PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 09 de outubro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: ELIANE SOARES
O leitor já deve ter observado que logo após a mídia, em especial a televisão, noticiar uma nova modalidade de crime, imediatamente segue-se uma sucessão de crimes com o mesmo “modus operadis”. Entre os analistas e estudiosos do assunto, há aqueles que julgam a necessidade de divulgar o delito como forma de prevenção ás possíveis vitimas futuras. Outros afirmam que a divulgação das técnicas utilizadas em uma determinada ocorrência, alimenta a especialização no mundo do crime. Uma espécie de “Tele Curso do Crime”. A unanimidade de opinião só ocorre no caso de suicídio, no Brasil não é feita nenhuma divulgação, é alegada que uma das razões é o respeito à família pela tragédia que se abateu. Outro motivo para omitir a natureza da morte é que se o suicida for algum ídolo, ele poderá ser imitado por alguns de seus admiradores. De acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, 9.090 pessoas chegaram ao suicídio no Brasil em 2008, o que corresponde a 25 mortes diárias. Em 97% dos casos, segundo vários estudos internacionais, o suicídio é um marcador de sofrimento psíquico ou de transtornos psiquiátricos. Neury José Botega, professor titular do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que: “Os números são apenas a ponta do iceberg, pois, para cada suicídio, estima-se que haja pelo menos 20 tentativas. E, para cada caso de tentativa que atendemos no hospital, outras cinco pessoas, na comunidade, estão planejando e 17 estão pensando seriamente em pôr fim à vida. São números que não aparecem nos dados oficiais. Basta dizer que apenas uma em cada três tentativas de suicídio recebe atendimento médico.” segundo o pesquisador. A partir da Segunda Guerra Mundial, na Europa e nos Estados Unidos, formaram-se grupos de profissionais e voluntários com a finalidade de prevenir o suicídio. Uma das entidades que mais se projetou foi “Os Samaritanos”, melhor estruturada nos anos 50, mas existente desde 1936. Existem outros grupos de voluntários espalhados pelo mundo como “SOS L`Amitié” de Paris, “Il Telefono Amico” da Itália, “SPC Suicide Prevention Center” de Los Angeles. No Brasil o CVV Centro de Valorização da Vida iniciou suas atividades em 1962, em São Paulo, nos moldes de “Os Samaritanos” de Londres. Em nossa cidade o Posto Samaritano Piracicaba localiza-se na Rua Ipiranga, 806, telefone (19) 3422 4111, fundada em 16 de junho de 1982. É uma instituição filantrópica que luta com grandes dificuldades para manter-se, mesmo sendo o CVV reconhecido como Entidade de Utilidade Pública Federal pelo Decreto Lei nº 73.348 de 20 de dezembro de 1973. O caráter sigiloso do atendimento torna difícil mensurar os resultados. Não há como afirmar a quantidade de suicídios evitados em determinado período. Resta aos voluntários se desdobrarem de todas as formas possíveis para conseguirem cotizar o valor necessário para manter o serviço prestado á comunidade. Percebe-se claramente que para os voluntários, o fato de ter salvado, nem que seja apenas uma vida, já se sentem gratificados pelo esforço. Eliane Soares é a pessoa designada a representar a instituição junto á mídia, preservando o anonimato dos demais integrantes do Posto Samaritano Piracicaba.
Qual é a sua função no CVV de Piracicaba?
Sou voluntária, plantonista e ainda coordenadora da divulgação, participo da entidade já há 10 anos.
Qual é o nome correto da entidade?
É Posto Samaritano de Piracicaba, somos vinculados ao CVV Centro de Valorização da Vida. O CVV funciona por 24 horas enquanto o Posto Samaritano atende em determinados horários do dia, trata-se de um horário feito em função da disponibilidade dos voluntários. Em Piracicaba atendemos das 15 até as 23 horas.
Qual é a origem do nome Samaritano?
Ele foi inspirado em um trabalho que já existia na Inglaterra, os jovens que fundaram o Samaritano em São Paulo tomaram contato com “Os Samaritanos” de Londres e adotaram também o nome da entidade. Com o passar do tempo eles fundaram uma instituição que é o Centro de Valorização da Vida. Haviam percebido que algumas pessoas que eram conhecidas tinham tentado o suicídio, uns tinham conseguido o seu intento, outros sobreviveram, mas com seqüelas.
O foco de trabalho desse grupo passou a ser o suicídio?
Foi a prevenção do suicídio, trabalho que continuamos a realizar, o que mudou um pouco foi a forma de divulgação para a sociedade, quando falamos que é a prevenção do suicídio muitas pessoas pensam: “-Eu não vou me matar, então não irei telefonar para lá!” Só que o suicídio é um processo. A pessoa não acorda em um determinado dia e decide: “-Hoje irei tirar a minha própria vida!” É um processo que ocorre ao longo da vida de uma pessoa, pode levar meses, anos, e se ela não for ajudada, compreendida, respeitada, auxiliada, poderá vir a tentar o suicídio. Atualmente o foco da nossa divulgação não é mais a prevenção do suicídio, hoje nós denominamos nossas atividades como um trabalho voluntário de doação de amizade. Somos um amigo do outro lado da linha, você pode ligar a qualquer hora que terá uma pessoa para lhe escutar. Isso para a pessoa que está em processo de tornar-se um suicida, embora ainda para ela isso não esteja claro, em geral são indivíduos em depressão, tristes, essa pessoa irá ligar para nós e desabafar. Não irá concluir um ciclo, onde a própria vida é insuportável.
A palavra suicídio é mais comum nos dicionários do que no nosso cotidiano?
A mídia assim como a sociedade médica, diz que se alardeamos muito a respeito do suicídio, ao mencionarmos que algum artista, um cantor, se suicida por determinado motivo, as pessoas que estão vivenciando motivo semelhante podem vir a suicidarem também. Há muita influência desses ídolos sobre o comportamento da sociedade. Hoje se valoriza muito o ter, o controlar, o fazer o sucesso, e não mais a valorização de quem é a pessoa.
Quem trabalha no Samaritano, CVV, de Piracicaba?
Todos nós somos voluntários e trabalhamos em nossas atividades profissionais. Eu trabalho no departamento de logística de uma metalúrgica. O que nos traz aqui é o fato de gostar de outro ser humano. É o amor ao próximo. Atualmente somos 12 voluntários, sendo 9 mulheres e 3 homens.
Há um número de horas ideal para que o CVV funcione?
O ideal são as 24 horas do dia, como funcionou em Piracicaba até 2006, por falta de voluntários fomos obrigados a diminuir o período de atendimento.
O que uma pessoa deve fazer para tornar-se voluntário?
Nós ministramos um curso, aos sábados das 14 até as 17 horas, com duração de um mês e meio, que irá capacitá-lo como voluntário. Esse curso determina quais são as características necessárias para ser voluntário, como é o estado emocional da pessoa que nos liga, qual é nossa forma de atendê-la. O nosso trabalho é baseado no trabalho de Carl Rogers (Carl Ransom Rogers 1902-1987 foi o mais influente psicólogo na história americana.) na linha da psicologia não-diretiva, no CVV estudamos muito, muito mesmo! Temos os cursos de aperfeiçoamento, isso qualifica cada vez mais o voluntário, que também aumenta o seu autoconhecimento. Não existe limite de idade máxima para ser voluntário.

                                                                       Carl Rogers         

O nome Samaritano pode induzir que se trata de uma instituição ligada á alguma seita religiosa. Há algum vinculo com alguma igreja?
Não temos nenhuma vinculação religiosa ou política, não somos ligados a nenhuma instituição de ensino. Somos todos voluntários, não temos nenhum funcionário.
Em Piracicaba há alguma ajuda governamental?
Nenhuma. Há alguns postos no Brasil que são reconhecidos como de utilidade pública pelo município e recebem uma verba da prefeitura. Nós aqui não somos.
Como é a estrutura do CVV?
O Centro de Valorização da Vida que fica na Rua Genebra, em São Paulo, detém três tipos de trabalho, o CVV que é a prevenção do suicídio, a Clínica Francisca Julia, situada em São José dos Campos, para doentes mentais, e o CRC Caminho de Renovação Contínua. O CVV e o CRC são trabalhos voluntários. A Clínica Francisca Júlia é um hospital com mais de 200 leitos e apoio do governo. A estrutura destinada aos voluntários do CVV e Samaritano é preparada pela unidade central. Cada posto é totalmente autônomo entre si e financeiramente, tem um CNPJ, é uma instituição registrada, em Piracicaba o CVV Samaritanos tem como razão social a Sociedade de Apoio a Vida Dr. Nelson Meirelles. A mesma forma de atendimento que fazemos em Piracicaba é feita em outras localidades onde existe o CVV, há uniformidade no trabalho.
Porque o CVV de Piracicaba chama-se Sociedade de Apoio a Vida Dr. Nelson Meirelles?
Porque a casa onde estamos foi fruto de doação do Dr. Nelson Meirelles. A princípio esta casa era de propriedade do Dr. Nelson Meirelles, ele fez a doação á uma instituição de caridade tendo Luiz Antonio Copoli, o Titio Luiz, como responsável pelo imóvel.
Titio Luiz manteve por muitos anos uma farmácia, com distribuição gratuita de medicamentos aos necessitados. Ao encerrar as atividades da farmácia, Titio Luiz anunciou que a casa estava disponível para a instituição filantrópica que necessitasse. Essa era uma das cláusulas constantes no contrato de doação do Dr. Nelson Meirelles. Uma das nossas voluntárias ouviu a noticia pelo rádio e entrou em contato com o Titio Luiz, que prontamente concordou com o uso da casa pela nossa instituição. (Na sala de recepção há as fotos do Dr. Nelson Meirelles e do Titio Luiz, uma homenagem aos beneméritos).
Como foi o seu ingresso no CVV?
Sempre tive a vontade de realizar um trabalho voluntário, mas onde não fosse necessário dar alguma coisa ás pessoas, porque isso já tinha muita gente fazendo. Através da mídia tomei conhecimento do trabalho feito pelo CVV, achei muito bonito. Não é apenas uma ajuda material, trata-se de um resgate de uma pessoa. Gostei da proposta e vim fazer o curso para voluntários. Para ser voluntario em nosso trabalho é necessário ter amor em excesso, paciência e gostar do ser humano. Se não tivermos um amigo que nos ouça, que nos respeite e acolha em um momento de dificuldade fica difícil de levar a vida.
Ao atender um suicida em potencial como age o voluntário?
Nós não damos conselhos, não somos diretivos, não direcionamos a decisão que a pessoa deve tomar, podemos ajudar a refletir sobre as suas próprias decisões. É um contato absolutamente sigiloso, não perguntamos as características das pessoas, nome, endereço, onde ela trabalha a pessoa não tem a necessidade de se identificar quando liga, não temos identificador de chamadas para saber quem ligou e de onde ligou. Aceitamos a pessoa como ela é.
O voluntário identifica-se durante a ligação?
Normalmente usa-se apenas o primeiro nome, que poderá ser um nome adotado pelo voluntário, principalmente se o seu nome original for incomum, como Arquibaldo por exemplo.
Qual é o sentimento de estar atendendo uma pessoa que está no limiar de tirar a própria vida?
Quando uma pessoa quer suicidar-se e porventura liga para nós, ela desabafa, conta os seus problemas, fala porque está tendo esses tipos de pensamentos, em função da conversa que ela tem conosco, poderá desistir do seu intento naquele momento, isso não impede que ela possa tentar o suicídio daqui a alguns meses. Quando a pessoa liga, nós somos focados totalmente nela, no seu problema, no sentimento que ela nos traz.
Porque o ser humano comete o suicídio?
Isso ocorre porque a pessoa perde a razão de viver, pelos mais diversos motivos. Quando viver não importa mais. O fato de estar viva ou de morrer para ela tem o mesmo significado, ela quer sumir deste mundo, quer morrer. Se ela encontrar uma nova maneira de viver, se a vida passar a ser colorida novamente, ela ganhará força e irá à luta. Há uma comprovação cientifica que mostra quando as pessoas não estão bem, estão depressivas, elas não vêem as coisas com o mesmo colorido de uma pessoa que é feliz. A pessoa depressiva perde cada vez mais a paixão pela vida, fica cada vez mais triste, mais isolada, normalmente ela precisa de uma ajuda médica, e se não tiver ela acabará cometendo o suicídio. Nós somos apenas um amigo que ela tem para os momentos em que ela desejar estar conversando, nos momentos de crise.
Ao atender uma pessoa em momento de crise o voluntário aconselha que ela procure um médico?
Não aconselhamos, ela é que deve perceber essa necessidade.
Há como distinguir que faixa etária entra em contato com o CVV?
Normalmente quem nos liga é um adulto, porém há adolescentes que nos ligam também. O suicídio entre os adolescentes está aumentando, há uma maior competitividade entre eles, se não tiver aquele tênis de marca famosa já é motivo para entrar em crise, para fazer parte do grupo ele precisa ter o tênis, a roupa de grife famosa, a menina tem que ser magra, como dita os manequins das lojas, para um adolescente que está passando por uma fase bastante conturbada, às vezes ele acaba nos ligando para contar o que aconteceu. Pode ser algo do tipo: “Perdi meu namorado pelo fato de que sou gordinha, ele me trocou por uma moça mais magrinha”. No caso do ter uma baixa auto-estima isso é delicado.
O suicida tem baixa auto-estima?
A maioria sim. Quando para a pessoa nada mais tem graça, ele irá se desvalorizando assim como tudo que existe ao seu redor. Nada mais terá valor, inclusive a própria vida.
O voluntário anota alguma coisa durante a conversa?
Não registramos absolutamente nada.
Algumas pessoas ligam com assiduidade?
Caso ele esteja em um processo de dor ela irá ligar diversas vezes, isso pode ser até por vários meses, mas normalmente após terminar esse período de crise ela passa a ser uma pessoa como outra qualquer.
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