PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de junho de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: AMÉLIA DAL PICCOLO COLETI

 

Da. Amélia em sua poltrona, de sorriso espontâneo, muito bom humor, relembra fatos que remontam décadas. Aos poucos vai se soltando, um café é servido. Lê sem usar óculos. Na escola era sempre escolhida para declamar. A sala repleta de móveis e fotografias nos remete a um passado recente. Sua filha, professora e escritora Leda Coletti acompanha todos os seus movimentos e vontades. Há um clima de festividade no ar, dia 5 de julho de 2014 Amélia Dal Piccollo Coleti estará celebrando 100 anos de vida! Muitos dos seus familiares preparam-se para a grande comemoração. Amélia nasceu em Piracicaba, no Sítio da Santa Fé, a cerca de oito quilômetros de Piracicaba. Seus pais Martinho e Marieta Dal Piccolo tiveram onze filhos: Guerino (1897), Thereza (1898), Rita (1900), João (1902), José (1904), Josefina (1907), Maria (1909), Elvira (1911), Amélia (1914), Corina (1917), Dionísio (1918), sendo que os oito primeiros nasceram em Batatais os demais no Sítio da Santa Fé, município de Piracicaba. Martinho e Marieta adquiriram o Sítio da Santa Fé de Joaquim Maria de Souza que tinha recém-construido um casarão com oito cômodos. A propriedade compreendia 24 alqueires paulistas de terra.  Entre outros bens possuía engenho de pinga, capela, 3 casas geminadas para os colonos, chiqueiro com porcos, rancho dos arreios, cocheira, vacas, burros, arados, riscadores, trole, carroças, pomar já formado e outras benfeitorias. Tendo como ponto de referência o ribeirão Guamium, tinham como vizinhos, do lado esquerdo, partindo do Bairro Via Nova, os seguintes sitiantes: Viviani, Freschinette, Coletti, Penteado, Marchini, Galvão até o tanquinho de água da família Furlan, local próximo onde hoje está a Indústria Codistil, na Cruz Caiada. Do lado direito havia os vizinhos: Panciera, Zocca, Perón e Furlan. A estrada de terra com destino a Piracicaba e Rio Claro ficava distante da sede pouco mais de um quilômetro. O abastecimento de água era feito pelo poço movido a corda com carretilha, iam também buscar água na nascente (olho d`água) na divisa com o sítio da família Galvão. Não havia luz elétrica, usavam-se lampiões e lamparinas. Com o passar do tempo o casarão foi aumentado com mais dois cômodos. Havia também um quarto para o frade, era no casarão que ele se hospedava quando vinha celebrar missa mensalmente e nos dias de festas. Da. Amélia casou-se com Antonio Coleti, agricultor, empresário agro-industrial, que foi suplente de vereador em Piracicaba, ao assumir a vaga deixada pela ausência de um dos vereadores, participou da proposta da construção da rodoviária interurbana de Piracicaba, localizada onde está a atual, hoje reformada. Até então cada empresa de ônibus tinha um local de onde partia. Por muito tempo a AVA Auto Viação Americana que ligava Piracicaba a Campinas, passando por Santa Barbara D`Oeste e Americana, saia da sua “agencia” situada a Rua Prudente de Moraes, próxima a Rua Santo Antonio. Isso foi no tempo em que vereador não recebia nenhum salário para trabalhar, ele vinha da Vila Nova para as sessões na Câmara Municipal de charrete, percorrendo quase vinte quilômetros a noite entre vinda e volta. Sua filha Leda Coletti é professora, escritora e poetisa, ela preserva a história da família, um dos seus livros é  “A Saga dos Dal Piccolo”. 

Com que idade a senhora começou a trabalhar?

Aos doze anos já trabalhava com a enxada, plantávamos tudo que consumíamos. Ajudava a tratar dos animais, cuidava da horta. A alimentação era bem variada, mas não podia faltar polenta todos os dias. Meu pai adquiria do seu cunhado de São Roque uma cartola de vinho por ano. Até hoje às vezes tomo um pouco de vinho. Aos domingos  todos tomavam vinho.

Além de trabalhar na roça, a senhora freqüentou a escola?

Estudei até o terceiro ano a professora era Dona Risoleta Dias Ferraz. Para ir à escola andava quatro quilômetros a pé para chegar à Escola da Vila Nova. Passava pela propriedade da família de Antonio Coleti, seu pai Luiz Coleti foi uma pessoa muito conhecida por ter construído os primeiros engenhos de pinga da região, construía inclusive chaminés. Ele faleceu com 79 anos, alguns anos antes construiu o engenho do sítio da família Dal Piccolo Coleti. Luiz Coleti era muito amigo de Mário Dedini.

Como se chamava o sítio da família Dal Piccolo?

Era o Sítio da Santa Fé. A família sempre foi católica praticante. A vida girava em torno da capela, a qual possuía um quadro que representava a Santa Fé (Daí o nome do bairro). Antonio Coleti, que se casou comigo era neto do proprietário de um sítio vizinho, que ficava a uns dois quilômetros da Vila Nova.

A senhora caminhava a pé até a escola, e quando chovia?

Caminhava pelo barro, naquela época era comum as crianças andarem descalças. Eu era boa aluna, tinha as melhores notas, gostava muito de estudar.

Com quantos anos a senhora se casou?

Começamos a namorar eu tinha dezoito anos, aos dezenove anos nos casamos, em 9 de novembro de 1933 na Igreja Imaculada Conceição, na Vila Rezende, o Monsenhor Rosa foi o celebrante. A viagem de núpcias foi para Bom Jesus de Pirapora, Luiz Coleti, pai do meu marido, foi dirigindo um automóvel de propriedade da família. Era estrada de terra na época. Fomos em um dia e voltamos no dia seguinte.

Após se casar em que local a senhora e seu marido Antonio Coleti foram morar?

Como era muito comum na época, fomos morar na casa do meu sogro, com as minhas cunhadas, sogra. Em 1941 meu marido construiu uma casa muito bonita, que inclusive foi escolhida para receber o bispo quando o mesmo esteve em visita na localidade. Em 1936 nasceu a primeira filha Gemma Guiomar, em 1941 nasceu a filha Leda e em 1946 nasceu José Tadeu. Sempre gostei muito de cultivar flores. Meu marido cultivava cana de açúcar e tinha um engenho de aguardente movido a vapor. Os engarrafadores iam buscar a aguardente com caminhão, um deles era o Del Nero, que tinha depósito no alto da Rua Boa Morte.

A senhora e seu marido adquiriram uma casa em Piracicaba?

Isso foi em 1948, além do sítio, adquirimos uma casa na Rua Governador Pedro de Toledo, entre a Rua São Francisco e Joaquim André, onde bem mais tarde foi ocupada pela Fundação Jaime Pereira. Permanecemos lá por uns dois anos. Meu marido vendeu essa casa e com seu tio Pedro adquiriram uma propriedade próxima a Rio Claro. Decidiram montar uma usina de açucar junto com a família Ometto, em Iracemapolis. Após algum tempo meu marido vendeu a sua parte aos Ometto e adquiriu a propriedade de Ipeuna. Por volta de 1965 a 1966 ele decidiu montar um engenho de aguardente nessa fazenda. Com o tempo ele arrendou o engenho e passou a ser fornecedor de cana de açucar.

Naqueles tempos havia muitas festas no sítio?

Meu marido tinha um conjunto musical que animava todas as festas da região era conhecido como “Conjunto do Toninho Coleti”. Ele tocava clarinete, banjo, violão.

A senhora lembra-se de alguma música da época?

Da. Amélia animada põe-se a cantarolar: “O jardineira por que estas tão triste/
Mas o que foi que te aconteceu/ Foi a Camélia que caiu do galho/ Deu dois suspiros e depois morreu”.

Como se deu o inicio do namoro entre a senhora e seu futuro marido?

Ele mandou-me um recado que queria namorar comigo. Mandei dizer-lhe que não recebia recado, se quisesse que viesse falar comigo. Ele veio falar comigo. Ai começamos a namorar.

A senhora é muito religiosa?

Sou devota de Santo Antonio e São Judas Tadeu. A propriedade recebe o nome de São Judas Tadeu e a Capela é Comunidade São Judas Tadeu.

Como a senhora se sente em estar completando 100 anos de vida?

Nem faço idéia! ( Da. Amélia provoca gargalhadas nas pessoas presentes).

A senhora viajou, passeou muito quando casada?

Meu marido não gostava de sair, ele dizia: “- Vou para o meu canavial! Isso que é lindo!”. Era muito trabalhador. Caseiro. Sempre tinha gente em casa que ia tocar sanfona junto com ele que tocava violão. Todo ano tinha festa junina.

Para locomover-se nas vizinhanças qual era o meio de transporte utilizado?

Usava charretinha, ia as fazendas da Corina, Elvira. Eu conduzia a charrete. Vinha à Piracicaba, que era chão de terra e ficava a uma distância de uns dez quilômetros. Era a estrada que liga Piracicaba a Rio Claro. Logo que meu marido adquiriu o sítio ele levava as duas meninas para a escola até Rio Claro, distante cerca de dois quilômetros, em um automóvel Cadillac. Elas voltavam de jardineira da empresa Marchiori. Enquanto a casa não ficava pronta na fazenda, eu ficava com meu filho em nossa casa de Piracicaba, muitas vezes quando chovia a estrada que liga Piracicaba a Rio Claro ficava intransitável, tinha que dar a volta por São Pedro, que também era de terra. 

Naquela época muita coisa era feita em casa mesmo?

Fazíamos de tudo. A lingüiça era feita em casa. Sabão era feito em casa, comprávamos a soda, misturava com cinza, gordura, e fervia essa mistura toda até chegar ao ponto certo. As panelas eram areadas. A água era de poço, o poço ficava a uns 100 metros da nossa casa. A água era difícil em Rio Claro. Meu marido faleceu aos 83 anos em 1996.

A senhora além da casa na fazenda tinha outra residência em Piracicaba?

Em 1966 adquirimos uma casa na Rua do Rosário, entre a Rua Gomes Carneiro e a Rua Floriano Peixoto. Em 1970 decidi permanecer o tempo integral no sítio até 1977. Nós tínhamos adquirido uma casa na Rua Ipiranga, onde havia morado Jethro Vaz de Toledo, a casa existe até hoje, está sendo usada para fins comerciais. O quintal dessa nossa casa fazia divisa com o quintal da casa onde residiu ainda menino o Governador Adhemar de Barros.

Atualmente a senhora reside em um apartamento, como foi a reação do marido da senhora quando entrou em um apartamento, uma vez que ele gostava do horizonte sem limites da fazenda?

Ele vinha durante a semana e aos finais de semana, o resto do tempo permanecia no lugar que gostava muito, que era a fazenda. Em Piracicaba ele ia à Cooperativa dos Plantadores de Cana, ia à missa, ele era muito popular,bastante comunicativo.

A senhora gosta de animais?

Sempre gostei muito, tenho predileção por gatos. Lembro-me com saudades da Naná, uma gata lá do sítio. Lembro-me do Rio Guamium.

Quantos netos a senhora tem?

Tenho cinco netos e seis bisnetos.

A senhora gosta de compor versos?

Gosto muito.  ( No livro de Leda Coletti, “ A Saga dos Dal Piccolo” tem as trovas redigidas pela “mama” Amélia nos seus 89 anos)

 

Gosto de fazer versinhos

que valorizam o bem

e, embora sejam curtinhos

muitas verdades contém.

 

Tenho oitenta e nove anos

com cabeça de mocinha,

filha de pais italianos

sempre gostei de trovinha.

 

Todos nós necessitamos

de proteção e respeito

mas, para isso é preciso

comportar-nos desse jeito

 

Fraternidade cristã

dá sentido à existência

e doar-se a alma irmã,

aceitá-la na vivência.

 

Jesus nos deu o exemplo

morreu pregado na cruz,

fez de sua vida um templo

fez a treva virar Luz!

 

Share.

Deixe um comentário