PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de maio de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: GABRIEL FERRATO DOS SANTOS
Gabriel Ferrato dos Santos é Secretário Municipal de Educação do município de Piracicaba desde janeiro de 2009. È professor do Instituto de Economia da Unicamp desde 1988, com pós-doutorado em Economia da Saúde pela University of York (Inglaterra), pela Universidad Pompeu Fabra (Espanha). Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em administração de Empresas pela FGV-SP, Mestrado Profissional em Gestão de Sistemas de Saúde pela UFBa, graduado em Ciências Econômicas pela Unimep. No período 2007/2008 foi coordenador do Núcleo de Economia Social Urbana de Políticas Públicas da Unicamp. De 1995 a 2002 cedido pela Unicamp ocupou cargos públicos como o de secretário de Planejamento do município de Piracicaba, coordenador-geral do Projeto Reforsus do Ministério da Saúde, Secretário Nacional de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde. Em 2004 elaborou estudo para a Rede de Redução de Pobreza e Proteção Social do BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nascido a 31 de outubro de 1951 em Piracicaba é filho do contador e comerciante Donato Corrêa dos Santos, natural de Brotas, e Maria Dinis Ferrato dos Santos, nascida em Andradina de prendas domésticas. O casal teve sete filhos: Bernadete, Raquel, Maria Angélica, Gabriel, Judite, Márcia e Alexandre. Seus primeiros estudos foram feitos no Grupo Escolar Prudente de Moraes, na época a família residia na Rua Floriano Peixoto. O segundo ano primário estudou no Grupo Escolar Barão de Rio Branco. Seu pai foi trabalhar na área contábil da “PAMEC” – Patrulha de Mecanização Agrícola “PAMEC” Ltda, hoje denominada PAINCO Indústria e Comércio S/A situada em Rio das Pedras, onde permaneceram por um ano, período em que Gabriel estudou na BSN, Escola Barão de Serra Negra e foi coroinha da Igreja Matriz de Rio das Pedras, o pároco era o Padre Ivo Vigorito. Gabriel lembra-se até hoje da missa celebrada em latim, recita ainda algumas frases: Dominus vobiscum (“O Senhor esteja convosco”) cujo responso, é: Et cum spiritu tuo (“E com o vosso espírito”). Recorda do sino tocado pelo coroinha durante a misa, do turíbulo, onde era colocado o incenso em determinadas cerimônias religiosas.
Alguma vez o senhor pensou em seguir a carreira religiosa?
Nessa época pensei, quem convive nesse meio quando criança é natural que isso passe pela cabeça, eu gostava muito de participar das celebrações. Essa minha participação tem muito a ver com o meu pai, ele era extremamente religioso, era muito rigoroso com as questões religiosas, no período da infância e adolescência todos nós em casa cumpriamos o que a igreja orientava. Meu pai cumpria todos os preceitos e nós o acompanhavamos, às refeições rezávamos. Por um longo período da nossa vida, todas as noites, meu pai rezava o terço conosco antes de dormirmos. Os efeitos são importantes, a religião tem uma função básica na vida do indivíduo, inclusive disciplina a sua própria vida. A formação cristã que recebi marcou minha vida e marca até hoje.
Com a volta da família á Piracicaba em qual escola o senhor passou a esstudar?
O quarto ano primário fiz no Sud Mennucci, prossegui os estudos até concluir o curso científico. Aos 15 anos comecei a trabalhar no Bradesco como contínuo, a agência era na Rua XV de Novembro, 831, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e o abrigo de onibus situado atrás da catedral.
Pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente hoje o senhor não poderia trabalhar com essa idade.
Hoje não poderia trabalhar. Sem querer contrariar o ECA, fazer da forma que fiz, conciliar estudo e trabalho não vejo nenhuma dificuldade. São dadas responsabilidades ao adolescente em formação, não sei se posso generalizar, mas no meu caso trabalhar já nessa idade me transformou em outra pessoa a partir daquele momento. Terminei a faculdade trabalhando no Bradesco, paguei meus estudos com o salário que recebia do banco. Naquela época dizia-se que Economia era a carreira do futuro, fiz um curso muito bom na Unimep, com excelentes professores. Em 1973 me formei. No final do curso já prestei exame para fazer mestrado. No último ano de faculdade deixei o Bradesco e fui trabalhar na própria Unimep, no projeto de implantação do CPD- Centro de Processamento de Dados. Era um equipamento IBM, a linguagem de programação era RPG- Report Program Generator. O primeiro sistema implantado envolvia a tesouraria, eu fazia a integração entre a rotina manual e a mudança para o sistema informatizado.
O senhor ingressou na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo?
No final do ano, me preparei, e fiz o exame para ingressar na GV em São Paulo, entrei classificado em quinto lugar. Fui fazer mestrado em Administração de Empresas. Tive professores como Eduardo Suplicy, Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano, Claude Machline, Carlos Osmar Bertero. Isso foi em 1974, nós estávamos na crise do petróleo.
O senhor residia em que local?
Comecei morando com um amigo em uma quitinete onde quase não cabíamos nós dois, ficava no Bairro da Liberdade, saí de lá e fui morar em um apartamento emprestado por um ex-professor, onde permaneci por uns dois meses, na própria GV formamos um grupo e fomos morar em uma pensão, ficava em uma rua que sai da Praça 14 Bis, hoje está instalado lá o Recanto Goiano. A partir dessa pensão constituímos um grupo de amigos e montamos uma república, era em um apartamento com três dormitórios. Nessa república tinha um gaúcho, eu de paulista, um mineiro, um cearense, um alagoano e um paraense. Falávamos quase um dialeto, pois todos os sotaques regionais estavam presentes naquela república.
Como era a sua locomoção por São Paulo?
No início utilizava ônibus, tanto dentro da cidade como para vir visitar a família em Piracicaba. Três meses depois de estar cursando o mestrado fui convidado a dar aula de economia na denominada atualmente como Universidade Ibirapuera. Eu tinha bolsa no mestrado, era do Programa Nacional de Executivos, ao final do curso eu tinha que reembolsar o valor recebido. Quando comecei a lecionar consegui comprar um Fusca branco, na época havia financiamento em longo prazo. Em 1975 fui convidado para dar aula na Unimep. Na Unimep tínhamos um grupo de estudos, eu, Renato Maluf, Barjas Negri, Antonio Augusto Franco, o Periquito, e mais alguns colegas. Saíamos da escola as 23h e íamos estudar. Reuníamos na casa do Renato Maluf. Permanecíamos estudando até a 1 ou 2 horas da manhã. Aos sábados, nos fins de semanas, também estudávamos. Todos nós fizemos mestrado. Fiquei dando aulas em São Paulo, na Unimep e estudando. Em 1976 entrei para o corpo docente da GV.
O senhor tinha algum apelido?
O meu apelido surgiu no ginásio, até hoje meus colegas de ginásio usam meu apelido, “Jaba”, quem me deu esse apelido foi o professor José Salles, com o tempo passou a ser “Jabinha”. Durante uma aula, o professor José Salles com o intuito de motivar as aulas procurava usar seu bom humor, um dia disse em sala de aula, que em árabe Jaba significa Gabriel.
O senhor praticava algum esporte?
Até começar a ter essa vida corrida eu jogava futebol, era centro-avante. Aos 15 anos, antes de começar a trabalhar cheguei a passar pelo juvenil do XV de Piracicaba, na época o Alfinha, João Carlos Clemente, também jogava ambos éramos os mais novos, a idade média do juvenil era 17 anos. Joguei em diversos times do Bairro Alto, era convidado a compor times, não jogava em um determinado time apenas. Joguei no Regente, que era o time do Barjas. Atualmente em função dos compromissos apenas pratico caminhadas. Como hobby eu tenho a leitura. A minha vida sempre foi composta por Três períodos: de manhã, á tarde e á noite. Quando não também fins de semana.
O senhor é casado?
Sou, com Selma Aguiar, nos conhecemos em um carnaval no Clube Cristóvão Colombo, eu gostava muito de carnaval, sai desfilando na Equipelanka, na Caxangá. Na época a Selma era bancária, atualmente ela está concluindo o curso de enfermagem. Temos dois filhos: Guilherme e Gustavo.
Quando o senhor passou a integrar a administração municipal?
Em 1978 fui convidado a participar na montagem do banco de dados da prefeitura municipal. O Barjas tinha começado, eu continuei esse trabalho, passei a fazer a pesquisa de preços, eu era o Gerente do Programa de Abastecimento da cidade, foi o período em que começamos a estudar a comercialização de hortifrutigranjeiros na cidade. O primeiro varejão da cidade foi uma iniciativa da minha administração, praticamente invadimos uma área central remanescente da Estrada de Ferro Sorocabana, era um terreno abandonado, que favorecia todo tipo de contravenção. Assim criei o primeiro varejão da cidade. Deu tão certo que em seguida foi criado um programa de criação de varejões.
O senhor é um dos pré-candidatos a prefeito municipal?
O prefeito Barjas Negri formulou uma lista de nomes possíveis de sucedê-lo na administração municipal, e o meu nome consta dessa lista, ocorreu um processo natural que acabou convergindo para dois nomes.
Na visão do senhor quais são as necessidades mais urgentes de Piracicaba?
Em 1995 e 1996 já fui secretário de Planejamento da cidade, o principal problema de qualquer gestão pública no Brasil é social. Temos que enfrentar os problemas sociais. A desigualdade social no Brasil é muito alta. O país é rico no seu PIB, que é mal distribuído. É um dos países de maior concentração de renda do mundo, portanto a maior desigualdade de renda do mundo. As demandas e necessidades da população são muito grandes. Isso bate na saúde porque as pessoas dependem do SUS, bate na educação, convivo com isso diariamente, porque depende da vaga na creche. Bate na segurança, embora os problemas com segurança sejam decorrentes apenas da desigualdade social. O jovem sem perspectiva por conta da desigualdade social vê no negócio da droga um ganho relativamente fácil. Isso bate no problema da segurança.
Educar um filho requer muito esforço dos pais, por diversos fatores, está ocorrendo uma “terceirização” do que deveria ser feito pelos pais?
Na escola tentamos dar a educação formal, a escolarização, obviamente que entramos nos temas éticos, morais e sociais. Só que se a família não faz a sua parte acaba estourando tudo na escola. Sempre afirmo que nós estamos fazendo a nossa parte, cabe as famílias se preocuparem com a formação ética e moral, deveria ser de casa e não na escola. Não cabe a escola dar formação religiosa, moral, ética nem comportamental. São valores trazidos de casa. Só que isso se interpenetrou de tal forma que a escola acabou ficando responsável até por essa formação que deveria ser familiar. Isso trás problemas para a escola, e os pais infelizmente participam muito pouco da escola, são chamados a participarem, mas eles não vão. Apenas uma minoria vai. Com isso a escola acaba sendo o estuário de uma série de problemas.
Com toda a experiência de vida e conhecimento que o senhor carrega o senhor acredita que estamos em meio a um furacão, a humanidade está passando por mais um período de mudanças, assim como ocorreu na Idade Média, na Revolução Industrial?
Tem gente que é otimista, eu ando preocupado. É claro que se você pegar a história do mundo, a Europa que era a menina dos nossos olhos, são países que se desenvolveram e tem um equilíbrio social, são países muito dignos, as pessoas têm dignidade nesses países. A Europa para mim sempre foi um exemplo, não vejo a coisa americana como modelo, pelo seu individualismo. E de repente deu-se essa crise, por um elemento muito curioso. Onde está o fundo dessa crise? Essa crise tem sua origem pelo consumo! Consumo exacerbado, além das possibilidades! A Europa não era assim. Quando estive realizando um curso na Inglaterra um dos debates mais interessantes que ouvi foi de jornalistas analisando as mudanças de hábitos de consumo ocorridos na Inglaterra. Eu via isso nas ruas de York, cidade de uns 200 mil habitantes, onde morei, no nordeste da Inglaterra. Eu via o consumo explodindo, as pessoas saiam às compras, as lojas ficavam lotadas, o comércio trabalhava sábado e domingo o dia todo. A Inglaterra não era assim, passou a ser no chamado período de globalização, dos anos 80 em diante.
A mídia é a grande vilã?
Não. É o processo econômico do capitalismo. Capitalismo é isso: acumulação e consumo. Com o processo de globalização, em que há certa padronização do consumo, por exemplo, as marcas famosas estão no mundo inteiro. Antes não era assim. Onde você for verá as mesmas roupas, as mesmas lojas, é o mesmo tudo. Isso no mundo inteiro, não era assim antes. Houve a padronização do consumo, e obviamente o marketing do consumo. Isso acabou atingindo os países europeus que eram menos consumistas, e criou uma geração, principalmente a geração mais jovem, consumista. Os mais velhos desses países não são tão consumistas como os jovens o são. Criou-se uma geração de 20 a 30 anos, consumista.
A administração de uma empresa privada é diferente da administração pública?
É bem diferente. Por vários motivos, um deles é a flexibilidade da empresa privada diante do poder da coisa pública. A coisa pública é extremamente complexa por ser obrigada a seguir rigorosamente as legislações. Há um quadro de funcionários que não pode ser alterado e nem criar motivação, a motivação no funcionalismo público é muito mais difícil de ser criada do que no setor privado. Criar salário variável no setor público é muito complicado de ser feito. No setor privado é baseado nos resultados da empresa. Baseado em que isso pode ser feito no setor público? Vem a questão incorpora ou não incorpora ao salário? O que conseguimos fazer com os professores até agora, foi criar o incentivo para a freqüência. Nos últimos três anos demos mais de 70% de aumento de salário aqui.
Todo crescimento de uma cidade trás ônus e benefícios, é possível equilibrar essas variáveis?
A vantagem do crescimento econômico reflete no mercado de trabalho. A única forma de ter emprego para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho é o crescimento econômico. Não existe alternativa. A Espanha está com 50% dos jovens sem emprego. Não há como afirmar ser contra o crescimento, a não ser no dia em que a população jovem se estabilizar. O crescimento econômico não pode ser a qualquer custo, tem que ser acompanhado de políticas públicas que dêem o que modernamente é chamada de sustentabilidade a esse crescimento. O crescimento não pode prejudicar o meio ambiente, tem que ter suporte a esse crescimento na área social, cultural. Isso tem que ser feito com equilíbrio, o problema do Brasil é que ele desequilibrou.
A vinda de empresas de grande porte, como está ocorrendo, trazendo pessoas com hábitos e culturas de outros países podem impactar negativamente?
Acho que é positivo para a cidade. A combinação de culturas é uma coisa positiva. A indústria moderna traz um mercado de trabalho melhor do que outros setores. A mão de obra é qualificada e com melhor remuneração. O fato de trabalhar no chão de fábrica não implica que seja mal remunerado. Tudo que ocorre no comércio e nos serviços tem a ver com isso. Você acha que existe serviço que de alguma maneira não esteja vinculado à indústria ou a agricultura? A indústria produz mercadorias, o serviço vem em conseqüência das mercadorias. Do bem tangível.
O mercado imobiliário não só de Piracicaba, assim como das cidades em seu entorno passaram por valorizações significativas desde que houve o anuncio da vinda de novas indústrias.
Há demanda e há especulação. O especulador nesse momento quer se aproveitar. Esse tipo de desequilíbrio existe no primeiro momento, depois acomoda.
No regime democrático como o senhor vê a relação entre o poder legislativo e executivo?
A oposição sempre terá o ponto de vista dela. Quem circula mais entre as pessoas? Não é o executivo, é o legislativo. Os vereadores que circulam pela cidade, sabem dos problemas, eles vêm com a demanda. Nesse caso ele ajuda o executivo.
A legislação engessa o poder executivo?
A legislação em geral no Brasil ela engessa. Encontramos inúmeras dificuldades para que as coisas aconteçam. Muitas vezes o problema existe, mas demoram-se meses para solucionar, tem que haver um projeto, concorrências, tudo de acordo com as leis, é uma herança colonial.
Piracicaba tem uma vocação turística?
Nós fomos brindados com esse rio maravilhoso. Poucas cidades têm o espaço maravilhoso que Piracicaba tem. O governo Barjas está fazendo o máximo, está mexendo em toda a orla e mais o Projeto Beira Rio.
Há uma demanda reprimida de hotéis em Piracicaba, como isso pode ser solucionado?
Não pode ser uma iniciativa do setor público, tem que ser uma parceria privada. Qualquer evento realizado na cidade não há como as pessoas se instalarem.
Quantas escolas municipais foram construídas em Piracicaba?
O Governo Barjas fez 41 escolas infantis e 28 de ensino fundamental, abrigando mais de 30.000 crianças. O Estado tem um bom programa de alfabetização que é o Ler e Escrever, logo que entrei aqui descobri que havia esse programa e submeti a e proposta a equipe, eles concordaram e desde 2010 implantamos. Cada criança trabalha com 40 leituras por ano. É um programa bom, estamos no terceiro ano de implantação. Na realidade o que funciona é o trabalho do professor, o material ajuda, o trabalho do professor em sala de aula é que determina o que irá acontecer. Sabendo trabalhar o material ele irá fazer a boa formação da criança. Não acredito muito em coisas salvadoras, existe o trabalho, o compromisso do professor. É isto que faz a educação!
Porque o professor diz que ganha mal?
Ganha mal mesmo, no Brasil inteiro. É um crime contra a Nação. Em Piracicaba o prefeito tinha clareza sobre isso, quando assumi tinha clareza, sabíamos que tínhamos que mexer nisso. E começamos a mexer, em 3 anos houve um amento de mais de 70% nominal, mas que deu um salto importante.