Encarnacion Marins Sturion

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com

Sábado, 28 de março de 2009

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADA: Encarnacion Marins Sturion

Ela é uma das pessoas mais conhecidas e estimadas da comunidade Piracicabana. Dona Encarnação e Seu Toninho durante décadas foram proprietários de uma banca no Mercado Municipal de Piracicaba. A especialidade deles eram os famosos pastéis, folhados, salgados, sempre acompanhados de uma caçulinha, um café com leite ou um pingado. Piracicaba evoluiu, o mercado sofreu reformas em suas estruturas, mas as lembranças permanecem límpidas na memória dessa senhora que até hoje é extremamente dinâmica. Nascida em 24 de setembro de 1926, Dona Encarnação parece ainda estar no mesmo ritmo que sempre levou, de muito trabalho e disposição para viver.

Dona Encarnacion, o seu nome tem uma origem peculiar?

Encarnacion era o nome de uma moça que foi namorada do meu pai João Miguel Marins quando ele ainda morava na Espanha. Minha mãe era Henriqueta Sanches Frias. Foi muito amiga da Dona Rosa Canaan Nassif. Passavam muitas tardes juntas, conversando, lanchavam juntas. Lembro-me de Dona Rosa, que ficava sentada no estabelecimento comercial onde hoje funciona uma lotérica, na esquina das Ruas do Rosário e Avenida Dr. Edgar Conceição. Uma imagem que permaneceu na minha lembrança eram os braceletes de ouro que ela usava! A nossa casa ficava onde hoje é o Banco do Brasil da Paulista. Dessa casa saíram cinco noivas! Eu fui uma delas. Onde hoje é o Banco Itaú havia uma casa de propriedade do meu pai e que era alugada. A nossa casa tinha as portas de duas folhas, colocava-se uma cadeira segurando as duas folhas. A distração da minha mãe era conversar com a Dona Rosa e com uma outra comadre. A casa permanecia o dia todo com apenas a cadeira segurando a porta! Não era comum usar chave, cadeado nem pensar.

O pai da senhora, João Miguel Marins trabalhava em que atividade?

Ele tinha sítio no Marins. Lá se chama Bairro do Marins por causa do meu pai, do meu avô. Meu pai veio da Espanha com 17 anos de idade e minha mãe com 9 anos. Eles tiveram os filhos: Isabel, Augusta, Maria, Encarnacion, Inês, José, Adelaide. Quando papai deixou de trabalhar exclusivamente no sítio, ele ia ao Mercado Municipal, comprava produtos de excelente qualidade, juntamente com banana, feijão que vinha do nosso sítio, e vendia para as donas de casa da Rua Governador. Naquele tempo as donas de casa não tinham o habito que nós temos hoje de ir ao supermercado. Nem havia supermercado. Aqui na Paulista não tinha quase casa. Não havia calçada, eram armazéns com uns poucos sacos de cereais a granel. As compras eram marcadas em cadernetas, á lápis. Ninguém “tungava” ninguém naquele tempo.

A Avenida Madre Maria Teodora era terra nua?

Na época era conhecida como Morro do Enxofre. Quando saímos de noiva tinha uma valeta tão grande na frente da casa do meu pai, isso em decorrência das águas de chuvas, as crianças brincavam naquela água e muitas acabarem afogando-se, indo parar no bueiro lá no fim da hoje Avenida Madre Maria Teodora.

Naquela época era hábito o namoro terminar ás 10 horas da noite?

Imagine! Ás nove horas da noite minha mãe já falava: “-Menina, amanhã você tem que levantar cedo!”.

O namorado que veio depois a ser o marido da senhora chamava-se como?

Era Antonio Sturion. No período em que namoramos, ele tinha a profissão de alfaiate. Era de família com origem em Saltinho, mas já estavam todos morando em Piracicaba, em frente á Santa Casa, onde hoje há um edifício com consultórios médicos. O Antonio, e seus irmãos José e Nozor Sturion eram alfaiates. Naquela época usava-se muito terno e ninguém comprava pronto. O meu sogro, Martinho Sturion era guarda no Mercado Municipal. A minha sogra chamava-se Angelina Ramelli Brancalion.

A senhora casou-se quando?

Casei-me no dia 28 de julho de 1946 na Igreja São Benedito. O Antonio pertencia á Paróquia da Catedral, naquela época ela estava em reforma. Então o casamento era feito na Igreja São Benedito. Os móveis do meu casamento foram feitos pelo Seu Luiz Nardin. A festa do meu casamento foi feita na casa do meu pai. Lembro-me que as cocadas eram fornecidas pelo Martini. A minha cunhada, Mirtes Sturion, irmã do meu marido, trabalhava na casa do Dr. Nelson Meirelles e Dona Livica. Ela os convidou para virem no meu casamento. O casamento foi realizado ás 2 horas da tarde. Teve o bolo, foi em um período em que o trigo estava racionado. Quem fez o meu bolo foi Dona Alzira Adamoli, há 60 anos só ela que fazia bolo de casamento. Quando Dona Livica e Dr. Nelson chegaram á festa do meu casamento quase morri de vergonha, tinha praticamente acabado tudo! Alguém foi até o local mais próximo buscar refrigerante, que naquele tempo era servido á temperatura ambiente! Não havia geladeira onde foram buscar.

Como surgiu o negócio de pastelaria no mercado?

O meu sogro pelo fato de já estar trabalhando no mercado acabou comprando um negócio voltado a servir café, pastel, lanches. Comprou um box para cada filho, eram em três irmãos. O Mansur era um comerciante que tinha loja no mercado, e que mais tarde veio a ser a Arca de Noé, já na Rua Governador Pedro de Toledo. Ele era solteirão, depois se casou com uma moça que veio da sua terra de origem. Chamava-se Sonia. A nossa banca vendia pastel, folhado, bolo de fubá, bolo de trigo, sanduíche. Abria ás seis horas da manhã e fechava ás seis horas da tarde. Ficava o dia inteiro fora de casa. Eu vinha á pé, correndo para amamentar o meu filho quando ele era ainda pequeno. E voltava a pé. Nesse tempo eu era feliz e não sabia. O nosso pastel era “puxado” na mão. Meu marido fazia um pastel que era uma delícia. Até hoje encontro pessoas que dizem sentir saudades do nosso pastel, do folhado que fazíamos. Até hoje ainda faço para a minha neta! Naquela época fazíamos pastel de queijo, carne, bacalhau, geralmente acompanhado de uma caçulinha, uma cerejinha, pingado ou uma média. Era uma delícia.

A senhora morava bem em frente onde hoje é a Praça Takaki, como era na época esse espaço?

Minha mãe criava cabra onde hoje é a Praça Takaki. Os cabritinhos quando estavam em uma idade de serem comercializados minha mãe vendia. As cabras a minha mãe amarrava no local onde hoje é a Praça Takaki. Á noite, antes de nós dormirmos, minha mãe fervia aquelas paneladas de leite e tomávamos, nós disputávamos a nata do leite! Minha mãe fazia até manteiga. Quase em frente á nossa casa morava o único motorista de táxi da Paulista, o Zaíco Martins. Era uma pessoa muito prestativa. Foi dele que meu marido e eu compramos o lote onde mais tarde construímos a nossa casa. O lote já tinha até poço d água, naquela época não havia água encanada na Paulista. Pagamos em prestações. Um freguês nosso, de nome Antonio, trabalhava no mercado e nas horas vagas construía casas. Ele que construiu nossa casa. Eu me comunicava com meu pai e com a minha mãe por cima da cerca! Papai cultivava uma horta no terreno da sua casa. Ele tinha um amigo chamado Manoel Castilho, casado com Dona Lili, ele é pai da Ivone, Hélio, Verônica. A Ivone era muita amiga da minha irmã Adelaide. A Ivone deve ter sido a moça mais bonita da Paulista.

Acima da Praça Takaki era uma área descampada?

Havia cana de açúcar plantada e um enorme descampado. Tinha plantação de algodão. Onde hoje é a Rua Sud Mennucci havia uma santa cruz. Nós tínhamos medo de passar lá. Próximo onde hoje é a Peixaria Lagostim havia alguns pés de manga. O senhor que cuidava da área chamava-se Ló, quando crianças nós íamos apanhar mangas, sem o conhecimento dele. Ele era um homem bravo, mas nós dávamos um jeito de apanhar as mangas.

Das construções existentes na época há um sobrado, que foi construído em 1934, a senhora chegou a freqüentá-lo?

Eu ia lá para arrumar o cabelo da minha amiga que morava lá, a Isabel. Eu tinha vergonha de ir lá, achava tão chique a casa da Isabel, ela me convidava para ir lá para enrolar o cabelo dela. Só tinha esse sobrado, era famoso, o lugar mais chique do bairro. Conheci um irmão dela, o Geraldo, que faleceu muito novo. Era um moço lindo. Eu comecei a trabalhar muito nova. Trabalhei na casa do gerente da Empresa Elétrica, o Seu Carlos Sachs. A sua esposa era a Dona Josefina, mãe do Dr. Japur. Depois fui trabalhar na Fábrica de Tecido Boyes, voltava para casa, comia alguma coisa, colocava um chapéu de palha na cabeça e ia apanhar algodão, onde hoje existe o Posto de Gasolina Jóia. Era plantação da família Conceição. O dinheiro que eu recebia da Boyes entregava para a minha mãe. O pouco dinheiro que conseguia ganhar apanhando algodão era para comprar tecidos para fazer minhas roupas. Naquela época era tudo feito em casa. Para comprar alguma coisa pronta era quase impossível. Eu tinha uma amiga que trabalhava na fábrica, só que ela usava o dinheiro que ganhava para mandar fazer vestidos lindos. Na época a Generosa era uma das melhores costureiras da cidade, ela morava na Rua São Francisco de Assis. Só os mais abastados é que mandavam fazer roupas lá. As nossas roupas eram feitas pela minha irmã mais velha que tinha sido aluna da Dona Alice Caprecci Soares, professora de corte e costura.

A senhora guarda muitas lembranças do Mercado Municipal?

A nossa banca ficava na primeira porta no sentido de quem vem pela Rua Governador no sentido centro para o bairro. Entrando, do lado esquerdo existe uma banca que têm uma grande variedade de itens para lanches, do lado direito tem um café. Seguindo, o nosso café ficava em frente ao açougue do Ubices. Hoje restou muito pouca gente da minha época. Naquele tempo a Aparecida Correia vendia flores. A Dona Therezinha que também vendia flores. O Henrique Usberti que tem o açougue. A Maria Portuguesa que vendia verduras, a mãe dela veio de Portugal e logo foi trabalhar no mercado. O José Bernardino está lá até agora. Vendi o meu café há 26 anos, quem comprou está lá até hoje. O Mori tinha uma peixaria. O Garcia tinha uma peixaria bem pegadinho com nós. Ainda está lá o Irineu Lopes, com armazém. Cada vez que vou ao centro vou ao mercado. Eu adoro lá. Éramos muito unidos. O Valdir Pachani tem banca lá. Os filhos do Spironelo permanecem. Existe a Banca do Laurinho. O Antonio Bracalion que é meu primo e compadre. O Caetano tem dois filhos, cada um trabalhando em uma banca.

A senhora entre inúmeros clientes teve alguns nomes importantes?

O Seu João Dutra, Arquimedes Dutra, eram todos nossos amigos. Iam tomar café lá. Minha nora Gilma Lucasechi Sturion chegou a executar pinturas sob orientação deles. O Seu João Dutra, que era mais velho do que o Arquimedes, ia tomar café com o meu marido Ele dizia: “-Sturion, vamos pescar na Rua do Porto?”. Meu marido sempre gostou de pescar.

A senhora também pescava?

Pescava com uma varinha!

A senhora chegou a ir a um estádio de futebol?

Eu ia. Sou Quinzista e Palmeirense! Hoje não vou mais por falta de condução. O meu marido jogava no MAF e no Jaraguá Futebol Clube. O campo ficava onde hoje está o Bazar do Bebê e aquele conjunto de lojas, na Paulista.

Em frente á Estação da Paulista existia uma sorveteria famosa?

No sobrado que fica na Rua Boa Morte, em frente á entrada principal da Estação da Paulista, existia a sorveteria do Seu Augusto. Ali os moços vinham namorar as meninas que moravam acima da linha da estação do trem. Era uma beleza. A concentração era lá. O seu Augusto fazia um sorvete de coco delicioso. Ela dava quatrocentão, o sorvete custava duzentos réis.

Como era a história do sinal que tocava ás 8 horas no mercado?

Lá pelas 8 horas da manhã batia um sinal, quem estava com alface, abobrinha, em cima da banca, colocava em uma cesta e ia vender na rua. A banca ficava desocupada. Só permaneciam os açougueiros, pastelarias. Onde hoje está o Brancalion era tudo descoberto, eram bancas de granito, grandes, existiam as de madeira também.

Hoje qual é sua distração?

Leio muito jornal, acompanho tudo pela televisão.

Comparando a época anterior com os dias de hoje qual é a opinião da senhora?

Eu acho que tudo está melhor.

A senhora gosta de música?

Muito! Meu marido tocava muito bem violão.

A senhora escutava rádio?

Em casa tinha um radinho, do tipo existente antigamente. Minha mãe não perdia um capítulo da novela “O Direito de Nascer” transmitido pelo rádio. Meu pai gostava de ouvir um missionário falar sobre religião.

A senhora lembra-se de ter ido a algum comício na Paulista?

Eu ia a todos. Do Guidotti. Do Salgot. Eles faziam comício e carreata, era com carrinho de tração animal, não havia quase carros. Ali no barracão que existe até hoje na Rua do Rosário, 2561 era o local onde havia reuniões de igreja, uma conferencia como agora tem na igreja São José. Que eu me lembre não havia outro lugar para nos reunirmos. Às vezes vinham missionários.



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