PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 9 de dezembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
                                                                                                                                  Foto by J.U..Nassif
ENTREVISTADO: MONSENHOR LUIZ GONZAGA JULIANI
Monsenhor Luiz Gonzaga Juliani nasceu em Capivari, a 2 de junho de 1927, filho de Thomaz Juliani e Maria Maschietto Juliani. Seu pai cuidava do sítio situado a uns quatro quilômetros de Capivari de propriedade do seu avô, Miguel Juliani e da sua avó Luiza Armelim Juliani pais de seis filhos, sendo que um deles era filho adotivo. Miguel Juliani, irmão mais velho também se ordenou padre claretiano. Ainda menino, Luiz Gonzaga permanecia a maior parte do tempo na casa de seu avô, em Capivari. Fez a primeira comunhão, foi coroinha na Igreja Matriz São João Batista. O curso primário e o curso preparatório para ingressar no ginásio foram realizados em Capivari na Escola Municipal Augusto Castanho, sua primeira professora foi Dona Judith.

Após fazer o curso preparatório qual foi a etapa seguinte dos estudos do senhor?

Fui fazer o chamado Seminário Menor da Imaculada Conceição de Campinas, diocesano. Aos 13 anos ingressei no seminário.

O que o senhor sentiu ao deixar sua casa e ingressar no seminário?


Fui coroinha, ajudava na igreja, meu irmão mais velho já era padre, incentivado pelos padres da paróquia, meu ingresso no seminário deu-se com naturalidade. Sem dúvidas que sentia saudades de casa, a vida no seminário era de dedicação total. Aos finais de ano tinha férias para passar junto a família. No seminário encontrei colegas, muito trabalho, e com isso acabei me acostumando.

Havia a prática de futebol?


Joguei futebol, geralmente como goleiro.

No seminário menor eram realizados quais cursos?


Eram feitos o ginásio e o colegial. Naquele tempo o estudante do seminário menor não era dispensado de servir o Tiro de Guerra. Tive que fazer o Tiro de Guerra com cursos voltados a ir combater na guerra isso foi em 1945. Estudava, fazia o Tiro de Guerra e Exército juntos. O Brasil estava em guerra, novos contingentes estavam sendo preparados. Os que se encontravam na frente de batalha voltariam e nós íamos ser mandados à frente de combate. Morávamos no seminário em Campinas, no bairro Cambuí e íamos para o quartel, na saída para São Paulo. Sexta feira a noite íamos a um treinamento no mato onde permanecíamos até domingo.

Como religioso qual era seu sentimento em ter que enfrentar uma guerra?

Estávamos sendo preparados para isso.

Havia um conflito de quem passava o dia estudando para amar o próximo e a noite tinha treinamento para matar o próximo?


Éramos muito jovens, estávamos mais preocupados com nossos estudos, nossa vocação. Sequer imaginávamos em combater de fato. Alguns seminaristas mais adiantados e padres já estavam na guerra como capelães. Em 1945 formei-me como atirador. No ano seguinte entrei para o seminário maior onde estudei filosofia e teologia em São Pulo, no bairro Ipiranga. Lá permaneci estudando por sete anos: três de filosofia e quatro de teologia. Fazia apostolado, o Ipiranga era um bairro considerado pobre, ensinávamos catecismo para as crianças de bairros carentes. Assim íamos treinando o exercício de catequese com as crianças da Vila Nair, Vila Gumercindo, Vila Carioca.

Em que ano o senhor ordenou-se padre?

Foi a 8 de dezembro de 1952, na Catedral de Piracicaba pelo primeiro bispo de Piracicaba, Dom Ernesto de Paula No próximo dia 8 de dezembro completarei 60 anos de sacerdócio. Trabalhei com todos os bispos que estiveram em nossa cidade. Após ser ordenado, fiquei um tempo auxiliando monsenhor Rosa (Monsenhor Manoel Francisco Rosa). Santa Bárbara D`Oeste era uma paróquia só, estava crescendo muito, o padre Francisco Michele que estava lá já estava meio cansado, o bispo disse-me que eu iria auxiliá-lo, permaneci lá até o final do ano, quando houve a festa do padroeiro. Trabalhamos em dobro, a paróquia estava crescendo bastante, era uma paróquia só. Trabalhamos muito. O bispo estava providenciando a fundação do seminário menor em Piracicaba, o padre Francisco Michele estava recuperado, ele veio embora eu fiquei sozinho na Paróquia de Santa Bárbara. A primeira construção que administrei foi a construção da Casa Paroquial, até então não existia. Ao concluir as obras da casa paroquial, só faltava a pintura, o bispo mandou-me de volta para o seminário e também ser coadjutor da Igreja Imaculada Conceição, na Vila Rezende. O pároco era monsenhor Romário Pazzianoto. Lá funcionava o seminário, o movimento era muito grande, lecionei quando iniciou em 25 de março de 1954. No início tínhamos uns doze seminaristas, quando deixei o seminário tinha 83 seminaristas residentes. Ficava onde hoje funciona o Centro Pastoral, na esquina. No seminário fui professor, diretor espiritual, reitor, sempre ajudando na paróquia. A Vila Rezende tinha uma única paróquia, era muito grande. Tinha muitas capelas na área rural.

Qual era o meio de transporte utilizado pelo senhor na época?

Usava muito o bonde.

O senhor pagava o bonde ou tinha alguma cortesia?

Naturalmente que pagava. Eu era capelão das Irmãs de Jesus Crucificado, do Dispensário dos Pobres, antigamente elas ficavam na Rua Tiradentes, em uma casa velha, depois foram para o prédio que fica na Rua do Rosário, hoje propriedade da Renovação Carismática; Logo pela manhã, cedinho, eu ia rezar a missa para as irmãs; Depois voltava e ficava na paróquia ajudando o padre, atendendo os fiéis.

Até que ano o senhor permaneceu na Paróquia da Vila Rezende?

Em 1957 o pároco estava cansado, afastou-se e eu fiquei cuidando da paróquia da Vila Rezende. Permaneci lá até 1963. Em 1958 passei a ser reitor do seminário, permaneci por cinco anos e meio como reitor. Coordenei a construção do seminário novo do Bairro Nova Suiça. Foi uma correria danada para levantar aquele prédio. Eu usava uma caminhonete 1946, andava mais no céu do que na terra! Aprendi a dirigir devagarzinho. Era o famoso “queixo-duro”. (sem direção hidráulica).

Quanto tempo demorou a construção do seminário?


Uns dois anos e meio. Não tínhamos recursos, precisei falar com o bispo para realizar um empréstimo na Caixa Econômica Estadual (depois Nossa Caixa Nosso Banco). Foi um belo “nos acuda” para conseguir o empréstimo, na época era aplicada a Tabela Price (A aplicação da Tabela Price impõe excessiva onerosidade). A Caixa Econômica tinha um prédio com 14 andares em São Paulo, o processo tinha que andar nos 14 andares para conseguir o emprestimo.Uma vez por semana ou mais, eu pegava o onibus das 9 horas, chegava ao meio dia, se não atrazasse, Ao meio dia tomva um lanche e ficava na Caixa Econômica até as seis horas da tarde. Empurrando o processo para ver se andava. Adhemar de Barros era o governador, foi um período em que alguns funcionários assinavam o ponto e iam embora. Ensineio-os a trabalhar! Eu cheguei a dizer: “Viajo quase oito horas entre vir e voltar de Piraicaba a São Paulo, e o senhor aqui a assinar o ponto e ir embora! Não senhor! Não sai daqui enquanto não assinar!”

Como o bispo via o seu trabalho?

Dom Aniger Francisco Maria Melillo era o bispo diocesano. Ele via que eu estava trabalhando na construção do seminário, na pastoral vocacional como reitor e ainda cuidava de duas capelas rurais: Tanquinho e Usina Costa Pinto além da quase paróquia da Usina Monte Alegre. Infelizmente quando venderam a usina deram a capela também. (Seu interior é decorado com afrescos pintado por Alfredo Volpi ). Foi uma injustiça muito grande o fato da capela ter sido vendida. Onde foi construído o seminário anteriormente havia apenas uma casa, que era utilizada no período de férias dos alunos que estudavam no seminário da Vila Rezende. Era uma região rural, sem energia elétrica, era utilizado lampião, não havia agua encanada como é hoje, ela era puxada de um córrego que passava perto, com um motor a gasolina trazia água para o seminário. Para providenciar a luz elétrica fui até a empresa responsável, era a Light, ficava em Campinas, São Paulo. Tive também uma ajuda de Dom Ernesto de Paula, que nessa época tinha renunciado e estava em São Paulo. A eletrificação rural deve-se a diocese e ao seminário. Naquele tempo além de não ter eletricidade na área rural, ela estava racionada nas indústrias, elas paravam as cinco horas da tarde. Imagine como foi difícil conseguir a eletrificação rural. Dom Ernesto tinha consagrado a chacara a São José, tudo foi conseguido com muito poder da oração. O dinheiro destinado a construção tive que gastar para levar a luz até o seminário. Os vizinhos ajudaram muito. A eletrificação rural não foi levada pela prefeitura, foi o seminário que levou. Isso foi em 1962. O tronco que fornecia energia era do seminário da diocese. Os políticos me procuraravam, a prefeitura não tinha licença para levar energia elétrica aos sítios. Na ocasião eu assinei como responsável junto a empresa de energia elétrica. A diocese estava sem bispo, depois que Dom Aniger foi eleito. A prefeitura precisava da minha autorização para levar a luz aos sítios por onde passava a rede. Quando pedi ajuda para levar a energia tive muita dificuldade, depois muitos queriam partilhar da energia. Fiz um contrato com a prefeitura, na condição de que colocassem telefone automático, pedi uma estrada para entrar no seminário, tinha que dar uma volta enorme, em dias de chuva era muito difícil chegar ao seminário. O vizinho da frente, cujo terreno foi cedido para a entrada ao seminário, era o Dito Gica, pai do Frei Tito. Coloquei no contrato que a preeitura deveria zelar pela conservação da estrada. A água resolvi montando uma estação de tratamento de água. O Dr. Serra fez o projeto para nós. Puxava água do córrego, mandei fazer dois tanques com capacidade para 10.000 litros cada um, coloquei filtro e tinha que fazer tratamento. Nos últimos anos a prefeitura ligou a água da cidade.

Para ir a esses locais como o senhor fazia?

Ia de onibus, quando chovia ficava na estrada, era tudo terra.

Em que ano o senhor assumiu a Paróquia São José?

Foi no dia primeiro de janeiro de 1964. Aqui era como um sítio, subia da barroca vaca, cabrito, as cabras tinham uma predileção pelas toalhas da igreja, que na época era composta pelas paredes e cobertura. Porta de madeira de construção com cadeado. Cada vez que dava uma ventania arrancava a porta. Era tudo terra, inclusive ao redor da igreja. O mato crescia bastante, a terra é roxa, de boa qualidade, só que não precisava mandar cortar, as cabras e vacas comiam tudo.

Foi o bispo que pediu para que o senhor assumise a paróquia?


Ele que pediu o sacrifício de assumir mais esse desafio.

Ao chegar aqui, ver o estado das coisas, qual foi a sua reação?

Eu estava acostumado a trabalhar, em Santa Bárbara trabalhei bastante, não havia casa paroquial, morava no asilo de idosos. A escola no tempo do seminario foi muito boa para aprender a viver na pobreza como em uma situação melhor. Quando vim para Igreeja São José não tinha um lugar para morar. Fiquei seis meses na casa do padre Jorge. Aluguei uma casa na Rua Sud Mennucci esquina com Avenida Dr. Edgar Conceição, onde permaneci por quatro anos e meio. Nesse período, no início eu tinha uma Kombi, velha, caindo aos pedaços.

Como era a religiosidade do povo do bairro?

A população frequentava a Igreja dos Frades. Após instalar aqui a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, incluindo a instalação de um quadro vindo da Espanha, começou a haver uma mudança de comportamento dos paroquianos. Esse quadro foi instalado em setembro de 1964. Com a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, aumentou a frequencia de fiéis. O povo da paróquia é muito bom, muito religioso. Logo que assumi a Paróquia de São José, o Comurba caiu, em 6 de novembro de 1964, da maioria dos que faleceram 47 eram da paróquia, tive que socorrer as famílias dando-lhes conforto espiritual e providenciando alimentos, muitos tinham perdido o provedor do seu sustento. Foi feita uma cooérativa, todo o mundo ajudou, da paróquia, da cidade. Foi triste, trabalhoso e preocupante.

O senhor realizou muitas ações para atrair fiéis, inclusive apreentando um programa em uma emissora de rádio?

Até hoje mantenho a participação na programação da Rádio Difusora. O CESAC – Centro Social de Assistência e Cultura foi uma forma de enfrentar a pobreza que era muito grande. Antigamente onde é a Vila Cristina era mais conhecido como Risca-Faca, uma enorme pobreza, casas feitas de tábua. Para aquele povo todo tinha apenas um bico de luz e uma torneira de água, a prefeitura tentou instalar um poço artesiano, não deu certo, deixaram a torneira para fornecer água ao povo daquela região.

No alto da Avenida Raposo Tavares existe uma cruz que é vista de longe.

É um marco em homenagem as missões realizadas pelos missionários redentoristas, eu os trouxe para dar uma mexida em toda a paróquia. Sozinho eu não estava dando conta, a paróquia tinha se tornado muito grande. Além da Igreja São José eu tinha 26 a 27 capelas. A paróquia ia até o Rio Tietê, vizinho a Anhembi. Era quase uma mini diocese. Consgui que os missionários redentoristas realizassem um trabalho muito bom por três meses. O encerramento das missões foi com essa cruz, que eu pedi no Dedini. Foi uma cruz tão pesada que os homens que subiram com ela no morro tiveram dificuldade em caregá-la. Foi instalada em 19 de março de 1979. Dia de São José. Todo ano, como penitência na via sacra vamos até lá. Nunca medi a distância, deve ser de uns dois quilômetros, tem uma subida bem acentuada. Para evangelizar o povo, consegui com os missionários estigmatinos que a cada ano eles ficassem uma semana em cada capela. A capela situada no Barreiro Rico era muito longe, pertencia ao municipio de Anhembi, a divisão da diocese não era por municipio e sim por acidente geográfico. Pedimos a Santa Sé que estabelecesse o limite por municipio, o que foi autorizado. Essa capela passou para a diocese de Botucatu, isso depois de eu ter assistido por mais de vinte anos aquela localidade, a estrada era de terra.

O senhor esteve com o Papa?


Estive com o Papa João Paulo II várias vezes. Em uma dessas ocasiões concelebrei a missa com ele em sua capela particular. Toda quarta feira o Papa dá audiência pública. Em algumas dessas ocasiões pude comprimentá-lo. No jubileu, 50 anos de sacerdócio, em 2002, viajei para Roma e também estive com o Papa. Ele me acolheu, abençoou.

Como ele o chamava?


Dizia: “ Brasiliano! Brasiliano!”; sempre dava um terço como presente. Com Bento XVI estive apenas próximo dele, na Itália.

O senhor está completando 60 anos de sacerdócio, como é denominado esse marco histórico?


É o Jubileu de Diamante. A comemoração maior foi no Jubileu de Ouro, com uma semana vocacional, chamando os jovens para a vocação sacerdotal. Agora teremos o Tríduo vocacional preparatório do Jubileu,nos dias 5,6 e 7 na nossa matriz. São tres dias preparatórios vocacional. Dia 8 de dezembro de 2012 será a festa de Jubileu de Diamante, com missa festiva, as 10 horas da manhã. O bispo estará presente, assim como os padres da diocese os amigos e familiares.


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