PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 8 de abril de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA:


MARIA HELENA PEREIRA DE BARROS MONTEBELLO

 

Maria Helena Pereira de Barros Montebello nasceu no então distrito rural de Saltinho, onde se localiza o chamado Bairrinho, cujo nome transformou-se em sinônimo do fumo de corda de melhor qualidade da região de Piracicaba. Nascida em 19 de dezembro de 1935, filha de Ernesto Pereira de Almeida e Alice de Barros Pereira que tiveram seis filhos: Maria Helena, Benedita, Nadir, Joaquim, Dirce e Ademar. Seu pai era agricultor, cultivava fumo, amendoim, arroz, além de galinha, porcos, vaca de leite.

A senhora estudou em que local?

Estudei em Saltinho no Grupo Escolar Estadual “Professor Manoel Dias de Almeida”, minha primeira professora chamava-se Carmen Nardin. Tive aulas também com Dona Maria Flare.

A senhora ajudava nos serviços do sítio?

Ajudava! Levava comida na roça, aos 14 anos eu já cozinhava no fogão a lenha.

Quais eram os alimentos consumidos na época?

Além do tradicional arroz e feijão, não faltava frango caipira, polenta, verdura. Fazia a famosa “polenta brustolada” (O termo brustolado deriva do dialeto dos imigrantes do Norte da Itália que se estabeleceram no Brasil e vem do verbo italiano “abbrustolire”, que significa dourar ou queimar levemente. Antigamente essa polenta era preparada no fogão à lenha, mas é possível obter o mesmo resultado na frigideira untada com um fio de azeite ou na chapa de ferro bem quente.)

Receita da polenta brustolada:

Ingredientes

  1 xícara de chá de fubá amarelo

  2 fatias de queijo mussarela

  2 fatias de lombo defumado

  1 cebola grande

  Sal e pimenta a gosto

Modo de Preparo: Quando a polenta começar a borbulhar baixe um pouco o fogo e em fogo médio cozinhe por cerca de 25 a 30 minutos, sempre mexendo. Tempere com sal e pimenta a gosto. Unte um refratário de 20cm x 20cm e coloque a polenta para esfriar, espalhe a polenta de forma uniforme alisando a parte superior alise bem a parte superior para que quando fritar a polenta fique com os lados bem lisos. O ideal é preparar de um dia para o outro, assim a polenta estará bem fria e firme. Corte a polenta em forma de quadrados, passe um pouco de óleo em um dos lados e leve a uma chapa de ferro bem quente para dourar, pode ser feita em uma frigideira, mas o resultado não será o mesmo. Deixe dourar por 3 a 5 minutos e vire. Quando já estiver dourada dos dois lados coloque as fatias de queijo sobre um pedaço de polenta, deixe na chapa até o queijo derreter. Pode ser feita com queijo parmesão.

Em Saltinho tinha cinema?

Tinha, era do Mário Cassano.

Havia muitas festas em Saltinho?

Tinha muitas festas! O povo saltinhense sempre foi muito animado! Tivemos um padre, carinhosamente chamado de padre Brasinha, a comunidade estava encantada com sua forma de cativar os fiéis e celebrar as missas. Esse padre se apaixonou por uma mulher, e num ato de coragem, deixou a batina e casou-se com ela. Foi na década de 60. A religiosidade de seu povo com suas festas e quermesses na Zona Rural, as procissões, as comemorações de Corpus Cristhi com os tapetes de pó de serra, borra de café, espalhados pelas ruas, na cidade fazem de Saltinho um local diferenciado. Saltinho é praticamente uma família, todos se conhecem, lembro-me de muitas pessoas que sempre moraram lá, como o Seu José Bernardino era proprietário de um bar. Conheci sua  esposa Dona Dalva. Assim como o Moacyr Nazareno Monteiro e seu irmão, a família Hipolito, família Schiavuzzo, família Schiavinatto, família Cassano. O padre Brasinha tomava café todos os dias em casa. Após celebrar a missa ia até a minha casa, onde já estava pronto o café, o leite, manteiga, ovo quente.




A criminalidade praticamente não existia em Saltinho?

Não tinha nada disso! Podia dormir de janela e portas abertas. Criávamos galinhas e porcos em casa. Fazia lingüiça, moía a carne por duas vezes, mamãe cortava um pedaço e colocava no feijão. Eu queria aprender a fazer e não deu tempo da minha mãe me ensinar, é requeijão. Ela fazia saia àqueles fios! O pão eu fiquei com a receita, eu fazia e vendia. Pão de batatinha, de cenoura, sempre fiz bolos. Doce de abóbora com cal. Colocava a abobora e a cal Deixava de molho, no dia seguinte lavava bem lavadinho, colocava uma camada de abóbora outra de açúcar, assim sucessivamente, cozinhava na panela de pressão, dali a cinco minutos podia comer que estava uma delícia! Doce de casca de laranja. Era fogão a lenha. Ferro de passar roupa era aquecido com carvão. Naquele tempo usava-se muito linho, passar linho com ferro a carvão não era fácil. Usávamos sabão feito em casa, sabão de cinzas. Rádio só com bateria, televisão, geladeira não tínhamos no inicio.



Naquela época as moças casavam-se bem novas?

Eu casei-me bem jovem, meu marido chamava-se Nelson Pedro Montebello, tinha uma loja de armarinhos em Saltinho, fui trabalhar com ele, vendíamos tecidos, miudezas, botões linhas, tinha uma boa clientela. Os moradores das fazendas próximas vinham sempre comprar na nossa loja. Tivemos os filhos Geraldo, Claudinei e Nelson. Tenho cinco netos, todos moços! Meu marido tem uma história muito triste, ele ajudava na oficina de Pedro Francisco Montebello, na época ele era ainda solteiro, sofreu um acidente que fez com que perdesse um braço. Nós já namorávamos, casamos.  Ele foi um grande marido, fazia tudo que fosse possível para me agradar. Eu correspondia, fazia para ele tudo que eu podia. Fomos muito felizes, graças a Deus, fizemos Bodas de Prata. (A tradição das festas das bodas de casamento surgiu na Alemanha, quando era costume oferecer aos casais uma coroa de prata quando completassem 25 anos de casados, e uma de ouro quando fizessem 50 anos de matrimônio). Naquele tempo nem saia de casa para namorar, esperava em casa a vinda do namorado. A Avenida Sete de Setembro era ainda chão de terra. Fazia uma poeira danada!

Quanto tempo a senhora permaneceu na loja?

Foram vários anos. A seguir fui trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba. Trabalhei na enfermagem. Estudava de manhã na Santa Casa e a tarde trabalhava. Mudamos para o bairro da Paulista. Na Santa Casa aprendi a fazer de tudo relativo a enfermagem: aplicar sonda, soro, injeção, lembro-me do Dr. Nelson Meirelles. Lembro-me do Dr. Felício de Moraes, um dos seus filhos é médico no Hospital dos Fornecedores de Cana. Trabalhei 12 anos na Santa Casa, saí quando me aposentei em 1993. O Dr. Felício foi meu médico, quando tinha consultório a Rua Governador Pedro de Toledo, a secretária era a Leni.

Como era a Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba?

Era uma maravilha, eu não me esqueço! Eu ia a pé, as refeições eu fazia lá mesmo. Trabalhava a noite e revezava trabalhando outros períodos durante o dia. Conheci os médicos Dr. Ben-Hur Carvalhaes de Paiva, Dr. Antonio Cera Sobrinho, Dr. João José Corrêa que faleceu aos 98 anos. Vinha paciente de muitas cidades vizinhas para serem atendidos na Santa Casa.




Quando a pessoa está hospitalizada o pior é a doença ou o seu pensamento negativo?

Os pensamentos de uma pessoa podem fortalecê-la e muito. Pode mudar radicalmente a pessoa. Transformá-la. A pessoa otimista está colaborando muito para se curar. Tenho muita fé, sou católica, quando trabalhava na Santa Casa freqüentava a capela que existe lá. Em Saltinho eu freqüentava a Igreja Sagrado Coração de Jesus, nosso casamento foi celebrado pelo Monsenhor Nardin. A festa foi lá mesmo, no barracão que existia atrás da igreja. A nossa viagem de lua de mel foi para Bom Jesus de Pirapora. Alugamos um carro que nos levou, era de propriedade de Luiz Bortoletto.

A Santa Casa foi o local onde a população era atendida e tratada?

Por muitos anos tivemos a Santa Casa como praticamente o único e mais completo centro médico de Piracicaba. Para emergências tínhamos em Piracicaba o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU).


A senhora lembra-se da queda do Edifício COMURBA?

Lembro-me, só que nessa época eu não trabalhava na Santa Casa. Nessa ocasião faleceu sob os escombros do prédio a avó da minha nora, a Dona Dora.

 

O que a levou a trabalhar na área de saúde?

Eu tinha vocação! As freiras sempre foram muito atuantes na Santa Casa de Piracicaba. Muitos pacientes que ficavam internados tornavam-se nossos amigos, o senso humanitário era muito grande.

Como a senhora vê a vida nos dias atuais e a de alguns anos atrás?

Antigamente era muito melhor, não é?

Como é a sua alimentação?

Como de tudo, não gosto muito de verduras. Carne eu gosto desde que seja bem passada, isso é um habito que sempre tivemos, desde quando morava com meus pais.

De Saltinho à Piracicaba qual era a condução mais utilizada?

Era a jardineira! O proprietário era o Pepino Hipólito. Às vezes dizíamos: “Nós não estamos prontos, o senhor espera um pouco” Ele respondia: “-Espero!” E ficava com a jardineira parada, esperando. Era daquelas jardineiras que o bagageiro ficava no teto, pelo lado de fora. Quando chegava a Piracicaba o ponto final era no Largo São Benedito. Os passageiros espalhavam-se pela cidade, o horário para voltar era combinado com o Pepino Hipólito. Não era uma hora pré-determinada e fixa. Ele fazia de duas a três viagens por dia. De Saltinho à Piracicaba era estrada de terra. O Pepino Hipólito foi um herói! Era um homem bom, inteligente. Trabalhava de domingo a domingo, sozinho.

Vocês faziam encomendas para ele, Pepino dá para trazer de Piracicaba tal coisa?

Ele trazia o que pedíamos. Uma vez a minha sogra, Emília, disse-me que estava com vontade de comer dobradinha. Em Saltinho não tinha onde comprar. Encomendei para o Pepino comprar dobradinha em Piracicaba, ele trouxe.
 
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