PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 27 de janeiro de 2018.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: ELZA FERREIRA DE AMORIM BARBOSA


 

Elza Ferreira de Amorim Barbosa nasceu a 29 de junho de 1948, em Santo Anastácio, que faz divisa com os municípios de Piquerobi, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Presidente Bernardes e Ribeirão dos Índios. Filha de Jonas Ferreira de Amorim e Maria Paulino de Amorim, que tiveram seis filhos, sendo que três faleceram precocemente, sobrevivendo: Maria; Elza e Manoel.

Até que idade a senhora permaneceu em Santo Anastácio?

Aos três anos fiquei órfã, minha mãe faleceu, meus irmãos e eu viemos morar com a minha avó Maria Rosalina da Conceição, ela faleceu em 1975, meu avô Manoel Paulino Alves era vivo, faleceu quando eu tinha 16 anos. Foram eles que nos criaram, tanto eu como meus irmãos. Morávamos na Vila Maria Alta, em São Paulo. Fiz o primário até a quinta série, em uma escola entre a Vila Maria e o Jardim Japão (nome do bairro é devido aos nomes de diversas de suas ruas, que fazem referência a cidades japonesas). Na minha época o ginasial era durante o dia e tive que começar a trabalhar ainda bem jovem.

O seu primeiro emprego foi em que serviço?

Com treze para quatrorze anos fui trabalhar no bairro Bom Retiro, naquela época com essa idade podia-se trabalhar, hoje só após completar 16 anos, com essa idade já está acostumado a receber tudo facilmente do pai e da mãe. Para que trabalhar? Torna-se um ser improdutivo. Hoje é comum adultos morando com os pais, não querem sair da zona de conforto. Alguns até se casam e voltam para a casa dos pais. Mamanjos de 40, 50 anos morando as custas dos pais.

A senhora ia da Vila Maria até o Bom Retiro de ônibus?

Vinha de onibus até a Praça da Sé, e dali até o Bom Retiro ia a pé. Normalmente iamos juntos, minha irmã, meu irmão e eu. Nessa época havia muitos comerciantes de origem judaica Havia muitas confecções, entrei para o setor de arrematadeiras, que é a finalizaçõ da costura. Cortar pontos soltos, fazer complemento de barras, era fábrica de confecções femininas, comecei na GEA depois veio a segunda loja GEATEX. Os proprietários eram de origem grega: Leônidas, Sotirius e um terceiro irmão cujo nome não me lembro no momento. Ali permaneci até completar 18 anos. Fui fazer curso de ascensorista na Prefeitura Municipal de São Paulo. Era necessário ter esse curso de habilitação, a duração do curso era de oito meses, aprovada recebia uma carteirinha na qual dizia que era habilitada em “condução de veículo vertical”. Fui trabalhar na Secretaria da Fazenda, na Avenida Rangel Pestana. Os elevadores, que eram chamados técnicamente como carro vertical, eram automáticos. Esses elevadores transportavam geralmente 12 pessoas, existiam os elevadores de carga que transportavam cargas mais pesadas.

Por quanto tempo a senhora trabalhou como ascensorista?

Trabalhei quatro anos na Secretria da Fazenda e 3 anos na Câmara Municipal. Das 7:00 horas da manhã até as 13:00 na Secretaria da Fazenda e em seguida trabalhava mais 6 horas na Câmara Municipal, das 14:00 hàs 20:00 horas, trabalhava doze horas por dia.  Prestei um concurso público e fui trabalhar no Primeiro Tribunal de Alçada Civil, no Pátio do Colégio. Fui trabalhar no elevador também, só que era manual, tinha que parar no golpe de vista. Ali trabalhei por sete anos.

Como é a rotina de vida da ascensorista?

Geralmente a pessoa dentro do elevador fala sobre assuntos relativos ao trabalho. Na Secretria da Fazenda, eram 21 andares, sendo que 3 andares são subterrâneos. Embaixo há uma mina de água, que foi canalizada, ela fica em um corredor isolado. E é muita água!. Lembro-me de que houve um incidente onde os cofres da Secretaria da Fazenda encheram de água. Essa mina é canalizada e vai despejar àgua no Rio Tamanduatei, situado nas proximidades.

Nesse período com dois empregos, em que local a senhora morava?

Embora solteira, nessa época eu já morava sozinha, meus avós já tinham falecido. Morei perto da antiga rodoviária de São Paulo, na Avenida Duque de Caxias. Era um tempo diferente, havia muito respeito entre as pessoas. Nunca fui molestda, mesmo em época de eleições quando chegava mais tarde da noite em casa.

Na Câmara Municipal a senhora conhecia todos os vereadores, algum se destacava?

Os políticos passavam outra imagem. Um dos vereadores era Jósé Maria Marim que era um dos mais comunicativos. De forma geral o meu trabalho era de pouco contato com os usuários do elevador.

Nessa época quais eram os meios de lazer que  senhora tinha?

Eu morei com a mina avó  e meu tio Manoel Paulino, irmão da minha mãe. Minha irmã tinha se casado. Apesar de trabalhar em dois empregos, a vida era apertada em termos financeiros. Naqueles tempos a vida era mais doméstica. Estudei sempre em escola pública, que tinha uma excelente qualidade. Em 1987 fiz vestibular para direito e passei. Sem fazer cursinho. Frequentei por um ano o curso de Direito, estudei por um ano Psicologia. O meu marido era advogado. A minha paixão é pela agronomia. Frequento a ESALQ em caminhadas. É um local lindo!

No Primeiro Tribunal de Alçada Civil a senhora conheceu juizes, desembargadores?

Trabalhavamos com um uniforme fornecido pela Secretaria. Era taier, não podia usar calça cumprida. Minhas colegas e eu queríamos trabalhar com calças cumpridas, falei com o secretário do Primeiro Tribunal, autorizaram, passamos a usar o uniforme blazer com calça cumprida. Quando sai ganhei um dicionário de palavras cruzadas de um juiz, e outro livro de outro juiz. Coisas que eu nem esperava. Eram todos muito reservados. 

Através de concurso a senhora entrou na Secretaria de Segurança Publica?

O primeiro concurso que fiz na Secretaria da Segurança Pública foi para datiloscopista, no ano de 1977.

O que faz um datiloscopista?           

O datiloscopista só colhe as impressões digitais, para atestado de antecedentes criminais e para cédula de identidade. O operador de datiloscpia atualmente é denominado de papiloscopista. Em contrapartida o papiloloscopista passou a ser denominado de auxiliar de papiloscopista. Atualmente já é uma carreira que exige estudos de nivel superior. Após uns três ou quatro anos mudou a nomenclatura das carreiras o meu cargo passou a ser de auxiliar de papiloscopia e o papiloscopista passou a ser o operador de papiloscopia trabalha junto ao perito criminal, nos locais de crime ou interno no Instituto de Identificação para pesquisas datiloscópicas. Por exemplo. Um corpo de uma pessoa que é encontrado, sem nenhum documento, colhem a impressão digital, mandam para o instituto de identificação, analisam pelo computador, são milhões de fichas, o computador seleciona, sobram, de 10 a 100 fichas, é feito um exame a olho nu pelo papiloscopista, para identificar a identidade do corpo.

A senhora trabalhava em que local?

Trabalhava no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, na Avenida Cásper Líbero, 370.

A senhora colhia impressões digitais de pessoas com vida ou também de falecidas?

Se fosse o caso de pessoas falecidas também. Normalmente eles convocam quem está mais próximo, e antes trabalhávamos nos distritos policiais onde eram feitas as identidades. Quando encontravam um cadaver sem nenhuma identificação, ia para o Instituto de Identificação, no Intituto Médico Legal, Fiz duas vezes cursos na Academia de Polícia que funciona nas dependências da USP, em São Paulo. O papiloscopista tem a opção de trabalhar interno, só nas pequisas das planilhas criminais, ou no Instituto Médico Legal, junto aos cadáveres, um local dificil de trabalhar, ou junto ao perito criminal, que não precisa muito de papiloscopista, cada equipe tem um. Quando a equipe não tem, é só requisitar no Instituto de Identificação. Quando estamos terinando a Academia de Poícia ela já pergunta-nos em qual área desejamos trabahar e somos encaminhados para a àrea escolhida. Sempre optei pelo Instituto de Identificação. Nunca optei por Distrito Policial, muito menos pelo IML e nem junto ao perito criminal. Alguns escolhem o IML pela carga horária, que em função da atividade é menor do que em outros setores, ou a pessoa não aguenta. Só que tem que ter afinidade com a atividade, só a compensação horária não é fator de motivação. O médico, independente de ser legista ou não, ele trabalha com a morte. No IML o médico vai fazer autópsia desde crianças até o idoso. E todas as mortes que passam pelo IML são de vitimas que sofreram os mais diversos tipos de traumatismos e barbáries.

Para fazer uma identificação, após a triagem inicial, sobram em média quantas opçoes?

Após a identificação inicial, feita pelo computador, se sobrarem 20, temos que achar a correta. Ai a olho nu estuda-se as 20 planilhas, são utilizadas lentes de aumento e outros recursos tecnológicos. Vamos descobrir os pontos característicos, que ninguém tem igual. Pode levar um,dois, três dias. Não pode ser feito as pressas.

De vez em quando encontram-se surpresas?

Assim como tem características interessantes, pessoas que tem números formados pelas curvas digitais, desenhos, às vezes um rostinho, uma flor. É raro, mas é natural da pessoa. Há criminosos que tentam descaracterizar suas impressões digitais usando os mais diversos recursos. Assim como também existem produtos e técnicas para realçar impressões digitais de difícil identificação. Uma delas são as dedeiras, que deixam os dedos úmidos, para inchar as impressões digitais, a gente consegue tirar melhor. Só que isso tem o lado ruim, uma pessoa que faz a biometria dessa forma, para conseguir um documento, naquele dia ela através desses artifícios consegue, só em uma situação corriqueira como fazer a biometria em um banco, para uma operação financeira, ela não terá todos esses recursos a sua disposição.

Há uma tendência do sistema de identificação digital ser substituído pela identificação da íris?

De fato há. A íris também cada um tem a sua própria e única.

Por quantos anos a senhora trabalhou com identificação digital?

No total foram 18 anos. Antigamente as carteiras de identidades eram feitas nas delegacias, hoje são feitas no Poupatempo, é um serviço terceirizado. Só que ainda tem o auxiliar de papiloscopista, o papiloscopista, dentro do setor.

A senhora casou-se em que ano?

Foi em 4 de dezembro de1982 com Fausto Barbosa. Ele trabalhava na Secretaria da Fazenda. Gostava muito da noite, foi músico, tocava instrumentos de percussão, foi integrante do Teatro Municipal de São Paulo, quando nos casamos ele já tinha deixado o Teatro Municipal. Ele gostava muito de óperas, íamos assistir. Na época morávamos no bairro Bela Vista, que sempre ofereceu muitas opções gastronômicas e culturais. O bairro Bela Vista é conhecido pelo nome de Bexiga, inclusive a Escola de Samba Vai-Vai tem muita tradição no carnaval paulistano. Todos os anos íamos ver, lembro-me do Seo Chiclé, que comandou a escola por um bom tempo. As noites de tango. Os pães da Padaria Basilicata. Saíamos passear a noite. Íamos até na Parada Gay na Avenida Paulista, para ver. Gostávamos muito de viajar. Nunca saímos do Brasil, por opção. Ele faleceu em 2014, com 86 anos. Ficamos por 32 anos casados. Ele tinha sido anteriormente aviador, piloto e pára-quedista, só deu baixa na Aeronáutica por ter perdido ima das vistas. Nos dois sempre tivemos temperamentos fortes e gaiatos.

Qual é o seu passatempo atual?

Gosto muito de ler, não tenho atração por televisão. Hoje meu hobby é a jardinagem. Também gosto muito de caminhar pelas ruas de Piracicaba. Atualmente está muito difícil lidar com o ser humano, analisando pelo lado espiritual, o livro clássico ‘Os Exilados da Capela’ defende a teoria de que a Terra foi formada por seres exilados de outros planetas, e só com bandidos, assassinos. Somos descendentes disso! Como na época em que o Brasil foi descoberto, quem veio para cá trabalhar? Portugal mandou gente da pior espécie para o Brasil. Inicialmente corromperam a índole do indígena, uma mistura de raças: índio, negro e portugueses. A meu ver há os nascidos no Brasil, porém não formam uma raça pura no aspecto genético. Tenho origem nessas três raças. A mãe do meu pai é de Portugal, loira de olhos azuis, meu avô materno é filho de português, minha avó materna era mameluca: filha de índio com negro. Há muitos países onde essa mistura inexiste, a pessoa nasceu em determinada casta irá viver sua vida toda sem mudar. Meu pai e seus irmãos, três eram loiros e três eram morenos.

A senhora dirige veículos?

Tenho a carteira ainda, é categoria profissional, desde quando tirei a primeira carteira, aos 18 anos, já tirei carteira profissional, meu sonho era ser caminhoneira! Eu queria liberdade! Arrumei um caminhão de 6 toneladas, mas na época esbarrei no fato de ter menos de 21 anos. Não era emancipada.

 

 

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