PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de setembro de 2020

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: NATAL ANTONIO DE OLIVEIRA

                        (NATAL BOMBEIRO)

 

                                                 

                                                                                             

Natal (Arquivo pessoal)

                                                           



Natal Antonio de Oliveira é conhecido pela população como Natal Bombeiro, quem não o conhece pessoalmente pelo menos já ouviu mencionarem o seu nome. Um soldado da paz, Natal salvou inúmeras vidas, conviveu com situações quase sobre-humanas, destemido, nunca mediu esforços para fazer aquilo que mais gosta: salvar vidas. Sempre de bom humor, prestativo, já vivenciou cenas que poucos seres humanos suportariam ver. Após sua narrativa, perguntei a esse herói se a coleção de medalhas que ele recebeu por mérito é grande. Ele sorri, e com aspecto franco diz: ganhei uma medalhinha por fazer um salvamento quando eu estava na hora da minha folga. Para ele as medalhas são as vidas que ele salvou.

Você nasceu em qual cidade?

Nasci aqui em Piracicaba, em 24 de dezembro de 1954, no final da Rua do Porto, 2.197 se não me engano, próximo as olarias que existiam na época, próximo ao Bar do Lelé. Hoje lá onde eu morava funciona o Restaurante Vila Porto. São seus pais Luiz Antonio de Oliveira e Carmen Granado, que tiveram nove filhos, sendo que um deles, o mais velho de todos, faleceu precocemente… São seus filhos: Margarida, Neide, Luiz, Izabel, Carmen, Pedro, Zelita e Natal. Meu pai era pescador, nasceu ali na beira do Rio Piracicaba, na época era uma profissão como outra qualquer, ele aposentou-se pela Marinha do Brasil, o Piracicaba era um rio piscoso: tinha inúmeras espécies de peixes, os mais famosos eram os pintados, dourados, cascudos, mandis, e muitos outros. Lembro-me de que para conservar o peixe meu pai deixava os pinados amarrados no bote, imersos na água do rio, a espera de comprador. Como a abundância de peixe era grande, ficava difícil vender!

Toda essa família vivia em função da pesca?

Todos! Meu pai nos criou com pesca, após certo tempo a minha mãe mudou-se para a Rua XV de Novembro, 264, próximo à Rua do Porto, ali a minha mãe montou uma lojinha de roupas, armarinhos em geral, ela ia adquirir em São Paulo e trazia para vender aqui.

Ali você estava pertinho do Clube de Regatas de Piracicaba (Fundado em 12 de outubro de 1907)?

Eu só fui frequentar o Regatas com 14 a 15 anos. Estudava na Escola Estadual Francisca Elisa da Silva que ficava na Rua XV de Novembro, o prédio existe até hoje, a escola foi transferida para o Jardim Monumento. Ali fiz o curso primário. Minha primeira professora foi Dona Justina. Naquele tempo íamos descalço para a escola, com o bornal, que chamávamos de “borné” uma sacola de tecido onde levávamos o material escolar, que era pouco, um caderno, um livrinho chamado “Caminho Suave”, um lápis, a caneta só usava a partir do segundo ano escolar, era caneta tinteiro, a esferográfica surgiu quando estava no terceiro ano. Toda carteira escolar tinha um orifício largo o suficiente para colocar o vidro com tinta “Azul Royal”, tinha que levar penas de reserva, era comum quebrar ou entortar a pena da caneta, por onde saia a tinta. Isso me faz lembrar dos antigos barbeadores, onde o aparelho era sempre o mesmo, trocávamos a lamina, a gilete. Era extremamente importante ter o “mata-borrão” Papel mataborrão é um tipo de papel muito absorvente. É usado para absorver o excesso tinta. Lembro-me do caderno de caligrafia.

A carteira escolar era feita para comportar dois alunos?

A nossa escola era mista, tinha meninas e meninos. Ao meu lado sentava uma menina.

Com essa idade você já trabalhava?

Perto de casa, ali na Rua XV de Novembro, o Virgílio fabricava pequenos automóveis de brinquedo em madeira, com 10 a 11 anos eu já trabalhava ali. Ficava na Rua do Vergueiro, fabricava-se muitos caminhõezinhos de madeira. O Virgílio era famoso no seu ramo de negócio. Com 11 anos fui trabalhar na Sapataria Santana, na Rua XV de Novembro, na área central de Piracicaba. O proprietário era o Mário Malusá. O dono da Relojoaria Rubi, o Seu Rui era o proprietário e me levou para trabalhar lá. Era uma relojoaria muito fina, frequentada por pessoas chiques, ficava no coração comercial da principal rua de comércio, a Rua Governador Pedro de Toledo.

Qual era o seu trabalho lá?

Eu trabalhava junto com o Seu Pizzani, ele fazia alianças e nós dois políamos. Ele me ensinou a utilizar umas pedras, borrachas, era uma arte. Ele fabricava manualmente anéis, alianças. (Era muito comum cada profissional ter um anel simbólico da sua profissão). O sonho de muitos é ter em seu dedo um desses anéis.



Você trabalhou depois em que lugar?

Fui Guarda Mirim por seis anos, no tempo do Comandante Frederico Ciappina Neto. Através da Guarda Mirim fui trabalhar no Banco de Minas Gerais. O banco me efetivou como contínuo. Saí da Guarda Mirim e passei a ser funcionário do banco.


                     Frederico Ciapina, comandou a Guarda Mirim de Piracicaba

Você permaneceu no banco?

Piracicaba por um período viveu uma “febre” de tobogãs (Pista ondulada e, geralmente, inclinada que pode ser usada para deslizar ou escorregar). O gerente desse empreendimento era um amigo meu, no banco eu já trabalhava com valores, esse meu amigo precisa de alguém com experiência e responsabilidade. Convidou-me para trabalhar na bilheteria, na época pelas mais diversas razões, o Tobogã passou a ser o centro de atenção da cidade. O afluxo de pessoas era enorme. Trabalhei ali onde funcionou o antigo Pronto Socorro, na Avenida 31 de Março, próximo a Avenida Independência. A seguir montamos na Vila Rezende e em seguida fomos para Santa Bárbara D`Oeste. Ir de Piracicaba para Santa Bárbara D`Oeste naquele tempo era uma viagem. Era pista de uma via só, cheia de curvas fechadas, a velocidade era baixa, ia com ônibus da AVA – Auto Viação Americana.

Quando você ingressou no Corpo de Bombeiros?

Foi depois disso. Aos vinte anos.

O que levou você a ingressar no Corpo de Bombeiros?

Sempre tive vontade de ingressar no Corpo de Bombeiros. Como eu morava na Rua do Porto eu estava acostumado a nadar no Rio Piracicaba, eu nadava muito bem, conhecia bem o Rio Piracicaba. Uma vez o Mariano, meu amigo que era bombeiro disse-me: “Vai fazer o curso de bombeiro! ” Acendeu uma luzinha! Meu cunhado, hoje major aposentado, casado com a minha irmã, disse-me: “-Vai fazer o exame para admissão! ”. Fui em Campinas fazer o exame. Passei! Aí fui fazer a escola em Santos, fiquei um bom tempo em Santos, São Paulo, Campinas e voltei para Piracicaba.


                                               10 caminhões diferentes

No tempo em que você era criança, era comum atravessar o Rio Piracicaba nadando?

Para nós era a maior moleza! Quando tinha a Festa do Peixe, havia uma brincadeira chamada “Caça ao pato”. Nós conseguíamos pegar o pato dentro da água, veja se nadávamos bem! Soltavam os patos dentro da água, nós íamos nadando, éramos grupos de cinco ou seis moleques em cada grupo. Hoje seria até proibido deixar uma criança entrar no rio, naquela época isso era um fato normal. Mergulhávamos, víamos mais ou menos onde estava a ondinha que ele deixava, ía em cima dele e pegava.

Você saltava do trampolim que existia no Rio Piracicaba, ao lado do Clube de Regatas?

Saltava muito! Do piso mais alto. Nadava muito no Mirante! Saltava lá também! Nós conhecíamos tudo, cada pedra do Rio Piracicaba. Ia no Salto do Rio Piracicaba, de manhã, levava sal, óleo, pescava o peixe, limpava, aquele grupo de crianças, fritávamos ali mesmo.

A Rua do Porto tinha saída lá em cima, perto de onde hoje é o Museu da Água?

Tinha, mas era uma estradinha de terra. Era um lugar onde os caminhões de cana-de-açúcar subiam, para irem descarregarem no Engenho Central, nós puxávamos algumas canas para fazer garapa, isso com o caminhão andando, devagar, mas em movimento.

Geralmente a molecada não nadava com roupa, deixavam na margem do rio. Tinha quem escondia essas roupas?

Nadar ali era proibido, o Juizado de Menores que vinha pegar as nossas roupas. Às vezes era a Guarda Municipal, mais conhecida na época como Guarda Noturno, que fazia isso. Com isso faziam com que fossemos até onde eles tinham a sede e fossemos obrigados a chamar nossos pais, na presença dos quais eles devolviam as nossas roupas, com as advertências sobre os perigos que corríamos. De fato, era perigoso, só que éramos acostumados com o rio.



E as pedras do Salto do Rio Piracicaba são extremamente lisas?

Muito lisas! Na época usávamos Alpargatas Roda para pode andar lá, cor de mosaico, popularmente chamada de “enxuga-pocinha”. Era uma lona por cima e corda como solado. Quem ia andar no Salto tinha que usar aquilo ali. Só quendo pisava em um mandi o ferrão atravessava. Tinha que tirar a alpargatas, para arrancar o ferrão do mandi que estava no pé. Na hora era muito dolorido.


Você chegou a pegar cascudo?

Muito! Pegava cascudo na toca. Inclusive eu ajudava o Trovão e o Jair na rede para pegar cascudo. Acima de onde hoje está a Ponte do Lar dos Velhinhos, lá em cima. Arrastava a tarrafa e a rede para pegar cascudo. Eles viviam disso aí. O Leo Trovão era fiscal aposentado, a pesca era o complemento do salário dele. O Leo Trovão foi Rei Momo do Carnaval de Piracicaba, isso foi por volta de 1965. O Jair matou o Leo Trovão, seu próprio pai. O Leo Trovão era conhecidíssimo na Rua do Porto. Até hoje tem muita gente que o conheceu.

Você desfilou em algum carnaval?

Eu saí na Equyperalta. Fazia ensaio no Clube de Regatas, sai nos dois ou três anos logo que eles montaram, depois não saí mais.

No Clube de Regatas você usava os sandolins?

Andava de sandolim, de catraia, remo com patrão, o Seu Celso tomava conta dos barcos, era também treinador de quem usava os barcos. O Seu Júlio, pai do jornalista Carlos Nascimento fabricava os barcos.

E as Festas do Divino como eram?

Eu participava de todas! Desde criança eu gostava. Cheguei a ser festeiro do Divino também em 2015. Existe um cerimonial muito respeitoso, o agradecimento para quem conseguiu um milagre.

Voltando um pouco em sua trajetória de vida, o ginásio você fez aonde?

Fiz em São Paulo, naquele tempo havia o Curso de Madureza. Continuava morando em Piracicaba. Quando fiquei em São Paulo trabalhando, morava no quartel mesmo. Naquele tempo para entrar para o Corpo de Bombeiros era exigido só o curso primário. Depois fiz o ginásio. Na época eu já tinha habilitação para ser motorista. Para dirigir viaturas precisa ter cursos especial. Fiz diversos cursos, de bomba, de auto em bomba, caminhões com escadas específicas. São meses de treinamento para aprender o mecanismo de cada viatura.

Você foi operador da escada Magirus?

Fui, em Piracicaba fui. Apesar das viaturas serem importadas, um dos bombeiros ia fazer os cursos no exterior, vinha um instrutor do fabricante para dar cursos, aqui íamos repassando os conhecimentos. Se eu fosse a São Paulo aprender sobre determinado equipamento, repassava os conhecimentos para o pessoal de Piracicaba.

Na época qual era o alcance de uma escada Magirus?

A que veio para Piracicaba tem o alcance até 60 metros. Tem a menor que alcança 18 metros. A que eu dirigia já tinha o elevador que levava o bombeiro lá em cima. Antes tinha escada que precisava subir pelo degrau.

                                                                            Natal (Arquivo pessoal)


Em Piracicaba você combateu grandes incêndios?

O incêndio na Casa Moniz foi de grandes proporções. Era uma grande loja na Rua do Rosário, em frente a então Brivest outra loja de muita fama.

Em sua juventude você jogava futebol?

Joguei em vários times na Rua do Porto: no Beira Rio, União Porto, no McLaren. Nunca fui bom de bola.

A turminha da Rua do Porto era respeitada na época!

Os moradores da Rua do Porto eram sempre os mesmos, quando vinha alguns de fora do bairro poderia sair alguma confusão. Isso ocorria em vários bairros da cidade. Assim como o pessoal da Vila Rezende também tinha alguma dificuldade de aceitar gente estranha no bairro. Quem morava na Rua do Porto era pacato, bom, era uma família. Até hoje, os moradores ficam em suas casinhas, só que as vezes aparece um pessoal fazendo bagunça.

Um nome famoso era o Tangará.

Tangará foi muito famoso pelos peixes que dispunha, na frente ficava o Seu João Garcia. Hoje é o Restaurante Petisco e Cia. Quem tinha em outro local a Peixaria Garcia era o Paco Garcia. A casinha do Paco Garcia existe até hoje ao lado do Mercadinho do Porto. Seu filho continuou o negócio do pai, já em uma escala empresarial, hoje um nome que está espalhado em muitas localidades, o Bom Peixe. Uma característica da época era que as famílias em média tinham oito, nove, dez filhos.

As famosas enchentes do Rio Piracicaba chegavam até a sua casa?

Uma época morei na Rua XV de Novembro 67, as águas do Piracicaba chegaram lá! Na verdade, o pessoal já está acostumado, fica precavido, então não era novidade, já sabíamos que tinha que erguer as coisas, tinha que sair da casa, ia até a casa de um parente, sem descuidar da casa, para evitar furtos, a turma que morava na Rua do Porto sabia todos como se virarem. Na época de safra o meu pai fazia bico: atravessava de barco o pessoal que ia trabalhar no Engenho Central. Na época só existia a Ponte do Mirante como é popularmente chamada a Ponte Irmãos Rebouças. Lembro-me da Chacara do Morato, com a entrada, uma alameda de eucaliptos. Ao fundo uma mansão. Na época não existia a Avenida Dr. Paulo de Moraes, era tudo Chácara Nazareth. Não existia nem a Rua Ipiranga que sai hoje na área de lazer. Onde é o SESC havia uma plantação de eucalipto e uma britadeira de pedras, era a pedreira do Adamoli. Quando éramos crianças íamos pegar eucalipto para fazer pau de sebo do Judas. No final da Rua Rangel Pestana tem uma enorme saída de esgoto, era comum jogar a criançada que subia no pau de sebo e jogar no poço de fezes, esgoto, tudo misturado. Era um ritual todo ano. Eram 20, 30 a 40 crianças, ninguém ficava sem cair no poço de fezes.

Mas e o risco de uma contaminação?

Então! Ninguém ficava doente! Quando jogava bola no nosso campinho na beira do rio, bebia água do Rio Piracicaba! Entre a Rua XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana, o então prefeito Nélio Ferraz de Arruda fez um campinho de areia.

O Rio Piracicaba também não era tão poluído?

Não era, de jeito nenhum. Hoje, o bombeiro para mergulhar tem que ter uma roupa própria para não ter muito contato com a água.


                                                                              Natal (Arquivo pessoal)

Você passou um período morando em Santos, quando chegou lá qual foi a sua reação?

Naquele tempo era comum fazer excursões para Santos. Eu tinha ido duas vezes para lá. Quando cheguei para morar a emoção foi grande. O quartel ficava próximo a Rua Conselheiro Nébias. O treinamento nosso incluia subir e descer correndo o Monte Serrat. Votava colocava roupa de praia e dava a volta na ilha nadando, voltava para o quartel correndo. Só depois disso o comandante nos dispensava. Por dois anos fui salva-vidas na praia.

Qual é a pior coisa que um salva vidas enfrentava?

Sujeito bêbado! A época era outra, havia o respeito do cidadão civil para com o militar. Mas as vezes tinha que ter alguma atuação física se a pessoa estive muito alterada.


Quantos homens tinha no seu destacamento?

Por dia na ordem de 120 homens. Naquele tempo o bombeiro ia em pé em cima de um estribo atrás da viatura. Era bonito de se ver. Hoje é proibido. As viaturas eram de fabricação nacional. Hoje temos muitas importadas, com recursos sofisticados. De manhã, ao tomar posse do posto o condutor tem que revisar todos os detalhes da viatura. Desde uma lâmpada queimada, fluidos, calibragem de pneus, tudo que existir na viatura é da inteira responsabilidade de quem está assumindo o posto.





Quanto tempo você ficou em Santos?

Foram dois anos, a seguir fui removido para São Paulo. Até então, eu não era considerado bombeiro e sim policial militar da infantaria. Fui fazer um Curso de Infantaria e Equipamentos para Bombeiros no Barro Branco. Vim para Campinas, Depois voltei diversas vezes para São Paulo para fazer cursos de salvamento, de mergulho, sempre fazendo aperfeiçoamento. O curso de mergulho é dado em rio, mar, noturno.



Você veio para Piracicaba como bombeiro em que ano?

Foi por volta de 1979 a 1980, dei baixa em 2008. Hoje há muito cuidado com a prevenção de incêndios. A cada cinco anos é exigido o AVCB Atestado de Vistoria do Corpo de Bombeiros de edifícios, empresas, comércio. Há uma vistoria prévia do projeto.

                                           PRIMEIRA AMBULÂNCIA DO BRASIL

O que proporciona maior número de ocorrências em Piracicaba?

Acidentes de motocicletas. Todos os dias ocorrem. Hoje trabalham os bombeiros e o SAMU. Diminuiu um pouco a sobrecarga dos bombeiros. O SAMU trabalha bastante.


Após um dia com ocorrências chocantes, como é o estado psicológico do bombeiro?

Bombeiro não é super-homem, não é machão. Quando começa tem bombeiro que tem medo até de cadáver! Ele não tem muita pré-disposição para mergulhar e trazer a tona um cadáver, ir buscar um cadáver no meio do mato. O dia a dia vai fazendo com que ele se acostume, ninguém entra nesse serviço insensível, isso é do ser humano. Com o passar do tempo ele passa a encarar com mais coragem, disposição. Eu ia no Tanquã, buscar o corpo de afogados, são cinco horas de barco, trazia até o Clube Regatas. Na época a viatura da polícia tinha dificuldades em chegar lá. Não tinha viatura geralmente trabalhávamos em dupla. Na época os recursos eram escassos. Colocávamos pó de café no nosso nariz, para disfarçar o odor. Geralmente eu era o piloto do barco, todo aquele cheiro forte ficava impregnado em mim. Era uma semana para sair. Diluia creolina e dava uma borrifada no meu próprio corpo.

Era muito rustico!

Demais! Não tinha equipamento, nem proteção, hoje usa-se luvas descartáveis, na época eram luvas de borracha, usava, deixava no quartel de molho em uma solução e depois lavava e usava novamente. Graças a Deus isso não existe mais. Cada um tem seu pacote de luvas descartáveis. Máscaras de proteção.


                                                                                Natal ( Arquivo Pessoal) 



Você salvou um cavalo?

Foi em Tupi, um cavalo caiu dentro de um poço com a pata para cima. Desci, passei uma corda, com muito cuidado para não quebrar nada dele. Ele movimentou-se, desceu muita terra em cima de mim, quase morri ali dentro. Subi, puxamos ele, ele permaneceu um tempinho deitado, dali a pouco levanta o cavalo, firme. O dono chorava, era a única coisa que ele tinha. Teve um caso que deu muita repercussão (Natal mostra os recortes de jornais da época, com matérias detalhadas). Foi um caso de uma mulher em Rafard, ela permaneceu por 25 horas dentro do rio, todo mundo já dava ela como morta, nós a resgatamos com vida. Ela tinha cinco filhos, foi apanhar cambuquira na beira do rio, ela caiu, colocamos o barco no rio e fomos descendo pela correnteza, dali a pouco ela se meche no meio de uns entulhos. O Marido estava procurando ela, só nos chamaram após muitas horas.

Você tem filhos?

Tenho três: Natalia, Jader e Marcelo.



Você tem alguma religião?

Sou católico, frequento, faço parte do Terço dos Homens, do Salão do Divino na Rua do Porto, toda terça-feira.

Natal, você salvou muitas vidas, prestou socorro, e fez um trabalho muito difícil, que é o resgate de corpos. Alguns casos transcuremos, outros preservamos.  Qual é a principal característica do bombeiro?

Tem que ter amor a profissão! Se não gostar não consegue suportar, encontramos coisas muito difíceis de ver, sentir ou aceitar.

 

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