PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de maio de 2015

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
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            GILBERTO FRANZONI COM A MEDALHA DE GRANADEIRO DO IMPERADOR


ENTREVISTADO: GILBERTO FRANZONI

O 1° Batalhão de Guardas é a versão atual do Batalhão do Imperador, criado em 1823 por D.Pedro I. É herdeira das mais gloriosas tradições da guarda pessoal do Imperador. D.Pedro I ,em outubro de 1822, mandou reunir no Campo de Santana todas as tropas da guarnição e escolheu, homem a homem, oitocentos militares, que logo passaram a integrar o Batalhão do Imperador. .

                        CERTIFICADO DE INTEGRANTE DO BATALHÃO DO IMPERADOR

Gilberto Franzoni é natural de Piracicaba, nasceu na Vila Rezende a 8 de fevereiro de 1943, filho de Paschoal Franzoni e Carmem Gutierrez Franzoni que tiveram ainda os filhos Antonio e Adilson. Seu pai trabalhou por muitos anos na Dedini. Gilberto iniciou seus estudos na Escola Imaculada Conceição, dirigida por freiras.
A escola era dirigida por freiras, eram aceitos meninos também?

Aceitava! Nós éramos sete meninos na classe e umas trinta meninas aproximadamente. Isso no início da década de 50. Lembro-me que tive aulas com a Irmã Boaventura, tinha a professora Dona Maria, que não era freira. Fui coroinha na capela do próprio colégio, o Instituto Baroneza de Rezende.  Na época as freiras eram todas brasileiras.
Aonde foi o seu primeiro emprego?

Fui trabalhar em um escritório de contabilidade, isso por volta de 1954 a 1955. Permaneci por uns dois anos trabalhando lá, o proprietário era Roberto Carvalho, conhecido como Coba, era na Avenida Rui Barbosa.
Quais eram as diversões comuns na época?

Saíamos da Vila Rezende e íamos aos cinemas: Politeama, São José, Colonial, Palácio, assistia a primeira sessão em um cinema, a segunda sessão em outro, depois pegava o bonde e ia para a Vila Rezende, às onze horas da noite.
Havia uma rivalidade muito grande entre os moradores dos diversos bairros, inclusive da Vila Rezende?

Era uma rivalidade bem forte. O bairrismo predominava.
A única linha de bonde das três que existiam: Paulista, Agronomia e Vila Rezende, a da Vila tinha dois bondes correndo no sentido contrário, e em determinado ponto havia um desvio na linha para dar passagem a um dos bondes, aonde era esse local?

Era na Rua Campos Salles.
Qual era a sua atividade no escritório de contabilidade?

Eu ia até as empresas que eram clientes do escritório, buscar os livros contábeis. A maior parte dos clientes era da própria Vila Rezende, havia clientes até do Areião.  Ia a pé. Às vezes me aventurava a utilizar a máquina de escrever, “catando milho”. Era uma máquina Remington. Após dois anos que permaneci no escritório fui trabalhar na Dedini, como ajudante do torneiro que era o Seu Henrique Stoccomo. Funcionava onde hoje é a Avenida Mário Dedini. Fui estudar no SENAI, fiz o curso de três anos, e passei a trabalhar em torno. O SENAI já era próximo ao Colégio Dom Bosco. Comecei o curso em 1956 e conclui em 1959. Naquela época eu ficava seis meses na escola SENAI e seis meses na empresa. Formei-me como torneiro mecânico. Fui trabalhar na seção que chamávamos de “Seção das Bombas”, onde eram feitas as peças voltadas à usina de açúcar. Eu só fabricava quem fazia as instalações e manutenções era o setor de ajustagem.

O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?

Eu o via quando passava pela seção. Era um homem forte, muito bom.
Os funcionários do Dedini iam muito ao Restaurante do Papini. O senhor ia também?

Eu ia ao Grisotto, que também ficava na Avenida Rui Barbosa. O Restaurante Grisotto foi fundado em 1947. O proprietário era Elpidio Grisotto. Naquela época a coxinha de frango feita pelo Grisotto era imbatível.

O bom ali era coxinha e chopp?

Naquele tempo lá não havia chopp, tomava-se cerveja Antártica, Faixa Azul!

A que horas o senhor entrava no serviço?

Entrava às seis e meia da manhã, ia almoçar em casa, naquele tempo não havia restaurante na empresa, eu morava em uma das casas de propriedade do Dedini. O Dedini havia construído muitas casas para seus funcionários. Era na Rua Dr.Kok, hoje Monsenhor Jerônimo Gallo,terminava na Capela São Luiz, quem construiu a capela foi Mário Dedini. Lá havia festas, ele participava.

Ali era uma região com muito mato?

Era muito mato, mais abaixo no Nhô Quim era tudo brejo. No Algodoal havia o famoso Bairro do Pitá. Tinha a plantação de sisal, de propriedade de Virgilio Lopes Fagundes.

Em que data o senhor passou a ser funcionário da Dedini?

Dia 10 de novembro de 1955 e saí em janeiro de 1965.  Trabalhei em uma oficina na Rua Moraes Barros chamada Roma,fazia cabeçotes de carros, sai fui para a Nardini, em Americana, fiquei um mês, fui para São Paulo trabalhar em uma empresa próxima ao Parque Antártica, fazia filtros de carros, chamava-se Impeca, fiquei dois meses lá. Voltei a Piracicaba e fui trabalhar na empresa Motocana, lá trabalhei de 1966 até 1987 onde me aposentei. Era de propriedade de Leopoldo Dedini e Arnaldo Ricciardi. Fabricava carregadeira de cana-de-açúcar. Foi uma das pioneiras no Brasil, tinha uma concorrente, a Santal, de Ribeirão Preto. A Motocana localizava-se na Rua Primeiro de Agosto, na Vila Rezende. Adquiriam um trator de linha, vindo da fábrica, e colocavam-se os implementos para transformá-lo em carregadeira de cana. Eu fazia a parte hidráulica. Usinava por dentro o tubo aonde ia o mecanismo hidráulico. Era sócio também o Bragion, que saiu e junto com o Sérgio D`Abronzo montaram a Hima-Transhid, uma empresa que teve muitos equipamentos comercializados. O Leopoldo Dedini colocou Roberto Carvalho como diretor da empresa.

Um fato que marca a vida do senhor até hoje é ter ido servir no Batalhão de Guarda, como isso se deu?

Foi em 1963, eu tinha 19 anos. Eu me alistei no Tiro de Guerra de Piracicaba, formamos uma fila, eu estava na frente, meu irmão logo atrás. O oficial que estava selecionando mandou que eu escolhesse o Rio de Janeiro ou Brasília para ir servir. Meu irmão foi dispensado do serviço militar.

                                                           GILBERTO FRANZONI

O que passou pela sua cabeça na hora?

Fiquei em dúvida. No ano anterior, em 1962 já tinha ido um pessoal servir o Exército em Brasília. Decidi optar por ir para o Rio de Janeiro, fui servir no Primeiro Batalhão de Guarda, no bairro São Cristovão.


Estamos falando de 1963, a véspera da Revolução de 1964.

Eu dei baixa em dezembro, a revolução foi em março do ano seguinte. Eu tinha servido onze meses e pouco.

Após ser selecionado aqui em Piracicaba, como foi essa viagem ao Rio de Janeiro?

Fomos de trem da Companhia Paulista até Campinas. Em Campinas fomos para o G Can, um ônibus nos levou até lá. Ficamos uns três ou quatro dias no G Can, até que um ônibus da Viação Cometa nos levou até São Paulo, para embarcar na  Estrada de Ferro Central do Brasil na Estação  Roosevelt. Foram vinte horas de viagem de trem de São Paulo ao Rio de Janeiro. Descemos na Estação Central do Brasil  no centro da cidade do Rio de Janeiro. A cidade era muito bonita, eram outros tempos, sem tanta violência. Lá estava nos esperando o caminhão do Exército. Assim que chegamos já fizemos os exames médicos, cortamos o cabelo a moda militar e fomos fotografados. Dali a uma semana nós recebemos o fardamento. Tinha a farda para tirar guarda, farda de passeio, calção azul para ginástica.
O Batalhão da Guarda tinha alguns requisitos especiais?

Quando era tocada a corneta tinha um tempo para descer do alojamento, já fardado e armado. Usávamos a metralhadora INA. O pessoal que tirava guarda no quartel usava o mosquetão.
Era obrigado a saber a desmontar e a montar a arma?

O mosquetão sim. A metralhadora era simples. No quartel quem tirava guarda era a CIA. CPP. A Primeira, Segunda e Terceira Companhias tiravam guarda fora do quartel: no Ministério da Guerra, Monumento aos Mortos, Estande de Tiro, Palácio Laranjeiras, que era onde ficava o Presidente da República.
Na época o presidente era João Goulart?

Ele tinha assumido com a renuncia de Jânio Quadros, foi um período de muitas greves.

O senhor chegou a conhecer a primeira dama Maria Thereza Goulart?

Só de vista. Era uma mulher atraente.

Quantos soldados compunham o Batalhão da Guarda?

Éramos mil soldados. Hoje ao que consta são seiscentos soldados do Batalhão da Guarda.

Vocês formaram um grupo com características próprias, que se mantém unidos até hoje?

Ao chegarmos não conhecíamos ninguém, conhecia daqui de Piracicaba o Roberto Simioni, o Lalá, da Loja do Lalá, o Leleca Rossin, Moacir, Manarim, Galvani.

Qual era o seu nome de farda?

841 Franzoni.

Foi criado um grupo de Veteranos de Piracicaba e cidades da região que foram soldados do Batalhão da Guarda?

Na ultima ida nossa foram 15 companheiros para o Rio de Janeiro. O José Rolin vem de van de São Paulo, passa me pegar, passa pegar o Gamaleão, vamos buscar mais três companheiros em Rio Claro e quatro em Limeira. Quando fomos convocados, de Piracicaba éramos 180 soldados. Estimo que estejam vivos mais de uma centena desses soldados.  

No Rio de Janeiro vocês ficam hospedados onde?

Ficamos alojados no quartel. Não há nenhum custo. Só tomamos o café da manhã e saímos passear, não almoçamos nem jantamos no quartel. No ano passado reformaram o alojamento, ficou muito bonito. O quartel é de 1870, é a antiga Cavalaria, RCG. O General Figueiredo foi desse quartel. O nosso quartel, onde ficamos quando servimos, foi vendido para a Guarda Civil a poucos anos.

Quando vocês chegam qual é a reação dos militares que estão na ativa?

Geralmente chegamos à noite, o sargento do dia nos recebe e leva-nos para o alojamento. É mandada uma lista antecipadamente dos visitantes. Isso geralmente ocorre na quinta feira. Na sexta feira é feita a festa da entrega do “braçal”, se tiver 400 soldados para receberem o braçal, terão também 400 madrinhas. No nosso tempo não havia esse tipo de cerimônia. Geralmente no dia seguinte a nossa chegada, somos recebidos por um coronel, que nos conduz a uma sala, onde estabelecemos um dialogo. Somos convidados a entregar as medalhas aos soldados que se destacaram. É montado um palanque onde ficam as autoridades militares, nós somos convidados a permanecer juntos a eles.

O Exército valoriza seus ex-soldados?

Eles gostam muito de nós. Sempre dizem que não precisamos ir apenas a dia de festa, de entrega dos braçais, que ocorre geralmente no Dia das Mães, mas que terão o prazer em nos receber sempre.

Geralmente quantos dias vocês permanecem no quartel?

Em torno de quatro dias. Cada coronel tem uma norma própria de conduta, alguns mandam dois tenentes nos acompanharem, armados. Sempre nos recomendam sobre os cuidados a serem tomados, quais locais e horários são mais convenientes, como por exemplo, o passeio no bondinho sobre o Complexo do Alemão, a noite não é recomendado passear no mesmo. Nesses passeios turísticos não estamos acompanhados de escolta.

O que o senhor sente ao ser valorizado por uma instituição como o Exército?

É uma satisfação indescritível. Após o soldado receber o braçal há o desfile, e nós abrimos o desfile, vamos em trajes civis, existe uma camisa personalizada que usamos, está escrito BG. Logo em seguida, acompanhando-nos vem a tropa com uns 400 soldados. Geralmente o tenente-coronel nos acompanha.

Há um hino característico do Batalhão de Guarda?

Existe um CD com músicas executadas pela Banda Sinfônica do 1° Batalhão de Guardas comemorativo aos 180 anos de existência do Batalhão de Guardas, fundado em 1832 e que realizou esse CD em 2012.

Em algum momento o senhor pensou em seguir a carreira militar?

Fomos convidados para ir servir no Canal de Suez, mas da nossa turma ninguém aceitou. Houve muitas melhorias na profissão militar. Quem cursa a Academia de Agulhas Negras já sai com o posto de tenente. No meu tempo era mais difícil, um capitão já tinha mais de cinqüenta anos.

Há locais históricos conservados pelo Exército?

O Forte de Copacabana com canhões Krupp, a Fortaleza Santa Cruz, em Niteroi,  uma das mais antigas instalações militares do Brasil, onde a prisão permite que o preso fique só deitado, ele não consegue ficar em pé, pela altura do teto. A Academia Militar de Agulhas Negras. São lugares muito bonitos, que visitamos.


Em 1963 a situação política do país estava delicada, isso o preocupava?

Não, só fui até o aeroporto, Cinelândia, na Central do Brasil, tinha muita greve, os trens paravam. Havia uma tensão no ar.

O soldado do Exército era respeitado pela população?

Muito.

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