PEDRO CALDARI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 31 de outubro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: PEDRO CALDARI
O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, Pedro Caldari narra parte de sua trajetória desde o seu nascimento no bairro da Vila Rezende até os dias atuais. Pesquisador, escritor, cronista, carrega em sua memória os tipos e locais característicos de uma Vila Rezende que segundo ele afirma em sua apaixonada narrativa “por muito tempo foi a locomotiva de Piracicaba no aspecto econômico e financeiro”.
O umbigo de Piracicaba está na Vila Rezende?
Sim! Quando o Capitão Povoador Antonio Correa Barbosa veio á Piracicaba já existiam alguns moradores no local onde mais tarde foi construído o antigo Engenho Central. Eles aproveitavam as benesses do Rio Piracicaba, às facilidades ali existentes, entre elas as de pesca e caça.
A sua paixão pela Vila Rezende resultou nos seus dois volumes escritos sobre o bairro?
A minha paixão pela Vila é natural, eu nasci lá em 5 de setembro de 1938 sou filho de Catarina Furlan Caldari e Ricieri Caldari, ambos brasileiros e filhos de italianos. Sou formado em Contabilidade pela “Faculdade” do Prof. Antonio Zanin, a Escola Técnica de Comércio Cristóvão Colombo, nós dizemos que era uma faculdade porque a escola foi sempre um referencial na formação profissionalizante. Na época Piracicaba contava apenas com a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz como curso de ensino superior, a faculdade de odontologia havia desaparecido para depois ser reinstalada. O curso primário eu fiz no Grupo Escolar José Romão, na época o diretor era o Prof. Leontino Ferreira de Albuquerque , mais tarde fomos companheiros de Rotary Club, ele no Rotary do centro e eu no Rotary da Vila Rezende, clube que ele foi um dos fundadores, junto com Losso Netto. Embora eu não tenha sido um dos fundadores do Rotary da Vila Rezende, eu fui um dos primeiros a serem admitidos no seu primeiro ano de existência. Aos dezessete anos de idade formei-me na Escola de Comércio. Um dos colegas de turma, de carteira escolar, é Tarcisio Mascarim, ele nasceu dois anos antes de mim, convivemos durante todo esse período até hoje como quase siameses. Ele trabalhou na Dedini eu trabalhei na filial ou filhote da Dedini, que é a Codistil. Permaneci na Codistil por 52 anos!
Com qual função o senhor entrou na Codistil?
Tanto eu como o Tarcísio entramos na mais humilde função, o que hoje se denomina office boy . Éramos entregadores de correspondência, ajudante de telefonista, naquela época ficávamos atrelados a telefonista. Os telefones eram muito poucos, precários. Não havia a profusão de ramais telefônicos como existem hoje. A telefonista era uma figura de proa dentro de uma empresa.
Com quantos anos de idade o senhor passou a trabalhar na empresa?
Eu tinha uns 10 anos de idade, usava calças curtas, pés descalços. Hoje falando que iniciei trabalhando dentro de uma oficina de caldeiraria de pés descalços, os defensores da política de erradicação do trabalho infantil encontrariam motivos para realizarem um tremendo processo. Essa postura dos que bradam contra o trabalho infantil é um grande mito. O trabalho sempre foi salutar e dignificante e continuará sendo.
Por quanto tempo o senhor trabalhou descalço?
Logo depois que entrei ganhei um par de alpargatas, porém continuava utilizando as calças curtas. Na naquela época a Vila Rezende era um bairro de operários, a hoje Avenida Rui Barbosa, era uma rua de terra, os trilhos dos bondes estavam assentados em dormentes a flor da terra, com pedriscos, pedregulhos. Sobre o leito da Avenida Rui Barbosa trafegava o bonde, logo abaixo existiam os trilhos da Sorocabana, e mais abaixo os dois trilhos da via férrea do Engenho Central.
Havia tempo para o lazer?
Para as crianças de hoje, rua é um perigo e os pais se preocupam muito com isso. No meu tempo de infância, a rua era a extensão da casa. Permanecíamos praticamente dia e noite na rua, com liberdade total. Era o local de convívio entre amigos e familiares. Nas noites de verão, em frente ás casas, nas calçadas ficavam rodas de famílias conversando, trocando idéias.
O senhor ainda criança nadou no Rio Piracicaba?
Nadei.
O senhor pertencia ao grupo que deixava as roupas á beira do rio, para não molhá-las e nadavam de forma naturalista?
Pertencia também!
Algum dia sumiu as suas roupas das margens do rio?
Isso era comum acontecer! Naquela época a criançada não se apertava muito, não havia nenhum atentado ao pudor. A Vila Rezende era um bairro operário.
Quando o senhor menciona Vila Rezende, na época como era delimitada?
Os traçados das principais avenidas permanecem até hoje, foram encomendados pelo próprio Barão de Rezende, isso permitiu com que a Vila Rezende surgisse como um bairro de Piracicaba e se desenvolvesse. Havia a Igreja Matriz, o Instituto Baronesa de Rezende ao lado, a igreja primitiva foi tristemente demolida. Era um monumento histórico. Eu mesmo ali fui batizado e ali também me casei. A maioria dos vilarezendinos teve a assistência religiosa do Monsenhor Gallo e depois do Monsenhor Jorge, nosso eterno Padre Jorge. Monsenhor Gallo morreu sendo chamado pela maioria dos fiéis como padre, uma questão de habito adquirido pela comunidade. São figuras que tiveram uma atividade espiritual e social muito acima da média, são verdadeiros exemplos.
Como surgiu essa sua vontade de escrever?
Sempre gostei de escrever, fazia meus artigos e publicava no Jornal de Piracicaba, do qual sou um dos mais antigos colaboradores. Em determinada ocasião fui solicitado pelo jornal para fazer uma matéria sobre a Vila Rezende. Fiz despretensiosamente um artigo sobre a Vila Rezende, nessa época eu já era integrante do Rotary Club, Diretor Financeiro e Administrativo da Dedini, á essa altura dos fatos eu já pertencia a diversas instituições de benemerência. O piracicabano tem muito dessa vocação de pertencer, integrar, participar de entidades de benemerência, filantropia, instituições culturais. Após escrever essa matéria, em trinta dias escrevi o primeiro volume de “Memória da Vila Rezende”, o primeiro volume foi publicado em 1980, depois de nove anos fiz o segundo volume. Mais dez anos completei o terceiro volume, ainda não publicado. Já está pronto para ser editado, e aí vem outra dificuldade, a de financiamento.
Como presidente do IHGP o senhor encontra dificuldade em ter seu livro publicado?
O meu livro passa uma enorme dificuldade em ser editado, e não poderá ser editado pelo IHGP, embora seja um livro histórico. Por uma questão de ética, não posso publicar um livro sob os auspícios do IHGP. Deverá levar a chancela do Instituto.
Esse princípio ético é aplicado á diretoria da gestão do senhor?
Não. O IHGP sob a minha presidência e graças aos companheiros de diretoria que tenho hoje, profissionais da mais alta competência, historiadores, escritores, de uma cultura bastante privilegiada, que bem dignifica e exemplifica o que é Piracicaba no meio cultural, nos permitiu instituir uma comissão de publicação, que rege e disciplina todas as publicações do IHGP. As matérias são passadas por um crivo de análise e avaliação feita por uma comissão. Com isso passamos a ter um alto nível nas publicações, aumentamos e consolidamos as obras editadas pelo IHGP. Quando se vê uma matéria com a chancela do Instituto, independente do autor pode ter-se a segurança de que se trata de um trabalho merecedor de crédito e será referencia bibliográfica a partir da sua publicação. Trata-se de um critério utilizado pelas mais conceituadas instituições do gênero.
Qual é a forma predileta do senhor escrever, utilizando máquina de escrever, computador?
É uma mania minha, faço tudo manuscrito. Prefiro escrever á lápis ou com caneta tinteiro. Sempre fui exímio datilógrafo, entrei para a Escola de Datilografia Moraes Barros aos 10 anos de idade, a professora era a Dona Rosinha do Canto Braga. Fui companheiro do Sr. Ricardo Ferraz de Arruda, hoje nome da nossa biblioteca municipal.
Ele era oficial maior, dono de cartório em Piracicaba, e não sabia datilografar! Embora já tivesse até sido prefeito de Piracicaba, á essa altura fomos colegas de escola de datilografia. Eu com meus dez anos de idade e ele com setenta e tantos anos de idade! O Sr. Ricardo era de uma personalidade marcante, que dá orgulho de sermos piracicabanos e lembrar esse episódio.
O senhor tem um livro de crônicas?
Meus amigos dizem que sou um bom cronista, embora eu me considere um aprendiz de cronista, e serei sempre. Foi quando escrevi “O Cantar Do Passarinho”. Revela o lado do cronista para os aspectos do cotidiano. Ao meu entender, o cronista é o historiador nato, ele é o grande colaborador da história de todo e qualquer povo. Retrata com uma sutileza fenomenal os aspectos do cotidiano. Capta aquilo que escapa para a maioria das pessoas, que vê, mas não enxerga. O cronista vê enxerga e sente, e passa para o papel essa sua visão.
Embora o senhor seja um homem de números, demonstra ter uma sensibilidade aguçada.
Á medida que você trabalha com números, surgem números que não são de expressão monetária. Esses números podem representar vidas humanas, feitos humanos.
O senhor publicou um quarto livro?
Foi sobre os 50 anos de vida do Clube de Campo de Piracicaba. Como sócio assíduo, fui convidado a escrever esse livro. Abordei não só os aspectos esportivos e recreativos, mas também os aspectos culturais do Clube de Campo de Piracicaba. Eu já tinha sido diretor cultural do clube, ocasião em que dei a minha contribuição ao clube com a realização de eventos e instituição de eventos que passaram a ser oficiais do clube. Tive o privilégio de me responsabilizar pela reconstrução e preservação do palacete do Conde Rodolfo Lara Campos.
Como era o Conde Lara Campos?
Foi um fazendeiro, um homem de posses, era carioca, estabeleceu-se em Piracicaba, casou-se por duas vezes, construiu esse palacete que é uma bela obra arquitetônica, com o apoio da diretoria procedemos ao tombamento do imóvel justamente para preservá-lo, para que não corresse o risco futuro de vir abaixo, como já houvera intenção nesse sentido, só não foi por intervenção nossa. Foi alegado que o espaço após a demolição seria útil para outro tipo de construção. Como lamentavelmente ocorreu com a casa do Barão de Rezende, antiga prefeitura, veio abaixo a troco de nada. Hoje o que existe naquele local? Um estacionamento ridículo, que fica ao lado da Câmara Municipal e atrás da Igreja Matriz de São Benedito. Colocou-se abaixo uma obra digna de ser tombada não só pelo patrimônio histórico de Piracicaba, mas do Estado de São Paulo.
Como artista plástico, quantos quadros o senhor já pintou?
Essa é outra faceta minha. Devo ter duas centenas!
As suas obras têm um tema central?
Sempre fui passarinheiro. Acho que todo vilarezendino por influência herdada dos próprios índios paiaguás tem gosto pela natureza. Os animais silvestres são a grande riqueza nacional. Todo piracicabano, e em especial o vilarezendino tem paixão pelo papa-capim. Para minha surpresa, um vereador, que não sei se é piracicabano, tomou a iniciativa de formalizar por lei municipal, elegendo a ave símbolo de Piracicaba o curió.
A derrubada de matas para dar lugar aos canaviais, e o uso indiscriminado de herbicida e inseticida, pôs fim a maioria dos animais silvestres.
Qual é a árvore símbolo de Piracicaba?
A árvore símbolo de Piracicaba chama-se Tamboril (N.J. Enterolobium contortisiliquum. Nome Popular: Tamboril, timburi, timbaúva, tambori, timbíba, timbaúba, timboúva, timbó, tambaré, ximbó, tamburé, tamboi, tambor, tamburil, tamburiúva, tambuvé, tambuvi, timbaíba, timbaúva, timbori, timboril, timboúba, timbuíba, timburil, timbuva). Madeira de lei, frondosa, historicamente foi umas das responsáveis pela fixação do povoamento de Piracicaba, porque essa madeira presta-se para a construção de barcos. Os próprios indígenas faziam suas embarcações dessa madeira. È uma árvore frondosa, imprópria para calçadas, mas ideal para praças públicas. A Dra. Waldiza Capranico, é ambientalista, nossa associada, proporcionou nosso primeiro contado com o Sedema, através do Dr. Rogério, presidente do Sedema e a bióloga do Sedema Dra. Gisele, e já em janeiro será iniciada uma campanha de plantio do tamboril, as mudas já estão reservadas.
Sob a presidência do senhor, o IHGP instituiu uma série de palestras pré-determinadas?
Eu e meus companheiros! Fiz questão de ao postular pela segunda vez a presidência do instituto que nós constituíssemos uma diretoria bastante aberta ao diálogo e transparente, para imprimir ao instituto uma idéia de atividade em grupo, desenvolvida coletivamente. Sem a individualidade de impor na condição de ser o presidente.
Embora tome dianteira a decisão do senhor nunca é a única?
Ao assumir a presidência a diretoria constituída passou a ser convocada em reunião permanente, os oitos diretores devem atuar determinar e deliberar as providencias a serem tomadas pelo IHGP.
Porque cultura tem dificuldades em obter recursos?
O primeiro aspecto é que não dá votos ao político! O nosso país está dirigido por grupos que não condiz com o anseio popular, anseio do brasileiro em si. Todos os escândalos que hoje se vê na política nacional, esta vergonha chamada Congresso Nacional, que incorpora o Senado e a Câmara dos Deputados Federais, a base da legislatura brasileira, passa por um período crítico da sua história. Nunca foi tão crítico como hoje! A corrupção que se ouvia antigamente eram migalhas, perto do que vemos hoje, em termos de valores, de efeito social, de mortalidade. Da desgraça da humanidade sai a riqueza de uma minoria. As grandes potências mundiais não estão preocupadas em erradicar os males que acometem o mundo. Grande parte de seus governos são corrompidos. As guerras no mundo não ocorrem por acaso.
Onde entra a cultura nessa história?
Á medida que o povo evolui culturalmente, á medida que se têm melhores escolhas melhores índices educacionais, profundidade na qualidade de ensino, incorpora-se tudo na cultura. Há interesse de quem prima pelas pequenas coisas que ocorrem no dia a dia, há interesse dos cidadãos responsáveis, conscientes, para quem deseja um mundo melhor.
Um psiquiatra da USP afirmou recentemente que o consumismo está empurrando os jovens em uma direção desenfreada enquanto um conhecido economista defendeu o consumo como maquina geradora do progresso. Qual é a visão do senhor?
Formei-me em Economia em 1967, na primeira turma da ECA, por oito anos fui professor de Introdução á Economia e Macroeconomia. Do ponto de vista econômico o consumismo é uma forte alavanca para o desenvolvimento econômico do país. Através do consumo movimenta-se a riqueza. O consumo não exagerado pode trazer benefícios á todos. A crise de 1929 foi saneada pelo Presidente Roosevelt da mesma forma que hoje é feito no Brasil: a distribuição de subsídios á população. Nada se cria tudo se copia.
CICLO DE PALESTRAS:
Hoje, sábado, 31 de outubro, palestra do médico oncologista DR. Rodrigo Ribas Dias Reis tendo como tema: “A Importância do Brasil nas Grandes Navegações do Século XV”.
Local: IHGP á Rua do Rosário, 781
Horário: 9:00 horas da manhã. Entrada Franca.
Dia 28 de Novembro, palestra de Jean-Claude Relegieux tendo como tema: “Engenho Central e Presença Francesa na Região de Piracicaba”
Local: Museu Pedagógico Prudente de Moraes, Rua Santo Antonio, 641
Horário: 9:00 horas da manhã. Entrada Franca.

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