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A Tribuna Piracicabana
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Entrevista: Publicada no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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Entrevistada: Jussara Maria Siqueira Sansígolo


Jussara conquistou Piracicaba. Piracicaba conquistou Jussara. Jussara dança a vida, para ela dançar é viver. Quase um ritual sagrado. Vivifica a música. A vibração musical desperta nela uma alegria quase ingênua, porém de uma força extraordinária. Pode-se dizer que Jussara explode quando dança. Essa característica foi reconhecida desde os seus três anos de idade. Seu magnetismo pessoal, sua paixão pela dança, transformaram-na, até de forma precoce, em uma personalidade de Piracicaba. Por inúmeras vezes teve convites e oportunidades para integrar a seleta classe de artistas reconhecidos por sua atuação no eixo Rio-São Paulo, o sonho de muitos que aspiram ao estrelato nacional. O que mais fascina em Jussara é sua firmeza de caráter. Sempre soube definir muito bem suas metas e objetivos, algumas vezes até por intuição. Renegou a fama para continuar fazendo o que sempre gostou de fazer: dançar. Sem submeter-se a encilhamentos culturais. Pode-se dizer que se seu espírito para dança é indomável, sua autodisciplina é irretocável. A sua sólida formação moral, adquirida a partir do seu próprio berço, faz de Jussara uma das grandes figuras femininas da nossa época. Jussara nasceu em Piracicaba em 14 de dezembro de 1955, filha da professora Maria Angélica Fernandes Siqueira e do professor Juciê Roberto Siqueira.
A sua vida escolar iniciou-se onde?
Fiz o curso primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. De lá fui para o Colégio Assunção, em seguida para o Colégio Estadual Dr. Jorge Coury. Em seguida fui fazer o curso de Letras na Unimep.
Com quantos anos você começou a estudar ballet?
Minha mãe colocou-me no curso de ballet quando eu tinha três anos de idade. Existem aulas específicas para crianças com essa idade! Eu me apaixonei pela dança e nunca mais parei, até hoje. A primeira escola em que estudei ballet funcionava na Escola de Música Dr. Ernest Mahle, a minha primeira professora de ballet foi Íris Ast. Depois tive Silvia Hage como professora, ela dava aulas na Societá Italiana di Mutuo Soccorso. Eram professoras de ballet clássico. Depois disso, o ballet em Piracicaba ficou um período estagnado. Não havia professoras dando aulas. Minha mãe dirigindo o seu automóvel passou a me levar para Campinas, na Escola Lina Penteado, íamos uma a duas vezes por semana. Nesse período o Lions Independência passoua trazer de novo o ballet para Piracicaba. Passei a fazer ballet no Lions Independência, que por coincidência tinha um docente da Lina Penteado, que foi meu professor. Foi a primeira escola com grande número de alunos, havia 1.500 estudantes de ballet!
Existe um vinculo entre o ballet de Piracicaba e o de Londres?
Estudei sempre o curso da Royal Academy of London. É um curso em inglês, vem uma pessoa da Inglaterra para realizar os exames. O certificado tem validade internacional. Este ano tenho nove alunos recebendo certificado de Londres, eles fizeram o exame em setembro.
Além do ballet clássico existem outras derivações de danças?
Muitas! O Baby Class para crianças de 3 a 5 anos de idade, o Pré Primary de 5 a 6 anos de idade, o Clássico, o Jazz, Contemporâneo, Flamenco, Dança Espanhola, Dança do Ventre, Dança de Salão, Sapateado, Street Dance. O balett clássico tem suavidade, o flamenco é forte, a dança do ventre é sensual, cada dança tem uma linguagem. O corpo responde á modalidade de dança que está realizando.
Qual é o significado do ballet para você?
Ballet é a minha vida! (risos). Vivi a vida intera com danças, me apresentando em teatros, acho que ballet é primordial para todo mundo, independente da profissão que vá seguir. O ballet, em qualquer das formas que se apresenta é um alicerce para a vida. Faz parte da formação, da disciplina, da postura. Percebem-se facilmente as crianças que fazem ballet daquelas que não fazem. O movimento em si é muito importante para extravasar. Eles passam a serem melhores alunos em outras atividades escolares, fazem uma redação melhor, se expressam melhor.
Há uma grande procura de clinicas psicológicas, psiquiátricas, independente da faixa etária. Se forem dados maiores incentivos para escolas de dança pode haver uma redução nessa busca? (N.J. Após uma pausa, Jussara respira profundamente e responde).
A dança é terapia. Tanto que existe dança terapia. Eu não sou psicóloga. Meu irmão é médico psiquiatra, e em sua clinica conta com uma equipe de quatro psicólogas. Tive a oportunidade de colaborar em um trabalho de dança terapia que foi realizado na clínica. Foi um sucesso! Só não levei adiante esse projeto por absoluta falta de tempo. É um trabalho maravilhoso. As crianças são muito criativas em sala de aula. Possuem leveza. Elas levam isso para casa! É um mundo muito colorido, com muita dança. Além de evitarem possíveis terapias, algumas corrigem a postura corporal. Médicos pediatras e ortopedistas indicam a dança como forma de tratamento. Após quatro a seis meses o resultado é visível. Já tive casos de alunas com Síndrome de Down. Não há necessidade de nenhuma linguagem especial, basta a energia do amor. Elas entrosam sem ter receber algum trabalho diferenciado.
Você tem filhos?
Um casal. Meu filho é apaixonado, ele adora. Quando vê minhas alunas dançando, ou quando me via dançando, ele sempre manifestou muito entusiasmo pela dança. Hoje tenho as minhas obrigações dentro da minha academia, a coordenação e direção da escola, muitos alunos, muitas montagens de apresentações. O bailarino tem que estar dedicado por inteiro. Não tenho como me apresentar em um palco, pensando que determinada aluna precisando da minha atenção. Eu não estaria totalmente como bailarina. Eu não consigo atuar pela metade.
É sua característica pessoal tratar a todas as pessoas, inclusive seus alunos, professores, com a mesma deferência?
A minha escola, Ballet Jussara Sansígolo, tem essa receptividade. As alunas que possuem um padrão financeiro mais elevado sabem que na hora do espetáculo isso não influi em nada. Vou pela arte! Cada um vai buscando seu tempo, seu espaço. São tratados com profissionalismo. Quem entra na minha escola já sabe. Pobre ou não, todos são tratados de forma que se sintam muito bem aqui. Hoje tenho por volta de duas centenas de alunos, sendo que tenho alunas de 3 anos de idade e alunas com mais de seis décadas de vida.
Qual é a proporção entre alunas e alunos?
Existem bem mais mulheres. Existem rapazes freqüentando a escola. Tem um caso bastante interessante, trata-se de um garoto de 11 anos de idade, que os pais o trouxeram sorrindo, com muita alegria por poderem dar essa oportunidade ao filho. Os pais gostam de dança de salão, andaram fazendo dança de flamenco. O menino está realizado. No dia 16 e 17 de dezembro será o primeiro espetáculo em que irá dançar. Essa força grande que ele está recebendo da família é bastante rara. Normalmente eles chegam já na fase adulta, por saberem que gostam de dançar, não se preocupam com a opinião familiar a respeito.
Esse preconceito do homem dançar ballet é uma característica da sociedade latina?
Hoje já diminui muito. Antigamente era um pensamento mundial. A própria mídia define para o indivíduo, segregando o que deve ser exclusivamente feminino ou masculino. Já está diminuindo bastante, mas ainda existe, principalmente com relação ao ballet clássico. O bailarino de flamenco já não sente essa discriminação, é uma dança mais forte, mais determinada. O Street Dance hoje é coreografada, não tem nenhum tipo de discriminação.
A dança pode despertar romantismo entre uma aluna e um aluno?
Existe um bailarino, que hoje é flamenco, mas que já fez ballet clássico na minha escola. Na ocasião ele namorava. Na época eu tinha uma bailarina também clássica. Montei um Pas de Deux (Passo a dois), romântico. Ele não olhava para a bailarina como deveria fazer. Eu dizia: “Marcelo, olha para a Diane com mais vida!”. Ele acabou descobrindo que gostava da Diane. Terminou o namoro com a moça que estava namorando e passou a namorar a Diane! Após doze anos de namoro, ele está com 30 anos de idade e ela com 28, estão na minha escola até hoje e irão casar-se no começo de 2009. E com certeza serei a madrinha! Eu disse que eles deveriam casar-se no palco, esse amor começou na dança! (Risos).
A bailarina tem que estar vigilante quanto a sua alimentação?
Sim, embora eu não deixe em minha escola como uma determinação. Acho que a dança tem lugar para todos. Independente de ser mais cheinho. Para os que pretendem seguir carreira existem limitações. De um modo geral ao faço restrições na minha escola. Eu tento usar uma forma suave para passar a mensagem. Se eles tiverem comendo uma bolacha, pergunto se trouxeram alguma fruta. Percebo que as crianças passam a trazer de lanchinho pêra, maçã. Caso queiram comer bolacha deixo que comam. A dança traz todos os benefícios possíveis, mas se a pessoa não estiver com a cabeça centrada na dança e gostando, a pessoa continuará com seus problemas. A bailarina tem que ter um ideal, sentir-se por completa. Para que isso aconteça cada um tem seu tempo. Cada pessoa tem suas características próprias.
Quanto tempo dura um curso de ballet?
O ballet clássico é longo. Elas entram com 3 anos de idade, e algumas já estão comigo há 10, 12 anos. Algumas delas são minhas professoras. Eu mesma estudo até hoje. Não danço mais faço aulas, existe a reciclagem, os programas mudam. Os professores estão periodicamente participando de cursos. Tem que fazer para saber mostrar.
Você já sonhou que estava dançando?
Muito. Principalmente em véspera de espetáculo, já sonhei que estava dançando, sonhei até que estava caindo no palco! (risos)
Algumas bailarinas podem sofrer alguma queda durante a apresentação?
Isso é mais comum acontecer do que se pensa. Até bailarinas famosas já vi cair no palco do Teatro Municipal de São Paulo. Isso acontece. As bailarinas quando dançam nas pontas dos pés, elas estão usando uma sapatilha que tem um pouco de gesso na extremidade. Hoje já estão lançando novos modelos de sapatilhas. Esse tipo de apresentação pode estar sujeito ao menor desequilíbrio da bailarina.
È verdade que os pés de uma bailarina são de uma aparência um tanto quanto trágica?
Imagine! Nem tanto, só tem um pouco de calinho! (risos).
Qual é o uniforme da bailarina?
Usa-se meia calça, collant, algumas gostam de usar saia. Usa quem quiser. E a sapatilha, que pode ser de couro, lona, couro sintético, no caso de sapatilha para meia ponta. A da ponta é feita de cetim. A bailarina deve usar coque. O cabelo solto atrapalha ao fazer movimentos.
Quantos dias por semana uma aluna tem aulas?
Dois dias por semana com a duração de uma hora cada aula, isso para crianças. A partir de 11 anos de idade passa a ser uma hora e meia cada aula.
Uma pessoa que nunca praticou dança pode se matricular com qualquer idade?
Pode. O ballet não tem limitações. O que acontece é que o curso deve ser voltado para aquela idade. A pessoa não terá o mesmo programa que é dado para uma criança de 3 anos.
Você tem muitas alunas da terceira idade?
Não tenho. Mas trabalhar com crianças e com pessoas da terceira idade é uma das minhas paixões.
A mulher está mais sujeita a osteoporose, a dança contribui para que a perda de cálcio seja menor?
Contribui. A dança propicia o fortalecimento, isso não significa que a partir de certa idade a pessoa não irá necessitar a ingestão de medicamentos que reforcem o teor de cálcio em seu organismo. A atividade física fixa mais o cálcio. Acho que com a idade as bailarinas irão cair e quebrarem. Não irão quebrarem e cair! (muitos risos).
Você desfilou no carnaval de Piracicaba?
Saí por vários anos. Isso aconteceu nos anos 1974, 1975 a 1976. Eu estava na minha casa, era só dançava ballet clássico, meu tio Waldomiro Lopes, e convidou para participar do desfile. A princípio considerei a proposta fora de propósito, até que pela insistência dele eu concordei desde que eu dançasse do meu jeito, sem regras. A dança para mim vem de dentro. Fui até a concentração da escola, aquele som era muito gostoso. Comecei a dançar com um pouco de coreografia, jogava minhas mãos, meus cabelos.
Baixou o samba em você?
Jussara responde rindo muito: “É bem por aí!”. Aquela cuíca. Aquele som me emocionava. A única condição era de que eu saísse na frente da bateria, eu queria aquele som muito próximo. Gravei um pedaço do ritmo da escola e saí á procura de discos de escolas de samba do Rio de Janeiro. Comprei todos que encontrei. Pensei nos atributos que uma pessoa tem que ter para sair desfilando na rua. O visual, cabelo, corpo, cor e resistência. Ia até o Clube de Campo de Piracicaba, nadava, tomava o sol da manhã. As 10 horas eu vinha colocava o disco da escola de samba do Rio e ficava dançando até ao meio dia. Das duas horas até as cinco horas da tarde eu dançava de novo. Minha mãe e meu pai ficavam admirados! Isso foi dos meus 15 aos meus 18 anos de idade. Eu olhava na televisão e via as pessoas que desfilavam no Rio de Janeiro quase sem roupa. Pensava, eu quero ter uma roupa que tenha muito brilho, quero ter um anel com pedras que brilhem em meu dedo. Minha mão bordava a minha roupa cheia de pedraria. Eu usava sapatilha, na época o pessoal saía muito de salto alto. Quando desfilei foi uma sensação. Foi notícia em de primeira página em todos os jornais da cidade.
Você lembra-se do trajeto do carnaval?
Os primeiros desfiles desciam a Rua Governador, entrava na Rua Prudente de Moraes, passava em frente ao cinema Politeama e subia pela Rua Boa Morte. Só que na época não existia tempo determinado para que a escola desfilasse. A escola que estava na frente sacrificava a escola que vinha atrás. Permanecia o tempo que queria em frente a arquibancada do júri. Cheguei a passar as três horas da manhã em frente ao júri, sendo que tinha começado a sambar as 10 horas da noite! Olhe a resistência que era necessária!



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