Desde o instante em que nascemos, trazemos conosco uma bagagem invisível,moldada não só pelo acaso genético, mas também pelas mãos que nos embalam, pelas palavras que nos ensinam e pelos sonhos que absorvemos. O “eu”, essa singularidade que nasce com cada ser, vai sendo esculpida pela interação entre o biológico e o social, uma dança delicada entre o que herdamos e o que aprendemos. A formação da nossa individualidade é influenciada por fatores familiares, econômicos e culturais, que nos cercam e moldam a visão que temos do mundo e de nós mesmos.
Mas e se existisse um “gêmeo” desse nosso eu? Um ser que, nascido ao nosso lado, partilhasse o mesmo início de vida, os mesmos genes, mas seguisse um caminho próprio, com
suas escolhas e experiências? Gêmeos são fenômenos fascinantes da natureza. Há os univitelinos, quase clones perfeitos, e os bivitelinos, parecidos, mas distintos. Esses irmãos
podem espelhar comportamentos, mas, à medida que crescem, suas vivências os afastam, forjando personalidades únicas. Humanos e animais gêmeos compartilham um laço especial,
ora marcado pela cumplicidade, ora pela busca de se diferenciar. É um jogo de semelhanças e diferenças, em que cada um tenta se destacar, mas sem jamais apagar o elo inicial. No processo de desenvolvimento, as anomalias genéticas também podem surgir,
influenciando o que chamamos de identidade. Essas mudanças no código genético, embora vistas como “erros”, são parte da ariação que nos torna únicos. Ao mesmo tempo, o meio social e as relações humanas têm um peso esmagador. Somos tão moldados por nossas
influências externas quanto por nossa biologia, e as nuances entre o que herdamos e o que absorvemos são como as cores de um quadro que nunca termina de ser pintado.
Assim como os gêmeos, há um fenômeno interessante no mundo das marcas e produtos. Um produto tão associado a uma função que seu nome substitui o próprio objeto.
Quem nunca pediu um “Xerox”, mesmo quando se tratava de outra marca? Ou pediu um “Nescau” e recebeu um “Toddy”? São gêmeos de um tipo diferente, produtos que, tal como irmãos idênticos, brigam por sua identidade, mas acabam se misturando na percepção coletiva.
As marcas, ao longo do tempo, se tornam sinônimos de funções e necessidades, assim como as nossas experiências moldam quem somos aos olhos dos outros.
Essa duplicidade não se restringe a marcas ou irmãos. Cada um de nós carrega dentro de si uma dualidade: o “eu” e seu “gêmeo”. Não um gêmeo literal, mas aquela parte de nós que convive, às vezes em conflito, com o que somos e o que gostaríamos de ser. Somos
imagem e semelhança, como diz a crença de que fomos feitos à imagem de Deus, mas dentro dessa semelhança habita a diferença. O “eu” que nos habita se enfrenta com seu reflexo no
espelho, com suas falhas e desejos, e é essa convivência que nos torna completos.
Essa relação pode ser divertida. Imagine conviver com alguém que sabe todos os seus truques e manias. É quase como ter um assistente pessoal interno, que ora te ajuda, ora te boicota.
Mas, no fim, há sempre o benefício de ter uma parte de si que serve para equilibrar os excessos, que age como um espelho crítico.
Gêmeos, reais ou metafóricos, mostram que podemos ser úteis em dupla, sem perder nossa essência. Assim como uma marca pode se tornar referência sem deixar de ser ela mesma, podemos ser muitos, sem perdermos o que nos torna singulares. Seja no espelho, seja no mundo, convivemos com esse “gêmeo” que é parte de quem somos e do que construímos.
E, ao final, é essa convivência que nos permite navegar no mundo com leveza, como se a vida fosse um bate-papo eterno entre o “eu” e seu gêmeo.
Walter Naime
Arquiteto-urbanista
Empresário.