida! Muitas pessoas com menos idade se entregam, acham que o mundo acabou, ficam desanimadas, entram em depressão.
Não pode! O cidadão por exemplo, tem que ter sempre uma vontade de se desenvolver, de ver outro mundo, isso que faz parte da vida daqueles aposentados. Aquele que fica só deitado, vendo televisão, tem uma vida mais curta.
Uma barriga enorme, come muito!
Exato! Recomendo para que a pessoa tenha uma vida saudável, saia do comodismo e tenha uma motivação para ver alguma coisa. A pessoa deve estar em desenvolvimento constante. Procurar passear, dentro da sua realidade e possibilidades.
O senhor lê muito?
Ah, sim! Como eu fui professor de Teoria de Literatura Brasileira, hoje leio pouco, a não ser coisas especializadas que eu gosto. Gosto de fazer palestras dirigidas a um tema.
Se o convidarem para uma palestra de cunho motivacional, o senhor apresenta?
Também, logico!
Um dos fatores que influenciam a mobilidade das pessoas, de forma compulsiva, são os compromissos financeiros.
Exato! Esse tipo de motivação é de cunho material. Há a necessidade de uma motivação mental, espiritual, filosófica. Hoje o mundo é mais imediatista, mais consumidor, materialista, a pessoa tem por formação individual voltar-se mais para o seu desenvolvimento espiritual. Só assim ele terá uma visão melhor do mundo.
O senhor é religioso?
Sou católico. Não tão fervoroso como a minha esposa que é praticante de fato. Eu vou, acompanho. Mas sou menos assíduo do que ela. Como fiz a Universidade em Friburgo, estudei para ser professor da religião católica, aí eu estudei Apologética, Direito Canônico, Escrituras Sagradas, fiz para me tornar professor de Religião Católica. Quando morávamos em Bastos, fazíamos sempre Cursos de Noivos. Na época tinha o curso “Enchei-vos” do movimento Renovação Carismática, com isso chegamos a estudar bastante.
Essa espiritualidade talvez prolongue a vida saudável da pessoa?
Claro! Tanto que a pessoa que tem a capacidade de rezar todos os dias têm a vida mais longa. Nós ainda desconhecemos a potência da mente humana no desenvolvimento humano.
O senhor é uma pessoa muito participativa, teve alguma atuação no campo político?
Tive sim. Fui vereador em Oswaldo Cruz, a minha esposa foi vereadora em Bastos. Na época em Oswaldo Cruz só havia dois grupos: “Pe´-da-Mula” e “Pé-do-Galo”! Porque de “Pé-da-Mula”, porque dava coice! E porque “Pé-do-Galo”? Porque dava esporada! Ninguém falava em partidos políticos. O usual era “Pé-do-Galo” e Pé-da-Mula”.
Essa era uma denominação dada pelo povo?
Sim! Era assim que o povo se referia aos vereadores. Só essas denominações eram usadas. Não interessava se pertencia a algum partido político legalmente estabelecido. Isso era apenas detalhe. Pouco importava. Logo que saí da política de Oswaldo Cruz essas denominações populares acabaram. Eu fui o último “Pe´-da-Mula”!
Por acaso o senhor teve influência na criação desses cognomes?
Não! A influência foi de um prefeito, que era um cidadão muito sério, muito honesto, e quando alguém influente ia lhe pedir algum benefício, como por exemplo, beneficiar a estrada que ia até a fazenda de sua propriedade, ele dizia: “Você é rico! Pode consertar a estrada da sua fazenda com seus recursos! Fica dependendo do município, tendo condições de fazer por si próprio. Você não faz nada!”. Diziam que ele dava um coice em todo mundo! Quando alguém ia pedir alguma coisa irregular, ele colocava o indivíduo em seu lugar. Com isso ele ficou conhecido como “Pé-da-Mula”! Outro grupo ao saber do cognome, disse: “Se existe o “Pé-da-Mula! Vamos criar o “Pé-do-Galo”! Era o grupo de um dos membros da família Martins.
A sua esposa como vereadora em Bastos, também vivenciou essas rivalidades paroquianas?
Não! Em Bastos a política era tratada de maneira mais formal, as legendas dos partidos eram os oficiais, sem cognomes!
O que ocorreu na política de Oswaldo Cruz faz parte do folclore da cidade!
Sem dúvida! É uma situação peculiar.
O senhor praticou artes marciais?
Quando eu era pequeno fazia judô. Não era academia, era um cidadão que conhecia muito bem. Se for considerado hoje, seria uma faixa preta. Nós morávamos no sítio, e ele ensinava em um sítio vizinho. Formávamos um grupo.
Alguém já falou para o senhor que a sua aparência lembra a de um célebre personagem de um filme que marcou uma época?
Sim! Do filme Karatê Kid! Aliás tenho passagens muito jocosas a respeito. Na Espanha por exemplo, uma senhora perguntou-me se poderia tirar uma foto. Ela filmou por algum tempo. Fatos semelhantes aconteceram na Itália, Paraguai, Uruguai, Argentina. Eu já dei tantos autógrafos! Quando a minha filha era novinha, quando estávamos em Peruíbe, os meninos ficavam olhando. Minha filha perguntava: “-Você quer um autógrafo do Mestre Myaggi? A resposta era imediata, todos queriam! Ela então, assim como ocorre em todas as partes do mundo, cobrava uma pequena taxa! Era um valor simbólico, coisas de criança.
Já aconteceu algum fato curioso em locais como restaurantes, por exemplo?
Ah! Sim! Foi em Portugal. Entramos em uma pizzaria, sentamo-nos, tinha uns 40 jovens sentados fazendo aquele barulho danado. Quando eles me viram, pararam e ficaram todos olhando para mim. Eu estava com o meu filho Guilherme. Disse-lhe: “Acho que já me acharam!!”. Levantei-me fui em direção a eles, cheguei perto, todos me olhando, em um movimento de mãos, acompanhado de um grito: “Ahhh!”. Todos caíram na risada!
Isso tem o lado positivo, dificilmente algum valentão irá desafiá-lo!
Na Bahia, fomos a um resort, em Trancoso, um senhor, proprietário de outro resort, fez uma proposta, ficar 10 dias com todas as regalias, sem pagar nada, só que eu deveria avisar antes, para ele passar os filmes do Karatê Kid e quando você chegar vou anunciar: “Chegou o Mestre Myaggi!”. Ele iria anunciar a minha chegada, enfim, fazer uma grande campanha para o resort dele. Não fomos atrás disso.
Em uma outra ocasião fui ao Paraguai, acho que tinham passado o filme naqueles dias, eu quase não conseguia andar! Olhavam e pediam autógrafo! Eu dava, Mestre Myaggi, isso os deixava felizes. Na realidade entrávamos na brincadeira inocente.
E a Educação como está?
Zero à esquerda! Pouco antes de me aposentar, eu já dizia que o Estado, quando mudou o aprendizado da criança com o método Paulo Freire, onde naturalmente não seria mais a nota do aluno e sim a participação aleatória. Se o professor achasse que o aluno estava participando quando fizesse uma pergunta, mesmo que tola e fora do contexto, estava participando! Participação é quando o aluno faz uma pergunta lógica referente a matéria em estudo. Tinha que aprovar o aluno porque o Estado mandava aprovar! Quantas vezes brigamos com o Delegado de Ensino! Mandávamos para lá o recurso, eles aprovavam o aluno! Quando começou a cair violentamente o conceito, começou a ideia de que o aluno não pode ser reprovado. Até a oitava série não existe reprovação! Hoje o aluno sai da escola sem saber ler! Porém aprovado! É totalmente analfabeto!
Isso acaba se refletindo no ensino superior!
Inclusive nos futuros profissionais! Há situações concretas, onde entender o que o profissional escreveu tem que ser literalmente pesquisado, decifrado e transcritos para português inteligível! Se foi escrito em um computador, eis aí a “Pedra de Roseta”! ( “Pedra de Roseta” é um artefato arqueológico que permitiu aos estudiosos decifrar a escrita egípcia).
Você usa regularmente os recursos de informática?
Uso! Considero útil, porém é também uma ferramenta perigosa. Há uma avalanche de notícias, muitas verídicas, muitas sem fundamentos, o que às vezes gera um caos. O volume de notícias é muito alto, e em grande parte consome muito tempo útil com banalidades.
Você se lembra do nome da escola em que estudou o curso primário?
Foi no Grupo Escolar Oswaldo Cruz. O ginásio estudei no Ginásio Estadual Max Wirth. Depois comecei o Curso Normal no Benjamim Constant. Acabei deixando o Curso Normal e fui para a Escola São Benedito de Contabilidade, em Oswaldo Cruz. Quando fazia a Escola de Contabilidade ingressei no meu primeiro emprego, foi no Banco Comércio e Indústria, a seguir trabalhei na Coletoria Federal, o coletor morava em uma praia em Santos, ele ficava boa parte do tempo na casa dele, eu assumia muitas responsabilidades inerentes ao bom andamento da Coletoria. Quando veio outra pessoa, com propósitos alheios a minha função profissional, incluindo faxina do prédio, eu decidi desistir. Ao lado ficava o Cartório de Segundo Ofício, o escrevente disse-me: “Filho, você vai trabalhar aqui!”. Fui cartorário nessa época, fiz o trabalho de escrivaninha na parte processual. Tinha que ser escrevente autorizado, tinha que fazer um exame com o juiz, sendo aprovado ia fazer a audiência com o juiz. Datilografava. Tinha que ser rápido. Eu estava em audiência, datilografando, na época eu levava uma máquina Olivetti portátil, que pertencia ao Cartório. Eu era muito jovem. O juiz ao ler algumas anotações que eu tinha feito, utilizou-se de palavras impróprias ao seu cargo. Eu era esquentado, levantei-me, e proferi algumas palavras chãs. E fui saindo da sala, foi quando o juiz ordenou a minha detenção. Fui preso. Graças a intervenção do promotor público, e até mesmo do delegado que tinham aquele juiz como insuportável, fui imediatamente colocado em liberdade.
(Após a transferência da Capital Federal para Brasília em 1960, o Rio foi transformado numa cidade-estado com o nome de Guanabara. Em 15 de março de 1975 ocorreu a fusão com o antigo estado do Rio de Janeiro, sendo atualmente o Estado do Rio de Janeiro que tem como capital a cidade de Rio de Janeiro. Niterói é um município brasileiro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Foi a capital estadual entre 1834-1894 e novamente entre 1903-1975.)
SHIGUEMIZU ABE
– Universidade Federal do Rio de Janeiro – no curso de Letras Clássicas; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Adamantina no curso de Pedagogia; Profissão- Professor Universitário na cadeira de Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira; Professor de língua portuguesa no Colégio do Estado de São Paulo e no curso vestibular do Anglo;5-Foi vereador na cidade de Osvaldo Cruz com seis anos de mandato – 1977 a 1983. Foi secretário de Educação no Município de Bastos e secretário de Saúde no mesmo município
Aposentado e ao aposentar no Estado de São Paulo o meu desejo foi literalmente morrer na praia. resolvendo morar em Florianópolis na praia do Jurerê internacional.