PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 20 de junho de 2015.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: THEREZINHA DE JESUS PENTEADO MONTEIRO

Therezinha de Jesus Penteado Monteiro nasceu a 24 de maio de 1926, em Rio Claro. É filha de Nestor Penteado e Maria de Lourdes Negreiro Penteado que tiveram ainda os filhos: Francisco Santa Cruz Negreiros Penteado, Vera, Therezinha e o filho mais novo. Seu pai era negociante de café, filho de fazendeiros. Sua mãe era também filha de fazendeiros, que cultivavam o café e sofreram grandes prejuízos com a queda do café em 1929. Embora se tornassem pobres de um dia para outro, não deram prejuízo a ninguém, a nenhum colono ou fornecedor. Sua mãe ficou viúva com 31 anos de idade sendo que o filho mais velho tinha oito anos e o mais novo com 50 dias de vida. Seu pai faleceu muito jovem vítima da doença então denominada pneumonia dupla.Ficaram sem bens. “A casa que papai tinha construído era com empréstimo do vovô Arruda Penteado que também ficou pobre”  cita Therezinha. 

Para a família essa quebra ou crack, em inglês, como o episódio ficou conhecido foi um grande abalo?

Papai ficou muito pobre, muito triste, isolou-se da sociedade. Naquele tempo os fazendeiros não administravam a fazenda, entregavam para administradores. A crise do café afetou muito porque não havia diversificação de plantio. Quando nasci papai era só negociante de café e a mamãe filha de pessoas ricas, de boa cultura, ela tinha estudado no Colégio Des Oiseaux ,em São Paulo. Vovó Blandina era filha de professores veio de São Sebastião, litoral paulista. Era muito culta, muito refinada. Vovô era fazendeiro, só que ficava mais na fazenda, não tinha a visão que a minha avó tinha. Caso ele seguisse o que vovó dizia eles teriam ido para São Paulo, para trabalhar com os Moreira. Minha avó era da família Moreira Negreiros. Infelizmente vovô preferiu ficar.

A família Moreira tinha que tipo de atividade em São Paulo?

Tinham uma casa bancária. Vovó queria aplicar dinheiro junto com os irmãos lá.

Como foi a sobrevivência da família?

Vivemos na dependência de um irmão dela, advogado, Carlos Moreira Negreiros. Mamãe foi uma lutadora belíssima, chegou a fazer doces para vender. Ela não queria que nós sofrêssemos uma ruptura na educação. Estudamos em escola pública, o que foi ótimo, mamãe nos deu esse desejo de estudarmos para vencermos pelo nosso próprio esforço. Sermos independente. A dependência, mesmo de um irmão, é dolorosa. Embora Titio Carlos fosse um santo homem. Mamãe tornou-se uma pessoa brilhante, ao mesmo tempo em que nos formou como pessoas muito sérias, muito honestas, preparadas para a vida, nos fez estudar, a ponto de chegarmos até a cozinha para aprender a fazer alguma coisa ela dizia: “- Vai estudar! Vai Estudar!”. Ela exigia estudo. Com isso nós quatro nos tornamos independentes. Eu escolhi o magistério, meu irmão escolheu o direito, meu irmão mais velho ingressou no serviço público, faleceu em um acidente, mas estava em uma situação privilegiada. Minha irmã tornou-se professora como eu, mas casou-se muito cedo com um médico, tiveram sete filhos. Enfim a família ficou bem constituída graças a uma força maravilhosa da minha mãe.

Vocês moravam com o seu tio?

Não, nós morávamos em Rio Claro, em uma casa alugada. Meu tio morava em São Paulo, depois ele mudou-se para Jaú, cidade na qual temos parentes do ramo da nossa família: Negreiros. Assim como temos parentes aqui em Piracicaba com o sobrenome Negreiros: o Inacinho Negreiros, o Rui Negreiros.
A origem do sobrenome Negreiros é portuguesa?

Nós somos brasileiros, família com quatrocentos anos de origem, mamãe sempre disse que havia sangue espanhol, indígena e até negro nessa mistura que formou a nossa família. A família Penteado é a mesma coisa, a vovó era da família Torres, vinda do Rio de Janeiro, ela era filha do comendador Torres, que veio aqui para Rio Claro, onde teve a vovó Elisa (mãe do papai) e vovó Alice, e deu uma fazenda para cada uma.
Em Rio Claro em que escola a senhora estudou?

Fiz no Ginásio Joaquim Ribeiro, que era uma escola muito boa. Em 1942 me formei no ginásio, houve a Reforma Capanema, o ginásio passou a ser de cinco anos e o colegial dois anos. Veio a lei que permitia que prestássemos exames para ingressar na faculdade. Entrei na Faculdade de Filosofia de Campinas, formei-me em 1945, sou da primeira turma da Faculdade de Filosofia de Campinas.
A senhora morava em Campinas?

Morava. Em um pensionato de freiras, Pensionato Nossa Senhora de Lourdes, vizinho a casa do arcebispo, situava-se a Rua General Osório. Minha irmã também estudava lá, ela cursava Letras e eu pedagogia. O namorado da minha irmã era da família Aranha, família tradicional de Campinas, muito amiga da nossa família. Embora estivéssemos morando em um pensionato tínhamos parentes que moravam em Campinas, ligados a família Moreira.
Qual era a diversão de vocês?

Naquela época a diversão era muito restrita. A começar pelos recursos financeiros que eram muito bem controlados, Nessa época a Faculdade de Filosofia adotava uniforme para estudantes, Era uniforme cor de vinho. Minha irmã e eu freqüentamos a faculdade por três anos, depois fiz a especialidade de orientação educacional. Nós éramos tão pobres que descíamos a barra da saia a medida que crescíamos. Não havia bullying. Andávamos com aquela barra de saia com coloridos mais forte e mais fraco. Durante três anos usamos cada uma o seu próprio e único uniforme. Não tínhamos vergonha de sermos nós mesmas, apesar de não termos dinheiro. A nossa diversão era, aos sábados e domingos a minha irmã saia com o namorado e eu ia junto, mamãe recomendava, não podia sair sozinha. Meu cunhado brincava dizendo que eu era “ponto e vírgula”, o tempo todo junto! Íamos ao Clube de Campo, onde o meu cunhado era sócio, era o melhor clube de Campinas, freqüentávamos a melhor sociedade porque tínhamos primas do ramo Torres da família. Os Paranhos eram casados com Torres. Essas minhas primas eram da família Paranhos Penteado. Às vezes íamos à matinê ou a alguma festa, dormíamos na casa da nossa prima. Diversão era só essa. Não tínhamos dinheiro para diversões. Separávamos dinheiro de seis meses em envelopes, quando acabava o dinheiro do mês, minha irmã e eu não entravamos no dinheiro do mês seguinte antecipadamente. Viajamos pouco, não vínhamos todas as semanas para Rio Claro, usávamos o trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Vínhamos de vez em quando, o dinheiro não dava para vir. Nossa vida de estudante foi sacrificada por um ideal.

Após formar-se, em que local que a senhora começou a trabalhar?

Vim ser substituta de educação em Rio Claro, no Colégio Puríssimo Coração de Maria. Na época eu era também a inspetora. Como substituta do professor Cardoso, de educação, eu também assinava as provas. No inicio fiquei apavorada, recém-formada, estava substituindo um professor famoso, de muita cultura. Nesse meio tempo fui prestando concurso para Técnico de Educação Federal. Com muito esforço e por sorte, consegui ser classificada em ótimo lugar, isso foi no tempo em que Eurico Gaspar Dutra era presidente. E Capanema era o ministro da educação. Fui tomar posse da vaga conquistada, no Rio de Janeiro. Fui sozinha, com 20 anos. Lá eu tinha uma parente do ramo Torres da família, ela era assistente social, tinha um primo, Egberto Gomes, que era filho da minha tia Sebastiana Moreira Gomes. Ele morava no Rio de Janeiro e namorava uma prima que também era da família Gomes. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro já fui de avião da VASP. Isso foi em 1945.

A senhora era corajosa!

Tinha que ser, tinha que lutar pela vida! Técnico de Educação era a primeira profissão do ministério. Fui por que era bem remunerada, eu não queria ir para o Rio, e nem mamãe queria que eu fosse, era uma separação muito difícil. Meu primo Eg me levou a um colégio de freiras carmelitas. Receberam-me pela amizade que tinham com Celuta que era noiva do Eg. Lá eu fiquei durante uma semana, só chorava, no pensionato as freiras não falavam. Eu tinha uma senhora, minha parente, da família Torres, que alugava quartos na casa dela. Por ser parente, sai daquele pensionato e fui para lá. Fiquei nessa casa, na Rua Irajá, no bairro Botafogo. Estava se formando o Instituto Social, aonde depois eu vim morar.

Como se sentia uma menina, com vinte e poucos anos, em uma cidade maravilhosa como o Rio de Janeiro,  totalmente independente?

Pelos princípios que eu tinha, me ative a esse parentesco. Ou eu ia a casa dessa Paranhos ou ficava na casa dessa Torres. Tive amizade com duas técnicas de São Paulo que foram da minha turma. Foram para o Rio seis ou sete Técnicos em Educação de São Paulo, acabamos formando um grupo no Ministério da Educação, o Grupo de São Paulo. As meninas eram moças muito boas, muito bem formadas, elas moravam em um pensionato comum. Eu não aderi a isso. Comecei a ter uma vida muito boa, passei a conviver com pessoas de um nível muito bom, que exerceram influencias muito boas sobre mim.

Quanto tempo a senhora morou no Rio de Janeiro?

Morei por três anos, vinha uma vez a cada dois meses, vinha de trem, até São Paulo vinha pela Central do Brasil, de São Paulo para cá vinha pelo trem da Companhia Paulista. Isso foi assim até que abriram o concurso aqui para o magistério, prestei o concurso para professora de educação e vim para cá. O primeiro cargo que escolhi foi em São José do Rio Pardo, comecei lá como professora. Abriram o concurso para vice-diretor, escolhi São Paulo porque tinha parentes lá, escolhi uma escola no Brás. Veio a minha remoção, fui promovida a diretora de colégio em Termas do Ibirá, fui para Cafelândia, Santa Rita do Passa Quatro e vim para Piracicaba, como diretora da Escola Normal Rural que funcionava em um prédio anexo a Zootecnia da Escola Agrícola Luiz de Queiroz. Fui muito bem recebida pelos professores, tive um apoio muito grande, formávamos uma semana cultural, onde os professores da Escola Agrícola participavam, abriam os auditórios das escolas, isso foi em 1964. Depois a escola, mudou-se para o Isolamento. O governo transformou a escola normal rural em normal comum, nós viemos para onde foi o Isolamento dos Leprosos, o prédio foi adaptado para a nossa escola ai, até construírem o prédio da atual Escola Estadual Professor Jose de Mello Moraes. Quando foi construído o novo prédio, fui chamada como assessora do Delegado do Ensino Primário, Aracy de Moraes Terra, quando foi introduzido o curso secundário propriamente dito. Da delegacia secundária era o Basile. Quando se uniram as duas delegacias resolvi voltar para o Colégio Mello Moraes. Nessa época meu marido ficou doente, queria ir para Águas de São Pedro, me removi para o Colégio de São Pedro, Escola Estadual José Abílio de Paula.

Em que ano a senhora se casou?

Quando eu vim para cá em 1964, João Monteiro era viúvo há dois anos, trabalhava como professor de desenho na Escola Normal Rural. Casamos-nos, fui a sua esposa em segundas núpcias, ele era viúvo de Elza com quem teve dois filhos. Quando nos casamos ele tinha 64 anos eu tinha 39. Eu era solteira e ele era viúvo. Fiquei por 14 anos casados com ele, em 1979 ele faleceu. Quando nos casamos fomos morar em uma casa situada a Rua da Boa Morte, nas proximidades do Colégio Piracicabano. Em 1977 eu me aposentei.

Naquela época tinha um hotel na esquina da Rua D. Pedro I e Rua da Boa Morte, quase em frente a casa da senhora?

Tinha. Pertenceu ao pai do Haldumont Nobre Ferraz (Tiquinho). Lembro-me do bonde, atrás da catedral havia o ponto do bonde que ia para a Escola de Agronomia, era uma alegria, iam professores, alunos, de bonde.  A Rua da Boa Morte era calçada em paralelepípedo, o bonde circulava por ela em direção ao bairro da Paulista. Íamos muito ao Mercado Municipal, João gostava de uma banca muito boa que havia lá. Ele gostava de fazer as compras da casa. Casamos em São Paulo, no civil e no religioso, na Igreja da Cruz Torta, muito conhecida em São Paulo.

Há quanto tempo a senhora reside no Lar dos Velhinhos?

Faz 35 anos que moro no Lar dos Velhinhos de Piracicaba, acredito que eu e a Rina, somos as mais antigas moradoras do Lar.

A senhora é uma pessoa extremamente bem informada e atualizada. O que a leva a se atualizar imediatamente ao fato ocorrido, inclusive com riquezas de detalhes, sejam acontecimentos locais, nacionais ou internacionais?

É o interesse pelo bem estar comum, por um governo melhor. Eu ainda me interesso por uma melhora neste pais. Eu tenho muito interesse na causa pública, na causa social. Eu tenho o sentido ético e de cidadania que foi, acho que, infiltrado pela minha mãe, a tal ponto que isso é a minha vida! Que música que eu gosto? É “A Banda” de Chico Buarque, porque ela fala com muita sensibilidade da dor do povo sofrido, que se alegra ao ver a banda passar. A banda significa o pouco de alegria que o povo pode ter. São essas pequenas coisas que formam a vida humana. Sou muito ligada a vida da população, ao nosso povo, a nossa raça, ao nosso país. Sou uma pessoa que assimilo muito que ouço, que eu vejo e o que eu leio. 

O que a senhora acha desse pessoal que toca musicas praticamente sem sentido?

Em meu ponto de vista acho péssimo! É uma queda de gente como gente. Parece mais uma coisa repetida, animalesca, selvagem. No meu ponto de vista é um retrocesso. Trata-se de um retrocesso que faz parte de uma curva pela qual a humanidade tem que passar nessa época de muita violência humana, da brutalidade de gente como gente, do homem se tornar tão pequeno, ao ponto de fazer musica que não tem letra. Temos que passar por essa fase que irá ser eliminada, está surgindo também uma geração de pessoas que pensam. Vejo jovens promissores frutos de famílias solidamente formadas.

Há uma queda da família?

Há! E essa queda da família está gerando isso.

O que a senhora pensa sobre essa “nova moral” de aceitação de tudo?

Penso que seja um retrocesso. Estamos retrocedendo milênios, é uma reciclagem da humanidade. Daqui a pouco some esse pessoal para nascer outro.

Sob seu ponto de vista, há um interesse do governo, das instituições, em manter o povo cada vez mais passivo?

Claro que sim! O Papa Francisco é muito bem intencionado, só que nos locais onde a igreja católica está enfraquecendo, há uma maior beatificação, santificação. Há muita política nessas escolhas. Muitos são dignos de serem honrados e amados, pelos exemplos que deram, mas não precisam que sejam santificados.

A senhora acompanha diariamente as últimas noticias através de canais de televisão especializados em noticias?

Acompanho, e a opinião emitida pelos entrevistados são muito esclarecedoras e mesmo sendo através de uma televisão privada ela é a opinião independente dada pelo entrevistado.
A seu ver, o mundo está passando por uma fase conturbada ou isso é uma particularidade do nosso país?

O mundo todo está conturbado. Particularmente o nosso país está em uma situação mais delicada por ser um país ainda muito novo para comprar idéias malucas como ele comprou. O Brasil entrou nessa crise porque quis.
Na opinião da senhora o ex-presidente Lula cometeu o mesmo erro do ex-presidente Getúlio Vargas, não deixou a política no momento certo?

Ambos cometeram o mesmo erro. Um praticou o ato físico de deixar de viver literalmente, outro perdeu muito do seu carisma político por insistir em permanecer junto ao poder. Por uma série de fatores políticos e econômicos, não só internos como externos, houve desgaste da sua figura.
O poder seduz?

Como seduz! Até mesmo ministros estão gostando do poder que possuem a ponto de se desviarem de seus propósitos iniciais para manterem-se no poder.
A senhora acredita que estamos chegando ao final de um ciclo?

Acredito muito na nova geração, que estão sendo formados por famílias bem estruturadas, esses moços é que vão reconstruir tudo. Minha esperança é essa, confio muito que ainda a família é o alicerce da sociedade. Quando não existiu uma família o alicerce ruiu. As famílias ruíram. Não todas!
Existe um incentivo ao consumismo desenfreado, isso empurra a mulher para disputar cada vez mais posições e rendimentos maiores, isso prejudica na formação familiar, particularmente na infância e juventude dos filhos?

Eu acredito que a reconstrução vai depender de poucos, a maioria está contaminada. Mas os filhos desses poucos mais tarde serão os dirigentes, serão os detentores do poder. Isso é um fenômeno mundial, o homem deixou o humanismo de lado. Como já houve em tempos passados, haverá uma reviravolta, lenta, mas houve. A saída é a reversão. Há muitos adultos que estão no poder que já estão refletindo sobre isso. Não viverei o tempo suficiente para poder ver essas mudanças, mas elas deverão ocorrer. As pessoas estão pensando muito no mundo que estão deixando aos seus descendentes: filhos, netos. O governo é nosso empregado, ele ainda não se conscientizou disso, acha que ele é dono da casa, dono do poder. Haverá o momento em que ele vai sentir que não é o que imagina ser, haverá um momento crítico, em que ou ele aceita assumir seu lugar e suas funções ou será substituído.
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