PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 fevereiro de 2015.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO:  ALCIDES BARBIERI

Do alto dos seus 87 anos, Alcides Barbieri impressiona pela sua disposição.  Tem uma grande paixão: a música. Com voz possante e afinada, relembra e canta sucessos dos mais afamados cantores e compositores. Com um memória prodigiosa, não erra na letra nem tropeça no tom. Canta com a alma. Ainda se apresenta em shows que são realizados no Lar dos Velhinhos de Piracicaba, onde faz muito sucesso com suas músicas e interpretações.

Alcides Barbieri é filho de Antonio Barbieri e Maria Bossi, nem sempre a esposa assinava o nome do marido, era um habito difundido por alguns responsáveis pelo registro do casamento. A 26 de junho de 1927, Alcides nasceu na Vila Rezende, na primeira casa que existia logo no inicio da Avenida Rui Barbosa, á direita. Essa casa foi demolida recentemente com a construção de mais uma ponte sobre o Rio Piracicaba. Os pais de Alcides tiveram quatro filhos: Fioravante, Ernesto, Alcides e Martinho.

Os pais do senhor casaram-se em que localidade?

Eles casaram-se em um bairro próximo a Artemis que na época era conhecido como Porto João Alfredo. De lá vieram morar em Santa Terezinha, que naquele tempo era chamada de Corumbataí. Depois é que mudaram o nome para Santa Terezinha. De lá mudaram para o bairro Piracicamirim. Mais tarde mudou-se para a Vila Rezende. Meus pais e os pais do meu pai, meus tios, todos moravam em uma mesma residência.
Qual era a atividade profissional deles?

Meu pai era lavrador, passou a trabalhar no Engenho Central, onde se aposentou. Exercia a função que era denominada de feitor, tomava conta de uma turma de trabalhadores.
A linha de trem da Estrada de Ferro Sorocabana passava nos fundos da casa onde o senhor nasceu?

Passava! Quando nós mudamos dessa casa eu era uma criança muito pequena ainda. Mas, da linha da Estrada de Ferro Sorocabana lembro-me muito bem.  Quantas vezes eu embarquei nela. Ia até o bairro Recreio. Quando tinha uma festa em Santa Terezinha, festa da igreja tomava o trem na Vila Rezende, na Estação Barão de Rezende e ia até o Corumbataí. Essa estação ficava próxima aonde funciona hoje um posto de gasolina, no final da Avenida Rui Barbosa. Nessa época morávamos mais abaixo, próximo onde é atualmente o Bairro Nhô Quim que na época não existia ainda. Ali era um brejo. Mudamos para lá, foi onde me criei, onde é a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo era tudo pasto, quanto coelho do mato existia ali! No ano de 1950 mudamos para uma casa que construimos na Avenida Dona Francisca. Na época a rua era de terra.

Onde ficava a Estação Montana?

Pertencia ao Corumbatai, era para cá do Rio Corumbatai. Eu descia do trem ali quando ia à Corumbatai (Hoje Santa Terezinha). Dali ia a pé. Nós brincávamos que a Estação Montana era grande, tinha muito movimento, tem a estação e um pé de mamona na frente!

Tem uuma história, que alguns dizem ser lenda, de que um maquinista morava junto a linha do trem e desceu do trem em movimento sofrendo grave acidente. O senhor ouviu falar a respeito?

Lembro-me desse caso. Aconteceu na linha da Sorocabana. Nós os conheciamos por Zé Magro. Ao que consta a esposa dele estava gravida, ele foi pular, ele deixou o ajudante, foi pular e sofreu um acidente grave. Ele morava um pouco antes da Estação Barão de Serra Negra. Isso foi a noite. Conheci o Valler, que tinha armazém e máquina de beneficiar arroz. O pai dele chamava-se Angelo Valler. Ali na linha do trem do Engenho Central, antes de chegar na Estação de trem da Sorocabana, ele cortava a Avenida Rui Barbosa, a gazolina era tranpostarda em tambores, em um caminhão, ele foi atravessar ali e bateu na máquina do trem do Engenho Central. Pegou fogo. De onde eu morava escutava o barulho da explosão dos tambores de gasolina. O maquinista tentou salvar a locomotiva, perdeu a vida, o nome dele era Vicente Capaldi. Hoje na saída para Limeira tem um viaduto com esse nome.

O engenho tinha locomotivas próprias para trazer a cana-de-açucar para moer no Engenho Central?

Tinha vários trens, eles puxavam cana das fazendas Santa Rosa, São José, Capim Fino, eles usavam a linha da Sorocabana também, que era da mesma bitola, tinham fornecedores de cana proximos ao Porto João Alfredo, Santa Olímpia.

O senhor lembra-se do bonde?

Lembro-me, o ponto final dele era na Estação Barão de Rezende, que nós chamávamos de Sorocabana. A Avenida Rui Barbosa era de terra ainda, pedregulhada. O bonde percorria a Avenida Rui Barbosa nos dois sentidos, assim como o trânsito. O pessoal de sítio passava por ali, com cavalo, carrinho de tração animal. Tinha um carrinho, com um tanque de água que molhava a Avenida Rui Barbosa, para não levantar poeira. Era da Prefeitura.  Lá no bairro São Luiz, que tem a Capela São Luiz, ali nós chamávamos de Bimboca. Tinha um senhor que era funcionário da prefeitura, ele pegava água, com um tanque pequeno sobre uma carroça, para distribuir água. Não tinha luz, não tinha água encanada. Essa água era para beber ou usar em alimentos. A maioria das mulheres trazia as roupas para ser lavada na beira do Rio Piracicaba.
Seus primeiros estudos foram feitos em que escola?

Estudei até o quarto ano primário no Grupo José Romão. Minha primeira professora foi Dona Carmem. O professor do quarto ano era o marido da Dona Carmem, Seu Jarbas de Oliveira Joas. Entrei no grupo escolar em 1935 e sai em 1939.
O pai do senhor nessa época exercia qual atividade?

Ele já trabalhava no Engenho Central,
O senhor começou a trabalhar com quantos anos?

Aos doze anos conclui o grupo escolar. Já arrumaram um serviçinho para mim, tinha uma fábrica de vassouras, na Avenida Rui Barbosa, de propriedade de Giovanni (Joane) Ferrazzo, fabricava as vassouras marca “Elefante”. Quando ele mudou a fábrica para o bairro da Paulista é que passaram as ser vassouras da marca “Canta Galo”.

Em que local da Avenida Rui Barbosa ficava a Fábrica de Vassouras “Elefante”?

A fábrica ficava no lado direito de que ia no sentido centro bairro, ficava após o local onde mais tarde foi a Fábrica Tatuzinho. O Joane morava na casa situada na frente, e nos fundos tinha um barracãozinho, com uma entrada pela lateral da casa. A palha utilizada para fazer vassoura ele adquiria na Argentina.

O senhor fazia o que na fábrica?

Comecei como ajudante, pegar o material para o vassoureiro. No fim aprendia fazer a vassoura, fazia umas cem vassouras por dia, era um moleque ainda.

A vassoura era costurada com arame ou barbante?

Fazíamos a vassoura no arame, em uma máquina. Depois vinha o trabalho do costurador. Vassoura cinco fios. Vassoura de veludo, de latinha, de cinco fios.
Como era uma vassoura de veludo?

A vassoura de veludo, na cabecinha dela era enrolado um paninho de veludo! Só que era uma vassoura maios do que as outras. Era mais luxuosa. Havia uma prensa, onde a palha era prensada, o costurador fazia tudo na mão. Depois co o temo adquiriram uma máquina elétrica. Era uma máquina americana. Permaneci trabalhando nessa fábrica até completar dezoito anos. Com dezessete anos e meio eu fiz o Tiro de Guerra.
Onde ficava o Tiro de Guerra?

Era na Rua do Rosário, onde hoje me parece que é a Escola Industrial. O prédio onde era o quartel do Tiro de Guerra está lá ainda. Após seis meses, tivemos que sair de lá, o Tiro de Guerra passou para junto a Estação Sorocabana, onde permanecemos servindo mais seis meses.
Faziam exercícios, marchas?

Fazíamos marcha de vinte e quatro quilômetros. Fizemos dois acampamentos. Um deles foi adiante de Santa Terezinha, fomos a pé. Permanecemos por duas noites acampados  naquele local. Tínhamos que colocar estacas e ficarmos cobertos com toalha que lavávamos de casa eram amarradas nas estacas. Tínhamos que deitar no chão mesmo. Dormíamos de farda, foi o último ano em que o Tiro de Guerra usou perneira. Não era coturno. Nosso calçado era um sapatão. Era época de guerra, a Segunda Guerra terminou em 1945. Eu servi o Tiro de Guerra de 1944 a 1945.
Havia a preocupação de fossem mandados para combater na guerra?

Havia muito comentário, mas era pouco provável que isso acontecesse, o governo tinha muita gente no Exército.
Quem era o comandante do Tiro de Guerra de Piracicaba naquela época?

O sargento comandante nós chamávamos de Sargento Ayres. O sargento da minha companhia era Júlio Cesar Huffenbaecher.

Como eram as aulas de tiro?

Nós íamos de bonde até a Esalq. Depois descíamos até a beira do rio, onde havia um stand, onde praticávamos tiros com fuzil. Quem não acertasse o alvo tinha que retornar outro dia para repetir a posição. Comigo nunca aconteceu isso, nunca precisei retornar para repetir o tiro. No inicio o alvo ficava a uns 20 metros de distância, gradativamente íamos aumentando a distância entre o atirador e o alvo, até chegar a uma distância de 150 metros, com a arma apoiada. Quando conclui o Tiro de Guerra, sai da fabrica de vassouras e fui trabalhar no Dedini. Entrei no Dedini a 2 de janeiro de 1946. Sai do Dedini aposentado em 1977. Quando fui trabalhar no Dedini já se pagava o INSS, que era denominado na época de IAPI.
Qual era a função do senhor assim que entrou no Dedini?

Entrei como ajudante. Mas depois me tornei mecânico ajustador na seção de moendas. Comecei a ajudar a montar moendas, depois me colocaram na banca para fazer um serviço mais delicado, existia uma bombinha hidráulica que a moenda tinha que ter, trabalhei com embreagem de moenda, enchia os mancais de metal patente ( uma liga metálica que vem em barras).
O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?

Conheci! Assim como seu filho Armando Dedini. Conheci  Leopoldo Dedini.irmão do Comendador Mário.
Quando o senhor entrou na Dedini ela já era uma empresa de grande porte?

Era uma empresa grande. O Dedini depois adquiriu um terreno na saída para São Pedro, local próximo ao hoje Jardim Primavera, ele transferiu a fundição para lá e montou uma laminação. Quando foi instituído o décimo terceiro salário, sendo obrigatório o seu pagamento, o Dedini já fazia isso há muito tempo!
O senhor freqüentava a igreja?

Ia sim! Na época existia a Igreja da Imaculada Conceição, que após muitos anos passou a matriz. Freqüentei muito a igreja que depois foi demolida. Ali eu fiz a minha primeira comunhão. Casei-me com Maria Schiavinatto. Tivemos três filhos: Valter, Lucrécio e a Iria.
O senhor morava na Vila Rezende quando trabalhou no Dedini?

Morava perto, onde hoje é a Travessa Dom Luiz de Bragança.

O senhor chegou a conhecer a plantação de sisal feita por Virgilio Lopes Fagundes?

Não me lembro dos donos, mas me lembro da empresa. Ali onde é o bairro Algodoal, foi feita uma plantação de algodão que deu origem ao nome do bairro. Depois é que foi montada essa indústria de corda de sisal, ali foi planta a pita, tanto que as vezes alguém perguntava para outro: “Aonde você vai?” recebia a resposta: “ Vou lá no pitá!” já usando o sotaque piracicabano!. Quando começaram a construir no Nhô Quim o bairro recebeu esse nome por causa do Esporte Clube XV de Novembro, o dono do terreno insistia em dizer que era Vila Ducatti, mas a população adotou o Nhô Quim.
O senhor conheceu bem o Engenho Central em funcionamento?

Conheci! Quando estava de férias no grupo escolar, eu ia levar almoço para o meu pai lá no Engenho.
O Engenho Central teve uma divisão de bebidas fabricadas por eles, o senhor sabe onde ficava?

A bebida veio depois, mas não era feita dentro Engenho Central, eram feitas nas proximidades de onde está instalado o Shopping Piracicaba.
A Chácara do Dr. Kok ainda existia?

Nós chamávamos de Jardim do Kok. Ficava bem em frente a Igreja Imaculada Conceição e era uma área fechada. Atualmente é a Praça Imaculada Conceição. O Dr. Kok morava mais para baixo, eu não cheguei a conhecê-lo. Ele tinha uma pessoa que tomava conta daquela área. Ele era dinamarquês.
O senhor conheceu o Mário Arias Vitiel, popularmente conhecido como “Mário da Baronesa”?

Conheci muito! Tanto ele como seu filho, seu genro. O Mário era uma pessoa muito boa. Foi dono de praticamente toda aquela região, Jardim Monumento, e imediações, era uma enorme extensão de terras. A Baronesa de Rezende eu não cheguei a conhecer.

O senhor gosta de música desde jovem, como surgiu esse gosto pela música?

Eu escutava uma música pelo rádio, era uma época em que nem rádio as pessoas tinham facilidade em adquirir. Eram feitas festas de igreja por oito dias. Tinha o serviço de alto-falantes que tocavam aquelas músicas, um moço oferecia uma musica a uma moça, uma moça oferecia música a um moço. Havia o “Correio Elegante”, onde se escrevia um bilhetinho e mandava entregar a pessoa que despertava interesse. A diversão nossa era essa.
Quando o senhor começou a cantar?

Eu era um moleque, via alguém tocando violão, chegava lá e como eu tinha uma voz bem elevada, com o tempo fui pegando o tom das músicas. Naquele tempo quem fazia um enorme sucesso eram: Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Gilberto Alves, Dalva de Oliveira, Linda Batista, Emilinha Borba, Aracy de Almeida.
O senhor fazia serenatas?

Fiz muitas! Eu só cantava.  Às vezes íamos três; outras vezes o violonista Vicente Munhoz e eu. Fazíamos serenata para uma moça, para uma família.
A partir de que hora eram feitas as serenatas?

Depois da meia noite. Estava tudo quietinho. Geralmente na passagem do ano tinha um bandolinista que era vizinho meu, ia junto com o Vicente Munhoz, e eles me convidavam para cantar, na passagem do ano. As famílias abriam-nos a porta, ofereciam algo para beber ou comer. Éramos muito bem recebidos. Havia muito respeito.
Se a moça gostasse da musica ela acendia a luz e abria a janela do quarto. Isso acontecia?

Olha….eu fiz abrir muitas janelas! Algumas vezes eu vinha passear na Praça José Bonifácio, na volta, ao passar pelo Instituto Baronesa de Resende, tinha umas internas do colégio. É um prédio assobradado. Como não tinha acompanhamento, parava ali, cantava uma música sem acompanhamento, sem nada. As internas vinham na janela lá em cima.
As freiras não reclamavam?

Em uma festa na casa de uma pessoa amiga estavam presentes uma freira e a minha mãe. A freira disse à minha mãe: “- Eu soube que tem um filho da senhora que canta. Ele canta sempre embaixo da minha janela!”. Minha mãe disse-lhe: “-È o meu filho que canta!”. Quando parava ali no Colégio Baronesa de Rezende cantava umas duas músicas apenas. E ia embora.
O senhor freqüentava o Mirante?

O passeio da gente era no Mirante, geralmente domingo a tarde, após o meio-dia.
O senhor chegou a nadara no Rio Piracicaba?

Nadei muito ali na Rua do Porto onde havia um trampolim. Lembro-me das Festas do Divino.
E o Restaurante Papini, o senhor conheceu?

Quantas vezes eu fui cantar no Papini! Além do restaurante tinha jogo de boche. Erotides de Campos, dizem que ia sempre no Papini. Eu não o conheci.
E o Seresteiro Victório Ângelo Cobra (COBRINHA)?

Fiz o programa do Cobrinha diversas vezes na PRD-6! Estive na casa dele, cantando com ele, com o filho dele. Ele ia viajar, ou queria descansar um pouco, perguntava se eu podia fazer o programa para ele. Eu ia, era aos domingos. Uma meia dúzia de vezes eu fiz o programa dele. Eu cantava, tinha o acompanhamento do regional com Orlandinho no acordeom, Crispim no violão, Zé Moreno no violão, o Tampinha no bongô, era o chamado Regional D-6. Aos sábados tinha um programa com o patrocínio do Café Morro Grande, a gente cantava também. Era com um auditório. Cheguei a cantar no Clube Coronel Barbosa.
Se alguém o convidar para fazer uma serenata o senhor aceita?

Se vierem me convidar, ainda sou capaz de atender ao pedido.
A música tem  muito a ver com a sua disposição, sua saúde?

Acho que se não fosse a música eu já estava morto!
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