PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de abril de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
।teleresponde.com.br/”>http://www।teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: Rita de Cássia Domingues
A liberdade de expressão é a conquista mais preciosa do ser humano. Ela se manifesta de inúmeras formas, uma delas é a música. No amor e na guerra a música sempre esteve presente. Ela expressa de forma sublime o sentimento que se apossa do ser humano. O Brasil pela sua característica própria e única, multirracial e multicultural, é a fonte, aonde muitos artistas de outros países vem saciar a sua sede de musicalidade inovadora.
Talentosos artistas realizam obras de grande importância, passam pelo semi-anonimato, ou são conhecidos, mas não são reconhecidos। Alguns ainda têm o privilégio de serem devidamente valorizados após falecerem. Outros nem tanto. Piracicaba tem em seu seio grandes valores artísticos, verdadeiros operários da arte. Um desses grandes talentos é o Professor Erotides de Campos, natural de Cabreúva, onde nasceu em 15 de outubro de 1896. Compositor de marchinhas, sambas, choros, pianista e tocador de vários instrumentos, foi professor de física e química e passou parte da sua vida na cidade de Piracicaba. Compositores como Gounoud, Schubert, Puccinni, foram autores de obras com o mesmo nome: Ave-Maria. O nosso Erotides Campos, também é autor de uma obra que leva o nome Ave-Maria, e que também ultrapassou as nossas fronteiras e é executada até hoje pelo mundo afora. A casa em que viveu boa parte de sua vida, e onde faleceu, no dia 20 de março de 1945 está praticamente intacta. Mantém quase todas as suas características originais. É possível perceber a presença de Erotides, detalhista, perfeccionista. O teto em madeira envernizada mantém a originalidade, assim como a escada que leva ao andar superior, ainda de madeira. A cozinha onde degustava suas tão apreciadas laranjas lima. A impressão que se tem é de que Erotides de Campos foi até ali e volta já. Homem humilde, recatado, mulato, Erotides de Campos recebeu a homenagem de Piracicaba num enterro em que se revelou a comoção popular. Para falar com mais propriedade de Erotides de Campos ninguém melhor do que a sua filha. Quais os nomes dos pais de Erotides de Campos?
Benedito da Silveira e Francisca da Silveira Neves. Aos 12 anos de idade já fazia parte da banda de Cabreúva, logo pode ouvir suas primeiras composições serem tocadas, os dobrados “Porto Artur” e “Saudades dos meus 12 anos” Quando ele tinha 14 anos de idade sua família transferiu-se para Piracicaba. Erotides de Campos integrou a famosa orquestra piracicabana que se apresentava nos cines Iris e Politeama. A orquestra, entre outros, contava com a participação de Osório de Souza, Melita e Carlos Brasiliense, João Viziolli, Renato Guerrini. Participou, também, da banda União Operária. Aos 15 anos iniciou seus estudos de piano sem o auxilio de professores, alguns pesquisadores afirmam que ele estudava piano com Francisca Júlia da Silva, poetisa de renome e pianista, ao mesmo tempo em que cursava escola municipal de Cabreúva. Em setembro de 1917 escreveu a valsa “Mariinha” com versos de Mello Ayres. Já nessa época era exímio flautista, e conhecedor de quase todos os instrumentos componentes de uma banda. Executava com perfeição clarineta, pistão, trombone, baixo, piano, violão e rabecão. Integrou a “Banda Musical Luiz Dutra”. Foi flautista de destaque na Orquestra Piracicabana regida pelos maestros Benedito Dutra Teixeira e Edgard Van den Brand. Do gênero popular foram compostas por ele valsas, canções, sambas, maxixes, tangos, chorinhos, marchinhas em estilo carnavalesco, fox-trot, rag-time, charleston, marchas patrióticas e dobrados, na maioria com versos. Musica sacra: “Salve-Maria”, “Hino á Santa Rita de Cássia” e uma marcha fúnebre. Hinos escolares: Hino à criança, Hino ao Dia das Mães, 8 hinos escolares para Grupos Escolares Estaduais, “Hino à despedida”. Das marchas patrióticas que escreveu destacam-se “Patriarca” à memória de José Bonifácio, e “Condores do Brasil” em homenagem ao aviador João Ribeiro de Barros, herói do “raid” realizado no avião “Jaú”. Vicentino dedicado, sua fé cristã originou os títulos das músicas: “Ave Maria”, Melodia da Fé”, “Êxtase”, “Preces de Natal” , “Murmúrios do Piracicaba”, “Alvorada de Lírios”, “Plenilúnio” e “Murmúrios Sonoros”. Suas músicas foram gravadas por Francisco Alves em disco da Odeon e Parlophon, Oscar Gonçalves e Yolanda Ozório em disco Bruswick, Artur Patti, solista de harmônica em disco Ouvidor. De todas as suas músicas, alcançaram grande sucesso “Ave-Maria” e “Vera”. As músicas de Erotides tornaram-se populares não só no Brasil como também na França, Itália, Portugal, Espanha, Polônia e outros países. “Ave-Maria” foi gravada por Pedro Celestino, sendo a primeira edição de mil exemplares, em disco Odeon, esgotada em menos de um mês. A valsa “Vera” com versos traduzidos para o italiano obteve medalha de ouro. O tango “Goal” classificado em segundo lugar, rendeu um prêmio em dinheiro no concurso musical promovido em 1919 pela Casa Editora Musical Brasileira. O concurso foi realizado no Teatro Boa Vista, em São Paulo, onde concorreram 180 compositores de todo Brasil. A marchinha “Um Róseo Carnaval” obteve o segundo lugar de um concurso de musica carnavalesca. Nos últimos anos Erotides dedicava-se a composição de música refinada, entre elas “Murmúrio do Piracicaba” e “Uma Barquinha Azul”. “Alvorada de Lírios” teve os versos escritos por Benedito de Almeida Júnior.
Onde seu pai formou-se?
Seus estudos primários foram feitos em São Paulo, no Liceu Coração de Jesus. Estudou na Escola Normal, atual Sud Mennucci, formou-se em 1918 e foi lecionar na escola da estação de Monjolinho, em São Carlos. Conseguiu a segunda nomeação, retornando a Piracicaba onde lecionou no Grupo Escolar de Tanquinho e, depois, no de Dois Córregos. Em 1921, casou-se com a minha mãe Maria Benedita Germano.
De 1923 a 1932 lecionou em Pirassununga, voltou a Piracicaba em 1932, nomeado como professor de Química na Escola Normal.
Após o falecimento do seu pai sua mãe trabalhava com o que?
Ela fazia balas de coco, bolos de casamento, era doceira.
Os direitos autorais das músicas compostas por Erotides de Campos, entre elas a celebre Ave-Maria, não proporcionaram um bom rendimento financeiro?
Entre muitos intérpretes famosos, o Roberto Carlos é um dos que canta Ave-Maria, musica composta pelo meu pai. Minha mãe recebia o equivalente o que recebo ainda hoje, 10 a 15 reais a cada cinco ou seis meses. Falam que não toca, é musica muito antiga! Ele possui mais 350 músicas compostas, entre as publicadas e inéditas. Tanto musica popular, como música clássica e música sacra.
Erotides usou um pseudônimo ao compor Ave-Maria?
Usou Jonas das Neves, parte do seu nome completo, Erotides Jonas Neves de Campos.
Como surgiu a música Ave Maria?
Minha mãe contava que ele ficava muito aqui no quintal de casa, isso por volta de cinco ou seis horas da tarde, ele achava o cair do sol muito bonito. Um dia ele resolveu compor a musica Ave-Maria. Ele subiu para o seu escritório que ficava no andar superior da casa, lá ele permaneceu por horas. Minha mãe disse que quando subiu, entrou no escritório dele havia muito papel jogado no lixo. Eram esboços da música que ele estava compondo e não achando ainda satisfatório, jogava-os ao lixo.
Ela falava muito do seu pai Erotides?
Quando ela se referia a ele chorava muito, ela dizia ter sido muito feliz com o meu pai.
Como era o cotidiano de Erotides de Campos?
Ele levantava, banhava-se, colocava o terno, e ia lecionar no Sud Menucci. Voltava, almoçava, descansava e trabalhava corrigindo trabalhos, provas, preparando aulas. Ele permanecia sempre muito com a minha mãe em casa. Ás vezes os dois saiam davam uma volta no jardim. Os irmãos dele vinham visitá-lo.
Que destino teve os objetos de uso pessoal de Erotides de Campos?
Minha mãe doou a flauta, cadernos, para o Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes. O piano minha mãe doou para o Lar Escola Nossa Mãe.
Ele faleceu nessa casa?
Foi um infarto fulminante, foi onde hoje é o meu quarto. Ele estava fazendo uma capa do cancioneiro. No dia anterior ele sentiu um grande mal estar, a ponto de não ir lecionar. Uma das suas frutas prediletas era laranja lima, minha mãe providenciou algumas laranjas, e aqui na cozinha de casa ele chupou umas laranjas. As duas horas da manhã ele sentiu-se mal, dor no peito, disse á minha mãe: “-Tita estou me sentindo mal”. Ela disse-lhe: “-Chupe uma laranja!”. Assim ele fez, e ele com a minha mãe foram caminhar um pouco, isso ás duas horas da manhã, isso na Rua José Pinto de Almeida, foram devagar até perto da Rua XV de Novembro. Voltaram para casa e ele disse que não conseguia dormir, iria terminar de fazer a capa do cancioneiro. Ele subiu, estava escrevendo, sua letra era impecável, ela percebeu que ele tinha tremido a mão, ela então perguntou: “Que foi Erotides?”. Ele caiu sem falar nada. Assim ele faleceu.
A mãe da senhora faleceu com quantos anos?
Ela faleceu com 97 anos de idade, isso foi em 1993.
Como é ser filha de Erotides de Campos?
Tenho muito orgulho do meu pai!
Qual era a reação da sua mãe ao ouvir as musicas compostas pelo seu pai?
Ela chorava muito. O Manoel Lopes Alarcom era um grande amigo da nossa família, ele vinha visitá-la, quando falava sobre o meu pai ela punha-se a chorar. Ela dizia que meu pai ajudava muito as pessoas, não falava mal de ninguém.
Qual o prato imbatível que a Dona Titã, sua mãe, fazia?
O macarrão! Eu faço da mesma forma que ela fazia, mas não fica igual, até meu marido diz: “-Não é igual ao da sua mãe não!”.
Ave Maria De Erotides De Campos
Cai à tarde tristonha e serena
Em macio e suave langor
Despertando no meu coração
A saudade do primeiro amor
Lungio se esvai lá no espaço
Nesta hora de lenta agonia
Quando o sino saudoso murmura
Badalada da Ave Maria
Sinos que cantam com mágoa dorida
Recordando em toda a aurora da vida
Cabe ao coração paz e harmonia
Na prece da Ave Maria
No alto do campanário
Uma cruz simboliza o passado
E o amor que já morreu
Deixando um coração amargurado