JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 16 de outubro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: ROSA MEUCCI GARDENAL
Rosa Meucci Gardenal é um exemplo do devotamento dos professores que nunca mediram esforços para cumprir com a sua vocação, de levar o conhecimento tão essencial ao ser humano e ao nosso país. Uma das mais legítimas histórias da professorinha idealista, destemida, como inúmeras que foram verdadeiras bandeirantes do ensino. A jovem professora chegou a cavalgar diariamente 40 quilômetros para ir lecionar as primeiras letras a seus alunos. Desafiando as adversidades como intempéries, répteis, mosquitos, sol escaldante, lama, poeira, ela nunca se deixou abater em sua missão. Do alto dos seus 83 anos, relembra o passado, e pensa em voz alta: “Acho que hoje não teria coragem de fazer isso novamente!” Rosa deixa transparecer o seu jeito despachado, de quem não gosta de muitos rodeios e vai logo ao assunto, contrastando com a sua paciência quase infinita como professora. Acompanha de perto a movimentação da família, gosta de ver novelas, embora as rotule de muito fantasiosas. Admira-se do poder de sedução exercido pela internet. Nascida em Conchas a 29 de setembro de 1927, é filha de Julio Meucci e Julia Maraccini Meucci que tiveram ainda os filhos Luis, Amábile, Therezinha, Benito e Lourdes. Como era costume na época, as professoras de bairros rurais moravam na casa de alguma família que as hospedava, Rosa teve o privilégio de dividir o quarto com a sua primeira professora.
Em que local de Conchas a senhora morava?
Morava no bairro rural de São Roque no município de Conchas, meu pai tinha armazém, moinho de fubá, bomba de gasolina. Morei em Conchas até os 9 anos. Fiz o primário na escolinha que era ao lado da minha casa, a minha primeira professora chamava-se Ivone, morava na minha casa, dormíamos no mesmo quarto. Mudamos de Conchas para Botucatu sendo que em menos de um ano após a mudança a minha mãe veio a falecer. Meu pai se viu viúvo com seis filhos para cuidar. Decidiu vir morar em Piracicaba. Meus avós, Luiz e Amábile Meucci moravam em uma casa situava-se na praça localizada no final da Rua Boa Morte, em frente à Estação da Paulista, onde hoje há uma farmácia de manipulação. A nossa casa era ao lado, existe até hoje. Lá eu cresci, passei a minha adolescência, minha juventude, até me casar. Lembro-me de que as ruas eram todas de terra, não havia nenhum tipo de calçamento.
Rosa é a quarta da esquerda  para a direita sentada em um banco
Ao chegar de mudança á Piracicaba, qual foi a primeira impressão que a senhora teve da cidade?
Foi a grandiosidade da cidade! Chegamos á noite com o carro do meu pai, ao passarmos pela Ponte do Mirante (Irmãos Rebouças), quando vi aquelas luzes maravilhosas, encantei-me, foi a minha primeira impressão, que permanece nítida até hoje em minha lembrança. Não via a hora de levantar no dia seguinte para poder olhar melhor tudo aquilo que compunha a cidade. Limitei-me a permanecer em casa, eu era muito tímida e havia perdido a minha mãe a menos de um mês. Naquele tempo quando falecia uma pessoa da família era guardado luto de forma muito rígida, com exceção a ir a missa, atividades como passear, ir ao cinema, a um casamento, á festas, não eram realizadas no período de um ano após a morte do ente querido. Meu pai casou-se em segundas núpcias com uma moça da família Olbrich, filha do Chefe da Estação Paulista.
Era movimentada a frente da Estação da Paulista?
Na frente da nossa casa havia um terraço bem grande onde costumávamos ficar observando o movimento da rua., o ponto do bonde era bem próximo, a Estação da Paulista em frente. Quando vinha times de futebol de outras cidades para jogar contra o XV de Piracicaba chegava um trem especial trazendo os torcedores, composto por sete, oito carros, desciam como uns loucos, nós tínhamos até medo, fechávamos a porta e janelas da casa. Às vezes passava boiada na Avenida Dr. Paulo de Moraes.
Oonde a senhora prosseguiu os seus estudos?
Fui estudar no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que funcionava ao lado da Igreja dos Frades, ali estudei até o quarto ano primário, lembro-me da professora Da. Maria Lombardi. Onde hoje é o Posto Petrobrás, foi o Posto Cantagalo, anteriormente foi um armazém na esquina, com um grande terreno vazio em volta. Poucas pessoas entravam na Chácara Nazareth, entrei uma vez pela entrada da Rua São Francisco de Assis, havia uma colega que estudou na minha classe e morava ali. Ao lado da escola Dr. João Conceição havia um prédio velho, aos domingos Frei Evaristo projetava filmes para as crianças assistirem. Após seis meses conclui o primário e fui fazer exame de admissão, tive aulas com a Dona Donália, que morava em uma casa localizada onde hoje é o Posto Piracicabano, na esquina da Rua Governador com Rua Ipiranga. Entrei no Externato São José, onde mais tarde funcionou a Faculdade de Odontologia, na Rua Alferes José Caetano esquina com D. Pedro II. Tomava o bonde na frente de casa e descia em frente ao Posto São João, na Rua Boa Morte, esquina com Rua D. Pedro II. A quarta série do ginásio eu fiz na Escola Normal, hoje Sud Mennucci, onde prossegui nos estudos, formando-me lá. Tive aulas com Jethro Vaz de Toledo, Dario Brasil, Manassés Ephrain Pereira e vários outros professores que hoje dão seus nomes a diversas escolas de Piracicaba.
Formada como professora a senhora foi lecionar onde?
O fato de ter laços familiares em Conchas propiciou a minha ida para lá, na época havia falta de professores naquela cidade. Em 16 de fevereiro de 1950 comecei a trabalhar como professora substituta, dando aulas em escolas isoladas, de sítio, e dava aulas para alfabetização de adultos, com isso acumulei em dois anos um elevado número de pontos necessários para que disputasse uma cadeira com grande vantagem na escolha do local onde iria lecionar. A primeira escola onde lecionei foi a Escola Mista do Bairro Baltazar que ficava a uns vinte quilômetros, para ir até ela eu utilizava trole. Havia um charreteiro que nos levava, era o Elias, quem pagava o charreteiro éramos nós mesmas. Quando chovia tinha que ir a cavalo, éramos três professoras que iam lecionar em três escolas diferentes. Na nova seleção de escolas, acabei escolhendo a mesma escola onde eu já era professora substituta, chamava-se Escola do Bairro Moquém, passei a ser dona daquela cadeira.
Como era a proteção contra a chuva ao ir á cavalo?
Ia a cavalo, segurando sobre a cabeça um guarda chuva, para montar usávamos uma saia calça, era uma saia especial. Logo que fui lecionar eu não sabia montar a cavalo, mas tinha vergonha de revelar á alguém, a primeira vez que fui montar foi na praça central de Conchas, em frente a igreja. O Elias perguntou-me: “A senhora sabe andar a cavalo?” ao que eu disse-lhe: “-Preciso de ajuda para montar.” Ele então colocou o animal junto a uma mureta, subi e fui embora, sem contar a ninguém que era a primeira vez que andava a cavalo! Eu tinha vinte e um anos na época. A distância percorrida até a escola era de 20 quilômetros. Na ida até que ia rápido, mas na volta eu largava o cavalo para que viesse no passo dele, quando chegava em casa eram três horas da tarde, e a noite tinha que dar aulas para os adultos.
Quanto tempo a senhora permaneceu trabalhando em Conchas?
Fiquei lá por cinco anos. Eu queria uma classe para lecionar, não me incomodava se tivesse que dormir no sítio, ou andar distâncias maiores. A escolha para o local onde a professora deveria seguir obedecia ao critério de títulos e notas obtidas pelo professor, a minha nota era melhor do que a de muita gente, isso me favoreceu. Algumas professoras não queriam locomover-se em distancias maiores, outras não aceitavam ter que ir a cavalo para lecionar. Aceitando qualquer local, eu acabei acumulando um número maior de pontos no meu prontuário, e com isso superando algumas colegas, embora tenha me custado um pouco de antipatia de algumas delas. Ao final dos cinco anos eu já estava cansada de além de lecionar ter que varrer ou lavar a escola, não havia servente, tinha que fazer de tudo. Decidi escolher um grupo escolar, nem que fosse longe. Acabei indo lecionar em Mogi das Cruzes, no Grupo Escolar de Taiaçupeba. Morei uma temporada em Taiaçupeba, mas depois passei a morar em uma pensão em Mogi das Cruzes, ia dar aulas locomovendo-me de ônibus. Um dia eu fui ao cabeleireiro, encontrei-me com a Terezinha Telles, que tinha sido minha colega em Piracicaba. Na pensão conheci também duas outras colegas piracicabanas. Permaneci lá por dois anos. Em seguida escolhi cadeira em Capivari na Escola Mista do Bairro Barnabé, situada em uma fazenda de propriedade da Societé Sucrérie Brésilienne. De lá escolhi a Escola Mista do Bairro Conceição, em Piracicaba, onde lecionei por dois anos. Após esse período vim dar aulas no Grupo Escolar José Romão, isso foi em 1960, permaneci por 20 anos trabalhando lá. Tudo isso fiz quando ainda era solteira.
Como a senhora conheceu o seu marido?
É uma história tão engraçada! Ele me viu pela primeira vez quando eu ainda dava aulas no Bairro Conceição, que ficava junto à estrada velha que ligava Piracicaba a São Paulo. Eu não o tinha visto, mais tarde ele contou-me que tinha dito ao seu companheiro: “- Vou namorar essa professora!”. Seu nome era Josué Elias Gardenal. Em um domingo vi esse moço na Praça José Bonifácio, estávamos em 16 moças. Separamo-nos em dois blocos de oito moças. Não contentes separamo-nos em blocos de quatro moças. Estávamos quadrando o jardim (dando voltas em torno do mesmo e flertando com os rapazes que caminhavam no sentido contrário), quando ele passava, olhava, e cada moça achava que era com ela, até que a minha amiga Zulmira disse: “-Vamos esperar um pouco!” Ele passou, paramos em frente ao Cine Politeama, escutei ele dizer: “- Estou querendo namorar aquela moça!” Um amigo seu disse: “-Ela é professora! ”Vi então que era comigo, pois a minha amiga não era professora. Começamos a namorar.
Ele trabalhava onde?
Trabalhava no Munhoz, na época uma dos mais importantes atacadistas e importadores da região.
Onde foi o casamento?
Foi realizado na catedral de Santo Antonio, no dia 20 de janeiro de 1960, dois anos após iniciarmos o nosso namoro, o celebrante foi monsenhor Jerônimo Gallo. Fomos morar na Avenida do Café, próximo á Rua Fernando de Souza Costa.
Da sua casa até ao Grupo José Romão qual era o meio de transporte utilizado?
Tomava o bonde em frente a Estação da Paulista, ia até o centro, onde pegava o bonde para a Vila Rezende, descia na Avenida Rui Barbosa e seguia a pé até a escola. Só a Avenida Rui Barbosa era calçada, o resto era chão de terra. O Grupo José Romão era super lotado, chegou a ter 80 professoras, 40 efetivas e 40 substitutas. Funcionava em três períodos. Lembro-me dos diretores José Paulillo, Rufino da Silva, dos professores Paulo Bonilha, Hélio Casale Padovani. Nós saiamos ás 5 horas da tarde da escola, coincidia com o horário de saída dos funcionários da Dedini, o bonde seguia lotado, ninguém cedia o lugar para outra pessoa sentar, tínhamos que nos acomodar em pé, em frente aos passageiros sentados. Quando foi criado o ginásio Mário Dedini ele funcionou lá provisoriamente.
Os professores eram respeitados pelos alunos?
Quando um professor entrava na sala de aula os alunos ficavam em pé em sinal de respeito. Todos os dias ainda no pátio os alunos entoavam uma canção cívica: Hino Nacional, Hino a Bandeira ou outro hino pátrio. Nas classes cada professora tinha uma forma de realizar uma oração. Nossos alunos vinham de diversos pontos, de Santana, Santa Olímpia, alunos das famílias Vitti, Forti estudavam no José Romão. Eram transportados das mais diversas formas, inclusive de caminhão. Da minha janela vi fazerem o alicerce do Hospital dos Plantadores de Cana, quando eu dava aulas de classes situadas no andar superior, olhando através das janelas via só cana de açúcar plantada em volta. O Jardim Monumento, a Nova Piracicaba, era tudo um imenso canavial. As filhas do Mário Áreas Vitier, conhecido como Mário da Baronesa, eram professoras no José Romão. Havia uma rivalidade entre o José Romão e o Instituto Baroneza de Rezende. Adotávamos livros clássicos como Caminho Suave, Cartilha Sodré. Usávamos flanelógrafo. Atualmente as crianças aprendem mais rapidamente, há um maior volume de informações.
Qual é a sua opinião sobre os princípios de educação praticados atualmente?
Alguns são muito irreais. O culto ao computador parece uma religião. A televisão oferece muito pouca coisa aproveitável, o adulto tem como filtrar as informações, mas elas são despejadas de qualquer forma sobre as crianças.
A senhora já assistiu alguma vez um programa de televisão denominado Big Brother?
Já! Meu pai diria assim: “É o esculacho da família!”. Eu tenho consciência do que está sendo apresentado, não irei trazer aquilo para a minha vida, assisto para ver até onde vai o limite do absurdo. É feito tudo pelo dinheiro, só que o caminho não é esse, o dinheiro não deve mandar em nossa vida. .

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