Entrevista Francislidio Beduschi
Francislidio Beduschi nasceu em Piracicaba a Rua Moraes Barros, 1608 no dia 23 de agosto de 1941, às seis horas da manhã pelas mãos da parteira Elza Normanha. É filho de Francisco Beduschi e Lidioneta Brossi Beduschi que foram pais também de Luis Carlos Beduschi. Casado com Maria Lucia Godoy a 29 de junho de 1968 com quem teve os filhos Ana Lúcia, Francisco Neto e Gustavo.
Qual era a atividade profissional do seu pai?
Era alfaiate, tinha sua oficina no mesmo endereço em que nasci. A alfaiataria era do meu avô, ele trabalhava para o meu avô Vitório Beduschi que ainda muito novo veio da Itália, região de Padova. Meu irmão esteve lá, a casa onde meu avô morou, na Itália, não existe mais, ele chegou a ver o registro de batismo do meu avô na igreja local. Meu irmão disse que pisar nas mesmas ruas em que meu avô andou foi muito emocionante, na Itália ele resgatou o brasão da família.
Seu avô veio para o Brasil sozinho?
Ele era adolescente, veio com os pais e irmãos, um dos irmãos faleceu durante a viagem. Inclusive ao desembarcar no Brasil, um dos irmãos teve o nome trocado pelo que faleceu, falha do serviço de imigração. Desceram em Santos, seguiram para a Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo. Em seguida vieram para Indaiatuba indo trabalhar em uma fazenda de café, onde permaneceram por pouco tempo, vindo logo depois para Piracicaba. Meu bisavô , Antonio, a primeira coisa que fez quando chegou a Piracicaba foi colocar os filhos para aprenderem um ofício. Meu avô, Vitório, aprendeu alfaiataria, seu irmão mais novo, Antonio, também. O Antonio foi fundador do Clube Flôr do Bosque de Tenis de Mesa, o Lalo Neder jogava lá. O filho do meio, o Aristides, foi sapateiro.
Quantos filhos seu avô Vitório teve?
Meu avô foi pai de oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. Seu filho mais velho, Armando, trabalhava na alfaiataria nos momentos em que não ia para a escola, ele fazia o curso Normal, foi professor. Prestou concurso para Coletoria Federal, foi aprovado e foi designado para Santa Catarina. Meu pai ficou na alfaiataria, quando se casou era alfaiate.
Com que idade seu pai iniciou o ofício de alfaiate?
Com treze a quatorze anos ele já começou a ficar no salão, meu avô morava em frente.
Na época alfaiate era uma profissão valorizada?
Era muito valorizada. O meu avô deixou uma casa para cada filho trabalhando só como alfaiate. Eram oito filhos. Meu pai faleceu moço, a 7 de março de 1953, afogado no Rio Piracicaba, o irmão dele Vitor, estava junto, tinha 19 anos, viu, pulou na água para salvá-lo, mas infelizmente faleceu também.
O seu pai casou-se em que ano?
Foi em 1940. Meu avô materno, Cesário Brossi, tinha uma fábrica de sabão no Piracicamirim, onde atualmente é a empresa Gramarmo, minha mãe saia de lá e vinha estudar no colégio Sud Mennucci, um funcionário a trazia de charrete, após as aulas ela voltava com as amigas, passando em frente a alfaiataria, ela e meu pai acabaram se conhecendo. A primeira conversa, segundo eles me contaram, aconteceu no Largo da Santa Cruz onde tinha uma quermesse, meu pai estava lá, minha mãe veio para ficar na casa de um irmão da mãe dela, chamado Bento de Oliveira. Ali começou o namoro deles. Em pouco tempo se casaram, foi no dia 29 de junho de 1939. Foram morar na Rua Moraes Barros, 1608. Minha mãe estudava o curso Normal, que formava professores. Uma das tarefas do curso era fazer o livro de entrada dos alunos. Ela então criava nomes fictícios dos alunos e a localidade de nascimento. Foi assim que ela colocou no livro Francislídio Beduschi, nascido em Rio das Pedras! Ela não era nem casada ainda.
Seu pai teve muitos clientes?
Meu pai era arrojado. Na época era muito comum o pessoal fazer roupas novas em algumas ocasiões: Natal, Semana Santa e Finados. Faziam o terno novo, o “pareo”. Meu pai começou a pegar serviço, meu avô dizia: “- Chico! Não vai dar para você fazer!”. Ele dizia que dava. Daí apertava todo o mundo. Minha mãe ajudava muito, fazia de tudo para ajudá-lo. Ela trabalhava como professora substituta efetiva na escola Sud Mennucci. A parte mais difícil em um paletó é acertar as mangas. Meu avô pacientemente o aconselhava a recomeçar até acertar. Coisas que só um mestre sabe é fazer o aprendiz aprender, e só se aprende fazendo.
Seu pai sempre trabalhou na alfaiataria?
Não. Mais tarde ele deixou a alfaiataria e foi trabalhar na fábrica Boyes, onde já tinha dois primos trabalhando lá: Solano e Nico Fidelis. O Comendador Louis Clement era quem mandava na fábrica. De lá ele foi trabalhar no Serviço de Saúde Pública, era radiologista no Dispensário de Tuberculose, situado na Rua José Pinto de Almeida, onde antigamente foi a Santa Casa de Piracicaba, entre a Rua XV de Novembro e Rua Moraes Barros. No dia que saiu a sua nomeação oficial, foi o dia em que ele faleceu. Ele já trabalhava lá, apenas estava aguardando os trâmites burocráticos. Quando ele faleceu, eu estava com onze anos e meu irmão nove anos. Minha mãe carregou tudo sozinha. Ela também entrou no serviço público de saúde, foi trabalhar no Dispensário de Tuberculose como Visitadora Sanitária.
Onde você realizou seus estudos?
O curso primário estudei no Sud Mennucci, o ginásio comecei a fazer no Dom Bosco, onde fiz primeiro ano de preparatório, primeiro e segundo anos, e daí fui para o seminário.
O que o motivou a ir para o seminário?
Por incrível que pareça aquilo que fiz a vida inteira, ser professor. Eu gostava do trabalho feito pelos religiosos, promovendo a cultura, ensinando. Fui para Lavrinhas, no Estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, no Colégio Salesiano São Manoel. Tinha uns 120 alunos internos. Lá tinha sido uma fazenda de café.
A disciplina era rígida?
Muito rígida. Às seis horas da manhã tocava o sino, todo o mundo levantava, arrumava-se em silencio, às seis e meia estava descendo para a igreja, missa, comunhão, após a missa havia uma leitura, acabava por volta das sete e quinze, ia para o refeitório. Sempre em silencio, tomava o café da manhã que consistia em uma xícara de café com leite, e um pãozinho, sem manteiga, sem nada. Acabava o café, saia, para por ordem na casa inteira, eram duas divisões: a dos menores até uns 14 ou 15 anos, e a dos maiores.
Em que dia você ingressou no seminário?
Foi a 9 de março de 1955. O Padre Pedro Baron me levou de Piracicaba à São Paulo, pelo trem da Companhia Paulista, e de São Paulo para Lavrinhas fomos com outro padre que não conheciamos. Fomos quatro estudantes: Irineu Danelon, que é Bispo de Lins hoje, Antonio Lavorente, Antonio Carlos Volpato, que era de Itú, e eu. A primeira noite longe de casa foi uma choradeira só. Era um dormitório enorme, composto por uma cama e um pequeno armário individual. Não tinhamos muitos pertences pessoal. Para colocar o paletó tinha um cabideiro enorme. Era comum no seminário todo mundo usar paletó. E gravata! Eu estava com 13 a 14 anos. Uma vez não coloquei gravata e desci para a missa, o padre conselheiro, que era o padre da disciplina, Padre Júlio Comba, ele era italiano, mas falava o português corretíssimo, disse-me: “Eu sou 0 Mestre do Elegante, ponha uma gravata!”
Você já sabia dar o laço na gravata?
Isso é uma as primeiras coisas que aprendíamos, era o laço mais simples possível. A gravata tinha que ser preta, o paletó podeia ser de qualquer cor. Lá eu conclui o ginásio e comecei a fazer o científico.
Você foi coroinha?
Fui aqui no Dom Bosco. (Beduschi recorda-se do tempo em que ajudava a missa que era celebrada em latim): “Introibo ad altare Dei, ad Deum qui lætificat juventutem meam” (“Entrarei nos altares de Deus, o Deus que alegra minha juventude)”. “Adjuntorium nostrum in nomine Domine” (“O nosso auxílio está no nome do Senhor “Qui fecit caælum et terram” (“Que fez o céu e a terra”).No oratório festivo do Dom Bosco era a reuniãos das crianças para jogar bola, depois tinha uma aula de catecismo, era feita uma oração e iamos embora para casa. Os primeiros coroinhas que o padre conseguiu reunir para ajudar a missa foram Abel Lavorenti e eu. Sou da turma de Francisco Conca, Francarlos Reis.
Quais anos você permaneceu no seminário?
Nos anos de 1955, 1956 e 1957. Terminei o colegial, fui para Pindamonhangaba receber a batina e fazer o noviciado.
O que é noviciado?
É o período de aprendizado sobre a ordem religiosa, a vida que você está escolhendo. Hoje são dois anos, no meu tempo era um ano só. Permaneci lá o ano de 1958, onde no dia 9 de março recebemos a batina. Eramos 25 noviços. É uma cerimonia muito bonita: “Despe-te do homem velho e reveste-te do homem novo”. Esse ano é muito rígido.
Mudou um pouco o nível de conforto?
O chuveiro era aquecido! Em Lavrinhas não tinha chuveiro, o banho era em um antigo tanque de lavar café, vestido com um calção comprido, até o joelho, era água corrente, vinha de uma mina, mas eramos mais de uma centena de jovens tomando banho ao mesmo tempo. No final de 1958 fiz os votos religiosos validos por três anos: “Pobreza, castidade e obediência”. O mais difícil é a obediência, quando você renuncia a sua lliberdade e coloca na mão do seu superior. Terminado um ano, fui para o Seminário de Lorena, lá era a Faculdade de filosofia, fiz ao mesmo tempo o curso de pedagogia. Isso foi de 1959 a 1961. Sempre gostei muito de ler, passo a viver aquilo que estou lendo, me insiro na história. Dar aula de história, fazendo dela um psicodrama faz o aluno gravar muito mais. Ele irá lembrar das histórias que eu conto o resto da sua vida. Outro dia uma moça disse-me: “- Lembrei-me de você na viagem que fui para a Grécia. Você falava que a Grécia parecia uma mão virada para baixo, eu passei por todos os “dedos” do território grego”. Ela tinha ido visitar a Grécia e viu todo o contorno do litoral grego. Como eu tinha dito.
Voce prosseguiu seus estudos em Lorena?
Em Lorena após tres anos conclui as faculdades de filosofia e pedagogia. Aprendi a estudar. Estudar não é decorar, se você não entender, não adianta nada. A primeira prova de filosofia que fiz, sai crente de que tinha tirado a nota oito ou nove. Tirei dois. Fui conversr com o orientador vocacional, era o Padre Valter Pini. Ele disse-me: “Primeiro você lê o texto para conhece-lo, depois irá ler uma segunda vez para entender aquilo que não entendeu na primeira leitura, palavras que você não conheça, na terceira leitura, ai você começará a guardar. Irá começar a compreeender, será quando saberá a matéria. Comecei a fazer esse jeito, não tive mais dificuldade. No último ano tinhamos exame de toda a filosofia, eram sete calhamaços de matéria, tudo em uma prova só. Você entrava na sala, o professor entregava um envelope, em cujo interior havia uma tese e um complemento. Tinha que desenvolver aquela tese e se quisesse o complemento. O tempo de prova era de quatro horas ou mais. Abri o envelope, das 35 teses que havia para a prova, eu sabia muito bem 30 delas. Após tres horas e pouco eu já tinha feito a tese e o complemento. Entreguei. Sabia que iria ter nota acima de oito. Tirei oito virgula oito no exame de toda a Filosofia. Pedagogia eu ja tinha terminado, fiz um trabalho sobre a educação na Idade Média. O nosso professor de pedagogia era formado em Roma, com publicações na Itália.
Qual foi seu próximo destino?
O superior usando o voto de obediência mandou-me para Campinas. Fui dar aula no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora de Campinas. Era internato. Fui cuidar dos alunos maiores. Nessa época já usava batina. O filho de um senador do Mato Grosso, da família Dezi, era meu aluno. Era mais velho do que eu. Permaneci lá por um ano. No final do ano meu superior mandou-me para São Paulo, os salesianos tem no bairro da Mooca, uma editora, fábrica de livros, cadernos, ficava na Rua Dom Bosco. Passei a tomar conta de uns 60 internos, que eram orfãos, eu tinha 19 anos. Eles estavam na faixa dos sete aos dezesseis anos.
Manter a disciplina não era muito fácil?
E a cara de bravo que eu faço! Os meus ex-alunos do Colégio Jorge Coury, de Piracicaba, podem dizer alguma coisa. Fui discipulo de Arlindo Rufatto, aprendi com ele. Na Mooca permaneci por um ano, apesar de cansativo foi um trabalho gostoso. Fim de semana escolhia uns dez ou doze internos que tinham e comportamento melhor, punha todos eles dentro de um kombi, levava farofa e frango e ia para a Praia do Gonzaga em Santos. Por volta de uma a uma e meia da tarde subíamos de volta para São Paulo. Isso incentivava os demais durante a semana. Trabalhei nesse período das seis horas da manhã até as onze horas da noite. Foi nesse ano que no dia das mães vim visitar minha mãe em Piracicaba, meu irmão estava fazendo o curso de Agronomia no quilômetro 47 do Rio de Janeiro. Recebi como premio ser professor no seminário, voltei para Lavrinhas. Eu não era padre ainda, era clérigo. Passei um ano como professor no seminário, dando aulas e cuidando os internos maiores. No final do ano fiz o pedido de renovação dos votos, só que já eram votos perpétuos. Fiz os votos perpétuos, fui para São Paulo, no Alto da Lapa, na Rua Pio XI, fazer os últimos quatro anos para ser ordenado como padre. Lá permaneci 1965 e 1966. Em dezembro de 1966 pedi minha carta liberatória e vim para Piracicaba.
Você desistiu de vir a ser ordenado padre?
Não era aquilo que eu queria. Lá não fui lecionar, fui estudar teologia. Fiz dois anos de faculdade de teologia. Tive a oportunidade de dar aula de religião em escola do Estado. Dia 6 de dezembro de 1966 deixei minha batina preta com um, tinha uma batina branca de linho deixei com outro
Ao chegar a Piracicaba, pensou em exercer qual atividade?
Decidi dar aulas. Meu avô queria que eu estudasse o curso de Direito. Eu pretendia ter vida própria, não queria ficar dependendo do meu avô. Uma tia, irmã do meu pai, disse-me que iria me apresentar nas escolas. No Colégio Jorge Coury quem estava respondendo pela direção era o Salles. Apresentei-me, ele disse que iria passar meu nome para o diretor, Arlindo Rufatto. Dali a uns dias o Arlindo me telefonou. Fui até o Jorge Coury, a pé. Arlindo disse que tinha gostado do meu jeito, queria que eu lecionasse em sua escola. Só que história já tinha professor. Ele disse-me: “Você vai dar aula de matemática”. Como eu tinha feito estatística, tinha o direito de dar aula de matemática. Ele me arrumou 18 aulas, isso foi em 1967. Eram professores: Conceição, Joana Falanghe, Clemência Pizzigatti, Persão, José Nogueira. O Arlindo ligou para o Adolfo Basili do Sud Mennuci me remendando para que eu também desse aulas lá. O Basili me arrumou mais seis aulas de filosofia no Sud Mennucci. No Sud fui colega de grandes mestres como Arquimedes Dutra, Costinha, Demóstenes, Benedito Andrade, José Salles.
Seus alunos ficavam em pé assim que você entrava na classe?
Alguns se levantavam, mas já não era mais um costume. A única professora que vi exigir que os alunos se levantassem quando ela entrava para dar aulas foi a Conceição. Quando ele chegava, os alunos se levantavam, ficavam ao lado da carteira escolar, ela dizia um bom dia e mandava que sentassem.
As escolas eram muito rigorosas com relação a uniforme escolar.
Isso sim. Eram muito exigentes com relação ao cabelo dos rapazes, cabelo comprido era proibido. No Jorge Coury Attilio Lafratta e Dona Margarida inspecionavam tudo. Dona Margarida verificava até a altura das saias das meninas, havia um padrão. Foi um tempo bom.
Como era Arlindo Rufatto?
Era uma pessoa exigente, mas justo. Muito enérgico.
Quanto tempo você lecionou no Sud Mennucci e no Jorge Coury?
No Sud Mennucci lecionei por três anos. Decidi dar mais aulas no Jorge Coury, onde lecionei matemática por uns cinco anos. Ai começou a existir a matéria Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política. Passei a dar aulas de matemática em Saltinho, comprei do meu sogro um Fusca branco ia toda noite lecionar lá. Deusdete Gobbo, professor de artes ia comigo. O José Maria também dava aula lá. Elias Sallum me convidou para dar aulas na Unimep de Estudos de Problemas Brasileiros. Nessas circunstâncias o Attilio Lafratta me convidou para dar aulas no Colégio CLQ. Comecei a dar aulas no Colégio CLQ, onde permaneci por 33 anos lecionando história. Somando os outros locais onde lecionei, dei aulas por 50 anos.