THAIS DE ALMEIDA DIAS

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 11de setembro de 2010

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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                                       ENTREVISTADA: THAIS DE ALMEIDA DIAS

A voz clara, com a entonação perfeita, é inconfundível, trata-se da locutora e apresentadora Thais de Almeida Dias. Professora em instituições de ensino, como USP, FIAM, ocupou importantes cargos em diversos veículos de comunicação, entre eles a direção da Rádio MEC no Rio de Janeiro, cuja origem é a primeira estação de rádio brasileira a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada em 20 de abril de 1923 por Edgard Roquete Pinto e Henry Morize. Roquette Pinto ao doar ao Ministério da Educação a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, exigiu que a emissora sempre mantivesse sua missão educativo-cultural.

                                Os pioneiros da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro
                                 (Fotos do arquivo da Rádio MEC)
A Rádio MEC nasceu em 7 de setembro de 1936. Thais de Almeida Dias teve grande influência na Fundação Padre Anchieta, que engloba a TV Cultura e Radio Cultura AM e FM. Foi diretora da Rádio Cultura FM. Conviveu com celebridades do rádio e da televisão, sofreu com a tragédia abatida sobre o colega Vladimir Herzog, que tinha sido nomeado para dirigir o jornalismo da TV Cultura. Foi jurada de televisão, onde novos talentos se apresentavam buscando um lugar no meio artístico. Criou o programa “Viola, Minha Viola” no ar até hoje. Com licenciatura em História pela USP, mestrado de jornalismo, cursou jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thais de Almeida Dias é eloqüente, cheia de novas idéias, daquelas pessoas que sempre estão criando, incentivando, pavimentando estradas para os talentos que surgem. Recentemente decidiu adquirir um chalé, que é na verdade uma casa confortável, decorada com muito bom gosto, situada na Primeira Cidade Geriátrica do Brasil, o Lar dos Velhinhos. Mal abriu as malas e já está pensando em instalar uma rádio comunitária nessa verdadeira cidade encravada na área central de Piracicaba. Natural de Assis, onde nasceu em 14 de outubro de 1935, com um ano de vida Thais de Almeida Dias passou a morar em Itu, cidade que adotou como se fosse a sua terra natal. È filha de Zeni de Almeida Dias, musicista, organista da igreja e de Euclides de Marins e Dias, poeta, escritor, radialista, que tinha o pseudônimo de Humberto de Mattos. Estudou na Escola Regente Feijó, onde cursou o primário e a escola normal, na época no interior não havia faculdades como existem atualmente.

Após a conclusão do curso normal, onde a senhora foi lecionar?

Como professora primária, fui lecionar na região da barranca do Rio Paraná, na divisa com o Mato Grosso. Entrei em um programa desenvolvido pela Universidade de São Paulo que mandava professores para o Norte e o Nordeste do país. Trabalhei dois anos em São Luiz no Maranhão, onde voltei a fazer rádio, na Rádio Educadora Rural, de São Luiz. Voltando para São Paulo fui convidada para trabalhar na Rádio Cultura de São Paulo, isso foi no final da década de 60, o diretor era Antonio Augusto Soares Amora, mais conhecido como Professor Amora, o presidente era José Bonifácio Coutinho Nogueira, ficava na Rua Carlos Spera, 179. Eu fazia a produção de programas educativos, como “Encontro com a História”, “Saúde Para Todos” e assumi um programa sertanejo-educativo que levava mensagens para o agricultor, chamava-se “Almanaque Rural”, levei ao ar este programa por nove anos, era o programa que abria a emissora. Eu vinha do folclore, fui assistente do Prof. Rossini Tavares de Lima, já tinha uma formação para a música caipira, não a música sertaneja e sim a caipira.

(Da esquerda para a direita: Cid Moreira, Sérgio Chapelin, Haroldo Costa, Ricardo Cravo Albin)

Qual é a diferença entre musica sertaneja e musica caipira?

A caipira é a música realmente folclórica, criada espontaneamente, com aceitação coletiva, que foram as primeiras músicas gravadas por Cornélio Pires, inclusive com a turma de Piracicaba. A mídia apropriou dessa música caipira e foi-se transformando na música sertaneja seguindo os modismos até chegar hoje no famoso sertanejo universitário.

O que é sertanejo universitário?

Na verdade, estou tentando entender.

                                                Fachada recente da Rádio MEC
                                                (Fotos do arquivo da Rádio MEC)

Na Cultura a senhora permaneceu por quantos anos?

Trabalhei lá por 25 anos, mas nesse período estive no Rio de Janeiro, eles me emprestaram para dirigir a Rádio Ministério da Educação e Cultura do Rio de Janeiro, era uma rádio muito gostosa para trabalhar, com mais de 200 profissionais, como Artur da Távola (pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros), Sérgio Vieira Chapelin, Cid Moreira, Maestro Isaac Karabitchevsk, Miguel Proença, Ricardo Cravo Albin, Haroldo Costa, um time de primeira. A Rádio Cultura ficava no centro, quase em frente à Central do Brasil, na Praça da Republica, 141. Foi a primeira rádio criada no Brasil, pelo Roquette Pinto, em 1936 ela foi doada para governo, na época era Getulio Vargas, sob duas condições: a sede deveria ser sempre no Rio de Janeiro e a rádio deveria ser sempre educativa. Vargas mandou um telegrama á Roquette Pinto agradecendo pela doação da rádio, ao que ele respondeu: “-Não estou doando ao governo, mas ao povo brasileiro”.

                     Arquivo LPs
                                                           (Fotos do arquivo da Rádio MEC)
Após um período no Rio de Janeiro a senhora voltou á São Paulo?Permaneci no Rio de Janeiro por dois anos, voltei para a Cultura, onde passei por um período na Televisão Cultura, quando criei e produzi por dois anos o programa “Viola, Minha Viola”, que permanece no ar até hoje, na TV Record eu era jurada do programa “Canta Viola” do Geraldo Meirelles.


Após aposentar-me, por 14 anos morei na cidade de Treze Tílias, em Santa Catarina, lá há a Rádio Tropical FM, que apesar de ser uma rádio pequena, faz um bom trabalho. Eu assessorava essa rádio.
Em Piracicaba a senhora já está atuando em alguma rádio?
A senhora sente falta do seu trabalho em rádio?

Faz apenas um mês que estou em Piracicaba, ainda não deu tempo!

A senhora tem seus planos para essa área?

Tenho!

Na Rádio Cultura a senhora criou diversos programas?

Após voltar do Rio de Janeiro, passei a fazer na Rádio Cultura AM o programa “Canto da Terra”, que era líder de audiência da AM, e fui chamada a dirigir a Rádio Cultura FM que só toca musica erudita, eu trabalhava com os dois pólos, a música clássica e a música sertaneja.

Qual é o público da Rádio Cultura?

Eu fazia pesquisa de audiência, quando fui diretora da Rádio Cultura FM era editado um boletim por assinatura, com toda a programação da rádio, na época chegamos a ter nove mil assinantes, se projetarmos significa muito mais em audiência, quando eu queria fazer a pesquisa mandava dentro desse boletim para os assinantes, não era nem frete pago, mas eles iam até o correio, me enviavam, faziam questão de responder o questionário. Tudo isso era tabulado, sabíamos quais eram os horários em que ouviam a programação da rádio, as preferências do ouvinte, e o tipo de público. Em São Paulo oitenta por cento do público da Radio Cultura FM tinha escolaridade de nível superior, é interessante observar que os arquitetos e engenheiros davam preferência á nossa rádio, seguidos pelos professores, músicos, tínhamos também um público menos escolarizado, pois a cultura independe da escolaridade, era formado por pessoas que também aprenderam a gostar de música clássica.

A rádio comercial faz uma programação voltada a atingir o seu público e dar o melhor retorno financeiro. A emissora com respaldo governamental pode definir a programação voltada para a educação e cultura. Há possibilidades de a rádio comercial voltar-se também para a cultura e educação, sem prejuízo financeiro?
Perfeitamente! É só começar, não precisa ser no horário inteiro. Tenho a certeza de que se uma rádio comercial lançar uma vez ao dia um programa de uma hora ou duas horas que seja a transmissão de uma música mais elaborada, com letras melhores, um programa bem cuidado, programa com entrevistas bem cuidadas e interessantes, naturalmente que irá ter audiência. A Rádio Tropical de Treze Tílias começou a fazer isso, lançando os programas opcionais aos domingos, ela passou a ter uma enorme audiência. Você pode fazer um programa cultural com música sertaneja, fui amiga do Pedro Chiquito, Parafuso, Nhô Serra, Horacio Neto, convivi com todo esse pessoal. A minha tese de mestrado em jornalismo foi sobre a informação através da música sertaneja. Essas músicas mais antigas contam sempre uma história. “O Menino da Porteira” é um jornal! É um jornal policial, mas é um jornal! A música “Disco Voador” em sua letra conta: “Tem gente que não acredita. Acha que é fita os mistérios profundos Quem tem um filho pode ter mais filhos. O Senhor também pode ter outros mundos.” Com isso muita gente que não acredita em disco voador, passa a acreditar, porque ela transfere a informação no nível do entendimento do público. Usa a linguagem para fazer a interpretação da notícia para ele.

É uma forma de levar cultura sem impor uma linguagem?

Quando você dá uma noticia no rádio, cada um interpreta de acordo com sua capacidade de entendimento. Mesmo que você faça um programa sertanejo e coloque esse tipo de letra, analise essa letra, o ouvinte irá entender. Essas músicas mais atuais, que chamamos de “música urbaneja” onde aborda temas como “de dia a gente briga, á noite a gente beija” (Leandro e Leonardo: E se de dia a gente briga. À noite a gente se ama.), isso mostra um aspecto violento da periferia. Se você analisar a letras dessas brigas todas irá analisar a periferia, a violência dela. Você tem como interpretar através da própria musica sertaneja a violência.

A senhora nunca se imaginou fora do rádio?

Quando eu fazia o programa “Viola, Minha Viola” na TV Cultura, em uma ocasião eles me disseram que eu estava acumulando rádio e TV, que deveria escolher um ou outro veículo de comunicação, a minha resposta foi de que se tivesse que me definir iria escolher o rádio. Acho o rádio muito mais criativo, mais interessante de se fazer, desde que seja o rádio em que você possa realmente colocar uma produção programada, não o “vitrolão”!

O que a senhora denomina de “vitrolão”?

É colocar uma música para tocar e dizer uma bobagenzinha qualquer, colocar o ouvinte ao telefone, com aquela conversa boba. O ouvinte pode participar pelo telefone, com alguma coisa mais interessante.

As rádios dos grandes centros estão passando por um período de transformações?

Rádio atualmente deve ser voltado para a comunidade, deve pensar muito nos problemas da comunidade, daquela sua audiência e fazer os programas dirigidos para ela, é muito importante a participação da comunidade.

Há uma clara definição de ouvintes de rádios do interior e rádios da cidade de São Paulo?

A rádio do interior tem um público bem variado e programas diversificados, para várias camadas sociais, vários horários. As rádios paulistanas são segmentadas. Há rádios para público sertanejo, erudito, para público entre 30 e 40 anos, para público mais jovem, para mais antigos, aquelas que têm som ambiente, as rádios que fazem mais jornalismo, outras se dedicam mais aos esportes. O jornalismo está em alta, temos a Jovem Pan, Bandeirantes, CBN, Eldorado. São exemplos de rádios que estão se dedicando muito ao jornalismo. É mais fácil atingir ao público para o qual ela está dirigida, ela vai direto aquele segmento. Não conheço muito bem a estrutura das rádios do interior, mas acredito que estão voltando-se mais para o “vitrolão”, que é mais fácil tocar música, colocar um comercial e pronto. A mão de obra necessária é encontrada mais facilmente. A rádio de Treze Tílias ganhou um grande público com o jornalismo, embora seja uma cidade com apenas cinco mil habitantes, ficava em um ponto estratégico, entre outras cidades do seu tamanho e também próxima a grandes cidades. As festividades existentes na região ela cobria, fez um acordo com as câmaras municipais para noticiar o que acontecia nessas cidades, com isso pegou uma audiência muito grande com excelente resultado financeiro. Outras rádios pequenas da região não faziam esse tipo de trabalho.

O seu ingresso em rádio deu-se em que cidade?

Foi como locutora da Rádio Emissora Convenção de Itu – AM – Prefixo ZYE-3. Abria o programa agradecendo a audiência, ao microfone fulano de tal, aquela coisa meio antiga que hoje não se usa mais, era tudo ao vivo, comerciais, de vez em quando rádio-teatro, se tivesse vontade de tossir tinha uma chavinha que desligava o microfone, tossia voltava a ligar. Qualquer erro saia no ar, não havia outro jeito. Em rádio-teatro as folhas ao serem lidas tinham que ser viradas com o máximo cuidado para o ruído não ser transmitido pelo microfone. Muitas vezes ao virar uma folha acabava virando-se duas, o narrador se perdia e todos que o acompanhavam perdiam-se juntos. Tinha que voltar a folha, todos ficavam inventando alguma coisa para ir ao ar até regularizar a leitura. A sonoplastia era feita ao vivo, aconteceram em várias emissoras, diversos erros clássicos. Na Radio Cultura quando fazíamos as séries educativas elas eram dramatizadas, falar ao ouvinte questões de saúde apenas como uma leitura ou uma entrevista ficava chato, inventava-se uma historinha para chegar ao núcleo do assunto tratado. O produtor recebia o texto seco e árido em linguagem médica, ele tinha que inventar uma historinha para colocar uma historinha agradável ao ouvinte.

A senhora tem músicas de sua autoria que foram, gravadas?

Sou a letrista de “Campos e Manhãs”, gravadas por Chico Rei e Paraná, “Vaqueiro Velho”, com Carlos Cesar e Cristiano, “Tapete de Couro” com Brazão e Brazãozinho, há também uma gravada por uma cantora portuguesa.

Quem apresenta programa sertanejo deve utilizar um sotaque apropriado?

Acho que o apresentador deve ser autêntico, não há a necessidade de forçar um sotaque. Lembro-me que o meu pai até brincava dizendo: “Barbina, muié do sordado, de sarto arto na carçada”.

Como à senhora vê a relação da internet com o rádio?

O pessoal tem baixado muita música pela internet, temo mais pelo futuro das gravações em mídias como disco, CD, ou DVD.

Algumas noticias veiculadas pela internet, muitas vezes são lidas para o ouvinte, qual sua visão a respeito?

É uma nova versão do Gillette-Press! (Os chefes de reportagem liam os jornais da manhã e recortavam as notícias com lamina de barbear). Ainda existe um grande público que não está acessando a internet naquele momento, o seu trabalho não inclui acesso ao computador, porém está com o radinho ligado.

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