PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

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Entrevistado: JOSÉ CARLOS MARTINS, ZÉ DO JOCA.

O Professor José Carlos Martins, mais conhecido como Zé do Joca, é uma pessoa bastante expressiva em Rio das Pedras. Daquelas que quando cumprimentam, transmite no aperto de mão, tipo “alicate”, a força da sinceridade. De hábitos simples, exímio artesão com madeira, fabrica quebra cabeças, jogos, todos muito bem elaborados, pintados á mão. São brinquedos que ele constrói e faz a doação ás crianças da cidade, escolhidas ao acaso. Suas telas retratam a Rio das Pedras que ficou gravada em sua retina. Obras minuciosas, detalhadas. Homem de princípios muito bem estruturados extravasa seus pensamentos filosóficos, políticos, humanistas, revivendo os primórdios dos atuais jornais. A pé, entrega de casa em casa, á uma ávida clientela, seus já famosos escritos. Sem qualquer tipo de remuneração ou patrocínio. As pessoas que se mudam da cidade pedem para que ele os mande pelo correio. Com isso ele ultrapassou as fronteiras do município, atingindo até outros estados.


Por que o senhor é conhecido em Rio das Pedras como Zé do Joca?
Meu pai João Batista Martins, o Joca, era barbeiro, aqui na cidade de Rio das Pedras. Meu nome é José Carlos Martins, mas passei a ser conhecido como Zé do Joca. Nasci em 6 de junho de 1937. Não sou riopedrense! Nasci em São Paulo, porque a minha mãe naquela época já achava que Rio das Pedras naquela época não daria muitas chances para o futuro dos filhos. Ela passou a estimular meu pai para mudarmos para São Paulo. Meu pai achava a idéia boa, só que ele tinha raízes aqui. Ele disse á minha mãe para ir com os meninos, a princípio morar com uma irmã dela, enquanto ele liquidava os negócios dele aqui. Na época além da barbearia ele fazia a escrita contábil de uns 20 ou trinta engenhos da região. Meu pai ia todo mês para São Paulo. Eu nasci um ano após minha mãe voltou para Rio das Pedras, ela viu que meu pai não ia mesmo embora. A barbearia do meu pai era a barbearia do Joca, ficava no local onde foi a Padaria Cristal, hoje é uma escola. Vizinho a estação de trem. Ali tinha uma porteira. Na realidade foram três tipos de porteira que existiram naquele local. A primeira onde passa o trem. Deixava a rua livre. Depois teve uma que cada vez que ela fechava tomava toda a rua. O terceiro tipo era uma porteira com uns 10 metros de comprimento, era de correr, como foi à segunda porteira. A minha casa ficava bem pertinho da estação. Após ter mudado para São Paulo, a primeira vez em que voltei á Rio das Pedras, a impressão que tive era de que o trem estava entrando na minha casa. Quando eu morava ali, nunca tinha percebido isso. Eu estava tão acostumado com o trem, que o trem das cinco horas da manhã que ia para São Paulo, nunca antes eu tinha ouvido chegar ou apitar. Na época era a chamada Maria Fumaça, trem movido a vapor. A composição do trem era formada pela máquina, uma parte dela onde se carregava água e lenha, depois vinha um vagão onde ficava o chefe de trem e os objetos transportados pelo trem. Em seguidas vinha o carro de segunda classe, e por último o carro de primeira classe, era colocado no fim da composição para pegar menos fuligem e faíscas que saiam da locomotiva. Esse era o trem de passageiros.
O trem ia lotado de passageiros?
Não. Quem viajava muito de trem eram os empregados da Sorocabana, pelo fato de viajarem de graça usavam muito o trem. O trem ficava lotado em época de festas de igreja, procissão. O pessoal vinha dos sítios, das fazendas. Do lado de Mombuca vinha muita gente da Fazenda Estrela, Fazenda do Banco. Saindo de Piracicaba á Jundiaí, as estações existentes e que me lembro eram a parada da Fazenda Ludovico Felipe ou Chave do Chicó, Chave do Barão, Rio das Pedras, Fazenda Santa Cruz a Parada do Banco, da Fazenda Estrela, aí vinha Mombuca. Em seguida Rafard, Capivari, Tibúrcio, Elias Fausto, Chave Stein, Cardeal, Indaiatuba, Itaici, Quilombo, Monte Serrat, Itupeva, Ermida, Jundiaí. Em Jundiaí a Sorocabana parava. Era então feita a baldeação, e ia para São Paulo pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Quantos filhos o pai do senhor teve?
Meu pai casou duas vezes. Côa a sua primeira esposa, minha mãe, eles tiveram cinco filhos. Com a segunda esposa eles tiveram duas filhas. Minha madrasta era Dirce Mattiazzo Martins.
Essa casa em que o senhor morou, situada onde hoje é o Colégio Ibrafem de Rio das Pedras, como era?
Era uma casa curiosa. Era um sobrado, porém ao invés de subir, descia! Em cima tinha o salão do meu pai, a barbearia, nossa sala de visitas e dois quartos. Descendo uma escada havia a copa, cozinha, mais um quarto, banheiro. Ela foi feita em um terreno que era um barranco. Tínhamos também um porão, onde eram guardados objetos de pouco uso. O Ribeirão Tijuco Preto passava a uns 50 a 60 metros. Meu avô Valério Fernandes Martins e meu bisavô, pai da minha avó, Antonio Garcia Prates foram fundadores da cidade. Antonio Garcia Prates era padeiro em São Paulo, e veio para Rio das Pedras na construção da estrada de ferro. Veio fornecendo comida para os trabalhadores. Entre esses trabalhadores veio Valério Fernandes Martins. Estabeleceram-se em Rio das Pedras, construíram uma casa em frente á estação de trem, onde hoje fica estacionado um trailer de lanches. Hoje existe apenas o armazém de cargas, a estação foi demolida, para dar lugar á uma rua! No começo a estação era tudo. Foi o Barão de Serra Negra que pediu essa estrada de ferro. Havia um projeto para que o trajeto dessa estrada passasse pelo Bonjardim, para embarcar o café do Barão. Rio das Pedras tinha uma ou outra casinha isolada. Depois que a Rua Debaixo foi-se formando. Por isso que a Rua Torta é torta, ela seguiu o projeto natural de uma estrada. Era o caminho mais fácil. Ela não pode ser endireitada por ter ficado entre o rio e a estrada de ferro. Meu pai foi telegrafista por vários anos. Depois meu pai tinha barbearia em frente á igreja, onde hoje existe uma avicultura. Ali existia uma casinha velha. Ele mudou-se para uma casa vizinha á igreja, que hoje não existe mais, ficava ao lado da igreja, no meio da praça, existia ao lado o Hotel do Polesi.
Os seus primeiros estudos foram feitos onde?
Aqui em Rio das Pedras só havia o curso primário. Ficava na Escola Barão de Serra Negra, que era a única escola da cidade, e funcionava em um período só. Rio das Pedras era considerada uma vilinha. O pessoal dos sítios e fazendas das proximidades, quando vinha para Rio das Pedras diziam: “–Vamos para a vila!”. Não diziam que vinham para a cidade. O meu pai era um autodidata, lia muito. Ele dizia que primeiro eu tinha que estudar para depois escolher uma profissão. Quando terminei a quarta série do primário, fui para Capivari, que ficava mais fácil para mim. Isso em 1949, lá eu fiz o ginásio e o magistério na Escola Normal e Ginásio Estadual de Capivari. Depois estudei História em Guaxupé, Minas Gerais. Mais tarde cursei Educação Artística em Ribeirão Preto, e posteriormente Pedagogia. Leio muito e escrevo bastante!
Ainda menino, onde o senhor foi morar e Capivari?
Morava em pensão. Eu tinha 11 anos na época. Se eu fosse viajar todos os dias de Rio das Pedras para Capivari, teria que levantar ás 4 horas da manhã. Já havia alguns estudantes de Rio das Pedras que moravam em uma pensão, meu primo Leo, o Vadão Miori, o Celso Piva. Eu fui morar nessa pensão, que pertencia á uma senhora que havia ficado viúva. Eu era um menino, morando em uma pensão. Minha mãe, Deolinda Rossa Martins, faleceu quando eu tinha menos de 3 anos de idade. As mães dos meus colegas tinham pena de mim. Eu ia estudar com meus colegas vinham bandejas de lanches, frutas! Eu era paparicado!
Após ter-se formado em Capivari o senhor trabalhou em Rio das Pedras?
Eu permaneci trabalhando na prefeitura. Na época o Caetano Oscar Waldemar Gramani era o prefeito, em 1956. Em minha opinião, foi o melhor prefeito que conheci, não só de Rio das Pedras, mas de toda a região. Trabalhei com ele eu vi. Na prefeitura eu fazia de tudo. Havia o propósito do prefeito de realizar uma cobrança de impostos predial e territorial um pouco mais elevado. Na ocasião era muito baixo o valor cobrado. Na época eu e o Geraldo Gordo, que era fiscal da prefeitura, medimos todas as frentes das casas, da cidade inteira. Perguntamos quantos cômodos tinha cada casa, quantos bicos de luz havia, quantas torneiras, perguntávamos qual era a metragem da frente aos fundos, para evitar de entrar nas propriedades das pessoas. Baseado nessas informações foi que o Prefeito Gramani calculou o imposto predial. O pessoal da cidade ficou bravo comigo! Achavam que eu é que tinha feito o cálculo do imposto, pelo fato de ter medido o imóvel! No departamento de água eu tomava conta de todo o material, as barras de cano chegavam quase todos os dias. Foi o Prefeito Gramani que trocou o encanamento de três quartos para o de 5 ou 6 polegadas. Acho que até hoje existe por ai encanamento feito por ele. Várias vezes o Prefeito Gramani foi até a minha casa, ás duas, três horas da manhã. Ele me chamava: “-Oh Zé!”. Ele queria naquela hora da madrugada ver o que estava acontecendo, porque no dia seguinte ia á São Paulo. Queria ver nas esquinas, onde havia vários tipos de encanamentos, se estavam colocando as peças que ele havia mandado colocar. Foi ele quem estudou tudo isso aí. O projeto foi ele quem fez. Ele descia nas valetas e dizia: “Veja para mim se tal peça está certa”. Depois de conferir tudo ele ia dormir sossegado. No dia seguinte viajava. Passava uns 15 ou 20 dias e lá estava ele de novo me chamando de madrugada! Na época eu era solteiro, morava com a minha madrasta, meu pai tinha falecido.
Em que ano o senhor foi morar em São Paulo?
Foi em 1958. Para o professor escolher cadeira era necessário fazer pontos. Eu precisava trabalhar, não tinha jeito de fazer pontos em escolas. Fui trabalhar em Santo André, na Companhia Swift. Permaneci por 7 anos no Departamento de Contas á Pagar. Eram abatidas de 800 a 1000 cabeças de gado por dia. Os produtos da Swift eram todos famosos. No local aonde ela existia foram construídas 600 ou 800 casas. Em seguida fui trabalhar em uma editora no bairro da Lapa. Trabalhei uns dois anos como revisor. Em seguida fui secretário de uma escola particular de padres. Em seguida fui lecionar.
O senhor como professor de História considera fundamental a didática do professor para desenvolver o interesse do aluno pela matéria?
Só faz História quem gosta. Lecionar História é um problema, a maioria dos professores segue livros, querem ouvir a repetição do que foi dado em aula, enchem o aluno de data. Sempre disse aos meus alunos que deveriam situar o fato dentro de um período, como por exemplo: “No século tal…”, o professor tem partir do aluno. História é a análise de um fato. Não há necessidade de decorar texto. Eu criava uma dinâmica entre os alunos, por exemplo, em assuntos que envolviam Brasil e Portugal, eu dividia a classe em duas partes. Tudo deve ser analisado por vários pontos: politicamente, religiosamente, tudo deve ser analisado. O fato quando acontece é porque aquela época exigia ou permitia aquilo. Existem pessoas que dizem que antigamente é que era bom. Não é antigamente que era bom. Antigamente você era jovem! Tudo se repete. Só que com outro colorido, com outros pontos de vista, novas tecnologias aparecem.
A verdade histórica transcrita nos livros corresponde á verdade histórica real?
A História verdadeira não é contada como realmente aconteceu. Uma notícia quando atravessava o país ia sendo deturpada. Cada um falava o que tinha entendido. Esquecia como era. Não eram todos bonitinhos, heróis. Eram pessoas que estavam lutando para ganhar a vida. Destacaram-se porque uns apareceram mais do os outros.
Quais os pontos de interesse histórico de Rio das Pedras?
Rio das Pedras não tem sua história escrita. Não se encontram dados. Referencias. É muito difícil fazer um livro, tem que ir em busca de dados em fontes fora da cidade. De relevante para Rio das Pedras é o Barão de Serra Negra. Foi ele quem deu início a tudo que existe na cidade. Distribuiu terras, queria ver o local colonizado. Na Fazenda Bonjardim, a igreja existente á beira da estrada foi o local onde foi sepultado o Barão de Serra Negra, onde seus restos mortais permaneceram até a família transladar para Piracicaba. Ele exigiu que o seu caixão na ocasião do seu sepultamento fosse carregado por quatro escravos. Eu não tive nenhuma informação escrita, mas ouvi falar que D.Pedro II esteve na fazenda.
A igreja matriz de Rio das Pedras foi construída em que ano?
Foi construída em 1910. Havia outra igreja no local, com duas torres, mais baixinha.
Qual era o caminho original entre Piracicaba e Rio das Pedras?
Era pelo Taquaral, saía pelo Bom Retiro, no fim da Rua Prudente de Moraes virava á esquerda, subia o Morro do Serapião. Na volta de lá para cá tinha o Morro do Sabão. Esse caminho ia sair lá no Piracicamirim em Piracicaba. Ia-se para Piracicaba de trem. Na havia quase veículos aqui. Naquela época as vezes que fui á Piracicaba de carro, fui com o Chalita Sarkis, que tinha uma baratinha. Em uma ocasião levamos quatro horas para voltar de Piracicaba á Rio das Pedras. Quem subia no Morro do Sabão?

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