PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
A Tribuna Piracicabana
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Entrevista: Publicada no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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Entrevistada: Maria José (Dona Zezé) Aparecida Fonseca Pires.
Maria José Aparecida Fonseca Pires, mais conhecida como Dona Zezé, nasceu em Tatuí, no dia 4 de outubro de 1917. Com passos firmes e ligeiros ela caminha em direção á mesa do refeitório que vamos utilizar para realizarmos nossa entrevista. Ela reside no Lar dos Velhinhos há algumas décadas. Os seus 91 anos de idade não a impedem de circular pela cidade, acompanhada de uma pessoa amiga. È impressionante a sua disposição para estar sempre realizando alguma atividade, como visitas, passeios e até mesmo algum tipo de trabalho que julga necessário e deseja realizar.
Qual era o nome dos pais da senhora?
Benedito Pires e Eulina Fonseca. Ele era muito bom músico, tocava violão. Minha mãe tocava piano. Minha mãe era professora primária, e naquele tempo tinha aulas de música em São Paulo, isso no final dos anos 1800. Naquela época os partos eram feitos em casa. Do casamento dos meus pais nasceram três filhos: dois homens e eu. Dos três só o meu irmão mais velho conseguiu formar-se como pianista. Tínhamos um piano alemão vertical (tipo armário). Eu nasci no meio de música. Meu pai tinha a profissão de alfaiate, um alfaiate com muito estilo. Minha mãe era professora primária. Em Tatuí nós morávamos á Rua Santa Cruz, 435. Trinta e cinco é o número da cobra! Tínhamos um cachorro perdigueiro chamado Nilo. Naquela época era comum caçarem codornas. O Nilo era um cão especializado em caça de codorna.
A senhora conheceu um médico muito importante?
Nós íamos passar as férias na casa do Dr. Ribas. Eu tinha uns 7 ou 8 aos de idade quando conheci Dr. Emílio Ribas. Ele morava no bairro Perdizes, á Rua Candido Espinheira. Íamos de Tatuí para São Paulo para passar o período de férias na sua residência. Nós viajávamos pela Estrada de Ferro Sorocabana, a baldeação era feita em Mairinque. (N.J. Dr. Emílio Marcondes Ribas formou-se como médico em 1887. Começou sua vida profissional como clínico geral. Casou-se e foi morar no interior de São Paulo, primeiro em Santa Rita do Passa Quatro e depois em Tatuí. Pesquisando sobre a febre amarela Dr. Ribas chegou à conclusão de que o mal não se transmitia diretamente de uma pessoa doente para outra sadia, e sim que devia existir, no caso, um transmissor, o mosquito Aedis aegypti. Criticado pela imprensa, deixou-se picar pelo mosquito infectado pelo vírus da febre amarela, em 1903. Junto com Adolfo Lutz e outros voluntários, Ribas adquiriu a doença e comprovou sua teoria ).
Como surgiu essa amizade entre a família da senhora e a família do médico Dr. Emílio Ribas?
Naquele tempo criança não tomava parte da conversa entre adultos. Dr. Ribas era médico do serviço sanitário. A sede dele era Sorocaba, mas morava em Tatuí. Muitas noites ele não voltava para casa, tinha viajado á trabalho. Nessas ocasiões mamãe, que na época era mocinha, ia pousar com a esposa do Dr. Ribas, Dona Mariquinha. Assim que surgiu essa amizade.
Outra família muito importante também era amiga da família da senhora?
Mamãe foi estudar em São Paulo, junto com a família dos Cardoso de Mello. Ela permaneceu por quatro anos morando na Rua Helvécia, perto da Igreja Coração de Jesus.
Depois ela voltou a morar em Tatuí?
Após concluir seus estudos ela voltou para Tatuí, onde conheceu o meu pai. Casaram-se e tiveram os três filhos: José Onofre, Paulo Afonso que foi coronel da Cavalaria da Polícia Militar do Estado de São Paulo e eu.
Como se chamava a avó materna da senhora?
Era Laura Guedes. Meu avô, era de descendência portuguesa, chamava-se Joaquim Carioca Fonseca. Ele foi tropeiro. Trazia tropa de Mato Grosso.
A família da senhora mudou-se para Piracicaba?
Nós morávamos perto do Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Conheci Newton de Almeida Mello, compositor do Hino de Piracicaba. Ele era nosso vizinho.
“Piracicaba”
Numa saudade que punge e mata
Que sorte ingrata! – longe daqui,
Em um suspiro triste e sem termo,
Vivo no ermo, dês que parti.
Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores,Cheia de encanto…
Ninguém compreende a grande dor que sente
O filho ausente a suspirar por ti!
Em outras plagas, que vale a sorte?
Prefiro a morte junto de ti.
Amo teus prados, os horizontes,
O céu e os montes que vejo aqui.
Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores,Cheia de encanto…
Ninguém compreende a grande dor que sente
O filho ausente a suspirar por ti!
Só vejo estranhos, meu berço amado,
Tendo a teu lado o que perdi…
Pouco se importam com teu encanto,
Que eu amo tanto, dês que nasci…
Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores,Cheia de encanto…
Ninguém compreende a grande dor que sente
O filho ausente a suspirar por ti!
Qual foi a primeira escola em que a senhora estudou?
Foi na atual Sud Mennucci. Lá eu estudei até concluir o curso normal. Após formar-me como professora iniciei dando aulas em Glicério, cidade próxima a Penápolis. Fomos eu e outra colega daqui, a Eunice de Souza. Ficamos hospedadas na casa do prefeito de Glicério. De lá eu fui transferida para São Pedro.
A senhora conheceu o poeta Gustavo Teixeira?
Conheci! Duas sobrinhas dele foram minhas colegas. Eu vinha todo sábado de São Pedro para Piracicaba. Vinha de Jardineira, o motorista era o Seu Serafim. O ponto final era na Igreja São Benedito.
De São Pedro a senhora veio lecionar em Piracicaba?
Fiz uma permuta com uma professora que lecionava no Moraes Barros em Piracicaba. Naquela época São Pedro tinha a fama de curar todas as moléstias. Suas águas não eram indicadas apenas para tratamento de reumatismo. O objetivo dessa professora era conseguir a sua transferência em função do tratamento do marido que era professor na Esalq. Assim eu vim lecionar em Piracicaba, no Grupo Moraes Barros.
Em que ano a senhora passou a lecionar?
Eu formei-me em 1935, com 18 anos de idade.
A senhora conheceu Thales Castanho de Andrade?
Conheci! Ele foi meu professor de história. Na época a família Andrade tinha a Fábrica de Bebidas Andrade, em frente ao Grupo Moraes Barros. Entre outros produtos que eles fabricavam havia o refrigerante Cotubaina. Fui aluna de Antonio Dutra. Depois ele foi para Europa.
Depois de ter-se formado como professora a senhora fez outro curso?
Permaneci por cinco anos em São Paulo, na Faculdade de Medicina, onde fiz o curso de enfermagem. Trabalhei no Hospital das Clínicas, na Avenida Dr. Arnaldo. Residia na própria escola de enfermagem. Na época ainda havia o bonde em São Paulo. O famoso salão de chá do Mappin. Lembro-me de ter ido uma ou duas vezes até lá. Uma das vezes, por coincidência, estava também por lá um piracicabano, professor do Sud Mennucci, o Seu Lex. Em latin, Lex é lei! No Hospital eu fiz estágio na pediatria, na ortopedia. Doutor Lauro Abreu era um médico que trabalhava lá e tinha parentes em Tatuí.
Quem nasce em Tatuí recebe qual nome?
Uns falam tatuiense outros tatuianos.
A senhora estudou inglês?
Um professor chamado Adholfo Carvalho, durante suas aulas, me cobrava em classe a lição de inglês. Pensei, vou estudar inglês, está demais, toda aula o Seu Carvalho me chama. Fiquei craque em inglês. Acabei com isso ganhando uma bolsa de estudos para ir aos Estados Unidos. Acabei não indo para permanecer junto á meus pais.
A senhora foi aluna do tempo da palmatória?
Eu não peguei essa época. Minha mãe foi aluna do tempo da palmatória. (N.J. A palmatória usada no Brasil era uma haste que terminava em uma peça circular de madeira que, por sua vez, possuía furos em forma de cruz. Quem apanhava com o instrumento ficava com bolhas na mão similares aos desenhos dos furos. A palmatória tornou-se um símbolo de disciplina na educação).
Entre os seus milhares de alunos, destacam-se nomes bastante conhecidos em Piracicaba.
Tive muitos alunos que se destacaram. No momento me ocorre o nome de Walterly Accorsi. De Clemência Pizzigatti, a “Mença” era assim que os pais dela a chamavam, sua irmã Irene também foi minha aluna. O diretor da escola era o Seu José Martins.
Com toda a experiência de vida que a senhora possuí, e muito lúcida e atuante, diante de tantas mudanças de que forma a senhora observa a honestidade das pessoas?
Vale a pena uma pessoa ser honesta. Sendo honesta ela mesma irá sentir-se bem. Até o momento eu me senti muito bem sendo honesta!
A senhora é detalhista?
Eu faço um diário. De forma resumida.
Esse diário poderá um dia vir a ser publicado?
Por ser estritamente pessoal, não desejo vê-lo publicado.
A senhora sempre foi dona do seu nariz?
Sempre fui dona do meu nariz! Mamãe tinha amizade com a Irmã Virgínia, foi por intermédio dela que vim para cá.
O que a senhora acha da internet?
A Mença têm internet na casa dela. Não posso dizer muito á respeito. Pelo fato de estar sempre visitando pessoas amigas, onde conversamos nos reunimos e assim praticamente não conheço a internet.
Qual é a fruta que a senhora mais gosta?
Gosto de laranja! Só não gosto de laranja lima. Gosto mais de laranja ácida. Gosto de jabuticaba. Já subi em pé de jabuticaba, mas não agora! Recomendo que não subam em jabuticabeira, porque os seus galhos são frágeis.
E goiabada cascão?
Gostava de goiabada cascão. Eram colocadas em caixetas. Na época era costume das famílias guardarem as caixetas de goiabada no guarda-roupa! Quando vinha visita eram oferecidas.
Qual é a receita para ter essa vitalidade e disposição?
Preocupação sempre existe. Só não sei explicar como consegui ter uma vida tão boa. Acho que são as pessoas que me rodeiam.
A senhora pegou a fase do cinema mudo?
Conheci sim! Era mudo, e tinha que ser esguichada água para resfriar a tela. Mamãe falava para nos aprontarmos rápidos, pois ela não queria chegar depois de ter passado a água no pano. Isso foi em Tatuí, um dos cinemas era o São José. Eu era na época muito jovem
E baile de carnaval?
O carnaval de Tatuí foi muito famoso. Pelo fato de minha mãe ser muito próxima á igreja, nós não freqüentávamos o carnaval.
Como era guardado o luto em família?
As meninas usavam saia preta e blusa com bolinhas pretas. Permaneciam por seis meses guardando luto quando falecia o pai ou a mãe.
Em Piracicaba a senhora morou onde?
Primeiro morei na Rua Boa Morte, na casa que falam que foi onde Adhemar de Barros nasceu. É uma casa perto da Rua Ipiranga. Onde hoje existe um estacionamento era a casa do Seu Amadeu Castanho. Ele morava na casa de esquina. Meu irmão, que foi militar, sempre dizia que a casa onde nasceu Adhemar é onde hoje existe uma casa de queijos. Não é a casa de esquina. Moramos ali um ano. Depois descemos para a Rua Alferes com a Rua Ipiranga. Papai era gente de Tietê, que gostavam de briga de galos. Embaixo havia um porão onde havia a rinha de galos. Na época era permitida. Havia um quintal enorme, onde depois foram construídas três casas. A nossa casa tinha um portão na Rua Alferes e outro portão na Rua Ipiranga.
A senhora chegou a conhecer uma sinagoga que havia ali perto?
Essa sinagoga ficava na Rua Ipiranga. Cheguei a conhecer externamente. A família de Newton de Mello morava umas duas ou três casas abaixo da sinagoga. Eu passava em frente. Ficava entre a Boa Morte e a Rua Governador. Como éramos católicos não podíamos entrar na sinagoga. Nós freqüentávamos a igreja do Monsenhor Rosa, a catedral. Quando passamos a residir na Rua Alferes, passamos a freqüentar a Igreja dos Frades, tempo do Frei Liberato, Frei Vital.
A senhora conheceu a família Gonzaga?
Conheci! O Seu Luiz Gonzaga, seu filho Bento Dias Gonzaga que era amicíssimo de papai. Fui professora da Mariazinha, irmã do Bento. A mãe deles era Dona Arminda, de família de São Carlos.
A senhora veio morar no Lar dos Velhinhos já a alguns anos.
Eu escolhi o Lar dos Velhinhos para vir morar! Eu admiro muito o Dr. Jairo por causa dessa casa que ele fez. Ele se desdobrou em energia para fazer essa casa dos idosos. É uma pessoa que merece muita consideração da nossa parte. Tem gente aguardando a vez para poder vir para cá. Eu falo que morar aqui é desfrutar.
A senhora recentemente matriculou-se em um curso de pintura?
Eu já tinha estudado pintura, isso faz alguns anos. Hoje tenho aulas com a professora Duzolina. Vou á aula ás quintas-feiras, em uma escola particular, fora do Lar dos Velhinhos.