Otilia das Graças de Castro Graciani e Armando Graciani

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
A Tribuna Piracicabana
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Entrevista: Publicada no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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Entrevistados: Otilia das Graças de Castro Graciani e Armando Graciani.
Muitos habitantes de Piracicaba ainda guardam a nítida imagem de um período bastante recente, em que parecia que todos se conheciam. Era muito comum ficar um pouco embaraçado para dizer o nome de determinada pessoa de nossa convivência, nós a conhecíamos apenas pelo apelido. Há uns trinta e poucos anos quem morava em algum dos poucos edifícios da cidade, quando necessitava dizer á alguém onde morava, bastava dizer: “- Moro no prédio tal.”. Até mesmo alguns prédios tinham além do nome oficial um apelido consagrado pelo povo. Talvez um dos apelidos mais famosos na cidade era de uma edificação conhecida como “Gaiola de Ouro”. Pelo luxo do prédio, onde só moravam pessoas de posse e também porque os habitantes da cidade, acostumados com a liberdade das casas com quintais imensos, tinham resistência em morar em um local menor, na visão de alguns vistos como uma gaiola. A mão de obra disponível para os serviços domésticos era abundante e eficiente. O tempo passou, e em razão de novas variáveis Piracicaba tornou-se um autentico “paliteiro” quando vista do alto. Hoje temos um grande número de edifícios. O crescimento urbano, a grande velocidade das informações, a enorme oferta de bens de consumo, a facilidade de deslocamento para qualquer parte do país, fizeram com que certas características próprias de cada cidade aos poucos fossem sendo esquecidas. Os carteiros eram pessoas muito queridas pela comunidade. Muitas vezes traziam correspondências aguardadas com ansiedade. Entregavam revistas, periódicos. Encomendas, algumas até volumosas.
Uma época em que não existia e-mail, e sim telegramas. Hoje trazemos as lembranças de um casal que enriquece a nossa memória recente. Otilia das Graças de Castro Graciani nasceu em um de setembro de 1951 e Armando Graciani é nascido em 21 de agosto de 1947.
Otilia, como se chamavam os seus pais?
Meu pai chamava-se Júlio de Castro, conhecido como “Júlio Carteiro”, e minha mãe Matilde Braga de Castro. Tiveram onze filhos. O mais velho era o famoso locutor, apresentador e cantor Julio Galvão de Castro, mais conhecido como Júlio Galvão. Em seguida nasceu a Romilda, a Heloisa, a Branquinha, que faleceu muito novinha. Em seguida nasceu outro filho, o José Sebastião de Castro, muito conhecido como Braga, que hoje já não reside em Piracicaba. Nasceram outros filhos: a Branca Therezinha, em seguida eu nasci, depois vieram a Fátima, a Lídia, Matilde e o Antonio.
Seu pai, o Seu Júlio Carteiro, começou a trabalhar no correio com quantos anos de idade?
Aos vinte e poucos anos de idade. Foi logo depois que ele casou-se. Minha mãe morava em Brotas, conheceram-se lá mesmo, Torrinha e Brotas são cidades próximas. Meu avô Joaquim de Castro e minha avó Branca Florin de Castro residiam em Torrinha onde trabalhavam na lavoura. Meu pai arrumou serviço no correio lá em Torrinha. Ele foi transferido para o correio de Piracicaba, que na época funcionava na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Treze de Maio, onde hoje existe a Pizza do Bira. Ele permaneceu trabalhando no correio por quase quarenta anos. Na época os carteiros usavam uma farda cáqui, um quepe parecido com os usados pelos oficiais de forças militares.
Ele usava algum tipo de veículo para entregar as cartas?
Eram entregues a pé mesmo. Existia o Seu Galucci, outro carteiro, que utilizava uma bicicleta para a entrega da correspondência. Papai entregava correspondência na área central da cidade. Até hoje muitas pessoas lembram-se dele com carinho. Algumas pessoas até hoje perguntam se sou filha do Seu Júlio. Meu pai além de fazer a distribuição de correspondências, publicações, pacotes, enviados pelo correio, passou a trabalhar na entrega dos jornais Diário de São Paulo e Folha de São Paulo. O distribuidor era o senhor Acary Mendes Junior. Meu pai levantava por volta das três horas da manhã e até quase ás oito horas ele entregava os jornais. Vinha para casa, trocava-se e ia trabalhar no correio, onde permanecia até quatro ou cinco horas da tarde.
Qual foi o primeiro local de residência dos seus pais em Piracicaba?
Foi na Rua Moraes Barros, quase esquina com a Rua do Porto. Além da nossa casa havia o bar que era cuidado pela família. Chamava-se Bar do Seu Joaquim, meu avô. Foi lá na Rua do Porto que eu nasci. Depois mudamos para a Rua Tiradentes, onde mantivemos o bar com o mesmo nome. Em seguida fomos morar em frente á Igreja Bom Jesus, e meu avô e a minha avó continuando a tomar conta do bar. Depois voltamos para a Rua Tiradentes, em seguida mudamos para a Rua Benjamin Constant, onde havia o Cine Colonial, entre as Ruas Treze de Maio e Prudente de Moraes. Em seguida mudamos para a Rua José Pinto de Almeida, em frente ao Grupo Escolar Prudente de Moraes. Meu avô então comprou a casa da Rua do Rosário, 2375, em frente ao Seu Crócomo, da loja “Caldeirão de Ouro”. Ao lado morava uma senhora de origem italiana, Dona Lucrecia, que tinha um fusca azul.
Otília, você realizou seus estudos onde?
Estudei no Grupo Moraes Barros, no Grupo Escolar Prudente de Moraes e já morando na Paulista passei a estudar na unidade do SESI que estava instalada no Colégio Assunção. Depois de casada fiz o Curso Técnico de Cabeleireiros, a escola ficava na Rua XV de Novembro a diretora era a Malu.
Armando, você nasceu em que bairro?
Nasci na Vila Rezende, na Rua Lourenço Ducatti. Sou filho de Guerino Graciani e Ida Fuzatto Graciani. Meu pai teve bar por muitos anos, próximo ao jardim em frente á Igreja Imaculada Conceição. Ficava quase encostado ao muro do Atlético. Era o famoso Bar do Tanaka, isso porque o apelido do meu pai era Tanaka. Não deve ser confundido com o outro Bar do Tanaka que ficava aqui no centro e pertencia a um senhor de origem oriental. Estudei no Grupo Escolar José Romão.
Em que cidade você prestou o serviço militar?
Fui escolhido para servir em Brasília, isso foi de junho de 1966 a junho de 1967. Veio um ônibus fretado que nos levou até Brasília. O próprio Exército que providenciou.
O que você achou de Brasília quando chegou lá?
Achei uma cidade muito bonita. Bem organizada. Na época eu servi na PE, Polícia do Exército. Tínhamos que servir como exemplo aos outros soldados. A farda tinha que estar impecável, com a calça vincada. Usávamos como arma fuzil e metralhadora. O meio de locomoção mais comum que utilizei foi o famoso Jeep militar. Foi uma época danada. Fazíamos a guarda dos ministérios, Palácio do Planalto. Havia o BGP, Batalhão da Guarda Presidencial, que fazia a guarda do palácio presidencial. O forte da PE era o policiamento. Na época o local mais freqüentado de Brasília era a Avenida W-3, era onde as pessoas circulavam, freqüentavam bares, restaurantes. Ali nós fazíamos a ronda. Se pegássemos um soldado alterado, com uniforme desalinhado, sem compostura, ele era convidado a nos acompanhar até o local onde permanecia detido em conseqüência da falta de disciplina cometida.
Otília, você tem um irmão que foi muito famoso em Piracicaba?
Tenho. O Júlio Galvão. Ele trabalhava no telegrafo do correio, quando o correio funcionava ainda na Rua Alferes. Ele foi locutor de rádio, tendo trabalhado nas rádios de Piracicaba. Ainda bem jovem, ele e dois amigos, formavam o Trio Itujuval. Era formado pelo Julio, pelo Toninho Bicanca, e pelo Valter. Chegaram a gravar um disco. Infelizmente o trio acabou com o falecimento precoce do Toninho em um acidente de automóvel. O Julio continuou a trabalhar na rádio transmitindo jogos, trabalhando no correio, aonde chegou a ocupar o cargo de Chefe do Correio. Aposentou-se. Ele foi acometido de complicações em decorrência de diabetes e veio a falecer.
Seu pai ficava ouvindo o filho transmitindo os jogos de futebol?
Ouvia sim. Quando ele chegava à nossa casa, meu pai comentava: “Hoje estava muito bom.” Meu pai era Sãopaulino roxo e o Júlio era Palmeirense roxo. Dava uma “briga” boa. Eles só combinavam quando o XV jogava. Os dois torciam pelo XV.
Otília você chegou a usar o bonde como meio de transporte?
Puxa! Quanto andei de bonde. Ia trabalhar de bonde. Meu marido, na época em que namorávamos, vinha da Vila Rezende até a Paulista, de bonde.
Otília você trabalhou em uma padaria?
Trabalhei na Padaria Jacareí. Isso foi em 1964 a 1965. Trabalhei atendendo aos clientes no balcão. Entrava ás seis horas da manhã, saia em torno de meio dia, voltava ás seis horas da tarde e saía ás nove horas da noite. Trabalhei lá uns dois anos. O proprietário era o Seu Lázaro Sanches, a esposa dele era a Dona Joana. Eles tinham duas filhas, a Dona Therezinha casada com Seu Osvado, e a Dona Josefina casada com o Seu Adão.
Havia a entrega de pães naquela época?
Havia os padeiros que faziam a entrega dos pães. Naquela época eram entregues com carrinho puxado por cavalo. A carroceria do carrinho era fechada. Lembro-me nitidamente de um senhor que entregava pão. Ele tinha os cabelos brancos, usava bigode, tinha um carrinho vermelho e puxado por um cavalo branco.
O pão que eles mais vendiam quais eram?
Era a bengala, filão, pão-doce. Eleis iam buscar os pães na madrugada. Depois do almoço voltavam para pegar pães novamente. Saiam vendendo pelas ruas, sítios próximos.
Na Rua Alferes José Caetano havia a Padaria São João?
Tinha sim. Era do pai da Sueli Rossi, o Seu João Rossi. Ela era uma grande amiga minha. Nunca mais tive notícias dela.
Mais acima havia a família Cerignhoni?
Moravam na esquina da Avenida Dr. Paulo de Moraes com Rua Alferes José Caetano, onde hoje é o Pasteletto. Em frente havia um armazém do Seu Roque Signoretti. Na Esquina da Rua do Rosário com a Avenida Dr. Paulo de Moraes havia o Posto Cantagalo, que incluía também um restaurante. Foi arrendado pelo seu proprietário para uma família do sul. O gerente do posto era o jovem José Inácio Mugão Sleimann, que depois participou ativamente da política piracicabana.
Da padaria Jacareí você foi trabalhar onde?
Na Casa Espéria. Ficava na Rua Governador Pedro de Toledo entre as Ruas XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana. O dono era o Seu José. Trabalhei lá por seis anos. Saí quando me casei. Era uma loja especializada em roupas para nenê, e armarinhos. Meu irmão Braga já trabalhava lá como vendedor quando fui contratada. Minha irmã Fátima também trabalhava lá. Havia freguês de todo tipo, Naquele tempo não era comum pagar em cheque, cartão de crédito nem existia. Era tudo pago no dinheiro. Era muito freqüentada por mulheres grávidas que iam comprar roupinha de nenê. Eu entrava no serviço ás oito horas da manhã e saía ás seis horas da tarde. Parava para almoçar as onze horas e voltava ao meio dia e meia. Vinha almoçar em casa todo dia. Naquele tempo nem se falava em marmitex.
Em que ano vocês casaram-se?
Casamos na Igreja Sagrado Coração de Jesus, a Igreja dos Frades, em 17 de junho de 1972.
Armando, nessa época você trabalhava em que profissão?
Trabalhava como soldador na empresa de Antonio Velo. Era uma empresa de montagem de destilaria de álcool e usina de açúcar. Temos um casal de filhos a Amanda e o Juliano. Já temos duas netas.
Otilia você chegou a viajar de trem?
Viajei sim. Quando meu pai entrava de férias pelo correio, nós íamos visitar a minha avó materna que morava em Brotas. Íamos de ônibus até Rio Claro e lá tomávamos o trem para Brotas. Quando meu pai tinha algum assunto para resolver em São Paulo ele tomava o trem ali na Estação da Paulista. Nós íamos despedirmo-nos dele na plataforma.
Seu pai ganhava presentes de pessoas satisfeitas com o trabalho dele?
Ganhava. Vinho, panetone, doce, dinheiro.
O seu irmão Braga foi proprietário de Dauphine?
Tinha. Naquela época carro era artigo de luxo.
Dos programas de televisão da época você lembra-se de alguns que a família assistia?
Assistíamos ao programa do Silvio Santos, novelas como Redenção, Pupilas do Senhor Reitor, O Direito de Nascer. Programas da época como Família Trapo, Luta Livre, Chacrinha, Zorro, Roy Rogers.
Naquele tempo as 10 horas da noite o namorado tinha que deixar a namorada em casa?
Nove horas da noite já tinha que ir para casa. E quando saia com o namorado tinha que levar uma irmã ou um irmão junto. Era a famosa “vela”. Dizia-se que o acompanhante “carregava vela”. Havia mais romantismo.
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