PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de fevereiro de 2015.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 07 de fevereiro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: JURANDIR BEZERRA MACHADO
ENTREVISTADO: JURANDIR BEZERRA MACHADO
O relato de Jurandir Bezerrra Machado, o Didi, filho de humilde família brasileira do Estado da Bahia. Sua trajetória bem marcada no campo profissional sua dedicação e lealdade para com a empresa onde galgou seu sucesso profissional. Um dos primeiros funcionários contratados quando a empresa ainda apenas trazia algumas peças do exterior até tornar-se diretor de uma das maiores indústrias do Brasil, instalada em Piracicaba. Um relato vibrante de uma vida de fé, honestidade e muito trabalho.
Jurandir Bezerra Machado nasceu a 28 de agosto de 1935, nasceu em Formosa do Rio Preto, próxima a Barreiras, na região oeste da Bahia. Jurandir após 75 anos de ter deixado Formosa do Rio Preto esteve em visita a sua terra natal. Filho de Eurípedes Rogério Machado e Clotildes Bezerra Machado, que tiveram nove filhos: Eulina, Eunice, Evani, Antonio, Ivo, Jurandir (Didi), Vidal, Maria e Noêmia.
Com que idade o senhor veio da Bahia para o Estado de São Paulo?
O meu avô e seus cinco filhos fugindo da seca, estavam sempre a procura de um local menos árido.
O pai do senhor decidiu deixar a atividade rural e arriscar uma vida nova?
Tínhamos alguns parentes em Andradina, cortavam cana, apanhavam algodão, convenceram meu pai a vir para cá. Nessa época eu tinha uns quatro anos. Quando chegamos nosso destino era Andradina, mas como a maioria dos migrantes do Norte fomos recebidos na Casa da Migração, que ficava na Rua Dr. Almeida Lima, mantida, ao que consta, pelo Governo do Estado de São Paulo. Na Rua Visconde de Parnaíba ficava a Casa do Imigrante, para os que vinham da Europa. Permanecemos lá uns três dias , com cama e mesa por conta do governo. Pela primeira vez na vida comemos batatinha. Passamos por exames médicos , sendo muito bem tratados.Os fazendeiros da região, querendo mão de obra, iam para a Estação da Luz, na Casa da Migração, era uma espécie de salão onde as pessoas ficavam hospedadas, Naquela época mão de obra era muito procurada. Isso foi por volta de 1940.
Essa viagem da Bahia até São Paulo foi uma verdadeira aventura?
A uns 25 quilômetros adiante de Formosa de Rio Preto, meu avô conseguiu encontrar umas terras onde se desenvolveu. Para chegar até lá usávamos cavalo, jegue. Andando no mato, não havia estradas. Meu pai e os filhos se organizaram, quando ele decidiu sair de lá ele não tinha dinheiro para viajar para São Paulo, o filho mais velho tinha 13 anos e a filha mais nova dois meses. Só muitos anos depois é que pudemos avaliar como meu pai foi organizado. Ele não tinha a intenção de deixar a família e vir sozinho para São Paulo. Ele conversou com meu avô, pai dele, plantou milho, mandioca, cana, tudo que pudesse plantar colher e estocar. Fez rapadura, colheu arroz, feijão, usando carro de boi ele transportou por esses 25 quilômetros até a cidadezinha. Foi deixando na beira do Rio Preto, na casa de um amigo. Quando acabou a colheita, e ele tinha toda a mercadoria, com meu irmão ele foi aos buritizais, cortar buriti. Cortaram mais de mil peças de buriti, é uma espécie de coqueiro. Com esses buritis ele foram montando uma balsa. Para descer o Rio Preto. O caminho normalmente feito pelos baianos era ir a cidade da Barra, embarcar em um vapor do Rio São Francisco, ir até Minas Gerais e depois chegar em São Paulo. Com mais dois ajudantes, meu pai construiu a balsa, colocou toda a mercadoria que tinha produzido e estocado, fez uma na balsa uma pequena casinha para a minha mãe e para a criança mais nova, carregou com saco de arroz, saco de alimentos, e deixaram a balsa descer o rio, foram uns 10 dias de viagem, percorrendo uns 400 quilômetros aproximadamente. Desceu o Rio Preto, que deságua no Rio Grande, até chegar no Rio São Francisco. Quando chegamos no Rio São Francisco estávamos Próximos a cidade da Barra. Portanto viajamos de carro de boi, na balsa fabricada pelo meu pai, na Barra meu pai vendeu o resto da mercadoria, até a balsa, gostaram tanto que compraram também. Meu guardou um pouco de mantimento para se sustentar na viagem. Com esse dinheiro ele pagou a passagem do vapor, indo até Minas Gerais. Em Minas conhecemos algo estranho: o trem de ferro! Dormíamos no próprio pátio das estações, para passar a noite e pegar outro trem pela manhã. Meu pai colocava as esteiras no chão e dormíamos sobre elas. Assim chegamos a São Paulo.
Após permanecer em São Paulo por alguns dias qual foi o destino que a família seguiu?
No terceiro ou quarto dia , fomos até a Estação do Brás, tomamos o trem de subúrbio da SPR ( São Paulo Railway) desembarcamos na Estação da Luz, saímos pela Rua Mauá e chegamos a estação Sorocabana, atual Julio Prestes, um fazendeiro inglês, Seu Lex, que tinha uma fazenda em Assis, ele viu meu pai, que era um baiano forte, sacudido, ele gostou do jeito do meu pai, convidou para ir trabalhar em sua fazenda. Quando meu pai apresentou a nossa família, o inglês pos a mão na cabeça, disse: “-Tudo isso?”. Assim fomos para Assis. Quando chegamos lá, deram ao meu pai uma área plantada com café, que ficaria sob sua responsabilidade, e deram u pedaço de terra para meu plantar para seu próprio consumo. Meu pai querendo sempre o melhor para nós, embora soubesse apenas fazer as quatro operações somar, subtrair, diminuir e multiplicar. Ele sempre dizia que tinha ido para São atrás de: trabalho, saúde e educação. Após permanecer dois anos em Assis nossa família mudou-se para Andradina, onde tinha dois primos que residiam lá. Em Andradina ele trabalhou na lavoura de algodão. O sonho de meu pai era vir para a capital, São Paulo.
Ele acabou vindo para a cidade de São Paulo?
Quando eu tinha uns seis para sete anos mudamos para São Paulo. Desembarcamos na estação Sorocabana, na Vila Anastácio, Rua Alvarenga Peixoto. Eu com seis anos, meus irmãos com 7, 9 e 13 anos, para ajudar, havia uma fundição grande, a Sofunge, junto aos detritos, areia, vinha uma borra de ferro, aquilo tinha valor, nós estávamos no período da Segunda Guerra Mundial. Naquela época havia muito estrangeiro. Encontramos um grupo de hungareses naquela região. Estavam na escola conosco.
O senhor estudava em que escola?
Grupo Escolar Dr. Reinaldo Ribeiro da
Silva, minha primeira professora foi Dona Gioconda. Estudava a tarde e na parte da manhã ia procurar de sucatas. Quando morávamos na Bahia meu pai fazia de tudo, consertava, fazia sapatos, ele que fazia os sapatos que usávamos. Era uma pessoa muito habilidosa. Em São Paulo começou a trabalhar como ajudante de caminhão em uma grande serraria que existia nas proximidades da estação Sorocabana. Meu avô materno, chamado Miguel Bezerra, ( O avô paterno era o Rogério Machado), veio nos visitar em São Paulo, e viu no que o meu pai estava trabalhando. Ele então disse: “- Eurípedes, você não pessoa para trabalhar como empregado dos outros, lá você fazia de tudo! Aqui você está em uma capital tão grande, porque você não compra e revende mercadorias?” Naquela época a Rua 25 de Março já era muito famosa. Isso por volta de 1943. Compraram umas coisinhas, pronto, meu pai virou mascate. A maior parte da vida dele trabalhou como mascate. Ele comprava roupas na Rua 25 de Março, na Rua José Paulino, saia vendendo de casa em casa. A pé ele ia pela Vila Anastácio, Presidente Altino, Osasco, Toda aquela região. Com isso as coisas foram melhorando. Minhas irmãs todas trabalharam como empregadas doméstica. Meu pai e eu pegamos o bonde na Lapa, fomos até o Mercadão (Mercado Municipal de São Paulo), lembro-me que era o bonde aberto. Eu ia, por exemplo, em uma banca de bananas, pegava em consignação umas bananas colocava em uma cesta e ia de casa em casa vendendo banana. Nessa época devia ter sete a oito anos. Vendi caixinhas de uva passa. Meu pai comprava, eu vendia, ficava com o lucro e devolvia o capital que ele havia investido. Uma noite eu estava dormindo, morávamos todos em um quarto só, meu pai havia dividido com panos, era um cortiço onde havia sete famílias, morávamos bem mal mesmo. Estava chovendo, olhei quem estava mexendo em nossa porta, era um jornaleiro que passava a noite entregando jornal nas casas. Estava tomando chuva. Pediu para ficar ali encostado. Comecei a conversar com ele, quanto ganhava, quanto entregava, logo perguntei se não tinha vaga para mim. Ele então me propôs, tinha que fazer a rua inteirinha, eu deixo os jornais aqui, você entrega para mim e ganha tanto para fazer isso. Avisei minha mãe, meu pai, todo dia ele chegava com os jornais, batia, eu ia e entregava. Eu não via nenhum dos leitores dos jornais, eles ainda estavam dormindo. A única pessoa que via era o padre, ele acordava cedo, quando eu chegava lá ele já me chamava: “Oi baianinho! Boas notícias?”. Era o úco que me dava uma gorjeta, ele me dava um passe de ônibus. Era o Padre Arnaldo. Ele me dava café. Até que um dia ele me chamou e perguntou-me em que local eu morava. Disse-lhe que morava na Rua Alvarenga Peixoto,166. Ele então me disse: “Menino, nunca vi você na missa!”. Respondi-lhe: “É seu padre, eu sou protestante!”. Vi que ele não gostou. Em conseqüência da minha confissão, perdi o único dinheirinho que ganhava como gorjeta. O padre não abriu mais a porta, não me deu café e nem o dinheiro! Essa foi a primeira discriminação que passei! Tive outras mais tarde: por ser baiano, pela minha baixa estatura, por ser briguento.
Silva, minha primeira professora foi Dona Gioconda. Estudava a tarde e na parte da manhã ia procurar de sucatas. Quando morávamos na Bahia meu pai fazia de tudo, consertava, fazia sapatos, ele que fazia os sapatos que usávamos. Era uma pessoa muito habilidosa. Em São Paulo começou a trabalhar como ajudante de caminhão em uma grande serraria que existia nas proximidades da estação Sorocabana. Meu avô materno, chamado Miguel Bezerra, ( O avô paterno era o Rogério Machado), veio nos visitar em São Paulo, e viu no que o meu pai estava trabalhando. Ele então disse: “- Eurípedes, você não pessoa para trabalhar como empregado dos outros, lá você fazia de tudo! Aqui você está em uma capital tão grande, porque você não compra e revende mercadorias?” Naquela época a Rua 25 de Março já era muito famosa. Isso por volta de 1943. Compraram umas coisinhas, pronto, meu pai virou mascate. A maior parte da vida dele trabalhou como mascate. Ele comprava roupas na Rua 25 de Março, na Rua José Paulino, saia vendendo de casa em casa. A pé ele ia pela Vila Anastácio, Presidente Altino, Osasco, Toda aquela região. Com isso as coisas foram melhorando. Minhas irmãs todas trabalharam como empregadas doméstica. Meu pai e eu pegamos o bonde na Lapa, fomos até o Mercadão (Mercado Municipal de São Paulo), lembro-me que era o bonde aberto. Eu ia, por exemplo, em uma banca de bananas, pegava em consignação umas bananas colocava em uma cesta e ia de casa em casa vendendo banana. Nessa época devia ter sete a oito anos. Vendi caixinhas de uva passa. Meu pai comprava, eu vendia, ficava com o lucro e devolvia o capital que ele havia investido. Uma noite eu estava dormindo, morávamos todos em um quarto só, meu pai havia dividido com panos, era um cortiço onde havia sete famílias, morávamos bem mal mesmo. Estava chovendo, olhei quem estava mexendo em nossa porta, era um jornaleiro que passava a noite entregando jornal nas casas. Estava tomando chuva. Pediu para ficar ali encostado. Comecei a conversar com ele, quanto ganhava, quanto entregava, logo perguntei se não tinha vaga para mim. Ele então me propôs, tinha que fazer a rua inteirinha, eu deixo os jornais aqui, você entrega para mim e ganha tanto para fazer isso. Avisei minha mãe, meu pai, todo dia ele chegava com os jornais, batia, eu ia e entregava. Eu não via nenhum dos leitores dos jornais, eles ainda estavam dormindo. A única pessoa que via era o padre, ele acordava cedo, quando eu chegava lá ele já me chamava: “Oi baianinho! Boas notícias?”. Era o úco que me dava uma gorjeta, ele me dava um passe de ônibus. Era o Padre Arnaldo. Ele me dava café. Até que um dia ele me chamou e perguntou-me em que local eu morava. Disse-lhe que morava na Rua Alvarenga Peixoto,166. Ele então me disse: “Menino, nunca vi você na missa!”. Respondi-lhe: “É seu padre, eu sou protestante!”. Vi que ele não gostou. Em conseqüência da minha confissão, perdi o único dinheirinho que ganhava como gorjeta. O padre não abriu mais a porta, não me deu café e nem o dinheiro! Essa foi a primeira discriminação que passei! Tive outras mais tarde: por ser baiano, pela minha baixa estatura, por ser briguento.
Fazia muito frio nas madrugadas paulistanas?
Tinha madrugadas muito frias, minha mãe adquiriu um casacão, cumprido, usado, lá pelos lados da José Paulino ou 25 de Março. Quando eu usava diziam que era o Duque de Caxias, davam muita risada. Quando eu chegava o pessoal já dizia: “-Olha o Didi com o Duque de Caxias!”. Com isso meu casacão ganhou o apelido de Duque de Caxias. Um dia tomei uma chuva danada, pendurei o “Duque de Caxias” para secar, lá fora. Eram sete famílias que moravam naquele cortiço, roubaram meu “Duque de Caxias”. Minha mãe era muito caridosa, tinha um deficiente físico que usava uma cadeira de rodas, não tinha ninguém que o empurrasse para pedir esmolas nas casas. Um dia ela me chamou e disse-me: “-Didi, você vai fazer um favor para aquela pessoa. Umas duas vezes por semana você ajuda-o empurrando a cadeira de rodas”. Passei a empurrar esse homem, era uma rua de terra, ia a uma casa, pedia uma esmola para fulano de tal, davam. Atravessava a rua, a mesma coisa. Ele não deixava passar uma casa. Quando eu o deixava na sua casa ele só me dizia: “Obrigado! Deus te pague!”. Eu ficava esperando alguma coisa, mas nunca peguei um tostão dele. Os meus colegas da escola achavam que eu estava ganhando para fazer aquilo. Tinha um que me dizia: ”- Não precisa de ajudante?”. Até que um dia eu não quis mais, falei com o deficiente, ele ficou triste, pediu que eu indicasse alguém. Indiquei aquele colega de escola que tinha se oferecido. Percebi que ele começou a gastar, ter dinheiro, um mês depois o deficiente queria que eu voltasse a ajudá-lo o outro que eu tinha indicado só tinha lhe dado prejuízo. Na minha vida sempre eu dei. Não recebia nada.Chegou um ponto em que chorei com a minha mãe, eu faço as coisa para todo mundo e eles me falam: “Deus lhe pague!”. “-Mãe só Deus é que tem que me pagar?” Minha mãe dizia-me: “ Meu filho, na vida espere somente de Deus! As lute e continue sendo honesto! Deus estará ao seu lado!”. Meu pai era ateu, minha mãe era presbiteriana. Ma minha vida nunca consegui as coisas de forma fácil.
O senhor foi fazer o ginásio?
Eu tirei o diploma do curso primário, meus irmãos eram muito bem considerados na escola, nota máxima em tudo, eu só passava raspando. Nunca repeti na escola. Minha mãe para me compensar um pouco, mandou-me para passar uns meses com meu tio Napoleão, que era tropeiro em Andradina, Ao chegar ele perguntou-me: “-Já andou a cavalo?” Disse-lhe que não. No primeiro dia ele me deu uma égua brava, chamada Grã-Fina. Na primeira montada que eu dei já fui para o chão, machuquei o joelho.Meus outros tios acharam aquilo errado, ele então disse que eu tinha que aprender com as coisas difíceis, não com a coisas fáceis, era a filosofia dele. Se eu der um cavalo molenga, vai andar AM passo manso, o menino vai acostumar assim, por isso dei um cavalo bravo para ele, ele vai lutar com esse cavalo, vai dominar, vai ser bom.Meu tio detestava o medo, foi com ele que aprendi a não ter medo. Eu tinha 11 anos. Ele disse-me: “-Você vai ser tropeiro comigo!” Comprou-me roupas apropriadas. Como tropeiro, fiquei seis meses com ele, viajava para Andradina, Mato Grosso, Três Lagoas. Dormindo no mato.
Após seis meses o senhor voltou para a casa dos seus pais, mas já não era mais um menino como antes?
Voltei bem mais maduro, muito corajoso. Um amigo do meu pai arrumou um emprego na empresa Western, minha função era entregar telegramas, ela ficava bem no centro de São Paulo, no Largo do Café. Usava uniforme, amarelinho com bonezinho, falavam eu o salário era baixo mas ganhava-se muita gorjeta. O prédio Martinelli eu subia inúmeras vezes ao dia. Nunca ganhei uma gorjeta, eu dizia, “-Pai, deve ter alguma coisa errada comigo!”. Meu cunhado trabalhava em uma fábrica, e me levou para trabalhar lá. Fui trabalhar como office-boy em um escritório de engenharia. Era a fábrica Codiq. Um dos diretores da companhia era Dr. Purm, de aproximadamente 60 anos. Ele tinha certas manias, uma era que diariamente limpava os bolsos e jogava moedas sobre a sua mesa. Eu arrumava sua mesa todos os dias eu arrumei uma caixinha na qual punha as moedas e coloquei-a no fundo da última gaveta da mesa dele. Todo dia era assim, uma moeda hoje duas ou três amanhã e eu ia guardando. O pessoal gostava muito de mim, porque eu era esperto, ajudava todos e trabalhava em algumas copiadoras, tirando cópias de desenhos. Um dia ouvimos os Dr. Purm falar bem alto:
“-Estou rico! Estou rico!”. Fui até a mesa dele onde já estava o vice-diretor,. Alguns projetistas, todos curiosos em saber o que tinha acontecido. O alemão mostrou a caixa cheia de dinheiro e disse: “- Puxa! Estou rico! Encontrei na minha gaveta. Como é que esse dinheiro veio parar aqui?.A responsabilidade da mesa e das coisas dele era minha. Eu disse-lhe: “-Esse dinheiro é do senhor!. Todos os dias quando vou limpar a sua escrivaninha encontro algumas moedas. Então fui pondo na caixinha!”Uma hora depois ele me chamou: “-Menino, venha aqui!” Olha gostei muito, você é um menino honesto, trabalhador, você precisa estudar”. Respondi-lhe que pelo fato de ser de família pobre não tinha dinheiro. Ao que ele me disse: “-Por que não entra no Senai? Eu já tinha ouvido falar nessa escola. Naquela época o regime de estudo era o de dias alternados, ou seja um dia , aprendendo no Senai e outro dia , trabalhando na fábrica. O Dr. Purm insistiu: “-Vá procurar a seção de pessoal e fale que eu quero que você vá estudar!”.. Orientado pelo Dr. Purm fui estudar mecânica., iria ser torneiro mecânico. Ele perguntou-me o que dia da semana era aquele. Respondi-lhe que era sexta-feira. Perguntou-me se não ia ao cinema? Disse-lhe que não. Foi quando ele disse-me que já sabia, eu não tinha dinheiro. Ele enfiava a mão na caixinha e dizia: Isso dá para o cinema e comprar sorvetes e doces. O Dr. Purm foi fazendo isso toda as sexta-feira. Você está com o cabelo muito grande, precisa cortar, e dava dinheiro da caixinha. Fui então estudar no Senai, até que chegou o momento em que tive que ir para a fábrica. Esse homem me fez justiça. Tinha sido a primeira vez que meu trabalho tinha sido reconhecido. Certa vez ao perguntar sobre a minha família ele me propôs: “-Menino, você quer morar comigo? Eu não tenho filhos. Você vai ser meu herdeiro. Somos apenas eu e minha mulher e já estamos velhos. Não temos ninguém aqui nem na Alemanha. “- Quero conversar com seus pais”. Chegando a minha casa falei com meus pais sobre a proposta do Dr. Purm. O alemão iria me colocar em faculdade de primeira linha, além de estudar estaria rico, seria seu herdeiro entre outras coisas de um palacete da City Lapa. Minha mãe não concordou. Disse-me “ –Meu filho não! Quero meus oito filhos comigo! Somos pobres mas felizes, trabalhadores. Então por mim não! A não ser que você queira… Porque é o seu futuro…sua vida…” Respondi-lhe: “-Não mamãe, . prefiro estar coma a senhora, papai e meus irmãos. Quando dei a resposta ao Dr. Purm , vi bem que saíram lágrimas dos seus olhos. Isso marcou muito a minha vida. Tive a oportunidade de ser rico e não a aceitei. Porém minha satisfação foi, pela primeira vez , até aquela idade de 13 anos , ter sido reconhecido. Era a primeira vez que havia recebido em troca o que tinha feito de bom para as pessoas.
Após o senhor ter recebido a proposta de ser adotado por um casal de alemães, sem filhos ou herdeiros, que queriam ajudá-lo como filho, com recursos financeiros e possibilidades de estudos, qual foi a próxima etapa na vida do senhor?
A proposta era tentadora, não só pelo aspecto material, mas por sentir que Dr, Purm e sua esposa tinham um carinho sincero por mim. Eu os estimava muito. Logo em seguida meu avô paterno vendeu seus bens e mudou-se para Goiânia, convidando meu pai para ajud´-lo nos negócios em Goiânia. Meu pai foi com parte da família e eu fui junto. Com isso perdi o contato com Dr. Purm e sua esposa. Quando fui para Goiânia faltava seis meses para receber o diploma do SENAI. Na minha vida só tive quatro anos de escola e dois anos e meio de SENAI. Em Goiânia permaneci algum tempo, até que voltei para São Paulo e fui trabalhar como torneiro mecânico. Em u ano passei por diversas empresas. Até que cai na Caterpillar.
Como senhor ingressou na Caterpillar?
Foi através de um amigo de infância, o João. Um dia o encontrei na rua, ele tinha feito o curso de desenho mecânico, ele disse-me: Está abrindo uma firma americana, eles vão construir uma grande fábrica, vão construir tratores. Já começaram a contratar pessoal, os primeiros que estão contratando são os projetistas, logo terá a fábrica, eles irão contratar funcionários.
Em que ano foi isso?
Foi em novembro de 1957. Na época ela situava-se na Vila Leopoldina. Era mais um depósito, as peças de reposição eram importadas. Não fabricava nada. Compraram um torno,uma frezadora e outras cinco máquinas, para começara fabricar alguma coisa. Fui o primeiro torneiro mecânico a ser contratado pela Caterpillar no Brasil, foram contratados no mesmo dia cinco funcionários: Um na fresa, outro na furadeira, cada um em uma função.
A fábrica situada em Santo Amaro já estava em projeto?
Já estava no término a construção da fábrica de Santo Amaro, antes de terminar a construção nos mandaram para ajudar, a montar, desmontar.
A primeira máquina fabricada no Brasil pela Caterpillar o senhor lembra-se qual foi?
A primeira máquina foi a D12-E. Era uma moto niveladora.Eram fabricadas dez máquinas dessas por mês. Era u grupo pequeno de funcionários, uns quarenta a cinqüenta
O índice de nacionalização era pequeno?.
Era mais a parte de peso, não de tecnologia. Na época a política de estímulo do governo era sobre o peso da máquina. Eu fazia de tudo, e comecei a aprender. Comecei a divergir de alguns procedimentos que eram mandados que fossem feitos. Eu achava a minha maneira de fazer e eles iam mudando. Até que eles começaram a depositar cada vez mais credibilidade em mim, eu fui crescendo. Se olhar na minha carteira profissional está clara a minha ascensão na empresa. Tive um problema de saúde, fiquei um ano afastado, a empresa sempre me apoiou muito.
O senhor chegou a que cargo máximo na Caterpillar do Brasil?
Entrei como ajudante, fui encarregado, supervisor, supervisor geral, a fábrica aumentando, após a minha doença, retornei e fui trabalhar no departamento de engenharia de fábrica, com os engenheiros. Eu tinha uma grande vantagem: a pratica.Após seis meses me deram cargo de supervisor na engenharia. Um ano depois passei a ser supervisor geral na engenharia. Era chefe dos engenheiros. Depois passei a superintendente. Fiquei mais seis meses afastado por motivo de saúde. Fu trabalhar de muletas. Meu chefe dizia para que eu ficasse em casa, eu queria trabalhar. A recomendação foi de permanecer apenas no escritório. Nessa época começo a construção da fábrica da Caterpillar em Piracicaba. Um alto executivo da empresa,me chamou, disse-me: “-Estou fazendo uma alteração no topo tenho uma posição que é gerente de estudos de viabilidade técnico econômica da empresa, é o planejamento avançado. É um departamento no mesmo nível de diretor só que reporta-se ao vice-presidente. Quero que você ocupe esse cargo. A principio disse-lhe que não achava muito interessante, eu era forte onde tinha atuado até o momento, agora fazer plano para o futuro, plano para dez anos! Ele argumentou que eu teria uma equipe muito boa. Você pode montar a sua equipe. O projeto envolvia unir as duas fábricas, mudar toda a fábrica de São Paulo, esse era o meu plano principal. Sem perder um trator, sem perder um tostão. Com toda logística.
Em que ano o senhor deixou de trabalhar na Caterpillar?
Eu procurei meu superior e disse-lhe:”- Vocês não precisam mais de mim, o planejamento avançado que eu fazia hoje é realizado nos Estados Unidos. Simplesmente me deram toda a engenharia de fábrica! Sai do planejamento avançado e fui para a engenharia de fábrica. Tudo que estava relacionado a engenharia estava sob a minha responsabilidade. Inclusive construções. Eu tinha que construir aqui, fazer a mudança e fazer o planejamento futuro de outras ações. Disse ao meu chefe que achava que eu estava na hora de deixar a empresa. Ele respondeu que no dia em que eu lhe entregasse a chave da fábrica de Santo Amaro ele me mandaria embora. Quando fechei a fábrica de Santo Amaro, disse-lhe: pronto, pode me dispensar! Sua resposta foi de que eu iria, mas antes ia trabalhar com ele ainda. Terceirizei toda a engenharia da Caterpillar, com isso fiquei mais 12 anos trabalhando lá. Tinha mais de uma centena de funcionários só da parte de engenharia. Todo suporte de fabricação. Construção, reformas. Em 2003 já estava cansado. No total fiquei uns 46 anos trabalhando na Caterpillar.
O senhor fala inglês?
Falo fluentemente. Aprendi estudando muito, sozinho e em escola. O inglês me ajudou muito. Fui aos Estados Unidos várias vezes. Estive nas diversas fábricas da Caterpillar nos Estados Unidos.
Hoje o senhor realiza palestras?
Como ombudsman (ouvidor) empresarial, tenho como função estar dentro das empresas, é o ouvido e os olhos do presidente da empresa. Quando eu comecei a trabalhar nessa atividade, lembrei-me do passado, quando queria as respostas e não as tinha.
O senhor tem vários livros escritos, quais são os temas e objetivos?
Não são livros de auto-ajuda, mas cujo objetivo é encaminhar as pessoas e suas vidas. Narro um fato acontecido comigo e depois digo o porquê de contar aquela história. Mostro mundos diferentes. Quando você é um estudante é um estudante, está aprendendo. Quando estiver com o diploma e for para o mercado, você estará indo para a guerra. O livro, um amigou leu e fiz-lhe um comentário: Você notou uma coisa? Não falei nenhuma vez sobre ética. Foi quando ele respondeu-me: “-Tudo que você escreveu aqui é uma lição de ética!”. Quando via coisas erradas ou sem sentido deixava evidente minha opinião.
O senhor é casado?
Sou casado com Dirce Rodrigues Machado, temos três filhos: Robson, Raquel e Regina.
Quantos livros o senhor já escreveu?
O primeiro foi “Desbravando Fronteiras”. Foi traduzido para o inglês. Fiz mais dois volumes, alternando a narrativa. A Dra. Antonietta da Cunha Losso Pedroso, foi uma grande incentivadora. Eu e minha esposa nos tornamos amigos de Antonietta e ela sempre dizia: “- Didi, você precisa publicar um livro com suas histórias! É uma melhor do que a outra! Você pode ajudar muitas pessoas e, principalmente, os jovens estudantes e empresários”.