PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de março de 2018.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de março de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
O Juiz Titular da 2ª Vara Cível de Piracicaba, Marcos Douglas Veloso Balbino da Silva, 46, assumiu em 2016 a direção do Fórum de Piracicaba, cargo que estava sob responsabilidade do Juiz Wander Pereira Rossette Junior, desde 2005. Foi indicado por Rossette e outros juízes para assumir o cargo. Nascido a 29 de outubro de 1971 na cidade se São Paulo. Trabalhou no já extinto Tacrim (Tribunal Criminal). Foi professor da Escola Superior de Advocacia de Jales, da Faculdade de Direito da Unicastelo e do curso preparatório para concursos e exames da ordem. É casado, pai de dois filhos.
Quantos juízes atuam no Fórum de Piracicaba?
São 14 cargos, 18 de titulares e 6 de auxiliares. Temos dois cargos de auxiliares que estão no concurso de promoção, no final de abril devem chegar os novos.
O senhor está em Piracicaba há quanto tempo?
Estou há 14 anos. Iniciei minha carreira como Juiz Substituto em Araraquara, fui Juiz Titular em Iepê, cidade próxima a divisa com o Paraná. Depois fui para Palmeira d’Oeste, no noroeste do Estado, e de lá me promovi para Piracicaba.
O senhor cursou direito em São Paulo?
Sou formado pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) situada em São Paulo.
O senhor iniciou atuando como advogado em escritório particular?
Eu era servidor no Tribunal de Justiça em 1994, em 1999 iniciei na magistratura, na época o período em que eu trabalhei como servidor contava como tempo necessário para prestar o concurso.
Em Piracicaba há acumulo de processos?
No Judiciário Brasileiro enxugam-se gelo, só a minha vara recebe de 140 a 180 processos novos por mês!
A Constituição Brasileira está defasada?
Infelizmente quem está defasado é o povo brasileiro, com suas obrigações, ninguém conversa, traz tudo para o judiciário, ninguém respeita o próximo, esse é o problema.
Antes de procurar o judiciário deveria tentar-se um acordo entre as partes por iniciativa delas mesmas?
Temos um grande problema, as Agências Nacionais que é uma idéia ótima, não funcionam, nós estamos com uma grande carga de processos de telefonia, de bancos, planos de saúde, isso é um complicador. Por outro lado temos uma população que em grande parte só pensa em si, no próprio umbigo, não precisava chegar até o judiciário, muitos processos não há necessidade de chegar até aqui.
Qual área processual o senhor julga?
Só julgo processos cíveis: acidente de trânsito, falência de empresa, dano moral, contratos bancários, consumidores, despejo, briga de sócio, briga de vizinho (não crime), se teve dano, dano moral.
Nesses anos todos, o senhor percebe se houve um acréscimo de ocorrências?
Só aumenta! Aqui em Piracicaba eu cheguei para ser o décimo Juiz da Comarca, hoje estamos em 24 juízes. E não damos conta! Como aumentou o número de varas, aumentou o número de servidores. Não sei até quando o governo vai conseguir contratar para servir a justiça.
Há muito papel tramitando?
Não há mais papel no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Só os processos antigos. Desde 2013 todos são eletrônicos, tudo digital, não temos mais papel. (Enquanto conversamos Dr. Douglas através dos terminais sobre sua mesa, realiza algumas ações, consegue nos dar atenção sem perder um momento da sua atividade mais urgente). O processo é todo digital desde 2013.
O senhor acredita que a tecnologia avançou muito e a parte humanística não evoluiu na mesma velocidade?
O senhor matou a charada! È isso mesmo! O Brasil só se desenvolveu na parte tecnológica, e não muito. Na parte humanística regredimos.
O senhor vê alguma solução para essa situação?
Para o Brasil? Só se começar tudo de novo!
Há os que defendem o controle da natalidade, a seu ver pode ser um caminho para a solução?
Não é só o controle da natalidade que irá resolver. O problema do brasileiro é moral, é ético, Hoje todo mundo tem acesso a internet, recebe um grande volume de informações, daria para entender o que é certo e o que é errado. Como deveria ser feito. E não é feito. Cansamos de ver pessoas que freqüentaram grandes escolas e tem desvio de conduta da mesma forma. O problema é da índole do brasileiro.
Isso não tem nada a ver com a classe social do individuo?
Não. O brasileiro quando tem oportunidade gosta de levar vantagem, ludibriar o próximo.
O senhor tem alguma fé religiosa?
Tenho!
O senhor considera a religião importante na vida da pessoa?
Para os que acreditam, sim.
O senhor acredita que se tivéssemos um pouco mais de fé seríamos diferente?
Não é apenas ir a uma determinada religião que irá mudar o indivíduo. Canso de passar em frente a determinadas igrejas e vejo veículos parados em locais proibidos. Ou em frente a entrada de uma garagem. Tenho amigos que tem que localizar quem está assistindo uma cerimônia religiosa e deixa o carro estacionado em frente a sua garagem. A questão não é divina, é do próprio cidadão.
A impressão que se passa é que o país não cresceu, inchou.
Continuamos iguais a quando os portugueses aqui chegaram cada um por si e Deus para todos! Ninguém está pensando no próximo, em sociedade, em coletividade, pensa nele!
Ao julgar uma causa o trabalho do juiz é desgastante?
O trabalho do juiz é baseado no que? Na Constituição, na Lei e nos fatos que as partes trazem. O Juiz não é Deus, não é onisciente nem onipresente. Às vezes ele julga, mas não faz justiça. Porque ele não estava lá. As testemunhas vêm até aqui, mentem, e mente bem, a pessoa sai injustiçada. Temos que privilegiar a boa fé das pessoas. Mas nem sempre é isso que vemos. As pessoas têm que entender que o juiz usa duas ferramentas básicas: Constituição e a Lei. A Constituição traz os princípios e a Lei acaba detalhando mais esses princípios, e os fatos que as partes trouxerem, o juiz não estava lá. Até porque se ele viu o que aconteceu ele não é juiz, é testemunha.
Há muitas décadas, a farmácia era um dos locais onde intelectuais, autoridades, passavam para “um dedo de prosa”. Com o crescimento desses povoados, isso terminou. Com o advento da Operação Lava Jato houve uma glamorização da profissão?
Não concordo! Ao contrário, só o colega do Paraná recebeu a glória, os demais são tachados: ganham muito, não fazem nada.
Essa história de ganhar muito é relativa, há muitos advogados que ganham muito mais!
Os bons advogados ganham muito mais. Esse muito pode por bastante, muiiiito mesmo! Quanto ao juiz, a população tem que pensar que se não pagar bem, quem vai querer ser juiz? Você tem que atrair os melhores quadros, tem que competir com a iniciativa privada, os bons tem ótimas propostas por parte da iniciativa privada. Se você pagar mal ao juiz, irá atrair pessoas não tão capacitadas, a corrupção que hoje está a níveis baixíssimos na magistratura, ela está dentro do ser humano. Se você paga mal, começa a vir gente não tão capacitada para ser juiz. Só que pense: o juiz tem o poder da caneta, você pode trazer pessoas despreparadas e mal intencionadas. O rapaz ou a moça que sai da faculdade vai pensar, vou ser juiz, quanto vou ganhar? Cinco mil reais? E ser advogado de uma grande empresa? Cem mil reais? Qual será a escolha que irá fazer? A pessoa que tem mais capacidade tende a ir onde tem melhores condições de trabalho. Uns querem achatar o salário do juiz? Tem uma conseqüência. Hoje poucos passam no concurso para juiz, promotor de justiça. São muitas vagas e poucos que ingressam.
Acumulando a direção do Fórum e a magistratura o senhor tem uma carga grande de trabalho.
Ainda bem que tenho uma estrutura de funcionários muito boa, tanto no meu cartório como na administração. Mas dá trabalho! São reuniões, com juízes, advogados, a imprensa procura muito mais o juiz diretor, você lida com diversos interesses, o Fórum é a casa do juiz, é a casa do promotor de justiça, é a casa do advogado. Temos 600 servidores distribuídos em três prédios. Temos o prédio principal, ao lado temos o Cartório do Juizado Especial Cívil Criminal e na Rua Moraes Barros Cartório da Vara da Fazenda Pública, temos que administrar o interesse de todo mundo, da população que vem dos policiais civis e militares, dos guardas municipais. Não é simples. Temos 6 Varas Cíveis, 4 Varas Criminais, 3 Varas de Família, 1 Vara da Infância, 1 Vara Júri e Execução Penal, 1Vara Cívil e Criminal e 2 Varas da Fazenda Pública sendo que a Segunda Vara da Fazenda Pública estamos aguardando agenda do Presidente do Tribunal para instalação.
Há um projeto para um prédio novo?
Temos o terreno doado pela prefeitura estamos em conversações com o Estado para ver se vai construir ou não, de que forma vai ser com dinheiro público ou dinheiro privado mediante concessão ou permissão.
Ser juiz é uma sensação boa por estar prestando serviço e de muita responsabilidade. Qual é o sentimento de um juiz?
É a primeira vez que me perguntam isso! Falo por mim. Sou feliz com o que eu faço. Sei que mandei prender muita gente, tirei muita gente de casa, tirei filho de muita gente, mas me sinto realizado porque é a nossa tentativa de fazer justiça. É gratificante resolver um problema, principalmente quando você vê que fez justiça.
O senhor é visto com muito respeito.
A população tem um respeito pela figura do juiz por ser a última defesa do cidadão. Quando o cidadão não consegue resolver o seu problema, é perseguido por ente privado ou público, é aqui que ele vai ter a sua salvaguarda.
Como Diretor do Fórum o senhor tem algum horário diferenciado?
O povo não entende. Muitos dizem “-O Juiz só vai a tarde!”. O que acontece? O nosso trabalho é muito intelectual. Pensar. Raciocinar. No pequeno espaço de tempo que você está aqui por quantas vezes tocou o telefone? No mínimo quatro vezes. Quantos que entram e saem da minha sala? Muita gente. Dependendo do caso, você não consegue dentro do Fórum dar uma solução. O advogado vem para despachar, você é obrigado a atendê-lo. O que acontece? Muitos colegas acabam trabalhando em casa. Lá é um ambiente tranqüilo, se tranca no escritório dele, com os livros, e está decidindo, um casinho de despejo, em que o cidadão não pagou, é simples. No meu caso eu tenho a recuperação judicial da Dedini. Tem 22.000 páginas digitais! Fora os anexos que deve dar umas 10.000 páginas! Esse é um dos 4.000 e poucos processos em que estou trabalhando.
O senhor tem que ler 22.000 páginas do processo?
Já li! Conclusão, o juiz tem uma carga mínima de comparecimento no Fórum que é das 13:00 às 18:00 horas. (Pela quinta vez toca o telefone). Com o processo digital, hoje mesmo trabalhei em casa. Além disso, atuo no Colégio Recursal, ou seja, todos os processos de pequenas causas, os recursos não vão para São Paulo, ficam aqui em Piracicaba. (Nesse momento uma pessoa autorizada entra na sala e dá um pequeno aviso ao juiz). Além disso, sou Corregedor do Segundo Tabelionato de Notas. Qualquer problema que a população tiver lá, reclama comigo.
E a senhora sua esposa consegue entender esse trabalho intenso?
Senão não teria casado comigo!
O senhor tem algum livro escrito?
Como eu disse, não tenho tido tempo. Admiro quem tem tempo de escrever um livro. Se eu fosse escrever um livro seria uma obra jurídica, abordando a parte técnica.
O senhor ainda estuda bastante?
O certo seria abrir um livro e ficar a tarde inteira lendo, mas não dá tanto tempo, com isso acabo estudando para o caso. Quando é um caso complicado vou estudar a doutrina daquela matéria.
Ou seja passa a vida inteira estudando?
Para quem gosta de ler, o caminho certo é ser juiz.
Com relação a recursos financeiros o judiciário também sente dificuldades?
Dependemos de o Executivo passar o dinheiro para o Judiciário. Todo ano o orçamento do Tribunal de Justiça sofre cortes. Nunca vem o dinheiro que o Tribunal de Justiça entende necessário para administrar toda a máquina. Teria que ser 6% do orçamento, mas não vem, Chega em torno de 4,7%. (nesse momento Dr. Douglas já despachou eletronicamente, seu dinamismo impressiona).
Essa adaptação à informática já foi absorvida pelo Judiciário?
Os juízes já estão adaptados.
Há uma aproximação maior do Judiciário com a população?
Hoje há muito mais acesso ao judiciário do que antigamente. Não é se aproximando da população que o judiciário vai piorar ou melhorar, o juiz julga com base na Constituição e na Lei. Se for para aproximar para saber o que a população quer, ai vamos para a praça pública julgar as pessoas, como era na Roma antiga. (Dr. Douglas lembra os sinais feitos pelos romanos: polegar para cima era sinal de absolvição, polegar para baixo era sinal de condenação). Muitas vezes o que a população quer não é o justo, o certo.
A mídia ajuda ou atrapalha?
Ajuda e atrapalha.
O senhor acredita que as perspectivas futuras do Brasil é ter seus sonhos realizados?
Não. Ele só está regredindo, na minha visão é só piorar. Não precisa ser juiz para ver isso, é só olhar o que está acontecendo no país: na política, sociedade, instituições, mesmo a vida privada, está um caos! Não dá para falar que as coisas estão bem.
As vezes é necessário ir ao caos para voltar a ser melhor.
Mas quando o Brasil foi bom? Tenho 46 anos e não me lembro de pensar: “Nossa! Esse País está uma maravilha!”. O Brasil é um país do futuro! Só que o futuro já passou e estamos na mesma situação.
O senhor pratica algum esporte?
Jogo futebol e tênis.
Bom jogador de futebol?
Eu era! Jogava no meio, no ataque, na defesa. Depois de velho você vai recuando.
O senhor faz algum tipo de alimentação especial?
Como de tudo, moderadamente.
Piracicaba representa para o senhor uma cidade boa para morar?
Piracicaba é excelente! Muito boa para morar, aqui conheci a minha esposa, pretendo não sair daqui.
Normalmente o senhor despacha quantos processos por dia?
Depende muito do processo, do dia, Dedini quando tenho que despachar é o dia inteiro. Existem processos que são simples, com dificuldade média, difíceis. Existe um acompanhamento da produtividade do juiz, são bem rigorosos, eu não fico contando quantos processos despacho. Se ficar contando fico louco! No tempo em que eu iria demorar para contar já despachei outro processo. O volume é grande.
O senhor tem algum auxiliar nesses processos?
Aquilo que é básico, o cartório faz. Dar vista, a parte juntou um documento a outra tem que dar vistas, o próprio cartório faz. É o que chamamos de despacho de mero expediente ordinatório. As decisões mais complexas sobem para o gabinete tenho duas assistentes, são bacharéis em direito, que me ajudam em pesquisas de doutrina, jurisprudência, essas atividades.
Existe uma escala na carreira de juiz?
Você entra como juiz substituto, depois a primeira promoção é para juiz de entrância inicial, a próxima promoção é para juiz de entrância intermediária, depois entrância final, que é a que estou, e depois é desembargador. Para ser desembargador tem que ter tempo de carreira.
A aposentadoria compulsória de juiz é com que idade?
Com 75 anos.
Ele pode ingressar até com quantos anos?
Não tem idade limite. Era 45 anos, mas isso já caiu faz tempo.
É uma carreira que aos jovens bem intencionados é indicada?
Quem sentir-se vocacionado deve seguir. Eu não me arrependo nem um minuto. Eu me decidi quando estava no terceiro colegial. Queria ser juiz. Tanto que fui fazer direito já sabendo o que queria ser.
A forma de lazer é a mesma das outras pessoas?
Juiz é uma pessoa comum. Faço tudo que o cidadão comum faz. Geralmente tem juiz que é mais caseiro outros gostam de sair. Alguns são mais retraídos outros não. Isso é da personalidade da pessoa, não do cargo.