PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de fevereiro de 2019.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 02 de fevereiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: ANGELO ALBERTO BERTOCCO
ENTREVISTADO: ANGELO ALBERTO BERTOCCO
Quem tem o maior número de dados precisos de uma empresa, independente do seu porte, está fadado a fazer as correções necessárias. Ter um histórico que permite prever o futuro. E com isso obter sucesso. Salvo as exceções de filhos pródigos, hábitos dispendiosos e outros meios de gastar mais do que recebe. Atualmente o empresário brasileiro tem uma das mais pesadas cargas tributárias, nossa burocracia é arcaica, com um cipoal de leis, não somos nem práticos nem objetivos. Algumas leis são tão esdrúxulas que o próprio profissional de contabilidade tem que ter um tempo para poder entendê-la. Conforme narra o escritor Clemente Nelson de Moura em seu livro a História da Contabilidade em Piracicaba, tivemos o privilégio de termos escolas de contabilidade, formando uma base sólida para as empresas. O Professor José Romão Leite Prestes, mudou-se de São Paulo para Piracicaba em 1845, fundou uma escola que chegou a ter 200 alunos. Entre outros ensinamentos os alunos faziam a “escrituração boa e limpa”. Jeronymo José Lopes de Siqueira foi Escriturário do Engenho Central. Outro guarda-livros foi Francisco Pimenta Gomes que a 12 de agosto de 1882 anunciou leilão de bens e vendas de escravos no Tabelião dos Pescadores. Piracicaba teve muitas escolas de contabilidade com excelentes professores: A Escola de Comércio Prudente de Moraes, com sede na Sociedade Beneficente Operária, em meados de 1921, o Professor, Dr, Jorge Canaan fundou na Rua do Rosário o Curso Prático Comercial. Dr. Jorge Canaan, era imigrante libanês, fixou-se no Rio de Janeiro onde estudou contabilidade, e mais tarde formou-se em Direito. Foi grande amigo de Dr. Noedy Kraembhul e Jacob Diehl Neto que sempre o estimou e admirou. Quando Jorge Canaan faleceu Jacob caiu em prantos (há documentação a respeito). Hoje existe em São Paulo a Rua Jorge Canaan, há pós-doutorados realizando pesquisas sobre a importância do seu trabalho (Há documentação a respeito). Grande orador, tinha o brilho que hipnotizava a sessão do tribunal em São Paulo, Rio de Janeiro e Piracicaba. Outras escolas de Contabilidade abriram e com o tempo encerraram suas atividades. A Escola Técnica de Comércio Cristóvão Colombo inicialmente denominada “Curso Commercial Christovam Colombo” foi fundada em 12 de outubro de 1913 pelos professores Pedro Zalunardo Zanin, diretor, e Adolpho Carvalho, vice –diretor. Pedro Zanin era guarda-livros da Usina Monte Alegre, emprego que deixou assim que fundou a escola. Após funcionar em diversos locais, em fins de dezembro de 1943, passou a funcionar na Praça José Bonifácio, 930, telefone 366. Até 1936 já haviam sido diplomados 440 alunos, sendo que muitos ocupavam funções importantes. Ângelo Alberto Bertocco tem uma estreita ligação com a Escola Técnica de Comércio Cristóvão Colombo. Ângelo Alberto Bertocco nasceu a 20 de outubro de 1932 em Brotas, é filho de Waldomiro Bertocco e Nina Yarid Bertocco que tiveram os filhos Ângelo e Marcus Antônio.
Até que idade o senhor permaneceu em Brotas?
Até os 14 anos. Estudei no Grupo Escolar Morais, nome dado ao Grupo Escolar de Brotas inaugurado em 15 de janeiro de 1912. Lá estudei até o quarto ano primário. Meu pai sempre trabalhou em comércio, teve bar, sorveteria, confeitaria, Já aos onze anos batia sorvete, fazia sorvete de massa, o sorvete de palito tem o momento certinho do colocá-lo no sorvete. Os sorvetes mais procurados eram o de limão, de massa o creme holandês, coco, coco queimado, abacaxi vendia bem. O sorvete de groselha era de palito. Eram sorvetes feitos com a própria fruta. O bar de propriedade do meu pai chamava-se “Bar Meia Noite”. Trabalhei com o meu pai também quando ele vendia retalhos de tecidos por peso.
Com 14 anos o senhor veio para Piracicaba?
Vim sozinho, de jardineira. Ia até Torrinha e de Torrinha para Piracicaba. Ou então de Brotas até Rio Claro e de Rio Claro para Piracicaba. A estrada era de terra, levantava uma poeira! Quando chovia era um barro só! Aqui fiquei na casa de uma madrinha minha Tereza Cardinalli. Dia 20 de outubro de 1947 completei os meus 15 anos de vida. Minha madrinha foi embora para São Paulo em 31 de dezembro de 1948. Fiquei um ano e pouco na casa dela. Nesse meio tempo trabalhei em lanchonete no “Café Broadway” ao lado do Cine Broadway. Logo ali na esquina da Rua São José com a Rua Alferes José Caetano era a Funerária Libório. Trabalhei em bar, em uma loja “Casa São Carlos” ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, entre a rua Rangel Pestana e a rua Pedro II, era do Sr. Antonio Tanus. No início o Sr. Antonio achou que eu não estava preparado para vender roupas finas. Com o tempo fui me aperfeiçoando, depois ele não queria que eu saísse da loja. Nesse tempo eu estava fazendo a primeira série na Praça José Bonifácio, 930, na Escola Técnica de Comercio Cristóvão Colombo. A filha do Seu Zanin era Dona Evelina Zanin. Em 15 de maio de 1939 faleceu Pedro Zalunardo Zanin, assumiu a direção da Escola seu filho, o Contabilista Antonio Ítalo Zanin. Fui falar com Seu Antonio Zanin, que era o diretor, disse-lhe que teria que sair da escola. Ele queria saber o porquê, expliquei, ele disse-me: “Você não vai embora, vai trabalhar aqui!” Passei a trabalhar como auxiliar de secretaria. Eu já estava na segunda série. Nesse período minha madrinha estava mudando para São Paulo, Seu Antonio disse-me: “Eu arrumo um lugarzinho para você aqui.” Era um quartinho. Conclusão lá eu morava, trabalhava e estudava! A Escola foi para mim uma família!
No tempo em que o senhor trabalhou na Escola Cristóvão Colombo ela ficava em qual local?
Ficava na Praça José Bonifácio, existia o Cine Politeama, ao lado o Passarella, que era famosa pelas balas e doces, hoje acredito que no local foi construído o estacionamento do Bradesco. Um pouco depois do Passarella era a Escola. O prédio foi derrubado para construir o Banco Itaú. Antes, ao lado da escola, para quem olha na entrada, do lado esquerdo havia uma pastelaria. Estava ainda instalado naquela quadra o Cartório do 2º Ofício. Tendo à frente Mozart Aguiar e Cícero Portela. Entre o Cartório e a pastelaria, havia um corredor que dava acesso a uma escada. Ali era a Escola Cristóvão Colombo. Eram dois andares.
Quantos alunos frequentavam a Escola Cristóvão Colombo?
Chegou a ter 600 alunos! Havia sete classes de manhã, três classes a tarde e sete classes à noite. Os cursos eram: Comercial Básico e Técnico em Contabilidade. Esses dados eu sei porque fui subindo de posto, comecei como auxiliar, passei a Secretário, ajudava alunos em aulas, cheguei até a responder pela Diretoria quando seu Pedro faleceu.
Havia um controle rígido de presença de alunos?
Havia! Era uma escola com excelentes professores. Naquela época havia outra escola de contabilidade no Instituto Piracicabano e na Vila Rezende, na Escola Imaculada Conceição, que os alunos encarregaram-se de denominar “Escolinha do Carequinha”. Coisa de aluno. Eu não cheguei a conhece-lo, mas havia um escultor, Cienfuegos, que esculpia em madeira belíssimos quadros, verdadeiras obras de arte, com o local próprio para colocar a fotografia do formando. A ESALQ conserva muitos desses quadros com as fotos dos seus formandos.
Em que ano o senhor saiu da Escola Cristóvão Colombo?
Saí em 1980. Em 1984 a Escola de Comércio Cristóvão Colombo encerrou suas atividades. Um dos grandes professores foi o Dr. Frederico Alberto Blaauw. O Monteiro, da Casa Monteiro situada na Avenida Rui Barbosa, era um dos alunos que acompanhavam as aulas do Professor Blaauw com a máxima atenção. Não faltava de jeito nenhum. Aprendeu, formou-se contabilista e hoje atua no comércio. O Monteiro foi um dos alunos que eu admirava. O aluno aprendia português com o Professor Blaauw. A Escola Cristóvão Colombo primava pelos seus professores, Professor Acácio de Oliveira Filho, Affonso José Fioravante, Alfredo do Amaral Filho, Antonio Romero, Antonio Buco, Deusdedir Gobbo. Dr. Aurélio Scalise, Geraldo Bragion, Lourdes Aparecida Rocha Carvalho, Nazira Graciema da Silva, Thales Castanho de Andrade, Benedito de Andrade e muitos outros nomes de peso. Com isso, os alunos tinham um ensino de alto nível. Grandes empresários, comerciantes, industriais, executivos, saíram dos bancos da Escola de Contabilidade Cristóvão Colombo entre muitos Pedro Caldari, Tarcísio Mascarin, tinha muitos alunos que trabalhavam no Dedini. O pai do Olênio Veiga, mestre do violino, avô do Dr. Ivan Veiga foi um excelente professor de português. Humberto D`Abronzo formou-se lá. Justo Moretti, professor da ESALQ, estudou lá, outro grande violinista.
Algum religioso estudou na Escola Cristóvão Colombo?
Lembro-me de duas freiras, Irmã Hortência e Irmã Ana, iam às aulas com o habito de freiras. Muitos militares cursaram a escola. A Escola de Comércio era para dar ferramentas para trabalhar.
Existe ainda o arquivo da escola?
Os documentos todos da escola foram encaminhados para a Delegacia de Ensino. Uma vez precisei de uns documentos, havia dado uma enchente e danificado tudo.
A que horas a escola iniciava as aulas?
Eu que abria a escola. Os horários eram: das 8:00 às 11:00; das 14:00 às 17:00 e das 18:00 às 21:00 horas. No curso tinha aulas de datilografia até a terceira série, Havia aula de taquigrafia, Quem era muito bom em taquigrafia era o Telmo Otero, ele que lecionava taquigrafia. Muitos estudantes da Escola de Agronomia vinham cursar a noite a Escola Cristóvão Colombo.
Como era o Sr. Zanin?
Era muito querido pela cidade, tinha inúmeras amizades, não fazia distinção de classe, conversava com todos, sabia dialogar. Ele residia na Rua Governador Pedro de Toledo, próximo à rua Gomes Carneiro.
O senhor é uma pessoa muito considerada em Piracicaba.
Na escola sempre fui, e fora da escola também. Naquela época trabalhava de terno, gravata. Quando iniciei a Escola Cristóvão Colombo ficava na rua Governador Pedro de Toledo quase esquina com a rua XV de Novembro. Próxima onde hoje há uma farmácia na esquina, quase em frente a Sociedade Sírio-Libanesa. O prédio era da família Testa, foi demolido. Minha função era a de secretário, mas cheguei a ser tesoureiro da Escola. O porteiro é quem varria a escola inteirinha, quando ele faltava, eu até varria a escola. O Seu Zanin sempre foi muito bom para mim. Eu que recebia dos alunos, na falta de tesoureiro, muitas vezes sentava com o aluno e escutava as suas dificuldades. Uma vez eu estava atravessando o jardim da Praça José Bonifácio, veio um rapaz, apressado, e disse-me: “Seu Bertocco, tenho que agradecer muito o senhor, eu estava para sair da escola, o senhor não deixou, eu não tinha dinheiro, o senhor deu um jeito”. Para dizer a verdade, chorei junto com ele!. Tão logo fui admitido na escola como secretário, procurei atualizar o cadastro dos alunos, alguns nomes estavam com grafia diferente do documento apresentado. Consegui colocar um uniforme para a escola.
Como era o uniforme da escola?
Camisa branca e calça marrom. As moças com saia marrom e blusa branca. O emblema da escola era colocado nas camisas e blusas, quem desenhou o emblema foi Edson Rontani! O Edson foi um grande amigo, participava das festas da escola. A escola tinha o seu brazão, bandeira. Tudo desenhado pelo excelente Edson Rontani. Tínhamos um grêmio, fazíamos excursões, passava cinema na escola. Palestras. Tudo isso eu consegui fazer.
Em desfiles cívicos a escola participava?
Participava! Até hoje sinto falta. Foi tudo construído com muito carinho, era uma outra época, dificilmente haverá algo parecido. O professor entrava na sala de aula os alunos levantavam-se, aguardavam a ordem para sentar. O Professor Andrade nunca fez chamada por número, sempre pelo nome.
A escola proporcionou conhecimentos que resultaram em casamentos?
Tinha um grande número de moças e rapazes. Nada mais natural do que resultasse em um bom número de casamentos!
Os alunos daquela época costumam visita-lo em sua casa?
Ganhei uma gravação com mais de 400 músicas de Roberto Carlos! Um ex-aluno fez uma pesquisa, por uns quatro anos, das gravações internacionais e nacionais do Roberto Carlos, ficou excelente. Recebo a visita de muitos ex-alunos da Escola Cristóvão Colombo. Fiz o cursilho, com essa experiência formei um movimento religioso dentro da escola: Juventude Estudantil Cristã – JEC. Fazia reuniões no Seminário Seráfico São Fidélis ou no Seminário da Nova Suiça. Participavam uma centena de pessoas. Ou até mais.
O senhor morou quanto tempo na escola?
Morei cinco anos. Depois casei com Elza Ochiusi Bertocco e fomos morar na Rua XV de Novembro. Vivi com a minha esposa 60 anos, 4 meses e 14 dias casados. Manoel Lopes Alarcon foi meu padrinho, era seresteiro. Conservo até hoje uma coleção de medalhas, certificados, que ganhei por estimular o esporte entre os nossos jovens. O bispo na época era Dom Aniger Francisco Maria Melillo. O Cecílio Elias Netto exerceu por muitos anos a função de Reitor do Cursilho. Após deixar a Escola Cristóvão Colombo, tive um pequeno escritório, todos que ali trabalharam estão muito bem.
O senhor é detalhista?
Quando o assunto me desperta o interesse sou detalhista.
O senhor já ganhou o título de cidadão piracicabano?
Não. Ganhei o título de Contabilista do Ano. Além de uma profusão de medalhas, troféus, Moro nesta casa desde 1957.
No escritório dependurada, a gravura de um jovem, pergunto quem é.
Eu! Foi uma pintura de Edson Rontani! Mais acima outro quadro temático de Edson Rontani.
As festas de formatura eram realizadas em qual local?
Geralmente no Teatro São José. Ângelo Alberto Bertocco do alto dos seus 87 anos dirige o seu veículo, sendo que a sua vaga na garagem possivelmente desafiaria muitos motoristas com experiência. O seu raciocínio rápido e sua memória prodigiosa, mostra como o ser humano pode e deve agradecer os anos vividos. A simpatia de Ângelo Alberto Bertocco possivelmente é a mesma como sempre tratou os alunos da gloriosa Escola de Contabilidade Cristóvão Colombo, a nossa querida Escola do Zanin.