A grande anedota
03/07/2025
Uma anedota com Jacó, Mustafá e o Garçom
A paz foi servida, a conta também.
Depois da tal Guerra dos Seis Dias, aquela em que Jacó levantou mais cedo, atravessou
o mapa com uma pressa danada e destruiu os aviões de Mustafá antes mesmo deles
bocejarem, os dois decidiram fazer as pazes. Ou pelo menos fingir.
Nada de cúpula internacional. Resolveram do jeito que o povo entende: com um
almoço.
Jacó chegou de paletó bege e sorriso treinado, tipo aquele tio que sempre ganha no
bingo. Mustafá, de túnica branca, bigode curvado e cara de quem já sabia que ia ter confusão
no couvert. Os dois se cumprimentaram com a elegância de quem já tentaram se destruir
muitas vezes, mas hoje resolveram comer primeiro.
E o garçom? Ah, o garçom… esse era o mundo como testemunha, sério, cansado,
profissional. Anotava pedidos como quem anota tratados, e sabia muito bem que, no fim,
quem pagaria aquela conta não estaria sentado à mesa.
-Vamos brindar à paz? Sugeriu Jacó, levantando a taça com gosto.
-Desde que o vinho não esteja quente, respondeu Mustafá, meio rindo, meio olhando
pro fundo do copo.
O papo era leve na superfície, mas tenso por baixo da toalha. Falaram de reconstrução,
energia, cooperação, amizade… tudo com aquele jeitinho de quem esconde as cartas dentro
da manga e o mapa do petróleo na cueca.
Entre uma garfada e outra, soltaram a velha piada de sempre:
– Apostamos as mães na última negociação disse Mustafá.
– Pois é. Mas ninguém entregou, completou Jacó.
Risadas educadas. Mas não se iluda. Ali, “mãe” era coisa séria. Era território, era
história, era dor. Era tudo que ninguém quer colocar no pacote do acordo. As mães, ali, eram a
História aquela que todo mundo diz respeitar, mas finge que esqueceu quando a sobremesa
chega.
O garçom seguia servindo em silêncio. Ele sabia que aquele almoço era só mais um
episódio da mesma série,“Paz com Talher”.
Depois do prato principal, veio o temido silêncio. Aquele silêncio de quem já comeu, já
fingiu sorrir, e agora quer saber, e a conta?
O garçom ao passar pela mesa ouviu Jacó sussurrar:
A conta, por favor. Veio a conta.
No dia seguinte, manchete nos jornais.
“Jacó mata Mustafá ventríloquo em almoço de paz.”
Como assim ventríloquo? Uns disseram que Mustafá só repetia falas antigas. Outros,
que Jacó achava que ele como boneco falava por boca dos outros. O importante é que, quando
a conta chega… a paz foge pela porta da cozinha.
E aí você pergunta, com quem a gente deve sentar pra negociar? Com quem pede
brinde e esconde a faca no guardanapo? Com quem promete dividir a sobremesa, mas guarda
o garfo no bolso?
Talvez fosse melhor deixar as mães conversarem. Elas sim entendem de perda, de
chão, de coisa que não se compra. Mas também são teimosas. Vão passar a tarde trocando
receitas. Talvez resolvessem. Talvez chorassem. Ou talvez saíssem abraçadas… e voltassem
brigadas no Natal seguinte.
O Prêmio Nobel da Paz? Esse já devia virar sorteio. Ou programa de pontos. Paz
verdadeira anda tão rara que devia vir com brinde.
E a conta? A conta, claro, sempre sobra pro povo. Que não senta à mesa, mas ouve a
história, comenta no bar, paga os pratos quebrados… e ainda deixa gorjeta.
E no fim, o que resta?
Esperança. Esperança de que no próximo almoço alguém sirva empatia, e traga o
aparelho de escuta como entrada e, quem sabe, sobremesa com verdade.
Porque se o mundo é restaurante… a paz ainda está no cardápio. Só falta um pouco de
apetite.
Walter Naime
Arquiteto, Urbanista e Empresário.