Entrevistado: ARISTIDES COSTA

Em uma das maiores empresas de alta tecnologia, sediada nos Estados Unidos, existe uma frase muito popular entre seu pessoal técnico. Ao concluir um novo produto dizem: “Ligou, funcionou, já está obsoleto”. Porque já deve existir algo mais avançado! A humanidade é insaciável na sua busca por novas tecnologias que devora e incorpora ao seu cotidiano. A história oral possibilita a organização de um acervo de relatos de história de vida que, no seu conjunto, levam à recuperação da identidade coletiva e da memória da comunidade. O nosso entrevistado é Aristides Costa, que aos 82 anos de idade conserva nítida as memórias de uma Piracicaba, desde quando a cidade estava em uma fase embrionária em diversos setores, até transformar-se apontando novas diretrizes, respeitada pela tecnologia adquirida em áreas vitais para a humanidade. Nascido em 3 de maio de 1926, Aristides Costa é filho de Antonio Costa e Alzilia Cansiglieri. Seus avós vieram da Itália: paternos Pedro Costa e Juliana Negreti e maternos Romano Cansiglieri e Teresa Roncato.
Em que bairro de Piracicaba o senhor nasceu?
Nasci no Bairro Verde, em uma casa que ficava na beira da linha do trem. Minha casa fazia parte de um conjunto de casas, que hoje não existem mais. Localizava-se aproximadamente a uns 500 metros acima da Avenida Dr. Paulo de Moraes, á direita da que é hoje a Avenida 31 de Março. Ali tinha a chamada Conserva, que era responsável pela conservação da linha de trem, depois passou a chamar-se Rancho Alegre. Abaixo existia uma nascente de água denominada: “Olho de Nhá Rita”. Era em um local situado entre a Avenida Independência e a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Em frente ao Supermercado Big. A Avenida 31 de Março passa em cima da bica “Olho de Nhá Rita”.
Não era a nascente do Itapeva. Era uma água de boa qualidade, onde todos iam buscar água para beber. Na época eu era moleque, não saía de lá. Mais tarde a Indústria Morlet fez um poço artesiano, isso foi bem depois. O pessoal passou a ir buscar água lá.
O sobrenome do senhor, Costa, tem uma curiosidade?
Dizem, que quando meu avô veio para o Brasil, ele tinha como sobrenome Costalonga. E com o passar do tempo, aqui no Brasil, foi abreviado para Costa. Tanto que uma irmã dele, casada com Antonio Perin, assinava o nome de origem: Luiza Costalonga. Eu teria um grande orgulho em manter a tradição, houve uma época em que pensei em adotar legalmente o nome que de fato deveria ter: Aristides Costalonga!
O senhor tem algum cognome (apelido)?
Tenho sim! Alguns deles: Tide! Costa! Martinelli! Por ter trabalhado uns 15 anos com Hermínio Martinelli, muitos pensavam que eu era irmão dele! Ele tinha uma oficina mecânica de automóveis, na Rua Regente Feijó. Alguns ainda me chamavam de Tozzi, porque eu andava muito com o Tozzi! Ainda moleque, eu era metido a jogar futebol, uma aptidão que nunca foi o meu forte. No Corinthians existia um jogador chamado Rosalem, que também não tinha muita sorte, por associação de jogadas infelizes, acabei ganhando como apelido o sobrenome do famoso atleta!
O senhor estudou onde?
Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros. Foi no ano de 1933 a 1938. Meu pai colocou-me para “aprender ofício”. Fui trabalhar em um salão de barbeiro, fiquei um pouquinho, mas não quis ficar na profissão. Fui trabalhar com o Adamoli, na Rua Benjamin Constant, esquina com a Rua Ipiranga. Um irmão do meu pai trabalhava lá, o Tio Luizinho, mas também não me adaptei. Eles faziam barcos, móveis. Dali, eu fui trabalhar no Martinelli. No início era na Rua Tiradentes, entre as Ruas Saldanha Marinho e Cristiano Cleopath. O Martinelli era sócio do Luizinho Marchiori que tinha ônibus que fazia a linha Piracicaba-Rio Claro. Era o tempo da jardineira. Para ir á Rio Claro a estrada era toda de terra, sem calçamento. Quando chovia tinha que colocar corrente nos pneus para poder andar. A jardineira na época já era fechada nas laterais. Eu cheguei a ver a jardineira que ia de Piracicaba á Saltinho aberta nas laterais, como um bonde. Quem fazia a linha era uma pessoa conhecida por Pepino. Eu devia ter uns 6 anos de idade. O trajeto era até o Postão (primeiro posto de gasolina, no sentido de quem vem á Piracicaba pela Rodovia Cornélio Pires), depois descia pelo Campestre, seguia até o Mato Alto e depois ia para Saltinho. Naquele tempo não existia ainda a Usina Santa Helena. Esse era o caminho de Saltinho á Piracicaba. Levavam de tudo dentro da jardineira!Galinha, eu acho que, até porco chegaram a levar.
Como se chama a esposa do senhor?
Sou casado com Lourdes Tozzi. Temos seis filhos: Aristides Costa Junior, Marly Antonia, Marise, Adilson Antonio, Marisete e Alberto José. Casamos e fomos morar na Rua Tiradentes, 399. De lá mudamos para a Rua Santa Cruz, próximo ao antigo Tiro de Guerra, na época, situado á Avenida Dr. Paulo de Moraes. De lá mudamos para a Avenida Rui Barbosa, onde permanecemos cerca de um ano. Mudamos para a Rua 13 de Maio, entre a Rua Tiradentes e a Rua do Rosário, em uma casa cujo proprietário era o Santos Bueloni.
O senhor na época exercia qual profissão?
Era mecânico de automóveis e caminhões. Trabalhava com todas as arcas e modelos. Como Chevrolet, Ford, Peugeot, Nash, Dodge, Fargo, De Soto.
Qual modelo de carro que o senhor colocava a mão na cabeça quando chegava à sua oficina?
Lincoln! Tinha 12 cilindros em linha. E tinha o modelo 12 cilindros em “V” também. Naquele tempo não existiam as ferramentas que existem hoje. A retífica do Antonio Romano estava no seu início. Tinha também a retífica do Rui Consentino. Eram pessoas amigas. Em 1953 mudei para a Rua do Rosário esquina com a Avenida João Conceição.
Quando comprei e existia um terreno cercado por arame e tinha uma carvoaria, eram dois irmãos, se não me engano de sobrenome Borges. Primeiro construí o barracão, e deixei um pedaço para construir o sobradinho ao lado. Em 1954 fiz o sobradinho.
O senhor nesse período teve perua de turismo?
Tive duas! Eram “carros de praça” (táxi), que levavam 8 passageiros, comigo dirigindo eram 9 pessoas. Era com carroceria de madeira envernizada, um trabalho muito bem feito, resistente á chuva. Uma foi uma Dodge e outra uma Chevrolet, ambas importadas. Naquele tempo só havia carro importado. Eu dirigia uma e meu tio Ângelo Costa guiava a outra. Fazíamos viagens á Aparecida do Norte, Bom Jesus de Pirapora, Rio de Janeiro, Sorocaba. A Dutra era um castigo! Uma pista só. Já tinha asfalto. Isso foi a partir de 1955. Quando comecei a trabalhar fui por duas vezes á Ribeirão Preto. Eu levava a equipe de basquete do XV de Novembro. O técnico era o João Francisco Braz. A equipe de basquete era composta por pessoas selecionadas. Eu tinha o crachá para acompanhar a equipe. Dormia nos hotéis em que o time ficava, fazíamos as refeições juntos.
Para Aparecida do Norte o senhor levava os romeiros?
Levava romeiros, iam 8 adultos, as vezes mais 2 ou 3 crianças. Nós saiamos daqui ás 11 horas da noite, ou meia-noite, para chegar lá ás 6 horas da manhã. Tinha que dar a volta por São Paulo. O perigo era muito grande. Hoje é que avalio o que eu passei na Dutra com neblina. Também não havia o movimento de carretas que existe hoje. Depois de algum tempo vendi as peruas, uma para o Ozires Canciglieri e outra para o José Passari.
O senhor fez outros tipos de transportes?
Nessa época meus filhos já passaram a dirigir. Entrei na AGA, transportando tubos de oxigênio, não existia elevador de carga no caminhão, colocava o cilindro “no braço”, tem cilindro que pesa até 90 quilos! Eram utilizados em indústrias e hospitais. Fiz transportes para a Dedini, um pouco na Indústria Tatuzinho também. Nessa época meus irmãos ajudavam, tinha empregados também.
Que modelo de caminhão o senhor utilizava na época?
No início F-600 e Chevrolet. Depois passamos a usar caminhões Mercedes-Benz. Começamos com o caminhão Mercedes “Cara-Chata”, surgiu em 1958. Antes existia o caminhão Mercedes-Bens “Bicudinho”, era o L 312.
Lembra-se dos postos de gasolina que existiam em Piracicaba?
Nós dávamos preferência para o Lú, que ficava na Rua Boa Morte esquina com a D.Pedro I (aonde hoje existe uma casa de sucos). No tempo da II Guerra usamos álcool, só que o abastecimento era feito nas usinas, não existiam bombas de álcool em postos. Havia também o gasogênio. Eram dois tambores grandes, um era utilizado como caldeira e o outro era o filtro onde filtrava o gás originário do carvão. Daí saia um cano que passava por dois ciclones, para retirar as cinzas. O gás saía limpo e entrava em uma adaptação onde estava o carburador, chamava-se misturador. Fazia a válvula, ligava no acelerador.
Era abastecido com qual combustível?
Carvão! Comprava-se o carvão na carvoaria. Lembro-me uma ocasião em que o caminhão do Del Nero saiu com muitos sacos de carvão. O Del Nero situava-se na Rua Boa Morte, 1946 a 1966, trabalhavam com aguardente, principalmente a marca “Caninha Velha 1921”, mais conhecida como “Caninha 21”.
O senhor lembra-se das padarias da época?
Lembro-me da “Padaria Aliança”, que ficava na Rua do Rosário, 438, esquina com a Regente Feijó. Era de propriedade da família Padovani. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes existia a Padaria Cruzeiro. Era do Alberto Sachs o “Berto Padeiro”. Ficava do lado direito, em frente ao Toninho Lubrificantes. Ali era o ponto final do bonde da Paulista. Antes ele parava um pouco mais acima, depois esticaram mais um pedacinho o ponto de parada. Em frente ao ponto de táxi havia o moinho da Família Filetti. Eram três irmãos, faziam fubá, farinha e beneficiavam arroz. Na Avenida Dr. João Conceição tinha a família Ferrari, que inclusive fabricavam barcos. Havia o Galesi que tinha uma serraria, inclusive foi freguês meu na minha oficina.
Na Estação da Paulista havia a carga e descarga de gado?
Era a carregadeira de gado. Aonde depois veio a ser a Alvarco, existia a Amaral Machado, as pedras de calcário eram moídas e depois ensacadas.
As peças que o senhor utilizava eram adquiridas onde?
Eu ia geralmente comprar as peças em São Paulo. Pegava o trem aqui e ia até a Barão de Limeira, Barão de Campinas, próximas á Estação da Luz e São Paulo. Ás vezes tinha que ir até a Rua Piratininga, no Brás. As peças miúdas eu trazia na mão. As peças maiores eu despachava.

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