Amauri P. Perin: um exemplo de vitalidade e sabedoria aos 80 anos. Nascido em São Paulo e morador de Piracicaba desde a infância, Amauri P. Perin é um taxista que impressiona por sua vitalidade, agilidade e simpatia aos 80 anos de idade. Com uma trajetória marcada pela dedicação ao trabalho e pelo respeito ao próximo, ele continua atuando ativamente no transporte de passageiros, com especialidade em viagens para São Paulo — cidade que conhece como poucos. Amauri é conhecido por sua cortesia, discrição e sensibilidade. Sempre sereno e respeitoso, conquista a confiança de seus clientes e o respeito dos colegas na rodoviária de Piracicaba, onde mantém seu ponto fixo. Profundamente ligado à família, valoriza com orgulho seu casamento de mais de 50 anos. Religioso e bem-informado, Amauri carrega consigo uma sabedoria simples, mas profunda, moldada ao longo das décadas. Seu conselho aos jovens é direto e cheio de significado: “Leiam mais para enfrentar melhor os tempos modernos.”Com sua postura inspiradora e sua história de vida exemplar, Amauri P. Perin é mais do que um profissional dedicado — é um verdadeiro símbolo de dignidade, perseverança e humanidade.
O senhor nasceu em qual localidade?
Nasci em São Paulo, no Bairro do Ipiranga, na Rua General Lecor, nas proximidades do Museu do Ipiranga. Meu pai e minha mãe são naturais de Campinas. Na década de 40, foi fundado o SENAI. Nessa época o meu pai trabalhava como mecânico de trens na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, ele foi admitido na Escola Senai do Ipiranga em São Paulo. Ele foi trabalhar em São Paulo, logo em seguida levou a esposa e filhos. Quando abriu a escola Senai de Campinas ele pediu transferência para lá. Na época eu tinha uns nove meses de idade. Em 1947 abriu a Escola SENAI de Piracicaba. O meu pai foi convidado a vir aqui como chefe. Ele veio, gostou da cidade, trouxe a mudança, portanto eu estou desde 1947 em Piracicaba, nesse caso a minha memória é piracicabana!
(O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), criado em 1942, tem como missão formar e qualificar trabalhadores para a indústria, promovendo a aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização profissional. Vinculado à Confederação Nacional da Indústria (CNI), é uma entidade privada e o maior complexo de educação profissional da América Latina. Presente em todo o Brasil, o SENAI contribui para o desenvolvimento sustentável do país, fortalecendo a produtividade e a competitividade da indústria nacional por meio da educação e da pesquisa tecnológica.)
Qual é o nome dos seus pais?
Perin Frederico, o italiano coloca o nome da família primeiro, seguido do nome da pessoa. E a minha mãe é Ana Peseguinni Perin.
O senhor nasceu em que dia?
Dia 03 de dezembro de 1944.
Seus pais tiveram mais filhos?
Eu sou o filho do meio, tinha mais quatro, todos já falecidos, o primeiro filho era o Antélio, ele era médico psiquiatra em Ribeirão Preto, depois era o Alfem, ele era sócio proprietário da Sogemeq, loja de móveis para escritórios. Ele era sócio do Walderez Perossi. Dos filhos, a seguir era eu, Amauri, o irmão mais novo também era médico, chamava-se Arjuna, e a Arlete, que era a caçula.
Esses nomes bem diferentes têm alguma origem especial?
Meu pai gostava muito de ler, todos esses nomes foram tirados de romances. Nem sei quem era Amauri, mas o meu nome foi tirado de um romance chamado Lídia!
Deve ser uma pessoa muito importante dentro do romance!
Não sei! Espero que sim!
Quando a família e obviamente o senhor vieram para Piracicaba, foram residir em que local da cidade?
Viemos residir na Rua Riachuelo na esquina com a Rua Benjamin Constant. Mudamos a cerca de 100 metros da atual rodoviária intermunicipal. Uma quadra acima do Adamoli, em direção ao Bairro da Paulista, onde hoje é um prédio, que leva o nome de Joca Adamoli, era a fábrica de barcos.
O senhor começou seus estudos em qual escola?
Estudei inicialmente no Dr. Prudente de Moraes. Tive o privilégio de estudar na casa onde morou Prudente de Moraes, lá funcionou o meu primeiro semestre. A seguir fomos para o prédio recém-construído, com a finalidade de ser o Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes, na Rua José Pinto de Almeida. Fui um dos alunos que “estreou aquele prédio.
A Escola Prudente de Moraes funcionou no prédio onde hoje é o Museu Prudente de Moraes, e anteriormente era a residência de Prudente de Moraes, o terceiro Presidente da República do Brasil?
Exatamente! Acredito que originalmente era algum quarto ou uma das salas da residência da família. Não me lembro ao certo, mas acredito que era uma escola masculina. Eu só fui estudar em escola mista, na Escola Dr. Sud Mennucci, onde fiz o quarto ano do curso primário. Até o terceiro ano estudei no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes, junto com o quarto ano primário, estudei para o processo de admissão que existia para ingressar no ginásio. Acabei ingressando no Colégio Piracicabano. Fui aluno do Professor Lara, muito estimado pelos alunos. O segundo ano ginasial fui estudar no Sud Mennucci, onde o professor de matemática era o Prof. Ésio. Essa mudança de escola, implicou em uma mudança radical de pedagogia de ensino. Eu não estava preparado para isso. Fiz a primeira prova, elas eram entregues aos alunos no salão nobre com todas as pompas. Minha nota foi péssima, e o professor alardeou o resultado perante a classe. Isso me deixou muito chateado. Eram métodos de ensino conflitantes, o anterior que eu tinha estudado e o atual que eu estava estudando. Naquela época, um aluno que viesse de outra escola, era tido como “calouro” pelos alunos que estudavam no Sud Mennucci. Acabei decidindo a estudar no SENAI, ali estudei mecânica de automóveis. Quando conclui o curso, fui fazer o Curso de Eletricidade, em Campinas. Eu ficava 5 meses lá em Campinas e o segundo semestre trabalhando na indústria. Assim fiz também no ano seguinte. Quando eu voltei para Piracicaba tinha concluído o curso e trabalhado. Na prática, os alunos do SENAI que se formavam ao ingressarem na indústria, sofriam uma certa rejeição pelos profissionais formados pela prática, não tinham feito nenhum estudo teórico, sentiam-se ameaçados em seus empregos, assim, um a um, foram fazendo pressão para eliminar os novatos. E conseguiram!
Na época eu já estava com uns três anos trabalhando na MAUSA, quando fui servir o Exército no Rio de Janeiro.
O senhor foi convocado?
Na época o alistamento era em cima do Mercado Municipal, perguntaram-me se eu queria ir para o Exército. Disse que queria, daqui de Piracicaba foram uns 270 soldados para servir no Batalhão Presidencial do Rio de Janeiro. Isso foi em 1963. No ano seguinte começou a Revolução de 1964.Já estava um reboliço o país.
O senhor estava servindo o Exército em 1964?
Não! Eu fiquei por 11 meses. Saí em dezembro. A revolução foi em março do ano seguinte. Eu entrei em janeiro e saí em dezembro. Quatro meses antes da Revolução eu dei baixa no quartel. Voltei para Piracicaba, voltei a trabalhar na MAUSA.
O que o senhor achou do Rio de Janeiro?
Lindo! Muito bonito! Maravilhoso! Mas foi se degradando. Muitos anos depois eu voltei a visitar o Rio de Janeiro, eu era caminhoneiro, fui entregar papel, em vários lugares: zona sul, zona oeste, Ilha do Governador, Bonsucesso, já era outro Rio! É um pecado o que fizeram com o Rio! O divisor de águas foi o governo do Brizola. Antes do Brizola era uma coisa e depois foi outra. O Rio de Janeiro não merecia isso!
Quando o senhor deixou o Exército, na sua volta à Piracicaba, o seu trabalho foi na empresa que o senhor trabalhava anteriormente?
Eu voltei, fiquei um ano, um ano e pouco, surgiu a campanha nacional: “Doe ouro para o bem do Brasil”. Quem não tinha ouro podia doar um dia de serviço. Eu me rebelei, não porque não quisesse ajudar o País, eu não tinha confiança na mão de quem iria parar esse dinheiro! Como eu mostrei as minhas garras, não estava jogando no time que eles queriam, fui desligado da empresa. Na época quem despediu-me, alegou uma série de pretextos.
O senhor sempre teve opinião própria e firme?
Sim! Eu gosto de analisar o que as pessoas falam, se estou certo ou tenho que recuar um pouco. Se tenho que avançar. Se acho que estou certo eu mantenho a minha opinião.
O senhor deixando o emprego foi trabalhar com o que?
Fui trabalhar como vendedor, depois montei uma oficina para automóveis Volkswagen, junto com o meu irmão.
O senhor vendia qual produto?
Comecei vendendo Fundos de Investimento. Eu ia toda sexta-feira para São Paulo, no Fundo Aymoré, eu fazia as aplicações aqui, visava o cheque e levava para lá. Eu também já tinha algumas aplicações do Banco do Brasil, da Vale do Rio Doce, são as Blue Chips. (Blue chips são ações de empresas grandes, bem estabelecidas e financeiramente sólidas, que geralmente são consideradas de baixo risco e um investimento sólido de longo prazo.) Eu tinha adquirido essas ações com base nas orientações da Corretora Império. Vendi para adquirir um veículo, uma ferramenta de trabalho. Vendi em uma sexta-feira, na segunda-feira a bolsa caiu! A Bolsa estava no auge, os próprios corretores advertiam que a qualquer momento a Bolsa de Valores iria estourar. A alta da Bolsa era muito forte!
O senhor adquiriu que carro?
Comprei um Fusca! Ano 1964, era uma cor creme, tendendo ao amarelinho.
Naquela época eram poucos que tinham um veículo próprio?
A indústria automobilística estava em seu início no Brasil, eu tinha perto de 30 anos de idade, já era casado.
Qual é o nome da esposa do senhor?
Faz 52 anos que sou casado com Magda Carvalho Perin. O pai dela inclusive trabalhou na Estação Rodoviária Intermunicipal, anunciando as partidas, chegadas e avisos, pela rádio interna da Estação Rodoviária. Foi locutor também na então Rádio Voz Agrícola do Brasil, situada na Rua Moraes Barros. O meu sogro era Rubem Almeida Carvalho, mais conhecido como “Carioca”.
Vocês tiveram quantos filhos?
Tivemos três filhos: Maurício, Flávia e Eduardo. O Maurício infelizmente faleceu precocemente em um acidente de trânsito. A Flávia trabalha em uma casa de saúde, é cuidadora de idosos. O Eduardo é Diretor Comercial da Reipel. Viaja pelo Brasil todo, inclusive para outros países, vendendo embalagens.
O senhor começou a vida como caminhoneiro em que ano mais ou menos?
Foi em 15 de março de 1979. Foi o primeiro dia em que viajei com o caminhão.
Que caminhão o senhor tinha?
Era um 1113 na época. Um Mercedes-Benz, azul.
CMINHÃO MERCEDES BENS MODELO 1113 MERCEDES-BENZ 2013
Quantas marchas tinha o caminhão Mercedes-Benz?
Cinco marchas. O Caminhão Scania-Vabis me parece que eram 18, são duas caixas de câmbio.
O senhor cortou o Brasil inteiro com o caminhão?
Fui uma vez a Belém do Pará, uma vez a Cuiabá, umas 10 vezes ao Rio Grande do Sul, 90% do meu serviço foi carregar papel na IPP – Industria de Papel Piracicaba, levava para Santos, para exportação, para São Paulo que era mercado interno e para o Rio de Janeiro.
É uma carga ruim de levar?
É, e não é. Tem dois tipos de carga de papel: a bobina e a resma (Uma resma de papel é, de forma simples, um pacote ou conjunto de 500 folhas de papel). A bobina é a mais perigosa. Ela era mais alta, o centro de gravidade da carga sobe. A resma dava uma carga baixinha e muita estabilidade no caminhão. Nós até preferíamos levar bobinas, para descarregar é mais fácil, A resma tem que pagar “chapa” (ajudante) para descarregar. O frete era igual para resma ou bobina.
Em Santos a descarga era complicada?
A descarga não, o problema era o tempo! Como existe a prioridade de atender um navio, quando começa o embarque, pára tudo. Todas as empilhadeiras, equipamentos, trabalhadores, dão prioridade ao embarque do navio. Se tiver algum intervalo de meia hora, descarrega caminhões nessa meia hora. Tinha que chegar no porto, entregar e carimbar a nota fiscal antes das sete horas da manhã. Se você carrega e às sete e meia da manhã você carimba, você corre o risco de no dia seguinte, após 23 horas esperando, eles colocam a carga no chão e carimbam, dão o canhoto, como você não passou 24 horas esperando, não tem pagamento de estadia! Por exemplo, se saísse a meia noite da IPP tinha que chegar no porto de Santos antes das sete horas da manhã. Eu ia no orelhão, colocava uma ficha, ligava para a minha mulher: “- Não vou nem passar em casa, se eu entrar, tomar um banho, o corpo relaxa, aí eu vou me deitar. Seguia em viagem, na Castelo Branco dava um pouco de sono, parava em um posto, andava mais uma hora, dormia mais um pouquinho, chegava moído lá, mas chegava as 5:30 ou 6 horas da manhã. Entregava a nota e depois ia dormir.
O senhor trafegava pela Via Anchieta?
Sim, pela Anchieta, o tráfego de caminhões pela Via dos Imigrantes na descida é considerado perigoso, a declividade da rodovia é de 6%, considerada muito perigosa para veículos pesados. Vazio nós subíamos pela Via dos Imigrantes. Para descer, tem que estar engatado na segunda marcha, usando o freio motor, assim mesmo chegava lá embaixo cheirando a queimado. Se você abusar e usar muito o freio, chegava a pegar fogo na campana, queimava a graxa, passava até fogo no caminhão. Sem falar que perdia o freio, porque quanto mais você aperta o freio, a panela com o calor ela dilata. Se você pisar mais, diminui a eficiência do freio.
Tem alguma passagem marcante nessas viagens do senhor?
Quem anda pelas rodovias encontra de tudo. Situações que revoltam, outras que nos deixam compadecidos, perigos iminentes de colisões, graças a Deus nunca tive problemas dignos de nota. Também sempre dirigi com responsabilidade.
Havia pessoas pedindo carona na estrada?
Eu dava carona em situações que conhecia, como por exemplo, quando vinha voltando pela Castelo Branco, próximo a Alphaville, no quilômetro 20 e pouco, tinha um posto da Polícia Rodoviária, uns metros adiante, havia umas professoras que pediam carona, não deixa de ter certo risco, pois um homem poderia colocar um avental branco e passar por professor. Eu evitava dar carona.
No passado, era relativamente comum o motorista andar armado.
Eu andava com uma faquinha para cortar algum galho e Deus no coração!
Quantos anos o senhor ficou nessa luta?
Foram quase 15 anos. Comecei em março de 1979 e parei em dezembro de 1993.
O senhor começou outra atividade?
Comecei a fazer viagens dirigindo para pessoas que precisavam viajar. Como conheço bem São Paulo, para mim é mais fácil. Quem me contratava pagava a minha diária. Era pouca coisa, eu não era conhecido. Passei a trabalhar como taxista, o ponto era em frente a NG, na Vila Rezende. Comecei a viajar para a Dedini, MAUSA, Caterpillar, trabalhava para empresas. Em junho vou fazer 31 anos como taxista. O meu ponto na Rua Dona Francisca foi desativado, fui transferido para o ponto do Pronto Socorro da Vila Rezende. Acabei vindo para a Rodoviária Interurbana de Piracicaba, no dia 1º de novembro de 2024.
O que o senhor está achando do novo ponto?
Fiz muitas amizades, é um campo novo, mas como a maioria das atividades, não é um momento financeiro eficiente. Paralelamente, os serviços de aplicativos, tirou boa parte da procura do taxi. Eu chego aqui um pouco antes das sete horas da manhã, e no verão como escurece mais tarde eu fico até as sete horas da noite. É uma jornada de 12 a 13 horas.
Algum dia, alguém esqueceu alguma coisa no seu carro?
Sim. A pessoa esqueceu um celular. O celular estava bloqueado. Acabou a bateria. Eu poderia carregar, mas e para desbloquear? Eu me lembro do lugar onde o levei, fui até lá, o condomínio onde ele morava era de porteiro eletrônico, não sei o apartamento, não sei o nome da pessoa, uns quatro dias depois ele apareceu aqui procurando o celular. Entreguei a ele.
O senhor passa de imediato uma imagem de confiança e profissionalismo muito forte, além de ter conversa agradável e espontânea.
Agradeço, mas acredito que é a obrigação de todo ser humano ser assim.
Nessa época de tudo digital, o senhor teve o cuidado de ter sempre a mão um cartão de visitas, com telefone, e-mail, e outras informações. Como todo passageiro tem pressa, é um método prático, embora exista há muito tempo o cartão de visita.
É uma obrigação nossa! Fazer a minha propaganda!
Quantos taxistas trabalham no Terminal Rodoviário de Piracicaba?
São 22.
Caso alguma pessoa precise fazer uma consulta médica em São Paulo, o senhor leva?
Levo, espero, a primeira hora de espera é cortesia, se passar de uma hora de espera, as demais horas são cobradas.
Casamentos o senhor também faz?
Fiz há muitos anos! Quando eu comecei como taxista, se a pessoa fosse casar-se em maio de 2026, ela já reservava o taxista um ano antes! Ela dava um sinal em dinheiro, como garantia da reserva. Faz uns 15 anos que não faço um casamento!
Naquele tempo o motorista tinha uma participação importante no dia do casamento?
O motorista ficava a serviço da noiva. Às 7:00 ou 9:00 horas estava já na casa dela. Ia levá-la ao cabelereiro, fazer massagem, maquiar, o dia está pago e reservado para ela. Era comum quando saía da igreja levar o casal na agronomia para tirar as fotografias. Isso era de praxe há 15 ou 20 anos.
O senhor atendeu urgências?
Não. Só duas vezes é que saí correndo levando passageiros que perderam o embarque no ônibus. A gente tem que interceptá-lo na cidade, se o ônibus pegar a pista já não o alcança mais. Na cidade tem a chance de cortar caminho, um farol fechado, por duas vezes já aconteceu isso e em nenhuma delas consegui colocar os passageiros dentro do ônibus.
O trânsito em Piracicaba mudou muito?
Muito, e para pior! Os motoristas ficam muito irritados e passam essa irritação para gente.
A seu ver, o serviço de motoboy deveria ser mais bem remunerado, para evitar que ele arrisque a sua vida e a de terceiros, para obter uma receita aceitável?
Infelizmente isso é um problema, há lugares onde eles andam muito acima da velocidade estabelecida, se eu fizer uma conversão ele poderá ser a vítima. Isso eu senti muito no caminhão, eu descarreguei no CEASA em São Paulo, levei batata de Piracicaba para lá. Lá ouvíamos as histórias, depois que carregou, colocou a lona, passavam uma corda e colocavam um lacre para não abrirem a carga no trajeto. Carimbavam a nota, por exemplo: 15:00 horas do dia 19 de maio, tinha 48 horas para entregar essa nota em Belém do Pará. São 3.000 quilômetros para serem percorridos em 48 horas! Hoje a estrada está melhorzinha, mas em 1979 a estrada estava bem ruim, tinha trecho que era de terra. Mesmo indo com dois motoristas é muito sacrificado. O caminhão nem desliga o motor!
E cachaça, tem quem use?
Nunca gostei, mas tinha alguns motoristas que tomavam para aguentar o esforço. Se eu tomasse um golinho já dava sono. Por isso não gostava. Estamos nos referindo há mais de 30 anos, hoje as regras do trânsito são mais rígidas, pode resultar até em multas e detenção.
No caso do taxi, atualmente, se entrar um casal no carro, durante a corrida quem fala mais, o homem ou a mulher?
Entre eles é a mulher que domina o papo! O marido para não criar caso, não discordar só diz: É! É! É!…
O senhor com tanta experiência de vida, pode sugerir alguma mensagem ao leitor?
Eu gostaria de deixar uma mensagem para essa mocidade, essa juventude, que tenham mais preocupação com o seu próprio futuro. Hoje o futuro acontece muito rápido! Um exemplo é como eu conheci telefone. Hoje o meu celular é quase peça de museu, tem uns quatro ou cinco anos. Nossa família mudou-se para a Avenida Carlos Botelho, o único telefone do bairro era do Tiro de Guerra. Como a minha família era de Campinas, a minha mãe queria falar com as irmãs, minha mãe dizia: “-Amauri, pede para o sargento fazer uma ligação para Campinas no telefone número 5246, era o número do telefone da casa da minha avó. O sargento tirou o telefone, aquele de cordinha, vira a manivelinha, O aparelho era parafusado na parede, então ele disse: “Telefonista! Por obséquio, poderia fazer uma ligação para Campinas?”. A telefonista disse a ele que estava com quatro horas e meia de demora! De carro você ia em duas horas! Isso em estrada de terra, passando por Tupi, Caiubi, Santa Bárbara! O sargento disse-me: “-Fale para a sua mãe estar as 11:00 horas da manhã aqui!”. Hoje com um celular você fala com o mundo inteiro em questões de segundos; portanto, a mensagem que deixo é para que os jovens se preparem, não sejam chãos de fábrica, se para mim o futuro chegou rápido, imagine para essa moçada de hoje! Meu pai por exemplo, que era professor no SENAI, não tinha o Grupo Escolar em sua plenitude, tinha o terceiro ano de Grupo Escolar e cursado a Escola Alemã em Campinas. Mas foi ele quem me ensinou a calcular a raiz quadrada! Quando foi inaugurado o SENAI próximo ao Colégio Dom Bosco, meu pai era Instrutor Chefe. O SENAI iniciou suas atividades em Piracicaba no comecinho da Rua Dr. Otávio Teixeira Mendes, ali na esquina com a Rua José Pinto de Almeida, virando à esquerda, ali era a Escola SENAI. O prédio atual foi inaugurado em 1953 ou 1954.
O senhor guarda lembranças de quando Piracicaba era uma cidade pacata?
Lembro-me dessa casa da Rua Riachuelo esquina com a Rua Benjamin Constant. Aí terminava o centro, a partir daí era considerado arrabalde. Não existia a Avenida Armando Salles, era o córrego Itapeva. Tinha uma pinguelinha para você passar, não passava carro. Nessa região vizinha a atual rodoviária, vinham descartar lixo, tinha mato, era uma fedentina. De vez em quando colocavam fogo. Até hoje o Itapeva passa sob a Avenida Armando de Salles Oliveira, só que é coberto. Lembro-me de uma vez em que os irmãos Adamoli fizeram um barco tão grande dentro do estaleiro deles, que precisaram arrebentar a porta para tirar a o barco. Na Rua Dom Pedro II esquina com a Rua Benjamin Constant tinha uma bomba de gasolina, acho que o Charantola era o proprietário. No centro, onde é a Praça José Bonifácio, havia o que chamávamos de “quadrar o jardim”, as moças davam voltas em torno do jardim e os rapazes ficavam parados ou davam voltas no sentido contrário. Dali saíram muitos casamentos.
O senhor usou o trem da Companhia Paulista?
Muito! Duas vezes por ano eu ia de trem para passar as férias na casa dos primos em Campinas.
O senhor ia nos carros de primeira ou segunda classe?
Ia na segunda! Meu pai era professor no SENAI, era a única renda! No início saía de Piracicaba com a locomotiva a vapor, a famosa “Maria Fumaça”, depois vieram as máquinas a diesel. Em Nova Odessa engatava a composição atrás da locomotiva elétrica. Parava em Campinas, eu descia ali e o trem continuava.
A Fábrica de Bebidas de Vicente Orlando já existia naquela época?
Já existia sim. A Rua Benjamin Constant era calçamento de paralelepípedo. Muitas ruas próximas ainda eram de chão de terra. A cidade praticamente terminava ali, havia algumas ruas como a Boa Morte, Rua do Rosário, Avenida São Paulo que eram ligações com a zona rural e outras cidades, tinham algumas atividades comerciais e residenciais, tendo em seu entorno muita área vazia.
Como o senhor vê esse crescimento de Piracicaba?
Com alegria e com tristeza. Cresceu bem, é bom. Mas com tristeza porque não foi planejada, não foi organizada. O transporte coletivo é precário, o planejamento de uma cidade deve ser a curto, médio e longo prazo.
A cidade agigantou-se e o os poderes públicos ainda mantém a mentalidade paroquial?
Falta água, as ruas são estreitas, esperam surgir o problema para depois resolverem. Fruto da política imediatista e feita para impactar a opinião pública e não para efetivamente conduzir melhorias práticas. Fazendo uma analogia entre um corpo humano e uma cidade, as ruas e as avenidas são as artérias, o automóvel é o colesterol que vai cada vez mais, estreitando até dar o infarte! Infelizmente é uma realidade. A dependência da pessoa com relação ao automóvel é muito grande. Tem pessoas que usam o automóvel para ir até a padaria a cerca de 200 metros. Vai a pé! Vai exercitar-se. Economizará combustível e queimando gordura do seu corpo! E estará repondo todos os elementos necessários através da respiração.
O senhor tem um corpo esguio!
Hoje! Graças a Covid. Cheguei a pesar 118 quilos. Quando dei entrada no hospital estava com 102 quilos e saí com 68 quilos! Eu não tinha força para segurar o celular. Não parava em pé. Saí “morto”! Fui fazendo fisioterapia de domingo a domingo, mudei a alimentação, meu irmão é que estava orientando a minha mulher. Ele disse: “Você vai na feira, e compra raízes: batata, mandioca, cará, cenoura, depois você vai comprar folhas de talo duro: couve, almeirão, chicória, agrião, depois você vai colocar carne também: um dia bovino, um dia suíno e outro dia de frango. E grãos: arroz, feijão e fubá, que é o milho moído. Eu tinha uma sonda que ia direto ao estomago, fiquei uns seis meses sem comer. Primeiro era só gotinha, que era intravenosa, quando saí do hospital saí com a sonda. Eram 300 ml no café, no almoço e no jantar. Com a fisioterapia e essa alimentação em dois meses eu aumentei uns 10 a 12 quilos. Recuperei a massa muscular.
O senhor fumava?
Nunca fumei, nunca usei droga, bebo uma cerveja um dia ou outro, em festa bebo um vinho, ou champagne. Dia 27 de março fui passar cinco dias no Guarujá. Na Colônia de Férias do Banespa. A 20 metros da Côlonia já é areia. Comprei um amarradinho com seis latinhas de cerveja para levar. Esqueci de levar! Acabei comprando lá, pagando bem mais caro! Hoje já tenho uma bisneta, a Maria Alice, para mim é a Alicinha, para outros familiares é Maria!
A família é muito importante em nossa vida.
É lamentável a dispersão que vem ocorrendo com a família. O mês que eu mais gostava na minha vida era dezembro. Era Natal, meu aniversário, era festa, ia viajar na casa dos primos. Hoje é um mês deprimente para mim, você fica lembrando do passado e nada mais acontece como era antigamente.
Em suas muitas viagens, o rádio era o seu companheiro?
Principalmente a Rádio Bandeirantes. Gostava mais de notícias, comentários, ouvia Salomão Esper, José Paulo de Andrade, Joelmir Beting, eu chegava a falar qual era a programação inteirinha da Rádio Bandeirantes. Hoje eu esqueço! Tinha o programa “Pulo do Gato”, “Bandeirantes a Caminho do Sol”, “Mano Véio, Mano Novo”.
O senhor considera que os taxistas ainda não foram procurados pelos institutos de pesquisas como uma valiosa fonte de informações?
Sou testemunha disso. Durante a última eleição presidencial, informalmente, apenas conversando com os passageiros, realizei cerca de 500 pesquisas de opiniões, isso no decorrer de uma conversa, sem o intuito específico utilizado por “métodos científicos”. Cheguei à conclusão de que os Institutos de Pesquisas deveriam buscar os taxistas como fonte confiável, nós abordamos pessoas das mais diversas classes econômicas e culturais, a opinião da pessoa não é induzida, é espontânea. O meu pai sempre orientou os alunos do SENAI a otimizarem o trabalho: fazer o melhor com menos esforço. Ele aposentou-se. Em dia de chuva ele pegava uma galocha, uma capa amarela, impermeável, com uma vassoura ele varria a calçada com a água da chuva. Ele era um homem sensato: “O que eu posso fazer de melhor agora”! Um dia a minha calçada, junto ao asfalto estava muito esburacada, tinha uma equipe trabalhando para consertar. ele não estava gostando do que ele estava vendo. Ele perguntou: “Quem é o chefe de vocês?”. O homem veio até ele, que se apresentou como professor aposentado do SENAI e disse que não estava gostando do que estava vendo. Perguntou-lhe se poderia fazer-lhe uma gentileza. O encarregado perguntou-lhe o que ele desejava. Meu pai então explicou-lhe que se ele pudesse voltar com sua equipe no dia seguinte, ele iria desviar o curso da água de rua que estava correndo, deixando o solo seco. Se propôs a pedir aos vizinhos para evitar de usar a água que ia para a calçada. O senhor vem com o ar comprimido, sopra o chão, pinta com o piche, joga a massa asfáltica e passa com o rolo compressor em cima. O Chefe encarregado, suspirou e disse-lhe: “-Meu senhor, o senhor não precisa me ensinar, eu sei como é que faz!” Em seguida disse ao meu pai: “- Se eu fizer dessa forma, vou acabar com os buracos da cidade, a prefeitura não irá precisar mais de nós e irá nos mandar embora!”. O que o senhor acha que o meu pai sentiu nessa hora?