PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 27 de julho de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: GERSON MENDES
Nascido a 31 de dezembro de 1948 em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Quem nasce naquela região é também conhecido como papa-goiaba, é uma região montanhosa e fria, e segundo consta havia dois cultivos principais, hortênsias, que rendeu o titulo de “Cidade das Hortênsias” e “Cidade das Goiabeiras”, havia muitas goiabas. Ao que parece um contraste, porque parece que goiaba não gosta muito de frio.
Gerson é filho de Adail Mendes, ferroviário da Estrada de Ferro Leopoldina e de Zilda Rosa Mendes, atualmente com 92 anos, residente em Petrópolis. O casal Adail e Zilda teve quatro filhos: Ronei, Maria Helena, Gerson e Márcio. O pré-primário Gerson estudou na Escola Santo Antonio, as quatro primeiras séries foram feitas na Escola Rui Barbosa. No Colégio Estadual D. Pedro II ele cursou o ginásio. O colegial estudou no Colégio Biblos. Entrou em oitavo lugar no curso de Letras, na Pontifícia Universidade Católica. Nessa época suas duas grandes paixões passaram a ser rádio e futebol. Gerson é casado com Wilma Thiago Mendes. O casal tem os filhos: Marcelo, Tatiana e Dionatan
Na infancia e adolescência além de estudar você trabalhou?
Meu pai era mecânico de locomotivas a vapor, as famosas “Maria-Fumaça”, com oito a des anos eu levava o almoço para ele, a uma distância de uns três quilômetros, eu ia a pé, descalço. A Estrada de Ferro Leopoldina ligava o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ela tinha uma ligação de Petrópolis ao Rio de Janeiro através da serra, passando por Magé, Xerem, Duque de Caxias, esse trajeto era feito por máquinas menores, pequenas Maria-Fumaça, o trilho tinha uma cremalheira, os trens só desciam com dois vagões. Cada máquina descendo travando, ou subindo empurrando apenas dois vagões.
Você visitou o famoso museu de Petrópolis?
Conheço o Museu Imperial de Petrópolis, tem exposta a coroa imperial, carruagens, recomendo uma visita a quem for à Petrópolis.É muito bonito, inclusive o visitante tem que usar pantufas especiais na entrada. É um lugar maravilhoso, com coisas da época. Em Petrópolis, cidade a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, os descendentes de D. João VI recebem o laudêmio: uma taxa sobre a venda de todos os imóveis da região central da cidade histórica. Ainda menino, conversei com Juscelino Kubitschek de Oliveira, em Petrópolis, no Palácio Rio Negro. Ele foi fazer uma visita política, minha mãe estava com o meu irmão no colo, Juscelino pegou o meu irmão Marcio no colo, e ficou aquela conversa sobre o cotidiano. Ele era uma pessoa finíssima.
Seu primeiro emprego foi onde?
Foi em uma papelaria, como balconista, eu tinha uns doze ou treze anos. Eu gostava muito de uma mercearia eu tinha ao lado, onde tudo era na base do saco e do cone, os produtos eram vendidos a granel, não existia nada embalado como hoje. Eram vendidos e pesados conforme a vontade do freguês: arroz, feijão, fubá, milho. Lembro-me da goiabada cascão. Eu achava aquilo tudo nobre. Havia uma balança Filizola para pesar diante do cliente. O café era moído na hora. A maioria dos clientes eram os ferroviários que pagavam na velha caderneta. Eram pontuais e honestíssimos. As entregas eram feitas de caminhonetes. Trabalhei lá até servir o exército, que eu não queria ir, mas fui.
Você serviu o Exército aonde?
No Primeiro Batalhão de Guarda em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, perto do Maracanã. Primeiro fiz de tudo para não entrar, depois chutei o futuro. Hoje para entrar na Academia Militar de Agulhas Negras o candidato tem que fazer um vestibular, naquela época se conseguia entrar por mérito. Fui convidado pelo Capitão Gilberto Pereira da Costa, que me perguntou: “Você quer ir hoje para a Academia Militar das Agulhas Negras, fazer o curso de oficialato?”. Disse-me ainda: “- Pense bem, vale a pena.”. Eu originário do interior do estado, muito jovem ainda, não tinha uma orientação sobre a importância do convite. Talvez o capitão não tenha sido tão enfático como seria necessário. Aquilo me deixou triste e frustrado. Hoje eu poderia ser um oficial do Exército Brasileiro, possivelmente reformado. Não ter aceitado esse convite é um dos meus maiores arrependimentos que tenho até hoje.
Por quanto tempo o senhor serviu o Exército?
Servi por 10 meses e sem falsa modéstia era um excelente soldado. Fui escolhido para a guarda do Presidente Castelo Branco. Tem uma passagem pitoresca a respeito, cheguei a tomar um café com o então Presidente Marechal Castelo Branco, na mesa dele. O Capitão Oficial de Dia disse-me: “O “homem” está lhe chamando!” Entrei no gabinete, nem sabia como me portar diante de um Marechal. Eu tremia. Ele queria saber como ele era visto fora do exército, perguntou quais lugares eu freqüentava. Não sei se era algum teste. Apenas disse-lhe que não tinha visto nada. Se fiquei ali foram cinco a des minutos. O capitão me chamou e me levou para a sala do Coronel Gilberto. Lembro-me do meu número como soldado: 465. Quando ia receber alguma ordem era assim que me chamavam: 65! Isso no tom militar, gritado, dando ordem. Naquela época havia o jogo de bicho, a locomotiva do meu pai era a 546. Se ele tivesse um palpite jogava no número da locomotiva ou no meu número 465.
Após deixar o Exército, qual foi a sua nova atividade?
Fui trabalhar em uma fábrica de tecidos, a Fábrica de Tecidos Dona Isabel, tinha até um time de futebol, uniforme vermelho e preto como o Flamengo, mas eu estava sempre carregando a frustração de ter recusado seguir carreira no Exército. Fiz um curso de tecido, chamado voal, o gerente deixou a Fábrica de Tecidos Dona Isabel, fundou uma fábrica própria e me levou.
Como surgiu a sua paixão pelo futebol?
Sempre gostei de futebol, ficava ouvindo pelo rádio, ficava jogando jogo de botão, hoje os botonistas não gostam que chame de jogo de botão, querem que seja denominado de Futebol de Mesa. Tenho em casa ainda 72 times de futebol de botão, daquela época. Eu irradiava o jogo, ouvia a Rádio Globo do Rio com Waldir Amaral, Jorge Coury, meu pai era vascaíno, eu sou torcedor do Botafogo desde o ventre da minha mãe! Meu pai tinha um amigo torcedor do Botafogo, um pedreiro alemão que havia construído a casa dele lá no alto, na Rua Teresa, uma característica de Petrópolis é ter muitas ruas com nomes de pessoas da época imperial. Esse alemão dizia: “-Esse menino vai ser botafoguense!”. Quando eu estava para nascer, jogavam Vasco e Botafogo, isso em novembro, meu pai queria que eu me chamasse Rui, em alusão a Rui Barbosa, o Águia de Haia, minha mãe não concordava. O Botafogo tinha um zagueiro chamado Gerson. Meu pai disse: “- Gostei desse Gerson. Se o Botafogo for campeão o menino se chamará Gerson!”. Resultado da decisão final 3 a 1 para o Botafogo. Eu tornei-me torcedor do Botafogo por causa desse pedreiro alemão. Meu time de nascimento é o Botafogo. Hoje gosto muito do XV de Novembro, como meu time por adoção.
Em que época você começou a narrar as partidas do jogo de botão?
Antes de ir para o Exército eu já irradiava os jogos de botão. Eu imitava o Waldir Amaral. Até que um dia meu irmão Ronei, pegou um gravador, colocou embaixo da mesa sem eu saber, gravou e levou para a Rádio Difusora de Petrópolis. Eles me chamaram. Logo no primeiro jogo me colocaram junto com Paulo Cesar Rabelo no Maracanã, jogo do Fluminense contra Botafogo, preliminar de Vasco e Flamengo. Carneiro Malta que era o dono da emissora disse: “Esse rapaz tem jeito para narrar partidas de futebol”. Foi quando pedi a eles para me levarem nas transmissões de futebol amador. Comecei a acompanhar e ouvindo o narrador Paulo Cesar. Eles faziam o futebol amador aos sábados e o Campeonato Carioca aos domingos. Só que um dia foram transmitir uma partida de futebol a pedido de uma instituição que organizou um campeonato de futebol de salão com sede em Petrópolis. Gostei. Na velocidade daquilo para poder aprender eu embalei. Comecei a transmitir futebol.
Quando você entrou para o rádio?
Comecei a transmitir dia 12 de julho de 1967. Um ex-diretor da Rádio Difusora de Petrópolis estava na Rádio Guarani de Belo Horizonte. Ele levou a fita de transmissão para Belo Horizonte. A Rádio Guarany pertencia aos Diários Associados, Quando me ligaram em casa achei que era brincadeira, não acreditei. Até que o diretor geral da rádio José Fonseca Filho me ligou, fui até lá, disse quais eram as minha condições, eles concordaram. Isso gerou um grande problema, os titulares ganhavam metade do que a rádio me ofereceu. Isso em 1976, eu tinha me casado em 21 de dezembro de 1974 na Igreja São Cristóvão. Conheci a minha esposa em um baile no Clube Dona Isabel. Em 1978 fomos para a Argentina para fazer a Copa, fizemos jogos da Libertadores, acabei me identificando com a torcida do Cruzeiro, o presidente do Cruzeiro, Felício Brandi, era dono de uma fábrica de macarrão chamada Massas Orion. Permaneci em Belo Horizonte até 1983, meus dois filhos mais novos são nascidos lá. A Rádio Capital estava sendo implantada pelo Professor Edvaldo, ele me chamou, oferecendo metade do que eu ganhava. Pela Rádio Capital fui para a Espanha, com o Cruzeiro também. O treinador era o famoso Yustrich. Ele me chamava “Pelado!”pelo fato de não ter cabelos. Conta o Presidente Felicio Brandi, que em um desses jogos, o Cruzeiro ganhou por 5 a 1 contra um time da Suiça, e o Yustrich liberou todo o mundo. Ele disse-me vamos comemorar com lagosta e Vinho do Porto, camarão, tudo do bom e melhor. Eu disse-lhe “- Professor esse negócio vai ficar caro” ao que ele respondeu, “-Você não tem que se preocupar, não irá pagar nada”. Ele era bem rispido. Disse o presidente, que a nossa despesa, minha e do Yustrich ficou mais cara do que o jantar do time inteiro. Yustrich, cujo nome era Dorival Knipel começou no futebol aos 18 anos como goleiro do Flamengo, onde jogou até 1944. Ganhou o apelido por sua semelhança física com Juan Elias Yustrich, famoso goleiro argentino, do Boca Juniors.
Voce ficou quanto tempo na Rádio Capital?
Permaneci por uns três anos na Rádio Capital. Recebi um convite da Rádio Princesa de Patos de Minas, lá permaneci por mais três anos. Ai veio o convite para vir para Piracicaba.
Em que ano você veio para Piracicaba?
Foi em 1986, e aqui estou até hoje. Em 1998 me aposentei, só que a aposentadoria no nosso país obriga a pessoa a continuar trabalhando. Quando vim para Piracicaba era só para transmitir futebol, hoje apresento jornal, faço o Show da Manhã das 9:30 às 11:30, ai apresento o esporte das 11:30 ao meio dia. E faço as narrações do XV com a nossa equipe. Em 27 anos deixei de narrar apenas dois jogos do XV de Novembro.
Você deve ter histórias fantásticas vividas dentro futebol.
Ah! Tenho! Algumas envolvendo nomes muito conhecidos.
Voce é timido?
Não é questão de ser tímido, talvez eu não seja muito sociável. Nunca fui mestre de cerimônia, fiz uma palestra uma vez em uma faculdade em Belo Horizonte, me chamaram para falar sobre rádio. Fiz com o maior prazer. Participo de alguns convites, estive em duas solenidades envolvendo o centenário do XV de Novembro, fui lá para contar histórias, a platéia riu muito.
Você já transmitiu jogo sem ver os times jogando?
Uma única vez, o locutor passou mal, entrei no estúdio da Rádio Guarani de Belo Horizonte, e dublei a rádio, ouvia outra rádio e transmitia pela nossa. Não é fácil fazer isso. Transmiti alguns jogos para a TV Itacolomy e pela TV Itacolomy. Na Copa de 1978, por exemplo, fiz a abertura para a rede que envolvia Belo Horizonte, Salvador, Recife, São Paulo. Foi feito um carrossel com Osmar, José Carlos Araujo. Transmiti duas Copas do Mundo, a de 1978 e a de 1982. Sempre fui só narrador. Não fazia reportagens de campo.
Você sempre atuou profissionalmente só no rádio?
Eu não sosseguei enquanto não abri um comércio, tive um bar por 10 anos, era conhecido como Bar do Gerson situado na Rua Voluntários de Piracicaba esquina com a Rua Bernardino de Campos. Está lá até hoje, tem um movimento que é uma maravilha. Só que com o XV de Novembro no Campeonato Brasileiro, na Segunda Divisão, ou eu ia abrir o bar ou ia transmitir o jogo. Cansei e parei com o bar.
A história de pedir linha telefônica era um problema?
Era outro inferno, hoje em dia não é muito fácil também não.
Existe diferença entre o radio no interior e o rádio em capitais ou metrópoles?
A diferença pode estar na estrutura da empresa. No quesito competência profissional não tem diferença nenhuma, pelo contrário, tem muita gente boa no interior, de primeiríssima linha.
O que você acha do locutor ter que vender propaganda?
Errado!
Você tem algum material escrito sobre a sua trajetória como radialista esportivo?
Eu tinha várias agendas com jogos de futebol, com todos os dados técnicos das partidas, o que acontecia nas viagens, independente de ser no jogo ou fora dele. O que vi na cidade. Aborreci-me por um detalhe e dei fim a tudo isso. Transmiti em média 40 jogos por ano, imagine quantas agendas tinha por ano. Sempre gostei de escrever. Gosto de ler.
O que você acha do Brasil estar sediando a Copa do Mundo?
Como desportista, amante do futebol, quem não gostaria de ter a copa em seu país? Desde que tivesse a devida infra-estrutura. E não é o caso do Brasil. O Brasil está fazendo a Copa no momento errado, a violência urbana extrapolou a normalidade, o país precisa de investimentos. Nós não poderíamos jamais gastar 12 bilhões em uma Copa. Só no estádio de Brasília estamos gastando 2 bilhões. Veja quanto não vai de dinheiro enquanto estamos fazendo campanha e criando anteprojeto para mais médicos, mais postos de saúde, e o governo dizendo que o INSS está quebrado. Está quebrado em quanto? Em 38 bilhões? Mas temos 50 bilhões para gastar com futebol!
E o XV de Novembro de Piracicaba?
Eu aprendi, temos um defeito, colocamos a paixão antes da razão quando estamos transmitindo o jogo do XV.
O que é necessário para ser um bom narrador de futebol?
Tem que gostar de futebol. Ter a técnica de transmitir futebol. Você sabe que galinha de Angola canta, o difícil é gravar um CD.
Qual é o seu chavão nas transmissões?
“Se tem futebol no rádio…tem alegria no povo!”.
Foto: Jogador do Clube Dona Isabel, foto de 1 de fevereiro de 1970. Fotografia tirada em um jogo em TeresópolIS. Gerson Mendes entrevistando atleta do Clube Santa Isabel.