PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de outubro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de outubro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS
Armando Alexandre dos Santos é jornalista profissional, historiador e professor universitário, licenciado em História e em Filosofia, com pós-graduação em Docência do Ensino Superior em História Militar. Atualmente leciona no programa de Pós-Graduação em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e dos Institutos congêneres de São Paulo, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais e Santa Catarina, assim como da Academia Portuguesa de História, da Associação Nacional dos Professores Universitários de História-ANPUH e da Associação Brasileira de Estudos Medievais-ABREM. Autor de 64 livros nas áreas de História, da Ciência Política e da Religião, publicados no Brasil, em Portugal e diversos países. A tiragem total de suas obras já ultrapassou a cifra de 1,4 milhões de exemplares. Seu livro “Juro que é verdade” de 2017 é sua primeira publicação na área de literatura ficcional. Armando Alexandre dos Santos é filho de Antonio dos Santos, português de Trás-os-Montes, e Layr Alexandre dos Santos, nascida no Brasil filha de pai e mãe portuguêses.
Você tem origem legitimamente portuguesa.
Até a semana passada eu julgava que todo o meu sangue era português, foi quando fiquei sabendo por um exame específico de DNA, feito nos Estados Unidos, que tenho apenas 71,4% de sangue português, mais ou menos 7,5% de sangue italiano, que deve ter sido de italianos que foram para a Ilha da Madeira, lá pelo século XV ou XVI, tenho 8,4% de sangue árabe, me surpreendeu muito mas tenho quase 5% de sangue escandinavo e 1,2% de sangue negro de Serra Leoa. Esse exame de DNA atinge três focos, examina o lado masculino: pai,pai,pai,pai até o fim; o feminino: mãe,mãe,mãe,mãe. E um terceiro elemento que é o meu sangue, que é uma resultante da somatória desses dois e de todos os outros que estão no meio, esses dois quase desaparecem, pois temos quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós, é uma progressão geométrica. Ao cabo de 500 anos já ha centenas de milhares de pessoas, se formos até os tempos de Jesus Cristo, portanto ha 2.000 anos, cada um de nós temos 4 quintilhões
(4 000 000 000 000 000 000) de antepassados linearmente. É uma quantia astronômica, eu fiz um calculo, se micro filmássemos essa lista, com os microfilmes mais reduzidos que existem, na ciência atual, se empilhássemos as caixinhas de micro filmes daria um cubo dentro do qual caberia o Himalaia inteirinho e ainda sobraria espaço. Isso significa que todo mundo é parente mais próximo ou menos próximo de todo mundo. A humanidade é uma coisa só. Entre um esquimó e um negro da África do Sul a proximidade é muito grande. Hoje se sabe que todo gênero humano descende de um único casal. Isso é sabido, independente de convicções religiosas, há um homem e uma mulher dos quais todos nós descendemos. É tido como certo de que essa mulher teria vivido na África. Se você pegar uma sociedade relativamente fechada, como por exemplo, a Inglaterra, que é uma ilha. Qual foi o último grande bloco imigratório para a Inglaterra? Foi na Idade Média quando chegaram os normandos, nunca mais a Inglaterra recebeu em quantidade significativa novos contributos étnicos. Isso faz com que todos os ingleses sejam parentes entre si, hoje se calcula por cálculos matemáticos avançadíssimos, que qualquer inglês, de qualquer classe social, é parente de qualquer outro inglês de qualquer ponto da Inglaterra, pelo menos em 14º grau. Isto significa que a Rainha da Inglaterra tem em 7ª geração um antepassado em comum com qualquer inglês. A 7ª geração é constituída em 200 e poucos anos! Posso dizer que nenhum nobre é só nobre e que nenhum plebeu é só plebeu! Na terra do meu pai, Trás-os-Montes, há um ditado que diz que: “Não há geração sem conde nem ladrão!” Isso é o gênero humano! Sou muito relacionado com genealogistas, acredito que eu seja talvez o único brasileiro com curso superior de genealogia, isso não existe no Brasil, existe em alguns países da Europa, um curso universitário de genealogia, o meu foi feito na Espanha.
Você nasceu em São Paulo em que dia?
Nasci a 30 de julho de 1954 entre os bairros Pari e Brás, fiz a minha primeira escola no Liceu Acadêmico de São Paulo, na Rua Oriente, travessa da Rua Rodrigues dos Santos. Fiz o ginasial e o colégio no Colégio Estadual de São Paulo, antigo Ginásio do Estado, foi o primeiro colégio público de nível secundário, do Estado. Foi fundado em 1894. A fundação desse colégio deve-se ao seguinte fator, durante o Império o Brasil tinha um regime Unionista. O governo todo era feito a partir da Corte no Rio de Janeiro. Os presidentes das províncias eram nomeados pelo governo central, não eram eleitos localmente, essa fase foi indispensável no Império, enquanto o Brasil se constituía e se firmava como uma nação unida. Havia um sério risco de acontecer com o Brasil o que aconteceu com a América Espanhola, uma fragmentação. Essa fase era necessária. Mas o próprio Império estava evoluindo para um sistema federativo, em que houvesse uma maior autonomia das várias províncias para que elas pudessem se gerir e se manterem por si próprias. Esse processo de evolução para federação foi cortado, pela proclamação da República. O Federalismo se transformou em uma bandeira republicana, quando na realidade já era do Império. Uma das primeiras medidas que o governo Republicano tomou para mostrar que representava o progresso, o futuro, foi fundar em todos os estados, colégios. Para dizer: o Império só tinha o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, nós levamos a cultura para o Brasil todo. Outra coisa: Institutos Históricos. No Império havia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, fundado em 1838, a República começou a fundar esses institutos. Do ponto de vista do exterior, diria quase cosmeticamente, para a visão pública, pareciam grandes avanços, em relação ao período do Império. Na realidade, de uma visão mais crítica, e de quem acompanhou as coisas, a Proclamação da República foi um desastre para o Brasil. A corrupção que entrou, o desvio da finalidade da própria nação, o aproveitamento da coisa pública, uma série de fatores sobre os quais poderíamos fazer outra entrevista, conversar sobre isso largamente. Esses acontecimentos de um modo muito rápido tomaram conta do Brasil. No tempo de D.Pedro II havia a chamada Ditadura da Moralidade, D.PedroII era exímio na administração pública, com ele ninguém brincava. Poderia contar aqui dezenas de episódios nessa linha. Ele era um homem do seu tempo, naquele tempo, a figura do chefe de família, do patriarca, era aquele modelo. Um homem sério, sisudo, com uma grande barba, impondo respeito, aos parentes, aos amigos, era o ar próprio do tempo. Era um grande erudito, ele tinha, no meu modo de entender, uma qualidade muito brasileira, algo que o brasileiro gosta de ver na autoridade, o brasileiro não gosta de autoridade frouxa! O brasileiro gosta de autoridade firme. Que sabe mandar. O brasileiro não tolera autoridade que manda fria e insensivelmente. O brasileiro obedece uma coisa difícil de fazer, mas ele gosta que quem mandou, dê a entender que está sofrendo junto com ele. É o lado afetivo do brasileiro. Essa relação de proximidade de quem manda e quem obedece, é algo que a psicologia do brasileiro exige. E D.Pedro II tinha! Outra pessoa, em outro contexto, também teve, foi Getulio Vargas. Era extremamente autoritário, mas era jeitoso. O brasileiro gosta de jeito! Autoridade que manda com firmeza, mas com jeito. E D.Pedro II era assim!
Você tem uma relação muito forte com Portugal.
Inclusive sanguínea! Morei na Cidade do Porto, Lisboa, Coimbra.
Qual é a correlação que você faz entre Portugal e Brasil?
Portugal e Brasil são continuidades, não vejo uma dissociação. É o mesmo povo, o mesmo país, sentimentos, a própria visão do universo, aquilo que os alemães chamam de cosmovisão (Weltanschauung, termo alemão que se pronuncia “vèltanxauung”, cosmovisão ou mundividência) a portuguesa e brasileira são muito parecidas. A arquitetura tradicional brasileira foi muito influenciada pela portuguesa. A forma do brasileiro acolher pessoas que vem de todas as partes do mundo, os imigrantes de qualquer parte do mundo não se sentem um peixe fora da água aqui no Brasil. Sempre encontraram aqui uma receptividade que não encontram em outro lugar. Os italianos vieram para cá e se inseriram na sociedade. Os italianos da mesma época foram para os Estados Unidos, encontraram um ambiente bem diferente, hostil, fecharam-se entre si, uma das consequências foi a formação das máfias. Um meio de proteção dentro daquele contexto. Uma defesa que tomou um rumo que lamentamos, obviamente.
Você mudou-se para Piracicaba em que ano?
Vim para Piracicaba em 2006, eu morava em São Paulo na Avenida Angélica, a 50 metros da Avenida Paulista, era um barulho muito grande, e iniciaram a construção de uma estação do metrô, ao lado, dia e noite o som de bate estacas, foi quando decidi mudar de lá.
O seu ingresso no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo deu-se quando?
Foi em 1994. Atualmente sou emérito. Ingressei em 1994 embora tivesse livros publicados muito antes. Tínhamos uma administração no IHGSP que tinha decido fechar o ingresso de novos membros, por algum tempo, de fato tinha havido no passado uma abertura excessiva, tinha entrado muita gente com mérito, com menos mérito, a administração tinha sido muito boa, eu era muito amigo do presidente antigo, Dr. Licurgo de Castro dos Santos Filho, um grande médico, um grande historiador, enquanto foi presidente estabeleceu que: “Não entra ninguém, ou quase ninguém”, a partir do momento em que ele cedeu a presidência ao Dr. Hernani Donato, ele continou a fazer parte da diretoria, e chegaram a conclusão de que já estava na hora de receber novos membros. De posse da lista dos que já frequentavam e faziam parte da casa, mesmo sem serem membros, eu fui um dos primeiros a ser chamado. Entrei na última leva dos que entraram no primeiro século de existência do IHGSP, em agosto de 1994. Dois meses depois o Instituto completou 100 anos.
Onde é a sede do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo?
Na Rua Benjamin Constant, 158, centro de São Paulo.
Qual foi o primeiro livro que você publicou?
Foi “A legitimidade monárquica no Brasil”, um estudo publicado em 1988, sobre a Princesa Isabel, a família da Princesa Isabel, o ato de renuncia do seu filho D.Pedro de Alcântara, é um estudo muito específico para saber quem de acordo com o Direito era o Chefe da Casa Imperial do Brasil. Foram 7 anos de pesquisas, estremamente demorada, acurada.
Escrever é uma atividade rentável?
Depende do que se escreve! Rende imensamente em satisfação interior, o que dá grandes resultados finaceiros é escrever livros didáticos, só que existe um circulo restrito das grandes editoras.
Você trabalhou em editoras?
Trabalhei muitos anos em várias editoras, a editora recebe um grande número de originais, um grande editor não consegue dar conta de tudo que recebe, ele tem uma série de freelancers (profissionais autônomos) estudantes de letras, professores desempregados, pessoas que lêem os originais, fazem uma sinopse em 20 a 30 linhas, e dão um parecer favorável ou contrário à publicação, de cada 100 títulos recebidos, 7 ou 8 vão para o editor, esse editor, no final de semana vai para a casa de campo ou de praia dele, leva os sete ou oito livros com as sinopses. Irá ler as sinopses, se interessar ele terá acesso ao livro, irá escolher um ou dois livros para ser lançado. De 100 livros 7 ou 8 chegam as mãos dele, ele vai escolher, se escolher, 1 ou 2. Isso faz com que muita gente com obras excelentes não publique, porque caiu em determinado crítico que não gostou, ou torceu o nariz, ou estava de mau humor, levantou com o pé esquerdo. Recentemente houve um caso engraçado de uma pessoa mandou, para uma grande editora, alguns contos menos conhecidos de autoria de Machado de Assis, como ele tem contos psicológicos muito bons, que são atemporais, não há elementos que identifique que o conto foi escrito no século XIX, a pessoa pegou os contos de Machado de Assis que poderiam ter sido escritos hoje, fez uma coletânea e mandou para uma editora. Um professor X que foi analisar, leu e foi contrário a publicação porque não tinha nenhum valor literário. João Scortecci deu voz e vez a esse público. Há muitos prêmios Jabuti que começaram os passos com João Scortecci. Certa vez estávamos no escritório do João Scortecci em uma roda de pessoas, uma dela era psicólogo ou psicanalista, entrou em pauta o assunto Paulo Coelho, e surgiu a questão: Qual é o segredo do sucesso do Paulo Coelho? Que ele não tem mérito literário todo mundo concorda. Mas ele vende uma quantidade enorme, assombrosa, de livros no mundo todo. Algum segredo deve ter.
Qual é o segredo?
Chegamos às conclusões: primeiro lugar é a propaganda; há algo mais no Paulo Coelho que o torna tão atraente universalmente. Na conversa, concluiu-se que os livros do Paulo Coelho são baseados na literatura clássica, contos de fada, folclore. Das mais variadas nações, ele reescreve isso. A característica dessa forma de literatura, é que fala para todas as épocas, todos os tempos, se dirige muito mais ao subconsciente da pessoa do que ao consciente. Isso aborda, trata de problemas muito profundos, que está no fundo da nossa cabeça, em todas as épocas, são problemas permanentes da espécie humana. O que o Paulo Coelho escreve corresponde a necessidades profundas de muitas pessoas, esse é o segredo!
Quem escreveu mais livros, você ou o Paulo Coelho?
Eu pergunto se o Paulo Coelho escreveu alguma coisa! O Paulo Coelho pega lendas, reescreve em mal português, não permite que se corrija uma vírgula, ele diz que o que escreve segue princípios da numerologia do livro. Uma vez eu estava em debate sobre esse autor na escola do João Scortecci que é um grande amigo, grande editor que revelou grandes nomes da literatura brasileira. João Scortecci é um rapaz modesto, de origem cearense que fez o curso universitário no Mackenzie pagou o curso dele, com outros colegas, faziam poesias e imprimiam em mimeografo a álcool e saiam vendendo pelos botecos de Higienópolis. Após formado, fundou uma editora, é a editora que lança o maior número de títulos do Brasil, a Editora Scortecci, dedica-se a fazer pequenas tiragens, de livros de autores iniciantes, que não conseguem vencer o bloqueio das grandes editoras. Ele publica de três a quatro livros por dia. Como ele muitos optaram por esse caminho, chama-se edições por demanda
Com relação a literatura brasileira, como estamos?
O brasileiro é um dos povos mais criativos do mundo, não só na literatura, mas em qualquer àrea, o brasileiro tem condições de se destacar e estar dentre os melhores do mundo todo.
Por que não há nenhum prêmio Nobel brasileiro?
Penso que entra muito a falta de método do brasileiro. O brasileiro é genial, mas é um pouquinho desordenado. Ele não tem disciplina. Nós somos brasileiros, sentimos isso na nossa pele. Um norte-americano, um alemão, um europeu, ele tem dentro da vida dele uma certa disciplina. Um exemplo ficticio: a pessoa trabalha em uma agência bancária, tem como hobby ficar na garagem da sua casa para brincar de fazer invenções. Ele tem um método, todos os dias, seja a época do ano que for, faça sol ou faça chuva, entre 19:00 e 21:00 horas ele se fecha naquele mundo dele. Não atende telefone, desliga rádio, desliga televisão, naquelas duas horas ele não pensa em outra coisa. Vai trabalhar naquele projeto. Ao cabo de algum tempo ele inventou alguma coisa, patentou, vai viver daquilo. Se for escritor, na hora de escrever, ele vai fechar a porta do quarto, proibir a mulher e os filhos de o incomodarem, desliga o telefone, desliga tudo, ele vai trabalhar duas horas naquilo. Quando marcar duas horas, ele pode estar no mais emocionante e culminante ponto de uma redação, ele para e irá continuar no dia seguinte. Essa disciplina faz com haja resultados concretos observáveis e palpaveis. O brasileiro não se desliga totalmente do mundo de fora, é hora de escrever, mas lembra-se que tem um e-mail para responder. Entra, dá uma “sapeada”, entra no Mercado Livre, ele nem se desligou completamente do mundo externo e nem se entregou completamente ao que está fazendo. Também quando chega uma inspiração ele faz qualquer negócio para não perder aquele fio. Ele é muito mais levado por esses impulsos. Quando o brasileiro tiver método, acho que nenhum povo da Terra nos supera!
Povos de outras culturas, cada um tem uma forma de pensamento proprio, o brasileiro tem uma forma de pensamento definida?
O próprio do brasileiro é a improvisação! É um genial improvisador! Isso é uma riqueza fantástica. A capacidade de diante de uma situação difícil ter um jeitinho que resolve momentâneamente e rapidamente, situações complicadíssimas, é uma grande riqueza. Mas é uma riqueza que cobra um preço, ele confia demais no jeitinho e não prevê. Falta um pouco de equilíbrio, planejamento. Quando ele tiver essa capacidade de planejar e essa auto-disciplina estou convencido de que não ha nenhum povo no mundo que faça frente ao brasileiro.
Como vai nossa educação?
Esse é um outro capitulo que daria para conversarmos algumas horas. Por muito tempo fui professor no ensino fundamental, no ensino médio, atualmente estou só no universitário. O ensino no Brasil foi quebrado a pertir de 1963. Com a Primeira Lei de Diretrizes e Bases. Creio que foi Darcy Ribeiro um dos seus agentes, retirou o latim do ensino, mudou a Reforma Capanema que tinha vigorado por mais de 20 anos. Precisava realmente de um reajuste, uma atualização, mas que funcionava. Essa reforma previu para sete anos depois um segundo passo, estavamos em pleno regime militar, que aplicou o projeto que vinha do tempo de João Goulart, houve uma necessidade de adequar os curriculos para uma fragmentação de conhecimentos novos que surgiram, especificação técnica e tecnológica em várias áreas, por outro lado o desejo mal entendido de democratizar e levar o ensino à todos, produziu uma reforma que na realidade fez o ensino público cair vertiginosamente. De lá para cá tem vindo cada vez de mal a pior. O ensino público era difícil, respeitado, disputado, havia escolas particulares de muito bom nível, quase todas confessionais: católicas, protestantes. Eram escolas particulares de ótimo nível. Mas de um modo geral, a escola pública era melhor. Se costumava dizer que muitas vezes iam para escolas particulares pessoas que não tinham capacidade para estudar em uma escola pública. Isso mudou. Hoje estamos em uma situação iniqua, a escola particular é inacessivel para 90% das famílias, tem que ir para a escola pública. Na escola pública terão um sub-ensino e quando chega a hora de um curso superior, quem fez escola pública, se quizer fazer um curso superior terá que pagar para cursar uma faculdade de segunda, enquanto quem fez a escola particular consegue passar bem em uma universidade pública e sem pagar nada, irá ter uma formação muito melhor do que o outro. Essa distorção está em meu modo de ver na origem do problema educacional brasileiro. Era preciso pegar a escola pública de tempos anteriores, atualizá-la sem dúvida, ampliá-la, democratizá-la no sentido de transformar em algo acessivel, muito mais acessível ao Brasil todo, sem cair o nível. Ai entra um outro fator, que são as teorias pedagógicas novas. Que querem acabar com a linguagem culta. Querem ensinar: “Nóis pega o pexe”. Há uma porção de teóricos que querem dar os seus pitacos! Seus palpites. Querem fazer teorias novas para dizer que isto que está acontecendo, é muito bom que aconteça. E mais um outro fator: são autoridades que não entendem nada! Absolutamente nada! Não entendem nada de educação e põe leis, só atrapalham! Os próprios teóricos de pedagogia na maioria das vezes nunca entraram em uma sala de aula! Eles querem nos ensinar como controlar uma sala de aula quando eles mesmos nunca entraram! São livros teoricos que nos cursos de licenciatura e padagocia são “entronchados” na cabeça dos professores, no primeiro dia de aula o prefessor vê que não tem nada a ver com a realidade.
Como você vê a febre dos celulares nas salas de aula?
Essa semana eu vi uma noticia, que está sobre a mesa do Governador Alckmin para ser assinada por ele, uma lei já aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que foi proposta pelo Secretário da Educação, José Renato Nalini, meu amigo, também do IHGSP, é um desembargador. Ele propos uma lei, essa lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, a lei que autoriza a livre utilização de celulares em escolas públicas do Estado de São Paulo! Fundamentação da Lei: “O celular se transformou em um instrumento de pesquisa, pode ser muito útil para o aluno e pode ser um poderoso fator de ajuda de pesquisa para o aluno e para o professor, logo pode ter”.
O celular vai ser usado para pesquisa em sala de aula?
Esse é o problema! Até agora qualquer professor sabe que a grande luta do professor é contra o celular, é uma praga na sala de aula! Atrapalha! Permite colar, distrai os alunos. Eu estava dando uma aula, em um colégio particular, tocou o celular de uma aluna. Ela atendeu, era a mãe dela querendo saber se ele queria batatas fritas na hora do almoço!
Os pais tem responsabilidade pela decadência do ensino?
É um fator global. Decadência é crise de valores, está claro que existe uma crise de valores que abrange toda a sociedade. Os pais obviamente tem uma responsabilidade nisso. A principal fonte da nossa formação é a família. Atualmente a própria influência e autoridade dos pais é muito limitada, influenciada por vários fatores, o poder da mídia, a própria legislação não permite que um pai tenha uma margem de liberdade como tinha em passado recente. Em fevereiro de 1961, quando fui ao Liceu Acadêmico São Paulo eu tinha de 6 para 7 anos, minha mãe me levou para o curso primário, a professora chamava-se Dona Lucila, apresentou-me à professora, e disse-lhe: “A senhora está autorizada a bater no meu filho quanto a senhora achar necessário para a formação dele!”. É claro que a professora nunca me bateu. Mas compreende como a mentalidade era outra? Hoje nem a mãe pode dar uma palmadinha no filho! Ela é capaz de ir presa! Isso significa o que?
Que o Estado está interferindo dentro das casas, forçando os pais tomarem uma atitude e não outra. Hoje é muito reduzida a autonomia de um pai com relação a 50 ou 60 anos passados.
Qual é o objetivo dessa história toda? Criar um caos?
Pode ser! Eu tenho a impressão que o que aconteceu na humanidade nos últimos 100 anos, e de um modo mais específico, nos últimos 30 anos com essa imensa entrada da informática, foi uma tal transformação na vida humana, que isso não pode se manter por muito tempo.
Essas mudanças não foram ainda absorvidas pelo ser humano?
Não foram absorvidas, não sei se são absorvíveis e a prosseguir esse avanço nessa mesma cadência, acho que irá haver um enlouquecimento de toda humanidade! Hoje somos bombardeados por tantas informações, tantas solicitações, que o ser humano não tem capacidade de deglutir. Quem tratou muito disso foi Samuel Pfromm Netto nascido em Piracicaba a 3 de março de 1932, Formou-se pela USP em Pedagogia em 1959 e tem mestrado e doutorado em Psicologia pela mesma universidade. Fez estudos de pós-doutorado nos EUA, na Inglaterra, na França, na Alemanha e no Japão. Chefiou missões culturais a este último país e à China. Sua produção bibliográfica compreende mais de quarenta livros. O Samuel ao mesmo tempo era um homem extremamente tradicional, de uma cultura quase renascentista, lia latim, conhecia o alemão, um homem de uma cultura fantástica, mas era um homem muito aberto para as novidades, ele trabalhou na TV Cultura, tinha muita experiência televisiva, era um grande comunicador, era um entusiasta do ensino a distância. Viu o futuro do ensino universitário no Brasil no ensino a distância. Ele dizia que o problema geral dessas novas formas de comunicação é a velocidade com que elas são dadas. A intensidade e a velocidade dos dados que são colocados diante de nós a cada momento e que impedem um processamento natural do espírito humano. O espírito humano ensinava o Samuel, ele tem três fases: ver, julgar e agir. A pessoa em um primeiro momento vê, não significa só ver visualmente, ela prende a realidade pelo ouvido, pelo olfato, os sentidos dela apreendem alguma coisa. Num segundo momento ela julga: O que é? Isso é bom ou é mal? Verdade ou mentira? É belo ou é feio? Ela toma uma posição diante daquele estímulo externo. Num terceiro momento ela age. Ela decide: Isso é bom, vou guardar em minha memória. Isso é bom, vou fazer isso. Isso é mal, não vou fazer. Isso não tem importância, eu vou esquecer. Mas é um ato de vontade. Essa três etapas: ver, julgar e agir, desde que o mundo é mundo, desde quando existe o Homo sapiens sempre foram assim. Hoje em dia com a rapidez, a intensidade e a sucessão desenfreada dos estimulos, não há tempo mais para o ser humano desenvolver o processo inteiro. Uma pessoa diante de uma televisão vê uma cena horrível de sangue, antes que o espírito dela possa explicitar uma recusa àquilo, muda a cena e ela tem uma paisagem maravilhosa que a embevece, e depois um estímulo comercial: compre tal coisa! Logo depois uma cena de sexo, depois uma outra cena de violência, a sucessão é tão rápida, contínua, prolongada, a pessoa perde o hábito de pensar! Julgar! Para o ser humano, que é racional, mexe com muita profundidade! É antinatural! E por outro lado é muito perigoso, nós estamos em um regime democrático, um povo que está habituado a seguir estímulos, nunca irá racionalmente ser soberano!
Quem manda no país?
Quem tem o controle do estímulo! Está ocorrendo um fenômeno, por meio da internet uma imensa quantidade de pessoas que nunca tiveram voz nem vez, estão conseguindo falar. E muitas são pensantes! Há muita bobagem, mas também há comentários de uma sabedoria e capacidade de analise profunda. Aí esta a esperança do futuro. Na década de 30 veio ao Brasil um grande matemático italiano, convidado pelo governo, para dar sugestões para reforma do ensino. Quando ele viu o curriculo escolar ficou abismado: “Os brasileiros são geniais, estudam na terceira série do ginásio o que na Itália, na Europa é matéria de faculdade!”. Ao cabo de um ano ou dois, ele mandou um relatório, para o Ministério da Educação, dizendo que o sistema de ensino no Brasil estava inteiramente errado, vocês colocam para crianças principios de matemática que elas irão decorar sem entender. Elas não tem conhecimento básico, nem filosófico para entender o alcance disto. Quando chegam a faculdade vamos ter pessoas que não aprenderam a pensar. Ensinem a pensar no ginásio e deixem esses assuntos matemáticos profundos para ensinar no curso universitário.
O primeiro passo é fazer com que o ser humano pense?
É por isso que é humano e não simplesmente um animal ! Nossa definição é animal racional! Há pessoas em todos os níveis sociais capazes! Tenho um material escrito onde abordo entre outros aspectos que todo homem público deve educar seus filhos na escola mais próxima de onde ele mora, não escolher nichos de excelencia; nenhum homem público deverá ter planos privados de saúde; é Presidente da República? Trate da sua saúde no SUS! Ele, a mulher, os filhos, netos. Proibir segurança privada. Se o cidadão não pode ter uma arma para se defender por que um deputado tem quatro ou cinco seguranças armados para acompanha-lo?
Você tem uma coluna na A Tribuna Piracicabana?
Tenho,todos os sábados, chama-se “Educação e afins” o título foi sugestão do Erich Vallim Vicente.