PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de novembro de 2016.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADO: ANTONIO CARLOS FUSATTO

Antonio Carlos Fusatto nasceu em Piracicaba a 26 de outubro de 1946. Filho de Armando Fusatto e Cenira Cenicatto Fusatto. Seu pai era pintor de manutenção do Engenho Central e a sua mãe era do lar. Tiveram cinco filhos, Antonio Carlos que é o mais velho, José Eduardo, Carmem Eunice, Terezinha Aparecida e Maria Ângela. Seu pai começou trabalhando na fábrica Boyes, no mesmo serviço, pintura de manutenção, depois ele transferiu-se para o Engenho Central onde permaneceu até aposentar-se.
Você chegou a conhecer o Engenho Central funcionando?

Cheguei! Eu era criança quando ia levar o almoço para ele lá. Nós morávamos no hoje denominado Bairro São Dimas, naquela época era chamado de Vila Boyes e Vila Progresso. A Vila Boyes era apenas o setor onde as casas da fábrica Boyes tinha sido construídas para seus funcionários, eram todas do mesmo estilo. As demais casas formavam a Vila Progresso,  margeando um ribeirãozinho onde hoje é a Avenida Centenário. Um pouco mais além existia a cerca que delimitava a propriedade da ESALQ. Ali havia a família Souza, era uma família muito grande, por esse motivo conhecida como Vila Souza. Eles trabalhavam fabricando o melado de cana-de-açúcar, era uma engenhoca, movida por um burrinho, ele quem girava moendo a cana-de-açúcar. Faziam o melado e vendiam. Lembro-me bem, o líder da turma toda era o Seu Amaral. Ele saia com a carroça, vendendo melado, engarrafado, ele trabalhava a palha do milho e fazia uma espécie de rolha. Com essas rolhas fechava todas as garrafas de melado e vendia pelo bairro.
Como era consumido esse melado?

Era consumido como sobremesa. Uma festa para as crianças, naquela época havia  poucos bares no bairro, e mesmo assim a variedade de doces era bem restrita.  Quem fornecia a maior parte dos doces era a Indústria de Doces Martini. Havia um doce, muito comum na época, denominado de mata-fome. Que doce delicioso! O bendito melado de cana-de-açúcar nós comíamos com pão. A cana era plantada ali, e por uma família de italianos, a família Taglietta, que morava um pouco mais acima. Na divisa desse ribeirãozinho com a ESALQ. Ali era uma região composta por chácaras. Onde eu morava era propriedade da família Fusatto, abrangia uma área equivalente a um quarteirão. Era uma chacrinha também!
A origem da família Fusatto é a Itália?

Meu bisavô, Virgilio Fusatto veio da Itália e se fixou no bairro rural do Godinho. Era casado com Maria Lúcia Fusatto. Lembro-me dela, eu era muito pequeno, na época ela morava na Rua Moraes Barros, nas imediações da Igreja Bom Jesus, e o meu tio Eugenio Fusato,tinha uma carvoaria. Ela morava lá, ficava o tempo todo tricotando, estava bem velhinha, não falava quase nada em português, era tudo “italianado”. 
Ela que me ensinou a comer cocada! Tanto que até hoje sou doido por cocada!  Ela mandava o meu tio comprar uma cocada em uma padaria que existia nas imediações da Igreja Bom Jesus, enquanto eu não rezasse em italiano, tinha que ir repetindo o que ela falava, ao terminar ela dava-me a cocada. Eu era pequenino, minha avó que me levava lá.

Que oração era?
Era mais ou menos assim:
Gesù, Giuseppe e Maria, vi dono il cuore e l`anima mia.
Gesù, Giuseppe e Maria siate la salvezza dell`anima mia.
Gesù, Giuseppe e Maria, assistetemi, nell` ultima mia agonia.
Gesù, Giuseppe e Maria fate che l`ultimo mio pane sia l`eucaristia.
(Observação: pelo depoimento de Antonio Carlos Fusatto a oração aparenta ser a acima.)
Eu tinha que rezar com ela para ganhar a cocada.
Quem morava nessa chácara?

Meus tios moravam no bairro do Godinho. Quem morava aqui era o meu avô, Antonio Fusatto, pai do meu pai, ele morava nessa chácara e trabalhava com carrinho de tração animal, pela cidade, vendendo verduras. Minha “nona” continuou morando ali, a propriedade era de todos os irmãos Fusatto. Com o passar do tempo foram feitas as partilhas, foi sendo loteado, dividido. Naquela época, eu me lembro,quando eu entrei no grupo escolar, ainda não havia luz elétrica lá, eu fazendo lições do grupo escolar a luz de lamparina. Estudei no Grupo Escolar Honorato Faustino, que era na Rua José Ferraz de Camargo, onde hoje é o Colégio COC. Era mantido pela Fábrica Boyes, o Comendador Louis Clement era quem mantinha, foi um grande incentivador, quando chegava os finais de ano ele fazia as festas de formatura do quarto ano escolar. Aos melhores alunos de todas as classes ele dava um valor em dinheiro, já depositado na caderneta de poupança, lembro-me que era uma nota esverdeada,grande. A pobreza do povo era tanta que logo sacava o dinheiro.

Para ir à escola ia a pé?

Ia, era tudo pertinho! Assim como para ir ao centro da cidade, normalmente ia a pé também. Não conheciamos as conduções coletivas como onibus, eram conhecidas como jardineiras. Tinha um morador de uma das casas da Vila Boyes, cujo apelido era “Zé Cavalo”, era motorista dessa jardineira, a partida era dada com manivela. 

                                                DANDO PARTIDA A MANIVELA

Ela descia a Rua Dona Egênia, toda apedregulhada, chegava até onde hoje é o Clube de Campo, era a Chacara do Lara, era tudo apedregulhado também, atravessava o Ribeirão Itapeva que tinha uma pontezinha de madeira, ia para o centro. Da nossa família pouco se usava a jardineira, estávamos acostumados a andar e gostávamos. Descíamos onde depois foi construida a Igreja das Carmelitas. Era tudo mato e cana-de-açúcar e era apedregulhada também desciamos ali em um instantinho.




Após concluir o curso primário qual foi a sua próxima etapa escolar? 

Naquela época havia o “vestibulinho” para entrar no ginásio, fiz o quinto ano primário no Grupo Escolar José Romão, na Vila Rezende. Ia a pé até a escola. Estudava de manhã e trabalhava a tarde.
Como as crianças andavam calçadas naquele tempo?

Andavam descalças alguns que podiam usavam alpargatas. Tinha um par de sapatos para ir às missas de domingo. Quando chovia era um lodo danado. A Vila Rezende era quase uma zona rural.
Qual era o seu trabalho após voltar da escola?

Nós tínhamos horta, eu chegava da escola e ia cuidar da horta, eu tinha uns onze anos. Depois comecei a trabalhar com um tio muito conhecido no meio artístico: Pedro Senicato. Ele era escultor, entalhador, tenor da Igreja dos Frades, eu aprendi a entalhar com ele. Ele tinha uma banca de carpinteiro no quintal da casa do meu avô, aos finais de semana ele fazia os “bicos” dele lá e ficava me ensinando. Ele fazia esses frontões dos móveis. Ele trabalhava na Grande Fábrica de Urnas Mortuárias Irmãos Sbrissa localizada na Rua Governador Pedro de Toledo esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba, onde atualmente funciona uma loja de eletrodomésticos, a Casa Cem.  Naquela época as urnas eram feitas com madeira de lei e eram todas entalhadas. Tinha duas cabeças de leões, que o meu tio fez um molde, foi para a fundição, eram feitas em alumínio, e nas urnas de luxo eram parafusadas essas cabeças de leão com a boca aberta e a alça passava pela boca. Eu mandei fazer em bronze e tenho no corrimão da minha escada duas daquelas cabeças de leões. Salvei uma recordação da época, depois a fábrica Sbrissa fechou, não sei aonde foram parar o molde das cabeças de leões que o meu tio tinha feito. Os proprietários da Sbrissa eram os irmãos: Mário, Nilo, Armando e Osvaldo. A princípio eu aprendi com o meu tio a entalhar o chamado “pé de leão”, eram umas garras que pareciam o pé do leão com unhas e tudo. Eram parafusadas e tornavam-se os pés das urnas de luxo. Essas urnas eram caríssimas. Nessa época a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo funcionava no prédio do Grupo Escolar José Romão. Fiz a primeira e segunda série lá. Quando foi inaugurado o prédio novo da Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo a minha turma foi a primeira a utilizar. Lá estudei até o segundo ano do curso científico. Interrompi o curso científico e fui fazer a Escola Normal Sud Mennucci onde conclui o curso. Lá tive aulas com professores de renome como Benedito de Andrade, Zelinda, Evaristo, com quem fui ter aula posteriormente na UNIMEP também. Arquimedes Dutra era um fenômeno para lecionar, tinha uma didática fantástica, o aluno fixava a matéria. Eu trabalhava com o meu tio, como entalhador.
Qual madeira vocês utilizavam?

A mais gostosa era o cedro, mas as urnas de aspecto mais bonitas eram as de imbuia. Mais difícil de trabalhar porque ela lascava, tinha que trabalhar com o formão muito afiado, com cuidado, era de fato um trabalho artístico. As pequenas diferenças eram retiradas com o uso da lixa. Usávamos também o pinho. Dependendo das regiões em que eles compravam, de vez em quando vinha mogno. Eles adquiriam carretas de madeira, tinha um depósito onde deixavam a madeira secando, elas vinham “verde” ainda. Usava-se o “tabique”. Era uma fileira de tábuas, um sarrafo em cima para ter passagem de ar por baixo e elas não “empenarem”. Tinham as tábuas de 4 a 6 metros, de 4 metros iam de 3 a 4 tabiques, as tábuas de 6 metros chegava a ir 6 tabiques. Com isso ficava uma pilha enorme de tábuas em um galpão coberto, a frente toda dele era aberta, para ventilar. A madeira chegava a ficar até meses secando. Tinha um segundo depósito próximo a Carpintaria Passini, que existe até hoje. O Seu Sebastião Passini era famoso também por criar a ave araponga.  

                                                Araponga cantando

A araponga é uma ave existente no Brasil e também no Paraguai e Argentina, produz som parecido ao de um martelo numa bigorna. As arapongas pertencem à família Cotingidae, género Procnias



                                                     Pássaros com cantos estranhos         

Após o Curso Normal, você foi para a faculdade?
Entrei na UNIMEP para fazer jornalismo, naquela época fazia relações públicas e fazia opção para jornalismo no último ano, quando chegou no último semestre, surgiu a Faculdade de Tecnologia, havia interesse da CESP- Companhia Energética de São Paulo , da CPFL- Companhia Paulista de Força e Luz, que com falta de mão de obra técnica, eles estavam trazendo eletrotécnicos da Itália para trabalhar. Quando vislumbrei essa oportunidade, eu já trabalhava na CPFL, mas na área comercial. Em dezembro de 1967 eu passei no concurso e já fui admitido na CPFL. O concurso era para auxiliar de escritório, fui sendo promovido, o prédio funcionava ao lado da Catedral de Santo Antonio, é um prédio tombado pelo patrimônio histórico. O gerente-geral naquela época era o Sr. Carlos Sachs, o Vice-Gerente era Antonio Coelho Barbosa, o Seu Toninho, era um ambiente muito bom, era gostoso trabalhar na CPFL. Tinha muita gente boa, o Osórinho Pantojo, o Caneto.
A garagem dos bondes era ainda junto a CPFL?

A estrutura era a mesma, só que os bondes já tinham ido para a garagem da Avenida Dr. Paulo de Moraes. Nós usávamos para guardar as caminhonetes da CPFL.
Na CPFL você entrou como auxiliar de escritório e foi sendo promovido?

Eu fui galgando os postos, tinha uma ânsia de saber e de vencer. Sempre achei que através do livro venceria na vida, tínhamos uma vida difícil. Meus pais lutando muito, como filho mais velho sempre trabalhei, ajudando-os. Sempre eu tive sede de saber. Tanto que eu era até certo ponto um “chato” na escola, porque eu queria saber mais e cobrava demais. Cheguei a ser professor também e sei o que é um cidadão cobrando demais do professor. Na CPFL cheguei até ser Gerente Comercial. Eu me formei em Tecnologia em Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica. Fiz especialização em equipamentos de 15.000 Volts, na Ilha Solteira. Fiz especialização em construção de Rede Elétrica de Alumínio, até então era utilizado o cobre. Com o advento do alumínio, que é bem mais barato do que o cobre, além de que o cobre era importado e o alumínio era brasileiro. As redes são bem mais baratas, mas o tipo de construções é diferente. Atualmente não se usa mais cobre em fios de transmissão de linhas de voltagem maiores. Atualmente o cobre é usado somente para enrolamentos de transformadores, enrolamentos de motores.
Algumas vezes vemos noticias de indivíduos que causam enormes prejuízos retirando fios de cobre de locais públicos, como se explica isso?

O melhor condutor é o ouro, o cobre foi por muito tempo utilizado como condutor, a rede telefônica utiliza um fio muito fino, de cobre, para o individuo obter uns poucos quilos de cobre terá que tirar um caminhão de fios. Não compensa comercialmente.
Atualmente qual é a voltagem utilizada nas cidades?

Na realidade são 11.950 volts, e os transformadores têm vários “TAPs”.
O que é um transformador?

É uma Mini Subestação, tem uns enrolamentos dentro dele em que a energia entra em alta tensão 11.950 volts e dependendo dos TAPs, que são as tomadas que eles têm e podem ser regulados. Vou retroceder um pouco na história, quando entrei na CPFL, tínhamos uma usina, atrás da Fábrica Boyes, construída por Luiz de Queiroz. A princípio ela produzia energia que supria a área central toda. Ficava atrás da Fábrica Boyes, onde depois surgiu uma fábrica de gelo e também surgiu uma fundição de metais. Ali tem a Usina Luiz de Queiroz que quando entrei na CPFL em 1967, sua produção de energia supria os bondes e a iluminação pública. Para a indústria e o comércio vinha uma linha de 69.000 volts de Gavião Peixoto e chegava em uma subestação grande atrás da Fábrica Boyes. Quando faltava energia vinda Gavião Peixoto, a energia vinha de Urubupungá. Entrava 69.000 volts, os abaixadores, era o processo inverso, isso porque na usina é gerada baixa, há os transformadores e elevadores, eleva para alta tensão para poder fazer as longas caminhadas aonde será feita a distribuição. Quando chega ao ponto de distribuição há as estações abaixadoras. Hoje chega a 440.000 volts, 590.000 volts depende de onde vem, entra na subestação, e tem aqueles transformadores abaixadores, que reduzem para 11.950 volts. Ai sai a linha denominada de alta tensão, mas que na realidade é de média tensão, na classe de 15.000 volts, alta tensão é a que chegou. Ela é distribuída em torno de 11.950 volts. O transformador nada mais é do que uma micro usina.Entra 11.950 e sai no TAP, no borne de saída com 220 volts de fase a fase ou 127 volts de fase a neutro. Ai sai para a distribuição nas casas, comércio. A eletricidade é bonita
Tanto para a época como para Piracicaba isso tudo era novidade?

Era bastante. Inclusive existe um fato muito interessante, atrás da Fabrica Boyes, essa usina de força foi recuperada, é de propriedade particular, ele gera energia e vende, há um medidor, ele repassa para a CPFL o pouco de energia que ele gera ali. Na realidade naquele local havia três usinas, de importância maior era a Usina Luiz de Queiroz. Foi reformada outra usina que está dentro da Fábrica Boyes, está funcionando, gerando em torno de 1,2 megawatts. Eles repassam para a rede da CPFL e quando for inaugurado o Shopping que estão construindo vão usar essa energia. A CPFL retorna para eles toda essa energia que eles cederam. É uma espécie de poupança de energia. Essa usina já foi reformada, está funcionando E no Museu da Água existe uma micro usina cuja energia que ela gerava era para os motores do SEMAE- Serviço Municipal de Água e Esgotos. Na realidade tínhamos três micro usinas que o cidadão passava ali e nem imaginava.que ali era um ponto de geração de energia, como nosso bendito rio produzindo energia limpa e nós sujando e degradando o rio.

A seu ver Piracicaba teria condições de ser auto-suficiente em termos de energia?

Não! A quantidade de água diminuiu bastante depois do Projeto Cantareira implantado pelo Governador Roberto de Abreu Sodré tendo como um dos seus secretários, Eduardo Yassuda a frente da obra. Para gerar energia teria que haver um represamento onde acabaria com o Salto do Rio Piracicaba, cartão postal da cidade. O que pode ser feito é aumentar o número de micro-usinas para o uso de indústrias que se instalarem ao longo do nosso rio. Isso caso exista, uma vez que os pólos industriais estão distantes do Rio Piracicaba.

Naquela época já existia o famoso “gato”, que nada mais é do que captação de energia de forma clandestina?

Tinha! Havia muito na periferia, embora na área central também existissem algumas ocorrências dessa natureza. Havia uma equipe da CPFL especializada em detectar ligações clandestinas, eles vinham de Campinas e periodicamente faziam uma varredura. Esse tipo de ligação clandestina é considerada como crime. Para os técnicos da CPFL salta aos olhos quando isso ocorre e gera um boletim de ocorrência policial.

A nossa energia elétrica poderia ser mais barata se não tivesse uma pesada carga tributária?

A água é de graça, o que fica caro é construir a infra-estrutura. Se a manutenção for preventiva é barata. Infelizmente, ao que parece, para fazer economia, a manutenção atualmente é mais corretiva. Na CPFL ocupei vários cargos, aposentei-me como Gerente de Projetos e Obras. Nós fazíamos manutenções preventivas, dificilmente havia reclamações com relação a falta de energia. Fazíamos a manutenção preventiva, por exemplo onde havia árvores em contato com os fios, íamos lá e podávamos, não era uma poda radical, procurávamos preservar o meio ambiente. Uma grande preocupação que a CPFL tinha era com a preservação ambiental. Subordinadas à Piracicaba tínhamos: Charqueada, com suas imediações, como o Córrego da Onça. Águas de São Pedro, São Pedro, Saltinho, Rio das Pedras, Mombuca, Capivari e Rafard, essas localidades dependiam de Piracicaba. Tenho um fato interessante que ocorreu comigo quando ainda era técnico. Houve um pedido de extensão de energia em Águas de São Pedro, bem na frente da casa do solicitante tinha um pé de jaca, carregado de jacas pequenininhas, teria que cortar o pé de jaca para poder entrar com a rede até a casa. Era uma árvore de médio porte. Pensei: “-Não vou mexer aqui!”. O que eu fiz? Pulei a rua, atravessando-a com a linha, ficou sem estética, a rede vinha pela calçada, dei uma guinada e joguei do outro lado o poste, para depois trazer a derivação para a casa do cidadão. Iria passar pelo meio da jaqueira, tudo isso para não interferir na árvore. Águas de São Pedro é uma cidade turística, um jornalista esteve com o dono da propriedade, que deu-lhe uma jaca e contou-lhe a história: “O funcionário da CPFL para não mexer nessa árvore, colocou o poste do outro lado da rua”. O jornalista era correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”, publicou a história que tinha sido relatada. A diretoria da CPFL queria saber o que estava acontecendo em Águas de São Pedro. Éramos subordinados à gerencia de Campinas, tive que justificar o procedimento. A justificativa foi encaminhada ao diretor que ficava em São Paulo. Apesar da falta de estética não encareceu em nada. Preservei uma jaqueira. O jornalista enalteceu o trabalho da CPFL. Isso mostra a preocupação da empresa em saber o que estava acontecendo com árvores na rua.

A CPFL é propriedade particular?

Quando eu entrei para a empresa tinha sido recém transferida de um grupo canadense para a Eletrobrás. Até na época a Eletrobrás cobrava um subsídio, infelizmente a maior parte dos consumidores não tinha conhecimento disso, por diversos motivos, entre eles o baixo índice de alfabetização na época. Com aqueles recibos de luz pagos, você guardava e trocava com ações da Eletrobrás. Isso porque ao pagar a conta também pagou o subsídio. Alguns elementos que sabiam, iam de casa em casa pedindo os recibos, depois vendiam para corretores de São Paulo. Havia corretoras especializadas em trabalhar com essas ações. Com o passar do tempo a Eletrobrás pegou o equivalente em ações na CESP e deu a CPFL para a CESP. A CPFL passou a ser subsidiária da CESP. A Eletrobrás pegou o equivalente em ações da CESP que estava crescente em produção de energia surgiram os grandes reservatórios: Avanhandava,  Águas Vermelhas, Ilha Solteira, estava uma potência na época. O presidente da CESP era o Professor Lucas Nogueira Garcez.

Quantos anos você permaneceu na CPFL?

Quase trinta anos, aposentei-me lá. Eu me formei como tecnólogo, fiz especialização, fiz um curso de Extensão Universitária pela Faculdade de Bauru. Em 1977 comecei a lecionar onde na época era o Colégio Técnico Industrial. Atualmente é a Fundação Paula Souza. Eu dava aulas de eletrotécnica. Na época o governo tentou implantar no nível colegial alguns conceitos de profissionalização. Na cadeira de física eu dava aulas de eletricidade básica e instalações elétricas no Colégio José de Mello Moraes. Lá eu dei aulas três anos, não deu resultado essa tentativa de introduzir essa metodologia. Dava aulas concomitantemente com o Colégio Industrial, onde dei aulas por quinze anos, de 1977 a 1992, no período noturno.

Você é casado?

Sou casado com Heloisa Maria Marretto Fusatto, temos dois filhos: Giovanna, cirurgiã dentista e André Luiz, engenheiro agrônomo. Tenho três netos.

Ainda na CPFL você deve ter vivido fatos interessantes.

Têm muitos. Houve uma época em que a periferia nossa era bem deficitária em rede de iluminação pública, nas ruas. Então surgiu uma idéia do governo, financiada pelo BNDS, a sigla era “LPP” – Luz Para a Periferia. Fazíamos uma varredura em toda periferia aonde havia aglomerado de casas, sem luz na rua, fazíamos o levantamento, o projeto, ia para a aprovação da diretoria, e fazíamos a extensão de luz na rua. Começamos a perceber que poucas casas pediam a ligação de luz. O poder aquisitivo era baixo. Então surgiu outro programa o “PPM” – Padrão Popular Mínimo, também financiado pelo BNDS. A CPFL fornecia o postinho, a caixa com medidor de consumo de energia, toda fiação e prontinha a entrada. O cidadão fazia só a fiação dentro da casa dele e a CPFL interligava para ele. Sempre gostei de vencer obstáculos, houve um caso em que o cidadão me procurou, o nosso gerente na época era Benedito Vasconcellos. Essas campanhas ele pedia que eu coordenasse. Veio um cidadão falar comigo. Disse-me: “- Moro na Vila Industrial, o terreninho é meu, está quase pago, eu ganhei um baú de um caminhão das Balas Nechar”. Já estava bem amarelado pelo tempo de uso, ele continuou dizendo: “- Eu moro com a minha família, dentro do furgão, fiz um puxadinho onde a minha mulher cozinha do lado de fora. Durmo dentro do furgão e por ter criança pequena a lamparina fica acesa a noite toda e está fazendo mal a saúde, não tem janelas no furgão. Será que é possível ligar a luz para mim?”. Disse-lhe que ia até lá para ver. E fui. Ele tinha vindo à Piracicaba já há algum tempo, trabalhava na aciaria do Dedini, um serviço pesado, puxar ferro quente do forno. Durante o dia ele descansava para trabalhar a noite. Vi que o terreninho estava bem limpinho, demarcado. Ele disse-me: “-Aqui na frente vou fazer a minha casinha ainda”. Tinha uma criançada, todos seus filhos. Eu disse-lhe: “- É a sua casa! Dá para ligar a energia elétrica sim!”. Fiz a medição de um trecho da rua para poder encontrar o número equivalente a casa dele. Escrevi o número, e disse-lhe que arrumasse alguma tinta e escrevesse o número da sua casa, aquele que eu tinha anotado após medir. Marquei o local aonde iria o postinho e disse-lhe para abrir o buraco aonde iríamos colocar o postinho. Assim foi feito, a energia foi ligada. Naquela época fazíamos inspeção a noite onde havia foco de luz. Havia muita malandragem da molecada, quebrar lâmpada da rua com estilingue. O pessoal da inspeção passou e viram o furgão aceso, fizeram uma série de comentários em tom de brincadeira. Chegou ao ouvido do meu chefe, Dr. Benedito, ele disse-me: “Isso que você fez é louvável!”. 


Em 1931, o espírito empreendedor do jovem Agostinho Martini Netto fez com que a produção de doces caseiros, que aprendera com sua mãe, se tornasse um sucesso comercial na cidade de Piracicaba – SP.

Com apenas 16 anos, Agostinho mobilizou sua família em torno da produção caseira de doces. Em sua casa “Seu Neguinho”, como era conhecido, e sua mãe faziam confeitos de abóbora, batata e a famosa cocada, que eram vendidas por ele, a pé, em cestos de palha. Era o início de uma tradição que começava a fazer parte da vida da cidade.
Em 1935 “Seu Neguinho” casou-se com Joana Rocha, a qual passou a confeccionar doces e bolos para casamento. Companheira de todos os momentos teve parte importante nessa longa caminhada. Em pouco tempo, com a aquisição de uma charrete os doces passaram a estar presente em muitas comemorações locais. Casamentos e festas eram saborosamente enriquecidos com os doces e bolos da família Martini, que trabalhava diariamente para adocicar a vida das pessoas e atender com prontidão as inúmeras encomendas.
Em 1938 foi adquirido o primeiro veículo, um Chevrolet 1928 e em 19 de Abril de 1940 foi criada a  Doces e Conservas Martini Ltda.
A preocupação em manter a qualidade dos produtos e a rapidez na distribuição, dava a Doces Martini uma posição de destaque nacional.
Na Segunda Guerra Mundial e durante parte do regime militar Brasileiro, a Doces Martini enfrentou momentos amargos de racionamento, mas com dedicação e perseverança foram transpostas todas as dificuldades. Já passado o período de racionamento, em 1970, a linha de produtos foi modificada. A fabricação de bolos e doces para casamento foi acrescida por uma vasta linha de doces cremosos e em conserva, totalizando mais de 100 produtos diferentes entre confeitos, compotas e doces cremosos.
Manter a produção de doces e compotas, com sabor de feito em casa, é orgulho e tradição dos Martini.
Hoje a empresa, que está na quarta geração, tem seus produtos distribuídos para pizzarias, hotéis, restaurantes industriais, supermercados, padarias e diretamente ao público em âmbito nacional e internacional.
O segredo desse sucesso está na seguinte fórmula: 
– Mais de 80 anos de dedicação e trabalho;
– Frutas frescas e açúcar misturados com muito amor;

É por isso que a  história desta indústria é considerada UMA DOCE TRADIÇÃO!

Fábrica de tecidos “Boyes”

A fábrica de tecidos “Boyes”, fundada como Fábrica de Tecidos Santa Francisca, teve a sua origem a partir do empreendedorismo de Luiz de Queiroz. A fábrica se tornou a primeira grande indústria originalmente piracicabana, recebeu a primeira linha de telefone da cidade e, ainda, obteve o seu processo de produção por meio da força hidráulica do Rio Piracicaba. Por falta de tecnologia para subsidiar a produção demandada pela fábrica, todos os maquinários eram importados da Inglaterra.
O Jornal de Piracicaba, datado em 27 de dezembro de 1900, apresenta o discurso pronunciado pela aluna da Escola Luiz de Queiroz, Adelaide Peregrina, em ato de encerramento dos trabalhos daquele ano, onde destaca a importância da fábrica para os trabalhadores locais:Não é um edifício sumptuoso, não prende a atenção o seu trabalho artístico, não tem arquitetura custosa, nem colunatas, nem ogivas, não tem frontispícios a trabalhosos labores ou delicados rendilhados mas ante ele o passeante deve descobrir-se com respeito, porque é uma Sinagoga do trabalho, que a sua sombra angusta e sagrada abriga dos rigores do infortúnio famílias e famílias, a quem distribui o trabalho do qual a recompensa e o bem estar, o sossego e a paz de muitos lares”.
A fábrica de tecidos, após ser adquirida por Rodolpho Miranda em 1902, altera o nome e passa a ser identificada como “Arethusina”. No Jornal de Piracicaba, de 1903, uma nova matéria detalha as atividades e estrutura da fábrica, inclusive da Vila, conjunto residencial que servia de moradia para os seus operários:
Em uma quadra, fazendo faces para a rua Luiz de Queiroz, Prudente de Moraes, Vergueiro e 13 de maio, tem a fábrica 14 confortáveis casas para operários, na primeira das ruas descriminadas, e nas segundas excelentes habitações em que reside o guarda-livros”.
Também próximo a fábrica se encontra o palacete de Rodolpho Miranda, que ainda naquela edição do Jornal, é ilustrado como um espaço:
Situado num dos pontos mais pitorescos da cidade encontra-se elegantíssimo palacete ao centro de deslumbrante parque onde, a par esmerado capricho na escolha e conservação de frondosos e raros arvoredos, assim como de belíssima flores o seu proprietário faz coleção de aves nacionais e estrangeiras”.
Em 1927, definitivamente, a fábrica foi adquirida pela Cia Industria e Agrícola Boyes, o qual leva o nome da empresa e da Vila até o fim de suas atividades.

                                       Empreendedor Luiz de Queiroz. Acervo da USP/ESALQ
Fábrica de Tecidos Santa Francisca. Acervo do IPPLAP (Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba)
                                     Louis Clement
Século 20. N. Bélgica, f. São Paulo, SP, 1990-95? Engenheiro têxtil, administrador de empresa. C.c. Eloá Clement. Ff.: Achilles, Astrid, Therezinha. Durante muitos anos, foi diretor da Companhia Industrial e Agrícola Boyes em Piracicaba, originada da fábrica de tecidos D. Francisca (mais tarde Arethuzina) que Luiz Vicente de Souza Queiroz (v.) criou em 1877. Nomes de destaque na sociedade piracicabana de meados do século 20, o casal Clement esteve ligado a numerosas entidades e iniciativas relevantes. Por ocasião da criação da Associação Atlética Vila Boyes, Louis Clement foi eleito presidente de honra. Deve-se a ele a doação de terreno da Companhia Boyes no qual foi construído e instalado o novo mosteiro das Carmelitas Descalças de Piracicaba, cuja pedra fundamental foi lançada e benzida a 15.8.1954. Grande benemérito, destacou-se em numerosas obras de benfeitoria, como a construção da segunda torre da catedral piracicabana. Foi quinzista devotado e conselheiro do E. C. XV de Novembro em seus áureos tempos 
Pfromm Netto, Samuel, 1932-2012. Dicionário de Piracicabanos / Samuel Pfromm Netto. — 1. ed. — São Paulo : PNA, 2013  
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