PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de novembro de 2017
Sábado 11 de novembro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
Elza de Camargo Evangelista, corpo ereto, varria a entrada da sua casa. As folhas e pequenos frutos estavam espalhados pelo caminho, diariamente esse é um dos seus afazeres. Ao me apresentar, disse-lhe o motivo da minha visita, uma entrevista para A Tribuna Piracicabana. De forma gentil, mas firme, disse-me que se considerava uma pessoa comum, não sabia como poderia contribuir, mas de forma hospitaleira convidou-me para entrar. Os seus 79 anos de existência pareciam constar apenas no calendário, tal a sua disposição.
A senhora nasceu em que cidade?
Nasci em Capivari, meu pai com a nossa família veio morar no Retiro, uma vilinha afastada, dentro do bairro Monte Alegre, época em que tinha outro lugar bem retirado conhecido por Viúva. Nasci a 23 de maio de 1938. Fiz o primeiro grau no Grupo Escolar Marquês de Monte Alegre. Sou filha de José de Camargo e Cecília Ricardo de Camargo. Tiverem treze filhos, sendo que três meninas faleceram com pouco tempo de vida. Os filhos que sobreviveram foram dez: Francisco, Manoel, Valdemar, Elza, Odete, Benedito, Maria Helena, Ana, Neusa Maria e Aparecida.
Com quantos anos a senhora foi morar no Monte Alegre?
Eu era bem pequena, naquela época comentavam que o Monte Alegre iria ser continuidade da cidade de Piracicaba. Não havia televisão, o meu pai tinha um rádio, no porta rádio fixado na parede, minha mãe dizia “venha escolher o feijão para mim” minha irmã e eu estávamos mexendo no rádio, disse:lhe “Dete, venha me ajudar a escolher feijão”, puxei-a com rádio e tudo. O rádio caiu no chão. Já imaginamos que quando meu pai chegasse do serviço iria bater em nós. Meu pai não bateu, pegou o rádio do chão, ele só tinha esfolado, era uma madeira tão boa que não quebrou. Colocou no lugar, ligou e funcionou!
Com que idade a senhora começou a trabalhar?
Aos catorze anos comecei a trabalhar na fábrica de papel da Usina Monte Alegre. Trabalhava na escolha, ia até a pilha de papel, uma pessoa ficava separando em pilhas menores de papel, chamada de resma (500 folhas de papel) , separava, lembro-me de que tinha um banquinho para subir e alcançar o papel. Fazíamos os leques de papel sobre a mesa e escolhia. Verificava se havia alguma imperfeição, era o que denominamos hoje de controle de qualidade. O papel era branco, uma quantidade grande, era feita a exportação desse papel. O papel era produzido do bagaço da cana-de-açúcar.
A que horas era o inicio do trabalho?
Entrava às sete horas da manhã, parava para o almoço, alguém da família levava a marmita. Se fosse almoçar em casa tinha que caminhar pela estrada, e era um bom percurso. Permaneci uns três anos trabalhando na fábrica de papel.
Após sair desse trabalho, qual foi o próximo?
Vim para Piracicaba para ser empregada doméstica. Trabalhei na casa do Professor Alfredo Lineu Cardoso, pai do médico Dr. Lineu Antonio Cardoso. O profesor morava com a sua família a Rua Joaquim Andrè esquina com a Rua Boa Morte. A esposa dele é Dona Marina Capelato Cardoso. No período em que trabalhei lá eles tinham dois filhos: o Irineuzinho e o Augusto. O sobradinho onde eles moravam existe até hoje, eu sempre passo por lá. Trabalhei também na casa do Sr. Benedito Duarte Novaes. Ele trabalhava com pneus, a casa dele era anexa a sua empresa. Naquele tempo as ruas em sua maioria eram calçadas com paralelepípedo.
Era muito comum as casas terem um bom quintal naquela época.
Tinha, havia muitas frutas. A carência maior era de um bom banheiro. Eram raras as casas que tinham banheiro interno, eram em sua maioria no quintal, onde havia uma fossa séptica. Banho era de bacia! Como tudo mudou, hoje meu chuveiro é dos modelos mais modernos, uma ducha grande, Aqueles banhos de bacia eram um terror, uma vida muito difícil. Tempo do sabonete Eucalol. A roupa era lavada no tanque, a mão, esfregava sabão peça por peça, sabão Minerva, sabão Campeiro, “Sabão Rinso Lava Mais Branco”, vassoura de palha, escovão para passar no assoalho após ter encerado. Lenbro-me da Etubaina, Gengibirra, Existiam umas enceradeirs que trepidavam, pareciam britadeiras. Naquele tempo trabalhava-se aos sábados também.
A senhora no período em que morava no Monte Alegre plantou cana-de-açucar?
Plantei, cortei. Naquela época já queimavam a cana. Havia o campeonato para disputar quem era o melhor cortador de cana-de-açúcar, quando eu era pequenina sempre havia os piqueniques no campinho de futebol. O meu pai nunca deixou eu ir, Fui bem pouco na Teixeirada, era um evento que tinha brinquedos para as crianças, havia uma escada que ia até a beira do Rio Piracicaba, Muitas pessoas andavam de barco.
No Monte Alegre havia os bailinhos também?
Havia o Salão de Bailes, próximo ao cinema, Algumas vezes fui às matinês dos domingo no cinema. Baile, carnaval meu pai não deixava irmos.
Havia missa toda semana?
Todos os domingos havia missa na Capela São Pedro que tem em suas paredes afrescos do pintor Alfredo Volpi.
A senhora casou-se?
Casei-me com Hélio Evangelista. Ele foi motorista de taxi em Piracicaba por 17 anos. Começou a trabalhar no centro, no final ele era taxista no ponto da Churrascaria Beira Rio. Ainda tem dois amigos dele que trabalham lá. Já são aposentados, mas continuam trabalhando.
Como a senhora vê essa nova tecnologia que está presente na vida de muitas pessoas?
Acho ótimo! Uso WhatsApp, tenho Facebook, Instagram, Messenger, não podemos ficar para trás!
Como a senhora aprendeu a trabalhar com essas ferramentas tecnológicas?
Tenho um sobrinho que me ensinou bastante coisa, mas tive que aprender muita coisa sozinha. Fui pesquisando por mim mesma, aprendi muita coisa.
O computador é uma janela para o mundo?
Sem dúvida!
A senhora tem excelente saúde física e mental, qual é o segredo para tanta saúde e disposição?
Não sei explicar. A minha infência, adolelescência foi muito difícil. Acredito que para superar muitas dificuldades que encontrei na vida foi só pela fé em Deus. No ano de 1980, fui até a Unicamp, tinham aberto inscrições para prestar um concurso. Eu já estava casada, meu marido nem queria que eu fosse, mas fiz o concurso. Passei. Fui chamada em 1984. Fui trabalhar em Campinas, no restaurante da Unicamp. Meu marido ficou em Piracicaba, trabalhando com o taxi, eu trabalhava a semana toda em Campinas, morava com a minha irmã, aos finais de semana vinha para Piracicaba, segunda feira cedinho meu marido me levava até Campinas para trabalhar. Teve um concurso para motorista da Unicamp. Meu marido fez o concurso e passou. Foi trabalhar lá. Por 10 anos ele trabalhou em Campinas. Vinhamos para Piracicaba, a nossa casa era aqui, as crianças das primeiras nupcias do Hélio, estavam aqui, sempre os considerei como filhos. Por 13 anos trabalhei no restaurante, dia 5 de novembro fez 20 anos que me aposentei.
No restaurante a senhora atendia a alunos, professores, funcionários?
Todos que frequentavam o restaurante da Unicamp passavam por ali. A Unicamp é uma cidade! Foi uma vitória! Meu marido vendeu o ponto de taxi que ele tinha em Piracicaba, por uns tempos ficou com o automóvel Corcel. Meu marido era muito querido na Unicamp. Há quem diga que tivemos sorte, mas também lutamos muito para vencer.
Qual era o prato preferido no restaurante da Unicamp?
Era quando tinha feijoada!
A senhora frequentava os cinemas de Piracicaba?
Frequenva o Politeama, Broadway, Colonial, São José. Hoje só temos cinemas no Shopping!
Existe uma cidade que conserva orgulhosamente como um monumento o seu tradicional cinema!
É o Cine Vera Cruz de Capivari! E funciona regularmente! Uma maravilha que preservaram! Quando viemos para Piracicaba o bairro Monte Alegre era circundado por mato. Na decada de 70 meu pai mudou-se para Piracicaba, foi morar no bairro Morumbi, também era mato. Para vir do Monte Alegre para a “cidade” de Piracicaba utilizavamos a estrada do Campo de Aviação, estrada de terra, vinhamos com a jardineira, enchia de poeira dentro dela. Hoje sinto-me milionária, porque tenho paz. Deito e durmo.
Ha quanto tempo a senhora reside no Lar dos Velhinhos?
Mudei qui em dezembro de 2013. Antes eu morava em um edifício a Rua Moraes Barros. Meu marido faleceu em 2008. Um dia vi Dr. Jairo Ribeiro de Mattos no centro, ele é muito conhecido na cidade, eu o conhecia, chamei: “-Seu Jairo!”. Ele virou na minha direção e perguntou-me se o conhecia. Disse-lhe: “Seu Jairo, quem não conhece o senhor nessa cidade?”. Disse-lhe que gostaria muito de morar no Lar dos Velhinhos. Expliquei-lhe minha condição, disse-lhe que não queria morar em outro lugar que não fosse o Lar dos Velhinhos. Ele anotou meus dados e disse-me: “-Em menos de 10 dias a senhora irá receber um chamado do Serviço Social do Lar”. Uma semana depois recebi uma ligação da Assistente Social. E pronto deu certo!
A senhora gosta de televisão?
Gosto ! Novela da Globo eu não assisto! Não gosto da Globo! Não vejo nada que tem na Rede Globo! Não dá para ver, é só mau exemplo, para os jovens isso é terrível! Mexe com a família, leva a discórdia entre casais. O canal da minha preferência é o SBT. Eu assisto as novelas escritas pela esposa do Silvio Santos. São novelas voltadas para a família.
E instrumento, a senhora toca algum?
Trabalhei em muitas casas em que a pessoa era professora de piano, passei a gostar de piano, meu marido comprou um teclado para mim. Até hoje eu tiro alguma coisinha.
Aqui na sua casa é a senhora mesmo que faz seu alimento?
Hoje eu comprei um marmitex, mas tenho meu fogão, faço feijão, arroz, salada, carne de panela de pressão, uma costela. Quando estou bem disposta, marco uma quitinete na praia, em maio fiz 79 anos, passei na praia. Vou para Santos, sozinha, pego o ônibus e vou. Fiquei uma semana.
Quando caiu o Edifício Luiz de Queiroz (COMURBA) a senhora lembra-se?
Quando o COMURBA estava sendo construído, eu morava no Monte Alegre ainda, tinha uma irmã que ia casar, vim com ela em Piracicaba, era assim que nos referíamos: “vou à Pircicaba”. Tinha uma sapataria a Rua do Rosário, chamada Casa Oliveira, viemos juntas para ela comprar o sapato do seu casamento. Nós duas passamos em frente ao COMURBA, era hora de almoço, aqueles jovens, pedreiros, estavam todos sentados descansando, minha irmã tinha 19 anos, eu era nova, bonita, ao passarmos percebemos que os moços nos olharam com atenção. Dali a uma semana ficamos sabendo que o COMURBA tinha caído, aqueles jovens todos possívelmente foram soterrados. Era dia 6 de novembro de 1964.
E o Rio Piracicaba? A senhora costuma ir passear as vezes?
Eu costumo pescar no Rio Piracicaba! A EPTV filmou meu marido e eu pescando, tenho a fita com o filme.
A senhora não conta histórias de pescador?
Conto! É história que aconteceu mesmo, não é invenção não!
De que tamanho era o peixe?
Não era o peixe! Era garça! A garça veio, pegou a vara e saiu voando com a vara de pesca dependurada! Era de um dos moços que estavam pescando próximos de mim. Quanto peixe eu peguei! Cascudo, tilápia, meu marido pegava tanta tilápia que nem ficava com elas, distribuía com os vizinhos. Lambari pegava em grande quantidade. Uma vez comecei a pegar lambari sem isca! Só pelo brilho do anzol.
Vocês pescavam de barranco ou de bote?
De barranco, lá embaixo perto da ponte do Morato. Pesco até hoje. Estava pescando no lago do Lar dos Velhinhos, um peixe bem grande, arrancou uma parte da minha vara de pesca, ela é vara que monta e desmonta. Fiquei só com um pedaço da vara na mão! Eu pescava também no lago da Rua do Porto.
Mas ali não tem muita piranha?
Peguei uma piranha enorme lá! Para tirar tem que tomar muito cuidado, ela tem dentes afiados.
Dá para comer piranha?
Serve para fazer caldo! Sopa! É muito bom! No lago da Rua do Porto jogaram muitos alevinos de tucunaré. Até teve um dia que peguei um. Era pequeno, soltei, com cuidado para não se machucar.