PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de março de 2018.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 24 de março de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: EDUARDO DARUGE JÚNIOR
Eduardo Daruge Júnior nasceu em Ribeirão Preto a 15 de novembro de 1960, tem seus irmãos Luis Antonio, Rinaldo Carlos, Cristiane, Adriano, Alexandre e Maria Eduarda. Eduardo Daruge Júnior é casado com Maísa Cruzatto Perrini Daruge que têm os filhos Eduardo Daruge Neto,médico, e Fernando Perrini Daruge, empresário.
Os primeiros estudos o senhor fez em qual escola?
Foi no Grupo Escolar Prudente de Moraes. No ano passado faleceu Dona Domingas Gallo, uma professora dedicada ao ensino, apaixonada pelo que fazia. Naquele tempo tínhamos um respeito pelo professor que hoje não existe mais, atualmente o aluno manda na escola, não é o professor e a escola que mandam no aluno. Tinha que entrar na classe em fila cantava-se o Hino Nacional com a mão no peito. Quando o professor entrava na sala de aula os alunos ficavam em pé. Lembro-me que quando fazíamos alguma “arte”, brincadeiras de criança, ela fazia escrevermos no caderno: “Cada coisa em sua hora, cada coisa em seu lugar” repetíamos essa frase exaustivamente a cada vez que fizéssemos algo errado. Tive uma afinidade pela sua didática, que mantive o relacionamento de amizade até ela falecer aos 96 anos. Em uma das últimas visitas que fiz à Dona Domingas, ela mostrou-me um pequeno caderno com o nome de todos seus ex-alunos, inclusive o meu, eu tinha escrito aos 10 ou 11 anos de idade. O detalhe, é que cada aluno que ela alfabetizava anotava com sua própria grafia o seu nome. Ela mantinha esse caderninho desde a década de 50. Depois que ela faleceu a família deu-me de presente o caderninho, tenho até hoje. Quando conclui o primário fui para a APAF Escola Estadual Dr. Antonio Pinto de Almeida Ferraz Em seguida fui para a Escola Estadual Professor José Mello Moraes. De lá fui estudar no Instituto de Educação Sud Mennucci. A Seguir estudei no Colégio Luiz de Queiroz, onde tive uma excelente formação. Lembro-me de que embora já estivesse no prédio novo, as provas eram feitas na cripta da Catedral de Santo Antonio. Quando eu fazia o colegial, fiz também o curso técnico de prótese, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba – FOP.
Atualmente a prótese dentária está em uma fase de transição?
Quem permanece trabalhando com a prótese que se usava antigamente, que era a prótese total, popularmente chamada de dentadura, em sua maior parte está trabalhado com porcelana, muito envolvimento estético, houve uma evolução da prótese dentária, voltada para o desenvolvimento dos equipamentos que existem atualmente. Hoje conseguem confeccionar uma coroa dentária sem ter a intervenção manual. Usando o computador em três dimensões. Já está disponível em Piracicaba. Alguns clínicos já possuem esse equipamento. Através do scanner ele transmite as informações para o computador e já confecciona a peça. Logicamente que ainda existe a demanda para a prótese comum. Ainda se faz muita dentadura.
O poder aquisitivo de boa parte da população é limitado.
O Brasil é um dos poucos países que tem uma preocupação com a saúde oral muito grande. Existem países, inclusive muito desenvolvidos, onde uns bons números de indivíduos têm os dentes estragados. São países onde não há a cultura do tratamento odontológico.
O senhor estudou na FOP – Faculdade de Odontologia de Piracicaba, integrante da UNICAMP?
Estudei na FOP, conclui o curso em 1985. Trabalhei por seis meses com consultório, sempre adorei odontologia, sempre achei que seja qual for o trabalho tem que dar satisfação pessoal e uma forma de ver horizontes. No meio do ano prestei a Faculdade de Direito, fiz o mestrado em Odontologia Legal, eu já tinha essa vontade, pelo fato de sempre acompanhar os passos do meu pai, lembro-me de que na década de 70 ele publicou um artigo na Revista Quintessence ele descreveu uma ocorrência. Ele conseguiu identificar um delinqüente pela mordedura, pela mordida dele. Um casal estava namorando dentro de um Fusca, em uma área rural, na época era comum, tinham deixado uma fresta do vidro do carro aberta. O marginal encostou o revolver e anunciou o assalto, segundo o relato do delegado, o assaltado pediu para abrir o carro, o assaltante permitiu. Com a mão direita ele abriu o carro, pensando em segurar a arma do assaltante, e foi o que aconteceu, quando ele abriu a porta segurou a arma, o assaltante começou a disparar a arma porque esquenta o cano do revolver, como ele não soltou o assaltante começou a morder o braço do assaltado. Nisso a menina veio por trás e com as unhas compridas cravou no pescoço do assaltante e começou a puxar, ele largou a arma e saiu correndo. O Dr. Luiz T. Brienza era o delegado que fez o Boletim de Ocorrência do casal. Ele lembrou-se do meu pai, telefonou e perguntou se não seria interessante fazer a coleta das marcas das mordidas. Meu pai Eduardo Daruge, foi até a delegacia, moldou, fotografou, é moldado em silicone e depois coloca o gesso para ficar a delimitação da mordida. Uma semana depois, o Dr. Luiz Brienza estava de plantão novamente, atendeu um caso de atentado violento ao pudor. Quando o Dr. Luiz viu as marcas no pescoço do detido, lembrou-se do casal que tinha sido atacado. Dr. Luiz questionou o individuo sobre aquelas lesões, ele disse que foi pescar cascudo e enroscou no arame farpado. Era evidente que as marcas eram divergentes. Ele chamou o meu pai para fazer a moldagem da boca do detido. Ele moldou, comparou com as mordidas que ele tinha coletado no braço do rapaz que tinha sofrido o ataque, o resultado foi 100% de identificação. Isso acontece muito em estupro, o estuprador acaba mordendo a vítima.
Com relação ao DNA vocês usam como processo de identificação?
O DNA veio depois de um longo tempo, e ainda está muito novo no Brasil, isso porque o custo é muito alto, quando se fala em DNA para pessoas vivas é uma coisa, quando se fala em DNA para material necrótico é outra coisa. Exige uma técnica mais apurada. É mais cara também. O Estado paga, mas é um processo mais demorado. Vitimas em estado de decomposição ou esqueletizado, para trabalhar com DNA é um processo oneroso. Tanto que só é feito o DNA nesses casos quando se encontra uma família suspeita em pertencer ao individuo que foi encontrado.
Quando é feita a exumação como se encontra o corpo?
Depende de quanto tempo foi sepultado. As circunstâncias em que a pessoa faleceu influenciam. O individuo que passa por um tratamento quimioterápico acaba preservando esse corpo por uma longa data. A fauna cadavérica (que destrói o tecido mole) fica prejudicada, não consegue destruir aquele corpo. Uma vez foi encontrado um corpo em um poço de água desativado, a vítima era uma senhora que foi jogada ali. Entre o momento em que foi lançado e o momento em que foi encontrado, passaram-se trinta dias, Esse corpo estava muito bem preservado. Lá embaixo, no poço, é escuro, geralmente em corpos que estão expostos, o processo de decomposição começa com a mosca, que faz parte da fauna cadavérica. O processo de decomposição pode começar a partir de 12 dias, quando irá encontrar um corpo quase esqueletizando. Tem um caso recente, onde o prazo de desaparecimento e o encontro da ossada foram oito dias. Estava totalmente esqueletizado. Com partes ósseas destruídas. Existe a possibilidade de participação de animais carnívoros que devoram o corpo, tanto que vários ossos longos tinham as extremidades totalmente roídas. A literatura afirma que a decomposição normal é de dois a seis meses, podendo demorar até dois anos o tempo para esqueletização total.
A forma mais indicada de destino a um corpo, em termos de saúde pública, qual é?
É a cremação. Ela esbarra em um problema cultural. Até mesmo religiosa às vezes.
Após terminar o mestrado qual foi a sua próxima etapa?
Fui contratado na UNICAMP, em 1994, só que já trabalhava, dava aula em Araras, comecei a clinicar em 1986, na UNICAMP fui contratado como mestre tinha três anos para fazer o meu doutorado, hoje sou Livre Docente em Grau II, o penúltimo degrau da carreira docente. O Departamento é da Odontologia Social, a área é de Odontologia Legal. A chefe do Departamento é a Dra. Gláucia Maria Bovi Ambrosano.
Prof. Dr. Eduardo Daruge Júnior , Prof. Dr. Luiz Francesquini Júnior e equipe.
O senhor tem consulta de outros estados?
Sempre têm.
O que o senhor recomenda à população como fator de colaboração na identificação humana?
A pergunta que eu faço é se o senhor já fez radiografias? Dentárias? Tomografia? O senhor tem as radiografias guardadas? Tem algum documento guardado daquilo que fez em odontologia? Se tivéssemos essa orientação na nossa formação, e entender que cada documento que a gente faz, correspondente ao nosso corpo pode ser extremamente importante. Lógico que ninguém pensa em ter um falecimento trágico. Que esse material vai ser necessário para um processo de identificação. Muitas vezes até o DNA fica prejudicado.
O senhor tem exemplos dessa situação?
Muitos! Há uns dois anos foi encontrado um corpo carbonizado em uma cidade da região. No mesmo dia foi encontrado outro corpo carbonizado em outra cidade também da região. No primeiro caso descobrimos a quem pertencia o veículo. Supostamente o corpo poderia ser do proprietário do veículo. A mesma coisa aconteceu com esse outro corpo da outra cidade, com a diferença de que o corpo além de carbonizado estava calcinado, desintegrado, tinha virado pó. Não tinha mais dente, osso. Vieram os dois corpos para o IML. Pediram que os auxiliassem. O primeiro caso estava mais preservado, foi mais fácil fazer a identificação, o suspeito fazia tratamento odontológico aqui na FOP. Foi identificado pelos dentes. O outro caso, não tinha material para fazer DNA. Fui buscar informação médica e odontológica. O exame primário de identificação consiste em três exames: 1-) Datiloscópica; 2-) Dentes, nesse caso não tinha material; 3-) O DNA, possivelmente o DNA ali já estava prejudicado em decorrência do grau de carbonização. Comecei o trabalho de investigação, no seu de local de trabalho não havia nada, só que o pessoal me informou que ele estava fazendo correção ortodôntica. Documentação ortodôntica é centro de radiologia que faz. Fui e descobri onde ele tinha feito radiografia. Quem o atendeu foi Dr. Pérsio Faber e outro dentista de Saltinho. Dr. Pérsio Faber passou todo prontuário dele, ele havia feito um implante no incisivo lateral, o dentista de Saltinho tinha feito mais cinco implantes nele. Pedi ao delegado para ir ao local onde estava o carro, para peneirar todo o material que estava no carro. Fui com a minha equipe, peneiramos e fomos encontrando seis implantes com as coroas de porcelana nele. A porcelana, o ponto de fusão dela é bem alto. Pegamos as radiografias, os informes de Saltinho, reconstruímos aqueles dentes nas posições e radiografamos. Comparamos com as radiografias existentes. Eram exatamente os mesmos. Fiz o laudo e mandei. Após a identificação do corpo inicia-se a o processo da busca da autoria. Rastrearam o telefone da esposa dele, descobriram que estava em atividade, ela disse que só iria se apresentar em juízo. Ela foi presa, já está solta. O crime deve ter sido cometido por um terceiro a mando dela. Com o auxilio de Luminol descobriram que ele tinha sido executado dentro da casa dele.
O senhor participa de eventos específicos?
Existem congressos de odontologia legal e medicina legal. Nesses congressos ele trazem toda tecnologia existente hoje. Já estão fazendo autópsia digital. Uma necropsia envolve três aberturas: craniotomia; tórax e abdômen. Verificam-se as lesões existentes, para tentar diagnosticar a causa da morte. Na identificação o sistema mais utilizado é a datiloscopia ou papiloscopia é o sistema mais econômico, geralmente parte-se de um reconhecimento, há muitos casos de erro ou fraude de reconhecimento. O reconhecimento não é identificação, você conhece alguém e reconhece o corpo da pessoa. Há casos quase folclóricos sobre reconhecimento, envolvendo três corpos e três famílias, com trocas de corpos que passaram apenas por reconhecimento. A impressão datiloscópica em um deles desfez a confusão. Saiu até no Fantástico! O reconhecimento é o preâmbulo da identificação. A necropsia determina se foi crime ou não. A causa da morte sempre tem que ser determinada, para evitar qualquer tipo de defesa do possível homicida. Qualquer suspeita de morte por intoxicação é colhido material para fazer exame toxicológico. É colhido o material e remetido para o IMESC – Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo.
A falta de informação geral prejudica a investigação?
Esse é o mal do Brasil! Só existe informação local ou nos arredores. O cadastro de pessoas desaparecidas é muito deficiente. Teve um caso de um corpo encontrado em um canavial, carbonizado, com uma lista de pessoas desaparecidas entrei em contato com várias famílias até que em uma delas a esposa disse que a pessoa tinha uma placa de metal no braço esquerdo, resultado de um processo cirúrgico em função de um acidente. Identifiquei o médico, ele trouxe todos os informes sobre a placa que foi fixada no braço dele. Todas as placas cirúrgicas têm o número de série, fabricante, os parafusos são todos numerados, no prontuário do paciente fica marcado isso. Não é comum o IML abrir braço, perna, por isso é importante o exame de imagem. Fui até o IML, abri o braço, conferi todos os informes, confrontou tudo certo. Hoje a Interpol aceita as placas
cirúrgicas no corpo, desde que tenham dados informativos, como metodologia primária de identificação.
O senhor tem algum livro publicado?
O livro “Tratado de Odontologia Legal e Deontologia” é de autoria do meu pai Eduardo Daruge, Eduardo Daruge Júnior e Luiz Francesquini Júnior.
È alto o custo de um exame de DNA?
Se for um exame para um corpo em decomposição, o Estado fornece, mas a demora é de aproximadamente seis meses. Se a família for a um laboratório particular irá pagar uns 14.000,00 reais. O Exame de DNA que o Ratinho popularizou, para reconhecimento de paternidade fica em torno de 300,00 a 500,00 reais.
O esqueleto passa informações importantes?
Passa sim. Só que são secundárias: estimativa de estatura, de idade, de sexo e ancestralidade. O crânio fornece dados importantes, houve um caso em que eu tinha o crânio da pessoa falecida, após muitas buscas consegui uma imagem de uma tomografia do crânio, que ele havia feito no Hospital dos Plantadores de Cana, comparei um dado, que é a “impressão digital” do crânio: o seio frontal. Cada indivíduo tem um seio frontal único e exclusivo. Fica dentro do osso, em um espaço vazio. Entre a tábua óssea interna e a interna. Comparamos o seio frontal da tomografia anterior com a que fizemos aqui, sobrepomos um sobre a outra, deu certinho. Identificamos o individuo.