PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de janeiro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADA: CYONÉA ED RAMOS

Qual é a origem do nome Cyonéa?

Não sei. Quando eu estava para nascer uma tia foi morar em casa, ela estava lendo um romance em que a heroína chamava-se Cyonéa. Ela se encantou pela heroína e influenciou a minha mãe para que me colocasse esse nome. Nunca descobri qual era esse romance. Sou filha de Cecílio Ramos e Maria Santa Ramos, nasci a 9 de maio de 1935 em Nipoã, próxima a São José do Rio Preto. Meus pais tiveram mais duas filhas Celinia e Celida Maria. Após meu nascimento meus pais permaneceram em Nipoã por muito pouco tempo, mudaram-se para São José do Rio Preto onde tinham uma casa comercial que trabalhava com artigos de couro: arreios, botinas. Dali fomos para São Paulo, no bairro da Aclimação, lá permanecemos até eu completar uns seis anos. Fomos para Fernandópolis, a cidade estava sendo criada. Fiz o primário todo em Fernandópolis, era uma sala, há uns 10 anos voltei para rever a cidade e no mesmo local existe um grupo escolar. Minha primeira professora chamava-se Antonieta. O professor que se tornou inesquecível foi Paulo Sampaio Mattos, gostaria muito de revê-lo, não consegui ter notícias sobre ele. Na época eu tinha uns 10 anos, admirava-o muito. Ele era piracicabano. Voltamos para São José do Rio Preto onde fiz o curso ginasial e parte do curso normal no Colégio Santo André, mudamos para Araçatuba onde conclui o curso normal no Colégio Nossa Senhora Aparecida. Aos 18 anos, em 10 de dezembro de 1953, fui estudar em São Paulo no Colégio Sagrado Coração de Jesus, onde lecionei um pouco e assumi tarefas de direção da escola. Fiz o curso de pedagogia no Instituto Superior de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiæ. Na época abrangendo a Rua Caio Prado, a Rua Augusta, mas com entrada pela Rua Marquês de Paranaguá. Passei a trabalhar sempre na direção da instituição de ensino. Em 10 de dezembro de 1966, logo no ano seguinte fui convidada para ser vice-diretora em uma escola particular situada na Rua Padre João Manoel, próxima á Rua Augusta, era uma escola de elite. Permaneci lá por seis anos, a escola mudou de proprietário e acabou encerrando suas atividades.

Qual foi seu próximo local de trabalho?

Fui trabalhar no Banco Nacional, entrei como gerente, na Agência República, em seguida foi transferida para a Agência São Luiz. Após algum tempo fui convidada para ir trabalhar na COMGÁS, com a função de supervisionar a parte de atendimento ao público. Situava-se na Rua Augusta, onde permaneci por 13 anos até aposentar-me. A central de atendimento por telefone foi para a Rua da Figueira e o atendimento pessoal permaneceu na Rua Augusta. Minha função era de supervisão. A minha vida sempre foi sem muitas dificuldades.

Isso é uma característica da sua personalidade?

Não sei como explicar a forma como sempre encarei as dificuldades.

Em que ano a senhora mudou-se para Piracicaba?

Foi em 1997. Morávamos em São Paulo, em pouco tempo fomos perdendo pessoas da família. Ficamos minha irmã e eu. Ela estava muito doente. Nós duas gostávamos muito de São Paulo. Passei a comentar com minhas amigas: “-Eu quero ir para o interior, morar em uma cidade que não tenha muro, cerca”. Todos riam de mim, diziam: “- Essa cidade não existe”. Visitei algumas cidades do interior, nada me agradou. Um dia uma amiga me telefonou dizendo: “ -Aquela cidade que você procura, existe!”. Ela tinha visto uma matéria veiculada pela Rede Globo sobre o “Lar dos Velhinhos” em Piracicaba. Um jornalista da Rede Globo conheceu o Lar e fez uma reportagem. Telefonei para o Lar, fui atendida por uma senhora que residia no Lar, de forma muito agradável ela fez o convite para que viéssemos conhecer. Vim. Gostei. Lembro-me muito bem que fui até a capela e orei pedindo uma orientação divina. Senti que o local era este mesmo. Negociamos a nossa casa em São Paulo e viemos.

A casa foi construída pela senhora?

A minha casa e a casa vizinha foi construída em um terreno onde seria edificado um hospital. Era um terreno considerado quase “sagrado”. Dr. Roberto Canciglieri era o diretor de patrimônio. Minha amiga Zilda que também queria vir, iria construir a sua casa ao lado da minha. A diretoria aprovou o uso do terreno, comecei a construção, a minha amiga não começava. O terreno destinado a ela foi cedido à outra pessoa que hoje está no pavilhão.

Em que ano a senhora mudou-se para o Lar dos Velhinhos?

Foi no dia 12 de fevereiro de 1997.

Qual foi a sua primeira impressão ao mudar-se para o Lar dos Velhinhos?

Perfeita. Tenho uma vizinha aqui no Lar que foi minha vizinha em São Paulo por 17 anos. Ela morava em Limeira, com seu marido. Ela veio para ajudar um pouco quando mudei, um fato pitoresco é que ela trouxe de Limeira uma panela com sopa já pronta. Ela sabia que precisávamos de algo para nos alimentar. Todos os moradores do Lar nos atenderam muito bem. Foi uma recepção maravilhosa.

A senhora passou a ter uma participação mais ativa no Lar dos Velhinhos a partir de quando?

Pelas suas condições de saúde minha irmã precisava muito de mim, eu ficava a sua disposição. Em outubro de 1998 ela faleceu. Passei a ter muito tempo disponível. Um dia estava andando pelas dependências do Lar, entrei em um pavilhão onde encontrei a Irmã Virginia. Conversando com ela perguntei-lhe como funcionava o uso de fraldas geriátricas. Ela disse que usavam pano. Comecei a trabalhar no sentido de fabricar internamente as fraldas. Fralda sempre foi muito cara. Fui até o SEBRAE, infelizmente não tiveram como me ajudar. Passei um ano inteiro trabalhando nisso, fui muitas vezes à São Paulo, a máquina de fralda infantil não dá certo. Numa dessas viagens à São Paulo, quando fui levar uma pecinha para ver se adaptava para fralda geriátrica, vi um equipamento grande, perguntei o que era e me disseram que era uma máquina para fazer fraldas geriátricas. Nessa altura adquiri uma dessas máquinas, com meus recursos, e doei ao lar. Algumas pessoas como a Mariazinha, Marina fomos para São Paulo para aprender a usar a máquina. Eles trouxeram o equipamento, Mariazinha passou a ser a operadora da máquina, Marina ajudava, e muitas pessoas passaram a contribuir com dinheiro para adquirir o material necessário à fabricação. Temos uma lista de pessoas que contribuem mensalmente para comprar a matéria prima. A 29 de setembro de 1999 fizemos o primeiro bloco de fraldas, eram 10 pacotes com 18 fraldas em cada um, totalizando 180 fraldas. Para nós foi um grande sucesso. Conduzimos com pompa e circunstância para a administração do Lar. Continuamos a trabalhar, a Mariazinha passava fralda por fralda na máquina. Surgiu uma voluntária, muito jovem ainda, começou a trabalhar como Mariazinha ensinou. Essa moça, dotada de uma habilidade própria, começou a passar as fraldas em seguida. Produzimos mais. Hoje fabricamos mais de 6.000 fraldas por mês, com a mesma máquina acrescida de mais um módulo, o que faz o corte, antes fazíamos o corte, colávamos as etiquetas e embalávamos.

Essas 6.000 fraldas produzidas mensalmente atende a demanda do Lar?

Não atende. Nossa máquina só produz fraldas médias. Faltam as fraldas G e GG.

Qual é a maior necessidade existente hoje no fraldário?

Falta mão-de-obra.

Se uma pessoa quiser ser voluntária e tiver disponibilidade de duas horas por semana ele pode ajudar?

Pode sim, tanto durante o dia como a noite. O fraldário fica permanentemente aberto. Basta a pessoa aprender e poderá passar a vir trabalhar como voluntária quanto tempo desejar. A pessoa voluntária pode sair do seu trabalho, chegar aqui as sete horas da noite e trabalhar o tempo que desejar. Basta ter vontade.

Há necessidade de mais fraldas?

Existe a necessidade. Tudo que produzimos é consumido. Sabemos que são adquiridas fraldas para atender a demanda. A máquina às vezes quebra, passamos até uma semana sem produzir nenhuma fralda. Não conseguimos manter fraldas em estoque, por falta de mão-de-obra. A nossa operadora Ana Zurk é fantástica, ela conhece essa máquina muito bem. Ela tem um circulo de amizades com muitos engenheiros, quando a máquina dá problema ela traz essas pessoas para ajudar a solucionar. Às vezes até vir um engenheiro da fábrica situada em São Paulo há uma demora. Temos custos com sua vinda: transporte, estadia.

Seria ideal ter uma segunda máquina ou não há espaço?

Espaço se arruma. Poderia ser uma máquina para tamanho G. Existe uma máquina mais completa, que exige menos mão de obra. Hoje temos uma máquina que monta e corta, antes eu e outra pessoa que cortávamos a mão. Eu só conheço um fabricante de máquinas de fazer fraldas, nessa escala de produção. Existem outros fabricantes de máquinas maiores, voltadas para indústrias, são equipamentos que custam a partir de R$ 300.000,00. Não é o que necessitamos. A nossa máquina é um pouco mais do que doméstica, mas que nos atende quase plenamente.

A senhora participa da administração do Lar dos Velhinhos?

Já fui secretária, atualmente sou diretora de patrimônio. Sou apaixonada pela gruta existente no Lar dos Velhinhos. A Marina e eu trabalhamos lá um ano inteiro na revitalização da mesma. Quando foi construído o Memorial do Lar, tivemos que revitalizar novamente. Não mudamos nada do projeto original. Fizemos a Praça São José atrás dos pavilhões Lula e Lili. Fizemos um roseiral, com a colaboração de muitas pessoas. Uns regam o roseiral, alguns ajudam na gruta.

A leitura ocupa parte do seu tempo?

Gosto muito de ler, só não tenho lido mais por falta de tempo. Estou terminando de ler “A Arte de Morrer”, uma obra com vários autores, cada um foca um segmento.

Em seu ponto de vista o que é a morte?

Acho que a morte é uma passagem. Houve um tempo em que era chique entre os intelectuais, não acreditar em nada. Era intelectual, era ateu. Comparo muito a morte com o nascimento. Ao nascer você vem de um lugar tranqüilo, gostoso e cai em um lugar totalmente novo. Ali você começa uma vida. Acho que a morte é uma continuação disso, em que você tem um renascer.

Existe felicidade plena?

Temos momentos de felicidade. É aquele momento em que você acha: “- Se eu morresse agora seria bom!”.

O Lar dos Velhinhos de Piracicaba tem atualmente quantos moradores?

Aproximadamente 520 pessoas. São 130 chalés com uma ou duas pessoas. Às vezes três pessoas. É uma cidade.

A senhora é responsável por um informativo interno?

Sou eu quem cuida. É dirigido á todos os residentes do Lar. Fica alguns exemplares na portaria, na recepção, a disposição daqueles que querem ler. O objetivo é informar. Seja um edifício, um condomínio fechado, o ato de morar em uma comunidade tem certa complexidade. Morar em uma verdadeira cidade como é o Lar dos Velhinhos envolve inúmeros fatores. O informativo é um dos instrumentos para levar as principais notícias ao morador. Elaboro no computador e depois tiro cópias. Por exemplo, a recreacionista me passa a sua programação para o mês. As atividades realizadas pelas terapeutas também são passadas para publicação.

Esses informativos podem ser enviados via e-mail para pessoas externas ao Lar?

Posso mandar basta entrar em contato pelo e-mail: cyonea@gmail.com Nesse informativo colocamos um editorial, é impressa a agenda das atividades programadas para o mês. Eventos com datas fixas e que já se tornaram tradição, com data e local determinados nem colocamos. O Clube do Vinil é um exemplo, ele é realizado todos os sabados, o forró é realizada todas as quintas-feiras. O jornal tem um obtuário, assim como temos a relação dos aniversariantes do mês. Alguns moradores, mais reservados preferem não divulgar a data de aniversário. Há a relação de novos moradores do Lar.

Quem financia o custo da publicação?

Eu.

Há interesse em ter patrocínio, mediante anuncio do patrocinador?

Com certeza, é uma boa oportunidade para quem quizer anunciar, o custo é bem acessível, além de colaborar com o Lar.

Há abertura para que estudantes ou profissionais da área de comunicação colaborem voluntáriamente?

Com certeza. Nós damos os subsídios suficientes sobre as atividades do Lar e eles podem acrescentar matérias de utilidade aos moradores do Lar.

Qual é a motivação que a leva a prestar tanta colaboração ao Lar?

Se eu não fizer isso acho que fico doente. É da minha natureza. Uma vez ouvi de uma moradora uma frase marcante: “A Cyonéa tem a remuneração dela pelo prazer de fazer”. Achei que ela tem razão.

A senhora tem algum hobby!

Trabalhar!

Gosta de música?

Prefiro a música clássica, estudei piano por seis anos, tive um piano que acabei doando, o piano estava reclamando de ficar mudo. coitado. Não tenho apego a nada.













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