MARTINHA PEREIRA ALCALDE LARA E CLAUDIO ALCALDE LARA
Martinha, 79 anos, e Cláudio, 91, formam um casal inspirador, com histórias de vida que emocionam e ensinam.
Martinha é uma verdadeira guerreira. Enfrentou desafios que muitos considerariam impossíveis de superar, sempre com coragem, força e determinação. Mulher de fibra, assumiu com bravura a responsabilidade de criar seus filhos sozinha após a separação, sem jamais perder a esperança de dias melhores.
Cláudio, por sua vez, é um homem de princípios morais sólidos e inabaláveis. Ao longo de sua trajetória, teve diversas oportunidades de usar sua posição profissional em benefício próprio, mas escolheu, com firmeza, manter sua consciência limpa — um valor que aprendeu desde cedo com seus pais. Viúvo, também enfrentou suas batalhas, sempre guiado pela ética e pela serenidade.
O destino, com sua sabedoria silenciosa, uniu essas duas almas. E foi assim que Martinha e Cláudio se encontraram — em um momento de maturidade, após terem passado por tantas experiências que só fortaleceram quem são.
Hoje, vivem uma vida cheia de alegria, cumplicidade e energia. Casal ativo, determinado, que encontrou a felicidade depois de muita luta. Um verdadeiro exemplo de que o amor e a realização podem florescer em qualquer fase da vida.
Uma história que inspira e nos lembra que nunca é tarde para ser feliz. Uma linda lição de vida.
Martinha e Claudio: uma dupla cheia de vida e talento. Martinha, aos 79 anos, é casada com Claudio Alcalde Lara, que aos 91 anos esbanja vitalidade e criatividade. Juntos, formam um casal admirável: comunicativos, alegres e sempre dispostos a participar das atividades da comunidade. Claudio tem como hobby a pintura sobre madeira, uma arte que executa com impressionante sofisticação. Utilizando ferramentas delicadas como bisturi e pirografo, ele mesmo prepara a madeira, desenha o contorno de seus projetos e realiza a pintura com notável precisão. Seu trabalho revela não apenas talento, mas também dedicação e paciência. Ao ser perguntado onde aprendeu tudo isso, ele responde com simplicidade e bom humor: “Na internet!”. Um de seus sites favoritos é o Pinterest ou, como ele diz com naturalidade, o “Printest”, deixando claro que a tecnologia faz parte do seu dia a dia. O uso frequente do computador, inclusive, é confirmado por Martinha, que se orgulha da disposição e curiosidade do marido. Um exemplo inspirador de como a arte, a tecnologia e o entusiasmo pela vida não têm idade.
Ambos se movimentam com agilidade e equilíbrio. Martinha Pereira Alcalde Lara é filha de Abílio Pereira Nunes e Joana Cardoso Silva que tiveram cinco filhos: José, Martinha, Ronilda, Judith, Zenilda.
O senhor nasceu em qual cidade?
Nasci em São Paulo, no bairro Bom Retiro, no dia 25 de abril de 1934, meu pai é Manoel Alcalde Lara, descendente de espanhóis, minha mãe Julieta Fressati, descendente de italianos.
Martinha, a senhora nasceu em qual Estado?
Nasci em Minas Gerais, eu tinha dez anos de idade quando a nossa família se mudou para o Norte do Paraná, mudamos para a região de Paiquerê, nas proximidades de Londrina. Depois fomos para Londrina. Naquela região permaneci até 1979.
A senhora estudou lá?
Eu não tive a oportunidade de estudar quando era criança. Não estudei, A primeira vez em que fui para a escola, eu tinha 25 anos de idade! Aos 25 anos de idade fui cursar o MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização, nessa época em que fui para a escola, eu já tinha casado, aos 19 anos, e desse primeiro casamento nasceram meus filhos. Sou mãe de seis filhos: Alice, Vilma, Kelly, Valéria, Alexandre e Rogério.
Claudio, o senhor era casado também?
Sim! Era casado!
A senhora iniciou sua vida profissional em qual área?
Quando vim de Londrina, lá eu era diarista. Faxineira, doméstica, fazia tudo para poder trabalhar. Trabalhei em todo tipo de trabalho doméstico. Quando vim morar em São Paulo, fui trabalhar em uma lavanderia, na lavanderia do Hospital Paulistano.
O Hospital Paulistano tem mais de sete décadas de existência, fundado em 1947, chamado inicialmente de Hospital Nossa Senhora do Carmo, já tinha como missão ser um centro de referência em medicina. Em toda a sua trajetória sempre possuiu instalações modernas e equipes qualificadas, com foco na excelência e humanização do atendimento ao paciente. Em 1971, foi inaugurado o novo prédio com ampliação de leitos na internação e enfermaria. Passou a se chamar Paulistano no ano 1988 e, mais uma vez, foi modernizado com o objetivo de proporcionar conforto, bem-estar e segurança aos pacientes, acompanhantes, visitantes e aos profissionais da instituição. Atualmente, o hospital é considerado referência em oncologia.
Qual era a função da senhora na lavanderia do hospital?
Eu fazia o controle das roupas do hospital. Só que eu não sabia ler!
E como a senhora fazia?
Eu cuidava de três andares, tinha que fazer o relatório das roupas que tinha nos armários, cada setor tinha que ter um “x” de roupas. Pediatria tinha que ter determinado número de roupas; a maternidade tinha que ter um determinado número de lençóis, travesseiros, fronhas.
Como a senhora fazia esse controle?
Eu contava quantos lençóis tinha e para cada um eu marcava “um pauzinho”! Eu tinha que repor a quantidade de lençóis que estava faltando. As vezes tinha apenas dois lençóis e o correto era ter 20 lençóis. Portanto eu tinha que colocar 18 lençóis ali. Eu fazia 18 risquinhos em um papel e sabia que ali era lençol.
Era muita força de vontade!
Era! Mas eu precisava! Meu trabalho nesse hospital foi esse.
Nesse período aconteceu alguma interferência de alguém nesse seu “método” de contagem?
A minha chefe ficou abismada, perguntou-me: “-Como é que você consegue controlar as reposições? Você não sabe ler?
A senhora fez uma ficha para admissão no emprego?
Eu necessitava muito trabalhar, tinha meus filhos para sustentar! Quando eu fui fazer a ficha, peguei e fiquei olhando, eu não entendia nada! Eu tinha trabalhado na roça por muito tempo, depois fui ser diarista, eu não tinha noção de nada! Um rapaz que estava ao lado perguntou-me se eu queria que ele preenchesse a ficha para mim. Eu disse que queria. Ele pegou a minha identidade, preencheu a minha ficha e eu fui contratada! Sem saber ler e sem saber escrever!
A senhora é muito corajosa!
Fazia uns três ou quatro dias que eu estava ali, quando a minha chefe viu aquilo e ficou pasma! Ela disse-me: “-Pois agora você vai estudar!” Eu contratei um professor que era do nosso bairro, eu morava no Jardim Campo de Fora, Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo. Esse professor era paralítico, com os pés ele usava uma varinha, tinha uma lousa e ele ia escrevendo. Assim eu aprendi a escrever o meu nome, aprendi muita coisa com ele: escrever o meu nome, silaba, monossílaba, trissílaba, as vogais, por seis meses tive aulas com ele. Aí fui para o MOBRAL, lá fizeram um teste comigo, para verem onde poderiam me colocar. Fui para a terceira série. Continuei, terminei até a quinta série, fui fazer a sexta série, na época havia eliminação de matéria. Peguei primeiro a língua portuguesa, fiz tudo, estudei lá no Brás. Toda noite eu ia lá para fazer só português. Trabalhava o dia inteiro e a noite ia para lá, de ônibus. Terminei português, fiz geografia e assim terminei todas as matérias, até completar a nona série. Nesse meio de tempo, fui trabalhar no Hospital São Luiz, na Avenida Santo Amaro. Entrei em 1982 no Hospital São Luiz.
Em 28 de março de 1938, como uma policlínica de 12 leitos, nasceu o Hospital São Luiz. Dois anos depois, já era o 1º PS privado da região. Foi uma questão de tempo para a construção do prédio de apartamentos do hospital, inaugurado em 1963 com 80 leitos. Em 1983, a instituição inaugurou a Maternidade São Luiz e, com ela, o inovador conceito de hotelaria para o ramo da saúde no Brasil. No ano de 1994, um moderno centro de diagnóstico foi integrado ao complexo hospitalar. Nesse mesmo ano, o hospital expandiu sua capacidade instalada em mais 70 apartamentos.
Em que setor a senhora foi trabalhar no Hospital São Luiz?
No Hospital São Luiz eu fazia a limpeza de quartos, era denominada como “Quarteira”. O dono do hospital, Dr. Alceu de Campos Rodrigues, foi o idealizador do Hospital São Luiz. Ele tinha uma visão de mundo excelente, ele observava entre os funcionários aqueles que deslanchavam bem no trabalho, que tinham vontade de vencer, ele pagava cursos de aperfeiçoamento. Ele me pagou um curso de Atendente de Enfermagem, na época em que só tinha atendente de enfermagem, as auxiliares de Enfermagem era uma para cada setor. Após um ano, eu tinha terminado o curso, fui trabalhar na UTI do Hospital São Luiz como Atendente de Enfermagem. No Hospital São Luiz trabalhei por três anos. Nessa época, um renomado cirurgião, que ocupava uma posição de destaque, teve a infelicidade de cometer um erro médico em uma cirurgia da esposa de um homem muito influente. Na época foi um fato ventilado pela imprensa, o médico além de ser despedido, perdeu tudo que tinha conquistado. Foi quando ele me disse: “Martinha! Preciso da sua ajuda!”. Foi quando eu saí do Hospital São Luiz para trabalhar para esse médico. Permaneci em seu consultório por uns cinco anos.
De lá a senhora foi para onde?
Fui trabalhar na Santa Casa de Santo Amaro. No CAT. É onde atendemos urgências graves. Pessoas vitimadas por acidentes graves. São casos geralmente ligados a acidentes de trabalho, com lesões muito graves e que se não for a óbito deixarão graves sequelas.
E por que a senhora escolheu esse local?
Além de prestar serviço em uma área difícil, a minha vontade de evoluir meus conhecimentos era muito grande. Lá eu permaneci por três anos. Aí fiz o curso de Auxiliar de Enfermagem do Trabalho. Após concluir fui trabalhar em empresa.
Em quais empresas a senhora trabalhou?
Trabalhei na Q-Refresko , lembra-se desse produto?
Lembro-me sim! Era um suco em pó, que vinham em um envelope para diluir na água! Um envelope dava para 10 copos!
Da Q-Refresco a senhora foi trabalhar em outra empresa?
Fui trabalhar no ambulatório do Banco do Brasil, na Vila Préu, na Estrada de Itapecerica da Serra. Lá eu parei de trabalhar na área da saúde.
A senhora cansou da área?
Eu aprendi tudo o que eu queria! Meu sonho era tornar-me Enfermeira Padrão. Só que estava além das minhas possibilidades financeiras. Era um curso muito caro. Decidi sair e ir trabalhar por minha própria conta. Abri um comércio de alimentos.
Como a senhora e o Sr. Claudio, seu marido, se conheceram?
Nos conhecemos quando eu trabalhava no ambulatório do Banco do Brasil. Ele trabalhava com a ambulância. Ele era viúvo e eu divorciada.
Sr. Claudio, o senhor começou trabalhando onde?
Comecei a trabalhar como office-boy na empresa Comércio Domingos Nazarian de Tecidos. O proprietário era armênio se não me engano, situado na Praça da Sé, esquina da Rua Benjamin Constant. Ele tinha outra loja no Largo Paissandu, em São Paulo também, Trabalhávamos muito com Tecidos Santa Branca, onde o Sr. Domingos era sócio.
O senhor andou de bonde?
Era o bonde fechado, conhecido como “Camarão”, por causa da cor vermelha, ou o bonde aberto?
Andei muito com os dois!
Bonde Camarão
Bonde aberto
Eu trabalhava lá, morava com a minha mãe, na época era solteiro, morávamos na Lapa. Tinha intervalo de duas horas para almoçar, a minha avó morava no Bom Retiro, na Rua Júlio Conceição. Eu ia de bonde almoçar na casa da minha avó! Ela chamava-se Vitalina Fressatti. O meu avô trabalhava na Estrada de Ferro The São Paulo Railway Company, Limited.
O senhor andou também muito de trem?
Sim! Para ir até a minha casa na Lapa eu pegava um trem na Estação da Luz e descia na Lapa! Lembro-me que tinha a Estação Barra Funda, Perdizes, para chegar na Lapa levavam uns 20 minutos! Era rápido!

Estação da Luz – São Paulo
O senhor estuda em qual escola?
Estudei no Ginásio Campos Salles. Na Lapa, Rua 12 de outubro. Quando mudei para Vila Pompéia, conclui meus estudos em um Liceu.
Quanto tempo o senhor trabalhou como office-boy?
A empresa me aproveitou para outro cargo, eu tinha o curso de datilografia, tinha feito lá na Escola Campos Salles, eu era rápido na datilografia! Na empresa me deram uma máquina bem simples, uma Royal, depois me deram uma maior, com o “carro” da máquina grande, onde eram datilografados documentos e fichas contábeis. Digitava e ela fazia o acréscimo sozinha. Trabalhei com essa máquina por cinco anos! Operava também uma máquina de somar, a Facit!
Maquina de somar Facit
O senhor serviu o exército?
Servi no 4º Regimento de Infantaria. Entrei como soldado, fiz o curso de cabo e de sargento. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado, mas o clima ainda estava tenso, minha mãe me implorou de joelhos para que eu saísse do Exército. Eu pedi baixa. O 4°Batalhão ficava em Quitaúna, Osasco. Atualmente mudou, não é mais 4° RI, é BIB – Batalhão de Blindados. Era a Infantaria, maior quartel de São Paulo.
O senhor pretendia seguir a carreira militar?
Eu pretendia, mas diante do pedido da minha mãe, da forma que ela fez, não tinha como ir em frente. Estávamos saindo de uma Grande Guerra, o Brasil tinha mandado soldados para o front, conhecidos da nossa família foram mortos, outros voltaram mutilados, o peso da guerra tinha afetado a humanidade toda. As famílias não queriam ver seus filhos mortos. Meu pai era maquinista na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Ele tinha um amigo que perdeu a perna no campo de batalha, na Itália, e ele contava as cenas terríveis que tinha visto. Eu voltei a trabalhar na mesma empresa que havia trabalhado por oito anos. Quando ocorreu a morte de Getúlio Vargas eu estava na Praça da Sé, inclusive fardado, ocorreu um reboliço onde até os cavalarianos da Força Pública tiveram que intervir. Eu me vi no meio daquela confusão, consegui sair pela Rua Benjamin Constant, o povo estava muito alterado. Foi uma coisa indescritível, os cavalarianos tentando controlar aquela massa de pessoas, alguns cavalos chegaram a ser derrubados.
Cavalarianos da Força Pública de São na década de 40 no centro de São Paulo.
Como sargento o senhor tinha a função de comandar um batalhão?
Quando me formei como sargento, mandaram-me para uma divisão. Fui para a CPP- Companhia de Petrecho Pesado – Segundo Batalhão. Ali uma das funções ensinadas era desativar um morteiro se ele falhasse. Uma tarefa perigosa. Mediante manobras de manuseio, seguindo à risca cada movimento ensaiado, desativávamos o morteiro.
Quando o senhor voltou a trabalhar na empresa, já assumiu outro cargo?
Sim! Fiquei como Gerente de Compras. Tinha um rapaz que fazia o trabalho de importação, ele precisava de alguém que comprasse insumos para a fábrica. Eu fiquei trabalhando ali. Ele foi para a Arno e me convidou para trabalhar lá. Ficava na Mooca. A Arno fornecia motor de liquidificador para a Walita.
A Arno é uma empresa americana?
É nacional! É o sobrenome da pessoa. Quando eu entrei trabalhava fazendo o inventário da empresa. Com uma máquina de escrever com carro grande, própria para a função, registrava os dados coletados. Depois surgiu uma vaga no Departamento de Compras, esse meu amigo, me chamou para lá. Trabalhei mais cinco anos no Departamento de Compras da Arno.
Na época eram produtos de ponta!
Eram os eletrodomésticos que começaram a facilitar a vida e o conforto das pessoas. Principalmente das donas de casa.
Da ARNO o senhor foi trabalhar onde?
Eu estava para me aposentar, saí, comprei uma Kombi e passei a fazer entregas para uma empresa de frios. Após algum tempo essa Kombi foi roubada no bairro Ipiranga. Eu morava na Vila Préu. Esse bairro é na Estrada de Itapecerica, logo depois da Vila das Belezas. Zona Sul de São Paulo. Próximo ao Hospital do Campo Limpo fica o Clube do Banco do Brasil. Eu fui trabalhar lá como motorista, passei a ser funcionário do Clube: Associação Atlética do Banco do Brasil, a AABB. Eu dirigia a Kombi 02, transportava crianças que praticavam esportes lá dentro. Transportava essas crianças para onde moravam, nos mais diversos bairros de São Paulo. Tinha trânsito, mas não era essa loucura. Nessa época que me colocaram para trabalhar com a ambulância. Era uma Chevrolet c-10C-10. Ambulância C-10
Essa ambulância era comunitária: trabalhava para o pessoal do Banco e servia a comunidade. Uma vez teve um acidente ali perto e chamaram a ambulância, fui eu e a Marta. Um muro tinha caído em cima de um carro e acabou atingindo a perna de um menino. Eu até chorei em ver o sofrimento da criança. Peguei a criança e levei-a para o hospital na Estrada de Itapecerica.
Deve ter tido muitos fatos marcantes, o senhor lembra-se de mais algum?
Havia disputas esportivas, atletas vinham para disputar com os atletas da AABB, teve uma disputa de Hóquei, e em uma disputa ocorreu um acidente grave, lá tinha a enfermaria, com médico, tudo. No meu entender, o médico não ia poder fazer nada, eu peguei o rapaz e entreguei no hospital. Fui advertido de que deveria ter chamado o médico primeiro! Era um caso de urgência, se não fosse atendido com os recursos de um hospital ele poderia ir a óbito, dada a gravidade do caso. Qualquer leigo podia ver. O Gerente Geral intercedeu a meu favor. Eu tinha feito curso de primeiros socorros.
Ali o senhor conheceu a Dona Martinha?
Eu era viúvo já com duas filhas, a Lúcia, que é a mais velha, está com pouco mais de 60 anos, e tinha a Laura. Quando eu trabalhava com a ambulância, se não fosse atender alguma necessidade, eu trabalhava com a Kombi lá dentro, pegava a roupa na enfermaria e levava para a lavanderia, fazia a mesma coisa no centro médico. E vi a Marta!
Vocês chegaram a se casar formalmente?
Sim! Casamo-nos em uma Igreja que existe na Vilã das Belezas. A Martinha É um anjo!
O senhor praticou esporte?
Pratiquei! Joguei futebol no Lapeaninho, na Lapa.
CLUBE DA CAPITAL BRILHOU NO CERTAME DA TERCEIRA DIVISÃO
O LAPEANINHO FUTEBOL CLUBE é uma das mais antigas agremiações da várzea paulistana. Esse grêmio, fundado em 1º de junho de 1923, resolveu ingressar no profissionalismo, imitando os exemplos do ALFA e do ESTRELA DA SAÚDE. Inscreveu-se no Campeonato Paulista de Futebol, 3ª Divisão de Profissionais. O conjunto da Lapa, cuja praça de esportes fica na rua Tenente Landy, disputou 10 pelejas, cinco cada turno, vencendo seis, empatando duas e perdendo duas, conseguindo o segundo posto. Foi uma campanha difícil e que exigiu muito dos dirigidos de Valdomiro Pavão.
O senhor jogou em outros times?
Joguei no Renúncia Futebol Clube e no União Brasil Futebol Clube, jogava no campo da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, na Lapa.
Em que posição o senhor jogava?
Ponta direita e defesa. Joguei com Gibi, ele jogava muito bem, o Paulo Carvoeiro era um grande jogador de futebol. Um ponta direita famoso do Corinthians jogou no União Brasil, conosco. Também joguei no Lapa, onde esse ponta direita também jogou.
O senhor foi Gerente de Compras em muitas empresas, havia muito assédio para facilitar o fornecimento?
Muito! Quantas vezes fui rotulado de tolo! Isso porque eu não aceitava. O camarada oferecia suborno, a resposta estava na ponta da língua: “Você está querendo me dar isso aqui! Dá em desconto na fatura!”. Tudo que se faz, bom ou ruim, é só uma questão de tempo para aparecer. Nunca me sujei com isso. Alguns amigos ficavam sabendo e diziam: “-Você é gerente de compras! Pega!”. Meu pai me ensinou a nunca pegar nada que não fosse meu.
Atualmente o senhor e sua esposa moram em Piracicaba. O senhor sente saudade de São Paulo?
Eu gostava de São Paulo! Tenho saudade das pequenas coisas. A vida era diferente. Antigamente ter um rádio em casa era um privilégio! Depois veio a televisão em preto e branco, as vezes tinha alguém na janela assistindo, era o famoso “televizinho”. As vezes eu tinha que subir no telhado para ajustar a sintonia da antena! Ficava alguém embaixo coordenando: “Gira para lá! Volta!” Antes do advento da TV colorida, tinha uma placa que tinha três cores, simulando uma TV em cores! Frequentei muito o Mappin, na Praça Ramos de Azevedo. Quando eu trabalhava na Praça da Sé, tinha uma travessinha da Rua Benjamin Constant, ali íamos comer um lanche de aliche. A Rádio Record ficava em um prédio nas proximidades, o Randal Juliano vinha tomar lanche com a sua filha, que hoje mora na França, nesse local onde comíamos.
Lembro-me de que no Viaduto Santa Ifigênia circulavam bonde e carros, inclusive um carro caiu de cima do viaduto, foi um fato marcante na época.
O Mestre Randal Juliano em uma atuação
O senhor conheceu outros artistas de renome?
Sim! Trabalhava para Da. Flavia como motorista, ela era filha de Ricardo Jafet. Uma filha de Da. Flávia fazia bolos artesanais, requintados, e eu ia entregar para as pessoas que encomendavam. Fui entregar bolo na casa da Hebe Camargo, ela era extrovertida, alegre, me deu café. A Da. Flávia morava no Morumbi, vizinha do Silvio Santos. Fui fazer entrega na casa do Dr. Paulo Maluf, a casa dele quando entrava tinha um chafariz no meio do jardim. Entreguei o bolo, tinha que esperar o mordomo trazer o dinheiro, quem veio foi o Paulo Maluf dizendo: “Você está aí! Porque você não entrou!”. Pensei comigo: “Se eu entrar aí, podem até me prender por invasão de domicílio! O Paulo chamou um empregado, mandou trazer um lanche para mim, um guaraná e disse-me: “Antes de ir embora você vai comer!”. Fui entregar bolo na casa da apresentadora Ana Maria Braga, ela morava próximo ao Carrefour. Muito simpática, deu-me até uma caixinha! (Gorjeta).
Essas considerações todas o senhor mereceu!
São coisas que aprendi com o meu pai! Meu pai era um camarada simples, acostumado ao trabalho pesado, era maquinista da The São Paulo Railway Company, Limited, estrada de ferro que ia de Santos a Jundiaí. O sistema de cremalheira na estrada de ferro entre São Paulo e Santos é um trecho específico que utiliza trilhos dentados para auxiliares locomotivas a vencerem a inclinação da Serra do Mar. Esse sistema, com cerca de 8 km de extensão, permite que os trens subam e desçam a serra com segurança, onde em alguns pontos a inclinação pode chegar a 10%. O sistema de cremalheira funciona da seguinte forma: A cremalheira é um trilho central com dentes, colocado entre os trilhos principais. Locomotivas equipadas com engrenagens que se encaixam nesses dentes utilizam este sistema para tração adicional, especialmente em trechos de alta inclinação. Em outras palavras, o trem “sobe agarrado” aos dentes do trilho central, garantindo que não perca aderência e consiga vencer o declive. Localização e importância: o trecho de cremalheira está situado entre Paranapiacaba (Santo André) e Raiz da Serra (Cubatão), na Serra do Mar. Este sistema é crucial para o transporte de cargas entre o planalto paulista e o porto de Santos, conectando o interior do estado ao litoral.
viaduto da Serra(05 de dezembro de 1868)
Estação Paranapiacaba
Funicular de Paranapiacaba, em 2005
Locobreque funcionando para turistas
Parte subterrânea da máquina fixa – Funicular
Máquina Fixa – Terceiro Patamar
As máquinas fixas ficavam em cinco patamares, através de cabos de aço tracionavam (na subida) ou sustentavam na descida a composição. Assim como a locobreque através de manobras, davam a segurança na descida da serra e na subida, para apoiar as locomotivas. O sistema de transporte ferroviário entre São Paulo e Santos foi um dos maiores desafios para a engenharia ferroviária mundial, um marco histórico.
Em suas idas para Santos, na época era ainda o sistema funicular?
Era sim! Tinha um bondinho (Locobreque) com cabos de aço. A locomotiva era a vapor, a Maria Fumaça. Meu pai as vezes ficava dias em Paranapiacaba, ele levava um trem e no dia seguinte trazia outro trem. Ele conheceu uma família lá, eram pessoas muito boas. Meu avô era chefe do trem “Cometa”.
O termo “Trem Cometa” refere-se a um antigo trem elétrico a diesel que operava entre São Paulo e Santos, conhecido por sua velocidade e conforto, operado pela São Paulo Railway. Ficou famoso por sua velocidade e conforto, sendo utilizado pelos mais abastados da época. A composição tinha 4 carros e capacidade para 168 passageiros. Iniciou suas operações em 1934.A linha foi desativada e o trem não está mais em operação. A composição era formada por 4 carros, operada pela São Paulo Railway.
Trem Cometa
O senhor tem alguma coisa a acresntar?
A grande sorte, uma verdadeira benção na minha vida foi conhecer esta menina! (Ele acolhe nos braços Dona Martinha).
O senhor usa computador?
Eu mexo! Faço pintura! Pinto em tecido, em madeira, Aprendi procurando! Faço isso para espantar o “alemão” !
(É como chamam em tom de brincadeira a Doença de Alzheimer, também referida como “mal de Alzheimer”, é uma condição neurodegenerativa progressiva que afeta principalmente a memória e outras funções cognitivas, levando a dificuldades progressivas nas atividades diárias. É a causa mais comum de demência em idosos.)
Nesse momento, Dona Martinha , que tinha saído da sala, volta com algumas obras do marido, e causa admiração pela qualidade de suas obras.
O senhor colocou fotografias dentro de um espelho como moldura. Isso é novidade!
Em um espelho comum, na parte de trás tem uma tinta, embaixo dessa tinta tem óxido de alumínio, eu marco o lugar com as medidas da fotografia, retiro a tinta e o óxido de alumínio é que foi o problema para retirar. Percorri muitas vidraçarias, perguntei como poderia retirar o óxido de alumínio, e a resposta era sempre a mesma, que teria que passar ácido. Eu me recusei a mexer com ácido. Fui fazendo experimentações até chegar a uma solução simples e caseira. O resultado está aqui! Eu retiro o óxido de alumínio no local demarcado, fica apenas o vidro, coloco a foto por trás, colo e faço a armação em MDF, tudo feito a mão. Faço carrinho de brinquedo para criança.
Sr. Claudio traz alguns dos seus trabalhos em madeira, e explica:
Aqui tenho alguns trabalhos que eu faço na madeira, faço o desenho, queimo com o pirógrafo, depois eu ponho fita crepe, em seguida recorto ele todinho com o bisturi. Em seguida faço a pintura. Esse sistema de pintura que eu faço deixa a tinta incrustada na madeira, foi um processo que eu “bolei”, usando a fita crepe e aplicando a tinta por cima.
No computador o senhor faz pesquisas?
Vejo notícias, entro no site Pinterest, pego o desenho deles e aplico.
ALGUMAS DAS OBRAS REALIZADAS PELO SENHOR CLAUDIO, ENTRE ELAS A FOTOGRAFIA DO CASAL COM A CRIANÇA ESTÁ INTEGRADA AO ESPELHO COMO MOLDURA. UM PROCESSO CRIADO HÁ POUCO TEMPO PORELE. .