PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de dezembro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de dezembro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA: MARIA DE LOURDES PEREIRA
ENTREVISTADA: MARIA DE LOURDES PEREIRA
Maria de Lourdes Pereira nasceu a 28 de maio, em Franca, filha de Alberto Rodrigues Pereira e Maria da Conceição Taveira, que tiveram mais dois filhos.
Até que idade a senhora permaneceu em Franca?
Eu tinha cinco anos quando a nossa família mudou-se para São Paulo, meu pai era comerciante. Fomos morar em São Miguel Paulista, Zona Leste. Havia uma fábrica enorme a Companhia Nitro Química Brasileira. (Foi criada em 1935 a partir de uma associação entre os empresários José Ermírio de Moraes e Wolf Klabin, da produtora de papel de mesmo nome. Eles importaram uma fábrica inteira dos Estados Unidos de 18 mil toneladas de máquinas, equipamentos e tanques e reconstruíram no Brasil. A Nitro Química começou produzindo seda sintética o fio rayon para ser utilizado pela Votorantim, então uma fabricante de tecidos, dando impulso ao bairro de São Miguel Paulista)
Em São Paulo a senhora iniciou seus estudos em qual escola?
Na Escola Normal Vera Cruz, escola particular. Lembro-me da professora do magistério Dona Guaraciaba.
A atividade da professora era muito valorizada naquela época.
Era muita valorizada. Tudo foi deteriorado. O mundo tem isso, aparecem coisas novas e deterioram-se outras. Após me formar fui fazer estagio.
Recém formada, ainda muito jovem como foi dar aulas pela primeira vez?
Gostei muito! Encontrei-me!
A senhora gostava de dançar?
Dancei muito! Gosto muito de dançar! Ia aos bailes do Clube Piratininga! O bairro do Brás era uma família!
A relação dos professores com os alunos era diferente?
Até hoje! Hoje estive fazendo um trabalho voluntário em uma escola, aqui em Piracicaba. Não gostei não foi pelos alunos, mas pela qualidade do ensino, que se deteriorou muito.
Não é só o aluno que está menos dedicado?
Na minha visão, não. O profissional não está preparado, e não é culpa dele, é culpa social, o momento. É uma situação mundial. O mundo não está acompanhando uma época que se desenvolve tecnologicamente muito rapidamente.
A senhora após um período lecionando decidiu ir para uma região bem distante?
Fui para Belém, (frequentemente chamada de Belém do Pará), eu me inscrevi no Centro Universitário Brasileiro, em São Paulo, fui selecionada, éramos uma equipe de sete professores. Fomos de avião, isso foi em 1963, Belém era muito bonita, sempre foi, aquelas mangueiras, o povo muito bom, gostei muito de lá, o Brasil é maravilhoso! Trabalhei dando aulas para professores. Didáticas, metodologia, como eu tinha recebido aperfeiçoamento, fui repassar os conhecimentos.
Foi fácil adaptar-se a culinária típica?
Gostei muito! Esses dias estava vendo aqui em Piracicaba o açai, meu Deus que coisa gostosa! Atualmente existe em nossa cidade, na época não era tão difundido. Não gosto de carne, mas tinha o famoso pato no tucupi, os peixes eram ótimos, uma variedade enorme. Frutas maravilhosas, muitas frutas diferentes das que encontramos aqui. (No século XVII, onde hoje funciona o Mercado Ver-o-Peso, numa área que era formada pelo igarapé do Piri, os portugueses instalaram um posto de fiscalização e tributos dos gêneros trazidos para a sede das capitanias ,Belém. Este posto foi denominado Casa de Haver o Peso que também tinha como atividade o controle do peso dos produtos comercializados. No início do século XIX, o igarapé Piri foi aterrado e, na sua foz, foi construída a doca do Ver-o-Peso. Em 13 Outubro 2002 bombeiros conseguiram controlar, por volta das 8 horas, o incêndio no mercado municipal Ver-o-Peso, em Belém. O fogo teria sido provocado pela explosão de um artefato pirotécnico disparado dentro do prédio histórico.) . (O incêndio ocorreu exatamente no dia da maior festa popular e religiosa de Belém, a do Círio de Nazaré, para a qual são esperadas 1,8 milhões de pessoas). O mercado de Ver-o-Peso está maravilhoso, ele foi reconstruído e está agora funcionando muito bem.
O artesanato é riquíssimo?
Muito! Redes, rendas, cerâmica, trançado em fibras, cuias, trabalho em sementes, gemas e jóias, cerâmica, trançado em fibras, cuias, trabalho em balata e seringa, os brinquedos de miriti. A influência da arte indígena é muito forte.
Vocês professores ficaram hospedados onde?
Nós alugamos uma casa, tínhamos pleno acesso a Secretaria da Educação local, o Secretário nos recebia, foi uma época de muita ética, trabalho,
Havia falta de material para ensino?
Não havia falta de material.
Atualmente há um desperdício enorme de material didático, em particular livros são enviados às escolas às toneladas. A diretoria se vê em uma posição delicada, não tem o que fazer com todo aquele excesso, e não pode descartar por força de lei. A “dinâmica” da “atualização” do material de ensino é assustadoramente voraz. As matérias nunca mudam de forma tão radical em tão curto prazo, de ano para ano. O MEC tinha um programa muito interessante, onde o material escolar era vendido a preço simbólico, subsidiado, com isso o aluno adquiria o necessário sem grandes despesas, e quando nem isso podia fazer havia a famosa “caixinha escolar” que era um fundo arrecadado entre pais e mestres.
Como a senhora vê isso?
Acredito que não seja um fenômeno apenas brasileiro, mas sim mundial, é uma desconexão maluca!
Após permanecer em Belém qual foi o seu próximo rumo?
Permaneci em Belém por cerca de um ano, voltei para São Paulo, já era professora efetiva, lecionava da 1ª a 4ª série, gostei demais, depois fui para Manaus.
Qual foi a sua impressão do Teatro de Manaus?
Nossa! É maravilhoso! (Teatro Amazonas é localizado no largo de São Sebastião, no centro de Manaus, inaugurado em 1896 é a expressão mais significativa da riqueza de Manaus durante o ciclo da borracha). Gostei muito! Fui algumas vezes ao Teatro. A cidade é linda, os professores que foram eram de outra equipe, também alugamos uma casa, isso foi em 1965, 1966, permanecemos por um ano lá. Quando voltei continuei a trabalhar em São Paulo, após uns oito anos assumi a direção de uma escola, com 1.200 alunos, cerca de 50 professores. Apesar dos números expressivos, alunos e professores tinham apresentação e conduta muito distinta e respeitosa. Muito diferente do que vemos hoje.
Isso é conseqüência da formação familiar?
Eu penso que se confundiu: escola não é para dar educação social, é para dar educação formal. “Sim senhor!”; “Com licença!”; “Por favor!” são palavras importantes. Eu penso que isso não ocorre só no Brasil.
Antigamente ninguém chamava a professora de “tia”!
(Risos). Não tem nada a ver! Eles pediam licença, quando tinham necessidade real de se retirarem da sala de aula, por motivos de força maior. Eles pegavam uma fichinha de controle que ficava com a professora, quando voltavam à sala devolviam.
Nessa época em que a senhora morava em São Miguel a região era asfaltada?
A Zona Leste já dispunha de asfalto.
Como a senhora vê a violência?
Infelizmente a violência esta crescendo, no meu entender, no mundo. Penso que o ser humano está deteriorado. O mundo está totalmente diferente. Não sei se estão tentando acabar com o mundo. É o mundo que está caminhando. Estamos caminhando de forma acelerada na parte tecnológica e em proporção muito inferior no relacionamento humano. Há um desnível muito grande. Isso está conduzindo o mundo ao caos.
As diferenças sociais gritantes aceleram esse processo. Onde há pessoas que ganham fortunas enquanto outros estão abaixo da linha da miséria?
Eles não ganham! Apropriam-se! E não é só no Brasil! A Amazônia é maravilhosa, o Brasil é um país maravilhoso!
Qual é a impressão da senhora sobre a Vitória-Régia?
A Vitória-Régia é simplesmente deslumbrante! O povo ainda não sabe dar valor, mas estamos aprendendo! Que Deus não abandone ninguém! Todos nós iremos chegar lá!
A senhora gosta de ler?
Gosto e leio muito, acompanho as notícias, das novelas e programações de televisão não gosto. Ao que parece a mídia eletrônica, em especial o celular, ocupou uma grande fatia do mercado, está acima do normal. As pessoas andam pelas ruas distraídas, se você não estiver atento poderá ser atropelado por um pedestre concentrado em seu celular, eles vem em cima de nós. Eu penso que é um completo desequilíbrio mental. Em minha percepção estamos procurando um aperfeiçoamento e Deus esta permitindo. O ser humano está deslumbrado com tanta coisa bonita, como uma criança em um parque. Essas descobertas de desvios de dinheiro público não é uma exclusividade brasileira, isso ocorre também em países que imaginamos serem perfeitos.
A senhora acredita na evolução humana?
Creio que nos dão chances de melhorar. A caridade faz bem para quem recebe e faz bem para quem faz, porque aumenta a sua carga positiva. Deus é lindo, maravilhoso, ele deixa que você faça o que desejar, só que depois ele puxa a cordinha. Você vem de joelhos. Existe uma lei na ciência da física que explica isso. É a terceira Lei de Newton estuda a interação entre forças. “Para toda ação surge uma reação de mesma intensidade, mesma direção e sentido oposto”. Se você plantar milho não irá nascer feijão! A auto-exaltação de atos caritativos aos olhos de muitos é mais visível do que a boa ação feita de forma anônima, isso é a pequenez do homem. Nós ainda estamos aqui em progresso. Por isso fazemos muita coisa que achamos que é ótimo, só que não é.
A seu ver valorizamos inutilidades, futilidades, e deixamos valores significativos de lado?
Isso acontece em decorrência do nosso atraso. Enxergamos o que não sabemos explicar. Insisto em falar que isso é um mal do planeta. Nosso planeta está sendo trabalhado.
O nosso mundo está doente?
Não diria doente, mas sim uma fase que não é muito boa. Vai melhorar, acredito demais nas minhas bases.
Essa espiritualidade da senhora é antiga?
Desde menina! Meus pais pensavam da mesma forma, assim como meus avôs. Sempre respeitamos as formas de pensar de cada pessoa, sem nenhuma crítica ou segregação. Cada um faz aquilo que acha ser correto em seu coração. O exemplo é muito mais importante do que a palavra. Meu pai sempre foi um homem extremamente correto. Perdi a minha mãe quando eu tinha um ano. Fui criada pela mãe do meu pai, chamava-se Crisolita.
A senhora gosta de viajar?
Gosto e eu quero muito conhecer o Brasil, conheço o Paraná, Santa Catarina, Pará, Amazonas, Brasília e Pernambuco.
Qual é a sua visão geográfica e arquitetônica de Brasília?
Acho que Juscelino Kubitschek foi muito inspirado. O Brasil inteiro é maravilhoso, é uma pérola jogada no planeta.
Há uma crítica muito pesada por parte de diversas potências mundiais de que temos um país que talvez seja o melhor país do mundo, porém sem pessoas com capacidade mínima de administrá-lo. Isso é veiculado mundo afora.
É porque assim quis o Criador! Ele colocou criaturas para formar esse país. Temos os índios que deixaram coisas maravilhosas, aqui em Piracicaba mesmo. O povo que está aqui é maravilhoso. A farmácia do índio é a floresta. Posso afirmar que gostei muito da minha profissão, não tenho saudade exagerada, estou plenamente realizada. Já estou aposentada há duas décadas.
Para algumas pessoas a aposentadoria atemoriza um pouco, como a senhora reagiu?
Sempre encontrei o que fazer! Dei aulas para adultos, exercitei a minha filosofia espiritual.
As mudanças que estão ocorrendo são naturais?
É própria do homem, faz parte do planeta. Estamos em transformações constantes.
Essa diferença muito grande onde poucos tem muito e muitos têm quase nada, isso espiritualmente tem um significado?
Eu penso, não posso falar pela filosofia religiosa, cada um está aprendendo do que necessita,na evolução que necessita.
O excesso de dinheiro não traz felicidade?
Parece que não!
As pessoas que passam por desagregação de família, famílias desestruturadas sofrem muito.
Faz parte da evolução, vão aprender muito. Estamos em constante aprendizado. Envolve pessoas com dependência química, apego material, vaidade extremada, tudo isso é parte de um processo evolutivo. Irá provar da pequenez para que possa melhorar. São pessoas pequenas dentro de um contexto filosófico de caráter, de moral, atitudes.
Qual é a solução?
É o que está acontecendo! Deixar que cada um aprenda a sua parte!
No aspecto político há uma crença de que o político irá resolver tudo!
É o que eles deixam transparecer! A pessoa que tem certa vivência sabe que não é isso. Eles não vão arrumar tudo! Além de ser impossível, todos tem que participar, por que só eles? Todos são responsáveis!
Com toda a sua vivência e experiência, qual é o conselho que a senhora dá aos jovens?
Não aconselho nada! Acho que cada um tem que passar a sua parte! O que é bom para mim pode não ser bom para você.