PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de dezembro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 02 de dezembro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: JOSÉ DE OLIVEIRA
ENTREVISTADO: JOSÉ DE OLIVEIRA
José de Oliveira nasceu a 6 de setembro de 1931, em Piracicaba. Do alto dos seus 86 anos, esbanja uma disposição física e mental que impressiona muito. Postura ereta, dicção clara, raciocínio rápido, precisão de lembranças passadas e presentes. Sempre sorridente cuidadoso com sua aparência, faz com que aparente ser mais jovem do que consta em seu registro de nascimento. Filho de Veridiano de Oliveira e Angelina Pádua que tiveram nove filhos: Alcides, Odair, Manoel, Verediano de Oliveira Filho, Enides Enoeh, José, João e Maria. Só a Enoeh é que foi registrada em Iracemápolis.
O pai do senhor trabalhou em Iracemápolis?
Meu pai trabalhava em uma fazenda, para lá era Iracemápolis, o lugar era chamado de Bate Pau, era muito famosa, eu imaginava que esse nome fosse em função de possíveis brigas, na realidade era em função de uma dança que havia, quase igual a congada, com bate pau, até hoje tenho amigos em Iracemapolis. Ali alem de trabalhar na roça, na usina, havia muitos bailes e jogo de futebol.
O senhor jogava futebol?
Joguei, minha posição era meio de campo, mas nunca fui profissional. Joguei em Piracicaba, no IV Centenário. Eu sou criado no Bairro São Dimas, que naquele tempo se chamava Vila Progresso. Herbert James Simenon Boyes com o irmão Alfred Simenon Boyes, constituiram a Boyes Irmãos & Cia., grupo inglês que adquiriu em 11de março de 1918 a fábrica de tecidos criada por Luiz de Queiroz inaugurada em 1876, inicialmente com a denominação “Santa Francisca”, Luis de Queiróz precisava de energia criou a primeira usina hidrelétrica de Piracicaba fornecendo luz para a cidade em 1892. Assim como o palacete que ele construiu e no qual habitou, à Rua Prudente de Moraes. A fábrica e o palacete comprados pelos Boyes, eram então propriedades de Rodolfo Nogueira da Costa Miranda que mudou os nomes de ambos para “Arethusina”, desde 1902. Herbert casou-se com Elvira, natural de Piracicaba era filha do diretor técnico Artur D. Sterry, que Luiz de Queiroz trouxe da Bélgica para dirigir sua fábrica de tecidos. Kathleen Mary, uma das filhas do casal Herbert e Elvira, foi diretora- presidente da Companhia Industrial e Agrícola Boyes residiu no palacete construído por Luiz de Queiroz até falecer em 7 de outubro de 1991. Outra filha, Dóris, casou-se com Norman Ford, que dirigiu a fábrica durante muitos anos. Em fins do século 20, dois filhos do casal, Peter e David, estavam à frente da empresa.
Por volta de 1939 a Boyes tinha 104 casas, eram quatro quadras paralelas, uma era a Rua José Ferraz de Camargo, nós a chamávamos de Rua Larga, era comum uma criança avisar em casa “Estou brincando na Rua Larga”. Depois existiam as ruas estreitas: Rua Alfredo; Rua Alberto; Rua Arthur. Naquele tempo havia uma rivalidade! Na Vila Boyes havia um clube, na Vila Progresso (atual São Dimas) havia outro, ali havia o União Progresso. Orlando Carnio, um vereador, decidiu acabar com essa rivalidade: criou o Bairro São Dimas, devido a igreja.
O nome teve como origem a igreja?
No Largo Santa Cruz havia fixada uma cruz de pedra, retiraram de lá e conduziram em cima de um caminhão até ao local onde permanece até hoje, em seguida fizeram uma capelinha, e hoje é uma igreja de porte, é uma paróquia. O nome da é Matriz Santa Cruz e São Dimas.
Como foi a infância do senhor?
Eu era criança e ia brincar no Lar dos Velhinhos, era conhecido como Chácara das Jabuticabeiras. Onde é o Clube de Campo era do Conde Rodolpho de Lara Campos.
O senhor o conheceu?
Conheci! Era difícil vê-lo. Na chácara dele tinha jabuticaba, todo tipo de fruta. Lembro-me que ele tinha um motorista a quem ele deu um carro de presente. Éramos crianças, eles não vendiam e nem davam nada, reuníamos um grupinho de crianças e íamos “pedir para o pé”. (Apanhar a fruta de forma sorrateira). Abríamos um buraco na cerca e entravamos quatro ou cinco meninos, voltávamos carregados de frutas.
Havia cães?
Tinha e dava muito medo! O Conde não deixava ninguém pescar no Rio Piracicaba em local em que estava a sua propriedade. A Avenida Renato Wagner não existia! A cerca da propriedade do Conde Lara ia até lá! A Estrada de Ferro Sorocabana passava sobre o Rio Piracicaba. Onde hoje é o campinho do Clube de Campo o Córrego Itapeva passava por ali desembocando no Rio Piracicaba.
Existia um moinho bem na cabeceira da Ponte Irmãos Rebouças?
Era a farinheira Eira da Pita! Nós íamos lá pedir beiju! Era farinha de milho torrada em um enorme chapa. Um dos rapazes de lá jogava futebol no São João da Montanha Futebol Clube , da ESALQ. Nossos prazeres eram pegar fruta no Lara, nadar na boca do Itapeva, a água do Rio Piracicaba era fria e a água do Itapeva era quentinha. Ficava aproximadamente onde é a loja D. Paschoal, ali passava o Itapeva.
Foi alterado o curso do Itapeva naquele trecho?
Foi! A atual Avenida Dr. Torquato da Silva Leitão era toda calçada com pedregulho, nós chamávamos de Morro do Lara. Nessa região havia muitas chácaras, a chácara do Pedro Rico era onde é a Cidade Jardim, lá também íamos colher frutas “dadas pelo pé”!Às vezes ele dava um tiro de sal na criançada. (O tiro de sal pode ser dado com espingarda de chumbo troca-se o chumbinho pelo sal).
O senhor fez os seus primeiros estudos aonde?
Fiz no Honorato Faustino! Era nas proximidades do Colégio COC, subindo a rua onde hoje ficam as Irmãs Carmelitas. Em 1939 a Boyes construiu quatro ruas com 13 casas de cada lado, totalizando 104 casas, também deram um grupinho, na época ninguém queria morar na Vila Boyes, isso porque íamos quadrar jardim e o pessoal dizia; “-Ah você mora na Vila Vaca”.Havia uma conotação pejorativa tipo de afirmação totalmente falsa. Nós pagávamos de aluguel o equivalente a R$ 1,00 por mês! Totalmente simbólico! Pagando água, luz, não se gastava dois reais por mês! Já havia luz, só que o chuveiro era de água fria, mesmo sendo água canalizada.
O senhor trabalhava em quê?
Eu fazia qualquer serviço! Até em construção civil eu trabalhei! Sou de família que pegava no guatambu! Meu pai era especializado em olaria. Ele tinha uma sabedoria nata, os fazendeiros chamavam-no para fazer uma obra na fazenda, ele pegava um enxadão, depois cavoucava com uma cavadeira, pegava um pouquinho do barro, experimentava a textura em sua mão, em seguida colocava um pedacinho de barro na boca, mastigava por um bom tempo, dizia ao fazendeiro: “-Seus tijolos estão estourando porque contém areia! Tem que colocar mais tantas carroças de barro forte no picador, onde deve moer tudo” Ou então ele mandava colocar mais saibro. No dente meu pai percebia isso! Hoje é tudo feito através de processos que envolvem análises, adição de produtos químicos. Quando ele ia fazer fogo na olaria ele fazia o “esquente” se fosse 36 horas de fogo, fazia 12 horas de fogo brando, depois ele apertava o fogo. Ele fazia tijolo, telha. Naquele tempo telha francesa ele não fazia. Ele fabricava a chamada telha comum, era do tipo que eram feitas nas coxas pelos escravos, só que no tempo dele já tinha o gualapo. O gualapo era uma espécie de forma de madeira, curva, simulando a curvatura da coxa, côncava, em cima tinha uma espécie de grade com aproximadamente um centímetro de altura, minha mãe e meus irmãos pegavam aquele barro e preenchiam aquele espaço com barro. Passavam uma régua, ficava bem direitinho. Depois puxava devagar, com jeito, ela caia no gualapo como uma se caísse em uma coxa. O gualapo foi a evolução da coxa do escravo. As telhas feitas nas coxas dependiam muito da grossura da coxa de quem estava fazendo, com isso as telhas saiam desiguais. Depois com uma lata de água, meu pai passava a mão molhada, o barro ficava bem liso. Após estar no gualapo, eram colocadas em uma gradinha de ripa, o barro não podia ser muito mole e nem muito duro, tinha que estar no ponto certo. Deixava o barro secar, depois ia para o forno. Naquela época toda criançada trabalhava.
A entrega era feita como?
A maioria era feita com carroça, na época havia poucos caminhões, uma carroça levava 250 tijolos cada vez. Lembro-me até da medida dos tijolos, quando meu pai começou a fabricar a forma era de 28 centímetros, antes eram 30 centímetros, depois passou para 25 centímetros.
O barro era amassado como?
Havia um mecanismo rudimentar tracionado a burros, um chamava Solteiro, outro era o Cabrito, o barro era amassado, tinha uma espécie de boquinha por onde saia o barro amassado, chamado de pastão, e meu irmão ia carregando em uma carriola. Tinha uma turma que ia tirando e colocando na forma.
Em que local ficava a olaria?
Na Usina Boa Vista! Logo após na Cruz Caiada. Tem esse nome porque havia ali uma cruz, símbolo de que naquele local alguém faleceu, para pintar não havia as tintas que existem hoje, tinha que “queimar” a cal virgem e depois pintava, caiava. Havia muitas santas cruzes daqui para lá, algumas eram de madeira.
O senhor trabalhava durante o dia e estudava a noite?
Desde o curso primário, depois fui estudar contabilidade na Escola do Zanin.
Quando o senhor casou-se?
Em 17 de janeiro de 1959 , um sábado, nos casamos na Igreja Metodista, ela é metodista. Ela lecionava em Santo Anastácio, eu fui trabalhar em contabilidade a convite de um vereador daquela cidade. Ai houve uma remoção da minha esposa para Capivari, naquele tempo tinha a Estrada de Ferro Sorocabana. No fim mudamos para lá. Fui trabalhar na Usina Cillos, havia lá e em Santa Bárbara D`Oeste, todos os donos eram parentes, trabalhei um bom tempo na usina, na parte de contabilidade. Minha esposa foi removida para Piracicaba, voltamos para cá, vim morar em uma casa de propriedade de Lineu Krähenbühl, na Rua Gomes Carneiro esquina com a Avenida Armando Salles de Oliveira. Hoje moro perto da Igreja Bom Jesus.
Quantos filhos vocês tiveram?
Tivemos cinco filhos: Ângela, José Lincoln, João Marcos. Paulo e Andréia.
O senhor conheceu o pessoal do cururu?
Conheci todos! Pedro Chiquito, Parafuso, Nhô Serra e outros. Não só conheci como era amigo deles. Um dia estava com a minha neta que mora na Carolina do Norte, fiz uma moda de cururu, ela passou para o inglês! Saiu um cururu em inglês! Eu tocava um pouquinho de acordeom.
O senhor tem algum hobby?
Gosto de cantar bastante. Cantava em orfeon. Fui presidente do Clube da Terceira Idade.
Como surgiu o seu prazer pela música, pela dança?
Meu pai tocava acordeom, naquele tempo ele tocava em bailes. Levava a minha mãe junto, lembro-me disso. Ia a família inteirinha.
Isso no chão de terra?
Na Fazenda Boa Vista, Água Santa. Onde tivesse um rancho, jogavam uma água com regador, passava um rodo, no começo ia bem, depois quando secava vinha aquele poeirão! Varava a noite!
Procissão do Divino o senhor acompanhava?
Eu gostava de assistir!
E o Rio Piracicaba como era?
Não só nadava como bebia água dele! Não na beirada, porque tinha limbo. Ali na Rua do Porto o Adamoli tirava areia com carroça. Nessa época eu tinha uns doze a treze anos.
Vocês nadavam com roupa ou sem roupa?
De qualquer jeito!
Tinha um pessoal que escondia a roupa de quem nadava nu.
Tinha gente malvada sim. Às vezes o próprio pai fazia isso. Quantos amigos meus não vinha embora com duas folhas de mato! Folha de guaiambé! É uma folha utilizada para empalhar garrafão com ela.
O senhor pescava?
Pescava. No Rio Piracicaba as moças pegavam peixes com sombrinha! Não precisava pescar no Rio Piracicaba! Corria o risco de ser advertido pelos fiscais. O Geraldo Toledo e o Nonô eram os fiscais. Depois que veio o Tutu Medeiros. Manzano e outros. Mas sabe o que as moças faziam? Onde é o aquário, não era daquele jeito, não tinha aquele paredão. Dava para descer até lá embaixo, beirando o rio, era um mato com trilhas. Ficávamos no meio do matinho, às vezes o fiscal nem nos via. Ali não dava para nadar, tinha muito mandi e podia tomar ferroada do mandi, ele tem um ferrão nas costas, parece uma agulha e dois ferrões de lado. As moças desciam, o sol estava quente, usavam a sombrinha, elas enfiavam as sombrinhas nas pocinhas saía cheia de peixe: mandi, lambari, piava. Se não tivesse sombrinha pegava também, com a mão. Conforme o rio dava um balanço, a âgua vinha com tanta força que jogava bastante peixe na barranca do rio. Se não fosse esperto, quando a onda viesse de novo levava o peixe de volta. A redução no volume de água do rio Piracicaba também tem ligações com o Sistema Cantareira, construído na região das nascentes formadoras da bacia hidrográfica ainda na década de 1960 e que desvia grandes volumes de água para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Acabaram com o nosso rio que tinha até jaú.