PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de maio de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: SÉRGIO LUIS PICCOLI

Sérgio Luis Piccoli nasceu a oito de abril de 1948, em Rio Claro, é filho de Pedro Antonio Piccoli e Maria Yolanda Piccoli, ambos agricultores, donos de uma propriedade rural. Tiveram nove filhos: Laurides, Eurides, Gilberto, Ides, Carmem, Natalina, Sérgio, João e Luis. Aos nove anos Ségio já estava na roça, alimentava os animais. Nessa época estudava em Ipeúna, andava uns sete a oito quilômetros a pé, pisando descalço no barro, até chegar ao ponto onde o ônibus passava. Naquela época ia para a escola descalço. A família mudou-se para a cidade de Rio Claro, foram morar no Bairro Santana. Seu pai ia e voltava ao sítio todos os dias, o trajeto era feito em carroça com tração animal, uma distância de uns 12 quilômetros, o tempo de percurso era de aproximadamente uma hora. Às vezes alguns filhos iam com ele. Logo que mudou para Rio Claro já passou a trabalhar em jornal. Na época os jornais funcionavam com linotipos. (Linotipo é uma máquina inventada por Ottmar Mergenthaler em 1886, na Alemanha, que funde em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado, como o da máquina de escrever. As matrizes que compõem a linha-bloco descem do magazine onde ficam armazenadas e, por ação do distribuidor, a ele voltam, depois de usadas, para aguardar nova utilização. As três partes distintas: composição, fundição e teclado ficam unidas em uma mesma máquina). Clichê: chapa metálica que traz gravada em relevo a reprodução de uma composição tipográfica ou de uma imagem destinada à impressão, através de prensa tipográfica.

Onde foi o seu primeiro emprego?


Com uns treze anos entrei no jornal “Jornal Cidade de Rio Claro”, ficava na Avenida 4, bem no centro da cidade, entrei pra fazer serviços gerais, trabalhava a noite, entrava umas oito horas e só saia quando terminava o jornal. Não havia horário fixo para sair, poderia ser uma, duas, três, quatro, horas da manhã. Quem me indicou para o jornal foi um primo que era linotipista no jornal. Havia em Rio Claro outro jornal “O Diário”.

O que era linotipista?

Era quem trabalhava com o linotipo. Linotipo funciona como uma máquina de escrever mais sofisticada funciona com matrizes, tem todas as letras, quando bate no teclado uma letra ela cai, como se tivesse datilografando. Quero escrever “para”, por exemplo, basta bater as letras no teclado e elas caem formando a palavra. O linotipo tem o componidor, que é onde se regula o tamanho da linha, dois furos, três furos. É usada uma linguagem técnica própria de gráfica. A matriz era de metal. O chumbo misturado com antimônio era um material que já vinha pronto do fornecedor. Ficava em uma caldeira, a temperatura ideal para trabalhar tinha que atingir 400 a 450 graus centígrados.

Para fazer uma página quanto tempo levava em média?

Demorava! Um balanço de uma empresa, para ser digitado levava de duas a três horas. A composição corrida em uma hora e meia, duas horas, dava para fazer uma página, geralmente com dois ou três linotipistas. Era feita a composição da matéria, tirada uma prova, ia para o revisor, o erro encontrado era só tirar linha e corrigir, em seguida a matéria era encaminhada para a paginação. Uma página composta através de linotipo pesava em média 35 a 40 quilos só de chumbo. Após pronta era rodada de duas ou quatro páginas. Fazia um lado do papel, depois fazia o outro. Se era um jornal de quatro páginas rodava primeiro as páginas 1 e 4 depois a 2 e 3. Não era jornal a cores. Antigamente havia o clichê feito pelas empresas especializadas nessa arte. Uma foto era feita no zinco, preparava-se o zinco, tirava o negativo da foto, colocava-se em cima, mergulhado em ácido havia o processo de corrosão para permanecer as imagens. Era um processo trabalhoso, demorado. Fazer um jornal naquela época era difícil. Após um período como ajudante geral, passei a aprender a trabalhar com o linotipo. Ajudava na paginação. Na distribuição.

Em que ano você mudou-se para Piracicaba?


Foi em 1969. Teve um período de 1967 a 1968 me afastei do jornal e fui para Pirassununga, fazer carreira na aeronáutica. Não deveria ter saído de lá nunca! Cheguei a trabalhar nos hangares, abastecer os aviões, controlar o combustível da aeronave. Eu decidi não continuar. Acho que o jornal estava no meu sangue, sai de lá e já entrei no jornal. Eu era muito novo ainda, pegava um jornal e já tinha o olhar crítico para os defeitos que via em algum jornal impresso.

Em Pirassununga você tinha soldo, no jornal o salário, onde você ganhava mais?

Em Pirassununga ganhava praticamente uma ajuda de custo, no jornal ganhava mais.

O que o trouxe para Piracicaba?

Naquela época, em 1969, eu tinha acabado o meu aprendizado de linotipista. Aprendia-se com os amigos, na raça. Só havia a escola de linotipista no Senai em São Paulo, mas era muito restrita. A maioria se formava trabalhando, na prática.

O seu primeiro emprego em Piracicaba foi aonde?

Foi em “O Diário”. Fiquei sabendo que precisavam de um linotipista, fiz um teste, na época o responsável por essa área era o Seu Novaes. Acertamos, trabalhei por 10 anos em “O Diário”. Em determinada época chegou a ter quatro linotipos. Trabalhei com Antonio Foratto, Messias, Sérgio “Bico Fino” de Santa Barbara, Gaita. Muita gente passou por lá. Tinha um equipamento que rodava a provas da matéria que foi digitada, e havia uma pessoa encarregada de levar essa prova impressa para o revisor, era o paginador, conhecido como “Rolha”. O revisor fazia as correções, voltava para o linotipo, fazia as emendas, o paginador ia lá, tirava o que estava errado e colocava o que tínhamos feito certo.

Esse processo todo começava a que horas?

Duas horas da tarde, ia até duas, três, quatro horas da manhã. Fazer um jornal de quatro páginas era um processo demorado. Nesse período tomávamos lanches, às vezes o Cecílio levava o jantar.

Dava sono?

Tinha que dormir bem durante o dia senão não agüentava. Antigamente trabalhávamos de segunda a sábado. O único dia em que não circulava o jornal era na segunda feira.

Uma das visitas constantes junto aos linotipistas era a do folclorista João Chiarini?


Ele chegava e já ia dizendo: Olha a água! Aconselhava muito que tomássemos água. Às vezes ele mesmo ia buscar. Ele era bastante exigente, queria que seu texto saísse certinho. Assim como Hugo Pedro, Professor Benedito Andrade.

“O Diário” ficou com o linotipo por muitos anos.

Acredito que foi o primeiro jornal do interior do Estado de São Paulo a ter o sistema off-set. Era um jornal que reuniu grandes nomes como Jago, Araken Martins, Mauricio de Souza com suas “Mini Notas”, Dr. Mário Terra que fazia a coluna social, Carlinhos Gonçalves, Manoel de Mattos Filho, João Maffeis. Houve uma época gloriosa em que o”O Diário” tinha a página “Recados”, cujo principal mentor era o Cerinha, junto com Alceu Marozzi Righetto, Caetano Rípoli, tinha uma linha próxima ao famoso “Pasquim” de quem esse pessoal era amigo. Um período em que falar de política era perigoso e escrever mais ainda.

Quando veio o sistema off-set vieram equipamentos novos que complementavam o sistema, como por exemplo a máquina tituladora.

Isso facilitou muito. Uma página impressa em chumbo que pesava 30 quilos passou a pesar 30 gramas, que é um filme.

Atualmente qual é o processo de confecção de um jornal?


É digitada a matéria, o diagramador monta a página, envia para a oficina onde é tirado o filme, é uma máquina especial vem o filme e um tamanho certo, em rolo, fotografa, tira as cores: preto, magenta, amarelo e azul, são as quatro cores básicas para sair a imagem colorida. Para fazer uma página tem que ter quatro filmes. Um de cada cor. Se são oito páginas, pega-se a página 1 e página 8, o montador a monta, azul nas duas páginas,, vai para o gravador de chapa,a máquina com raio laser em 15 segundos grava. O que está no filme passa para uma chapa de alumínio. Cada página usa quatro chapas, cada uma em uma cor. Quando leio escrito em preto é em função da chapa gravada em preto.

Após gravada, se houver algum erro tem como corrigir uma chapa?

Não, não tem. Dependendo do problema tem que ser feita outra.

Qual é o momento crítico dessa operação toda?

Tem que haver muita atenção, não pode ocorrer nenhuma falha. Funciona com gabaritos, se sair do gabarito, as cores não se justapõem uma sobre a outra.

Por isso que vemos algumas publicações, até mesmo revistas, onde se percebe que as corês estão desalinhadas.

Isso é falha na impressão. Alguém dormiu no ponto.

Quantas pessoas trabalham só nas oficinas da Tribuna?


Só na confecção do jornal umas 12 pessoas. Depois tem o pessoal do encarte. Por exemplo, um jornal com 16 páginas com dois cadernos de oito páginas, eles formam esses cadernos. No encarte há dias em que trabalham de 10 a 12 pessoas. O parque gráfico da Tribuna imprime muitos jornais para terceiros. Em qualidade técnica a Tribuna está em um patamar bem avançado.

Em sua opinião, a tendência do jornal é de ser mais um formador de opinião do que um veículo de notícia com a velocidade de outras mídias. Como a internet, por exemplo?

O famoso “furo” de reportagem praticamente terminou. Já fiz muitos furos de reportagem, às vezes ficávamos até as quatro, cinco horas da manhã esperando sair a noticia. Era aí que estava o sabor do jornalismo. Às oito horas da manhã o jornal já estava na rua com a notícia do que tinha acontecido as cinco. O Cecílio Elias Neto, João Maffeis, incentivavam muito isso.

Entre os inúmeros “furos” de reportagem, qual deles você se lembra que impactou muito?

Foi quando faleceu o Papa João Paulo I. Tínhamos uma máquina ligada a agência internacional de notícias chamada UPI, estávamos lá quando saiu a notícia do falecimento do Papa, “O Diário” publicou no dia seguinte. As redações de jornais mantinham máquinas de diversas agências de noticias como AP, UPI, ANSA, France Presse, DPA e Reuters.

Políticos gostavam de visitar oficinas de jornais?

Muitos sempre gostaram. Visitavam-nos muito.

Existe ainda linotipo?

Só em museu! O pessoal de hoje nem imagina como era. Aconselho ao pessoal de hoje: “- Vocês deveriam visitar um museu de jornal para conhecerem. Hoje vocês conhecem isso aqui, nem imaginam como era até a pouco tempo”. Duas chapas de jornal impresso pesam 300 gramas, antigamente eram 30 a 40 quilos.

Se alguma faculdade de jornalismo o convidar para uma palestra sobre o assunto, você tem essa disposição?

O que posso afirmar é que o volume de informações é muito grande. Peguei desde o começo até os dias atuais. Tem coisas que nem me lembro. Com o advento da informática, a diagramação tem tido grandes avanços e facilitado a vida de muitos. Imagine um jornal diário sendo diagramado no past-up. Hoje está tudo pronto no filme, 10 a 15 minutos e o jornal está pronto. Antes datilografávamos tudo. O próprio autor manda datilografado, e até mesmo a página montada. Com um computador, sentado na esquina, você monta um jornal. Antigamente, tinha que pegar a máquina de escrever, por a lauda, datilografar. Revisar para o linotipista não copiar errado. Edirley Rodrigues fazia bastante esporte, ele revisava tudo.

Eram mandados manuscritos para o jornal?

Muito pouco.

Tinha noticia que necessitava de autorização do editor ou diretor para ser publicada?

Tinha principalmente as que envolviam noticias policiais.

Com isso vocês eram as pessoas mais bem informadas da cidade?

Éramos os primeiros a saber!

Quais são as sessões mais lidas de um jornal?

No meu ponto de vista, pela ordem: noticias policiais, esportes e obituários.

Você deve ter visto coisas inimagináveis em termos jornalísticos.

Havia alguns clientes que gostavam de colocar anúncios de ponta cabeça! O Anúncio ficava virado ao contrário para chamar a atenção. Isso existia muito nos jornais antigos.

Sérgio, há quantos anos você trabalha na profissão?

Na Tribuna fui trabalhar com o Evaldo Vicente desde a sua fundação em 1974. No inicio funcionou na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba, foi para a Rua Rangel Pestana, próxima a Rua do Porto. Dali foi para onde está até hoje. Eu trabalhava no “O Diário” e dava uma mão na Tribuna. Terminava “O Diário” uma hora, duas horas da manhã ia para a Tribuna dar uma força se precisasse. A Tribuna sempre foi diária. Quando cheguei de Rio Claro fui morar na pensão da mãe do Evaldo, na Rua São José ,748, esquina com a Rua do Rosário. Dali saí só para casar.

Você se casou aonde?

Casei-me em Rio Caro com Elizabete Hohne Piccoli no dia 15 de abril de 1972. Temos três filhos: Claudia, Fabiano e Juliana.

Como é a relação familiar para um profissional que sempre trabalhou a noite?


É difícil. Aos finais de semana, se haver uma reunião na casa de algum parente, logo depois de chegar você já está dormindo. O cansaço vai acumulando, chega ao final de semana todo lugar que você vai logo está dormindo. Você está acordado quando todo mundo está dormindo e dormindo quando todos estão acordados.

A profissão tem insalubridade?

Tinha. Hoje já não é mais considerada insalubre.

Você praticava esporte?

Já cheguei a jogar até no antigo campo do XV de Novembro, o Roberto Gomes Pedrosa, “O Diário” tinha um time de futebol, eu jogava nesse time, o uniforme era lindo, com o Mapa Mundi na camisa. Nós fazíamoso “ Torneio da Imprensa” , o “Jornal de Piracicaba” tinha seu time, as rádios tinham seus times de futebol. Havia um grande espírito de confraternização.

Você conheceu Sebastião Ferraz?


Trabalhei com ele, ele chegou a ser sócio do Cecílio Elias Neto. Era um homem integro. Chegou um dia em que ele não tinha dinheiro para fazer o pagamento dos funcionários, foi na época em que saiu o Karmann Ghia, ele tinha um, vendeu, a noite pagou todos os funcionários. Foi um grande jornalista e excelente pessoa.

Você lembra-se de um jornal que era impresso em “O Diário” chamado Inter News?

Lembro-me sim, fiz muito esse jornal. Eu que compunha esse jornal, o proprietário era o Roberto Santos, era um jornal distribuido no interior de São Paulo todo. A tiragem era de 40.000 exemplares, isso na decada de 70. Ele comprou o linotipo e a matriz que ele queria e mandou a máquina para “O Diário”. Era um tablóide de oito páginas. “O Diário” funcionou por muitos anos na Rua Prudente de Moraes, sendo que parte de suas instalações hoje é ocupada pelo banco HSBC, depois mudou-se para um prédio na Rua São José, quese em frente ao Teatro São José.

Ao pegar um jornal feito por terceiros antes de ler a noticia você faz a análise técnica do mesmo?

Com certeza! Olho, vejo, e penso, o amarelo teria que ter vindo para cá. O azul tem que baixar. Na hora já vejo os defeitos. Isso em qualquer publicação, como revistas também.

Você já pensou em escrever sobre a imprensa em Piracicaba?


Já, só que sou péssimo para guardar nomes, quantas pessoas trabalharam comigo, conheço de fisionomia mas não me lembro do nome. Carlos Bonassi trabalhava no “O Diário”, Caxuxo, Araquem Martins, Mário Clicherista, Germinal, Adolpho Queiroz, Carlos Colonegsi, Caetano Ripoli foi um tempo romântico. Após terminar o jornal íamos tomar um lanche no Bar do Tanaka na Rua do Porto. Lá encontrava gente do Jornal de Piracicaba, da Tribuna, amanhecia nós íamos embora. A cidade era mais humanizada.

Linotipista financeiramente era uma profissão rentável?


Nos anos 70 e 80 era. Foi rentável, ganhava-se muito bem. Quando faltava alguém outro era chamado as pressas. Quantas vezes eu terminava “O Diário” o Maurício Cardoso me chamava: “ Sérgio você não quer vir terminar “O Dário de Limeira” ? O Ferraz foi sócio desse jornal por muito tempo também. Eles me pagavam o combustivel, a mão de obra e eu ia para lá, acabar o jornal, isso porque alguém tinha faltado. De algum lugar todo dia aparecia serviço extra. Eu também consertava máquina de linotipo. Não só trabalho com a máquina, conheço seu funcionamento, fiz muitas reformas de máquinas. Desmonto e monto qualquer linotipo. Eu conhecia a parte mecânica da máquina, quebrava uma máquina em Cerquilho a proprietária que era a Célia me chamava, eu tinha um Fusquinha 75, ia para lá. Nós só chamávamos o técnico quando tinha que trocar a resistência que ficava na caldeira e com o passar do tempo ela queimava.

Quantos modelos de tipos gráficos tinha um linotipo?

Eram 90 modelos, com numeração, virgula, ponto e virgula, letras maiusculas, minusculas, isso tudo ficava armazenado no magazine da própria máquina. Assim como os tamnanhos, se quizesse o corpo 10 mudava Magazine Corpo 10. Tinha máquinas com 4, 8, 10 corpos. O tipo de letra mais usado era o corpo 10. O Times New Roman sempre foi o modelo mais usado, padrão de jornal. Manchete era feita em corpo 72.

O fato de trabalhar em jornal trazia alguns privilégios?


Recebia muitos convites para ir a festas em clubes, não pagava ingresso para entrar em cinema.

Como você vê o futuro do jornal impresso?

Pela minha experiência e vivência, acredito que o jornal impresso em papel não acabará nunca, poderá mudar de formato, métodos de produção.

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