PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de outubro de 2020.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: FRANCISCO CONSTANTINO CROCOMO
GOSTO MUITO DOS QUADROS DELA !
A bacia hidrográfica do rio Piracicaba estende-se por uma área de 12.531 km². Foi utilizado como rota fluvial de acesso ao Mato Grosso e Paraná no século XVIII. Ao longo dos séculos XIX e XX, o rio foi utilizado como rota de navegação de pequenos vapores e como fonte de abastecimento para engenhos e fazendas de cana-de-açúcar e café. Por volta de 1960, o governo paulista decide reforçar o abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo e constrói diversas represas nas nascentes da bacia hidrográfica do Piracicaba, formando assim o Sistema Cantareira, maior responsável pelo abastecimento de água de São Paulo que capta e desvia águas dos formadores do rio Piracicaba, reduzindo assim o nível de água do rio e de seus afluentes. Muitas famílias tiravam o seu sustento do Rio Piracicaba, com a pesca abundante de peixes de grande porte como o pintado, o dourado, o cascudo. mandi e outros.
Francisco Constantino Crocomo nasceu em Piracicaba no dia 01 de setembro de 1954, em Piracicaba. Filho de Francisco Crocomo e Immaculada De Jayme (Immaculada com dois “emmes) e seria Di Giaimo o seu nome original. Eles tiveram 10 filhos: Celso, Celia, Magali, Eny (falecida), Francisco, João, Geraldo, Tarcísio, Paulo e Fernando. Todos nascidos em Piracicaba.
Qual era a profissão do seu pai?
Ele tinha uma funilaria, sua especialidade eram calhas, encanamentos e parte hidráulica. Depois de um bom tempo ele trabalhou com cobre e aço, fazendo tachos, cuscuzeiros, os cuscuzeiros da Rua do Porto foram feitos por ele. Meu irmão agora está fazendo também. O meu pai passou a trabalhar com cobre depois que se aposentou. Esse trabalho em cobre ele já tinha feito anteriormente com o pai dele, Giovanni Crocomo, aqui nos sítios da região. Na época havia muitos alambiques de pinga espalhados pela região.
Seus avós são originários de qual país?
Todos vieram da Itália Meridional e do Sul da Itália. Os avós paternos: Giovanni Crocomo veio de Rivello (Região de Basilicata) casado com Teresa Vidili que veio de Santa Domenica de Talao, região da Calábria. Os avós maternos são: Costabile Di Giaimo veio de Castelabatte na região de Campania, casado com Carmela Di Sapia a Di Giaimo sua origem é de Corigliano Calabro, região da Calábria.
Eles vieram do porto em Santos para Piracicaba?
Acredito que sim. Meu avô paterno foi um dos fundadores quando a colônia italiana de Piracicaba fundou o Clube Cristóvão Colombo em 1917, quando foi denominado como “Circolo Italiano Cristoforo Colombo”. Foi sócio da Societá Italiana di Mutuo Socorros di Piracicaba – Sociedade Italiana de Ajuda Mútua de Piracicaba. O Costabile era pescador na Itália, ele estava sozinho no Brasil, meu bisavô disse: “Vou mandar a minha filha vira para o Brasil! ”. Depois que eles se casaram ela perguntou o nome dele! Ela só sabia falar italiano, eles tiveram 16 filhos, que ele criou pescando no Rio Piracicaba. O Largo do Pescador, onde é a Igreja do Divino Espirito Santo, até a Rua Antonio Corrêa Barbosa antigamente chamada Rua do Sabão, aquela esquina até o Largo dos Pescadores era o casarão deles. Aí ele vendeu, o local onde estão o Largo e a Igreja, ficou com aquela parte em frente ao Clube de Regatas de Piracicaba. Minha mãe dizia que naquela época as terras eram baratas. Foi gravado um depoimento em uma entrevista feita por Haldumont Nobre Ferraz (Tiquinho) e filmada por Thimoteo Jardim, com duas filhas de Costabile, isso ocorreu há uns 20 anos. Na época a filha mais velha tinha 92 anos, presume-se que estamos mencionando fatos de 120 anos atrás. A minha mãe contava que as terras onde mais tarde foi construído o Clube de Regatas de Piracicaba chegaram a pertencer ao meu avô, que as vendeu baratinho. Há de se lembrar que o Rio Piracicaba era caudaloso e as enchentes eram de maiores proporções.
Além de pescar o seu avô exercia outra atividade?
Havia a extração de areia do Rio Piracicaba, utilizava nas construções. Ele subia a Rua Moraes Barros com a carroça puxada por mulas ou burros, carregada de areia. Eram destinadas a construção civil. Os peixes eram vendidos no Mercado Municipal, havia uma senhora que tinha banca de peixes, na época era muito conhecida, ela atendia pelo nome de Colaca. A minha avó costurava, ajudava na casa. A Irmã mais velha da minha mãe era chamada de madrinha, foi quem pediu para que o Tiquinho e o Thimoteo fizessem a gravação do seu depoimento, isso porque o meu avô foi pintar um casarão que funcionava em parte como escola, acima do Largo dos Pescadores, e ao raspar a pintura que estava se soltando apareceu embaixo, uma pintura anterior onde dizia: “Escritório de Navegação”.
O seu avô paterno, Giovanni Crocomo trabalhou em que setor?
A história dele é bonita! Ele fazia os alambiques de pinga, tachos para rapadura, nos sítios da região! Era uma atividade disseminada na região rural de Piracicaba. O meu pai e o meu tio Dudu que tinha a oficina e loja Caldeirão de Ouro, na Rua do Rosário, na Paulista aprenderam o oficio com o meu avô. Depois eles vieram a trabalhar também com inox.
Segundo a Professora e artista premiada, Clemencia Pizzigatti, já falecida, em depoimento ela disse que considerava seu avô um verdadeiro artista!
Foi um artista! E o meu pai também! Antes do meu tio montar a sua loja o “Caldeirão de Ouro” era na Rua Rangel Pestana, no centro. Tinha uma loja lá, “O Caldeirão de Ouro” era lá. Depois meu pai montou uma loja na Rua Benjamin Constant esquina com a Avenida do Café, depois ele montou na Avenida Armando Salles de Oliveira, na verdade quando eu nasci ele tinha a oficina na Rua Floriano Peixoto, eu nasci naquela casa. Nos fundos tinha a oficina do meu pai, ele tinha uma bicicleta. Veículos era para poucos. Os renomados professores da ESALQ utilizavam o bonde. Automóveis só existiam os importados.
Você iniciou o curso primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco?
Todos em casa iniciaram no Barãp. Ficava a duas quadras e meia de casa, íamos a pé. Minha primeira professora foi Dona Maria, depois acho que foi Dona Neusa Corazza, o Diretor era o Nizar.
De lá você foi estudar o ginásio no Colégio Estadual Dr. Jorge Coury?
Fui. Lá fiz o ginásio e o colégio. Inicialmente era na Rua Aferes José Caetano e depois foi construído o prédio novo. Os professores que lecionaram ali marcaram a nossa história. O nível de ensino na esnoba publica era extremamente rigoroso. Os alunos sa8iam com conhecimento, concorriam nas universidades de primeira linha. E entravam. Usávamos uniformes impecáveis: camisa branca, com o brasão da escola bordado no bolso da camisa, do lado esquerdo do peito, calça cinza-chumbo, meias cinza-chumbo, sapatos pretos, engraxados, das marcas Passo Doble ou Vulcabrás. Cabelos aparados. As meninas eram inspecionadas uma a uma pela Dona Margarida Ritter, uma senhora de estatura miúda, dedos pequenos e finos, as saias não podiam estar mais do que dois dedos acima do joelho. Os meninos passavam um a um pela inspeção rigorosa de Miguel Salles. O professor era respeitadíssimo. Na entrada do professor na sala de aula os alunos levantavam-se até que o professor mandasse sentarem. As datas cívicas eram comemoradas com solenidades. Tudo isso nos uniu e deixou uma saudade maravilhosa.
Sua mãe como fazia?
Imagine, com 10 filhos! Ela tinha que se desdobrar para manter isso tudo na linha. Já tinha filho fazendo o Tiro de Guerra, onde o nível de exigência é maior ainda. A farda tinha que estar impecável, passada, o coturno reluzente, ela dava conta de tudo sozinha! Uma vez ou outra que teve alguém que ajudou! Hoje com um ou dois filhos as vezes reclamamos, imagine ela com 10! Tudo bem que os mais velhos ajudavam a olhar os menores, mas não é fácil!
Outro fator que passa desapercebido, mas que é real, é a questão da alimentação, as diferentes faixas etárias, horários, também exigem alguns diferenciais, além do fator financeiro, que nessa escala pesa muito.
Meu pai sempre foi extremamente zeloso nesse aspecto. Ele literalmente trabalhava para a família. A gente se ajudava. Tinha que ajudar em casa. Tínhamos um bom quintal, haviam galinhas, ovos, frutas.
Na época não tínhamos televisão!
Quando começou a transmissão de televisão eu ia na Rua Moraes Barros, eu tinha minhas tias que moravam lá. Uma delas tinha adquirido uma televisão. Sentávamos em frente a televisão. Lembro-me de que a gente se aprontava, penteava o cabelo para ir até lá. Ficávamos sentados no chão, e tinha que nos aprontai porque o homem do outro lado da tela estava vendo-nos! Tinha que ter uma disciplina! Minha tia falava e acreditávamos: “ Olha lá o homem está vendo! ”. E nós acreditávamos. Tinha que se portar em frente a televisão.
Houve em sua família um fato muito importante tendo como referência a queda do COMURBA?
Morávamos na Rua Floriano Peixoto, três dos meus irmãos saíram para ver o Museu de Cera, o mais velho foi tomando conta dos dois mais novos. Eu fiquei estudando com a minha irmã. Ficava nas proximidades do Edifício Luiz de Queiros, em construção. O Edifício Luiz de Queiroz, conhecido popularmente como COMURBA, foi um prédio que começou a ser construído em 1950 e em 1964, estava em fase de acabamento, época em que desabou parcialmente. Minha tia Luzia (Seu nome correto na Itália é Lucia), casada com o meu tio Augusto, morava ali na Rua Moraes Barros, ela fazia um bolo, um café que era uma delícia. Eu estava escutando o rádio com a minha mãe, deram a notícia de que tinha caído o COMURBA. Lembro-me daquela poeira. Minha mãe, minha irmã e eu ficamos desesperados. Não deu um minuto e eles ligaram da casa da madrinha, irmã da minha mãe e disseram: “Avisa a mãe que viemos comer um bolo aqui! Depois nós vamos no museu”. Esse museu ficava na Rua Moraes Barros, perto da Pinacoteca. Costumo falar que o bolo da madrinha salvou os três!
Teve um período em que você foi coroinha?
Teve sim! Fui coroinha na Igreja dos Frades. Eu tinha por volta de 10 anos. Fui Presidente dos Coroinhas, Cordigero. As dependências da igreja englobavam uma área grande, tinha até um cafezal, um campo de futebol onde jogávamos. E também por conta do meu irmão mais velho ter estudado no Seminário Seráfico São Fidélis, éramos muito próximos, íamos jogar futebol no Seminário.
Lembra-se dos dias de casamento?
Muito! Havia uma passadeira enorme em uma espécie de carretel, o tapete ia da entrada da igreja até o altar, desenrolar e enrolar dava um bom trabalho. Mas tinha também as peraltices próprias da idade, após a cerimônia, os noivos iam ao salão de festas, que ficava em frente a igreja. O normal eram dois coroinhas auxiliarem o celebrante. Era relativamente comum ir quase uma dezena de coroinhas na festa, entravam como se tivessem ajudado na cerimônia. Havia uma tolerância por se tratar de crianças e eram integrados aos festejos e comilanças. As famosas quermesses realizadas em um amplo espaço ao lado da Igreja dos frades, as festas juninas. Com o passar do tempo, já, adolescentes havia a paquera, nas festas havia o tradicional “Correio Elegante”, mas aos domingos após a missa de vez em quando ia tomar um sorvete na Padaria INCA ou de vez em quando ia ao cinema.
Quem fazia as hóstias eram a irmãs do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe. Você chegou a ir buscar?
Fui! Elas sempre davam retalhos que adorávamos. Essas pequenas coisas tinham um significado muito importante em nossas vidas.
Os apitos de trem!
Eu morei na Avenida Independência, ao lado passava a linha do trem da Estrada de Ferro Sorocabana, teve muitos acidentes ali, chegamos a socorrer pessoas acidentadas. Na Avenida 31 de Março. Onde hoje tem um hipermercado sempre tinha circos, parques. Ali havia uma bica, chamada Olho da Nhá Rita.
Francisco Constantino Crocomo após o concluir o curso colegial na Escola Estadual Dr. Jorge Coury. Você prosseguiu seus estudos em que área?
Entrei na UNIMEP, entrei em 1973 na ECA – Economia, Contabilidade e Administração. Logo passei a dar aulas na UNIMEO, foi quando fiz o Mestrado em Economia e Sociologia Rural da ESALQ. Me formei Mestre em Economia Rural. A seguir lá mesmo fiz o Doutorado em Economia Aplicada.
Você tem uma veia artística voltada para a escultura em madeira?
Tenho muita facilidade em trabalhar com madeira. Faço isso como lazer. Tive a agradável surpresa em ser premiado no Salão Internacional de Humor com uma escultura em madeira que provocava a reflexão.