PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de outubro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 07 de outubro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADAS: LUZIA LOPES E APARECIDA LOPES
ENTREVISTADAS: LUZIA LOPES E APARECIDA LOPES
As irmãs Luzia Lopes e Aparecida Lopes nasceram em Buritizal, Estado de São Paulo, Luzia no dia 11 de julho de 1928 e Aparecida nasceu no dia 21 de dezembro de 1931 são filhas de Rafael Lopes e Albertina Barbosa Lopes que tiveram além das duas filhas o filho José. Rafael era farmacêutico, nascido na Espanha, imigrou ainda jovem para o Brasil juntamente com sua irmã Maria do Carmo e seu irmão José. Foi um período em que a Europa estava em face de grandes conflitos. Atualmente as irmãs residem em um flat no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. São apaixonadas pela natureza.
Quando o pai das senhoras e seus tios vieram da Espanha foram trabalhar em farmácia?
Não. Só o meu pai já trabalhava em uma farmácia na Espanha, onde se preparou, fez curso, para trabalhar nessa área. No início eles foram trabalhar na roça, quando chegaram ao porto de Santos já havia fazendeiros esperando-os. Os fazendeiros concediam um pedaçinho de terra para eles plantarem o que quisessem, podiam criar animais nesse terreno. Aos pouco eles iam adquirindo mais um pedaço de terra.
Vocês moraram em Buritizal até que idade?
A nossa mãe faleceu muito jovem, a irmã do meu pai, Maria do Carmo, passou a morar conosco e a cuidar de nós. Ela já era casada com Rafael Gonzáles, tinham filhos, morávamos todos juntos. Com o passar do tempo, economizando, meu pai e meus tios conseguiram serem proprietários de uma fazenda. Plantava-se café, feijão, arroz, algodão, tinha uma grande horta. Naquele tempo quase todas as fazendas tinham escolas. Quando venderam a fazenda adquiriram uma casa muito grande, em Nuporanga, e uma fazenda também próxima a casa. Essa casa tem uma singularidade, foi de um dos barões do café, ele perdeu sua fortuna quando a bolsa de Nova Iorque quebrou, em 1929. Permanecemos em Nuporanga até atingir nossos 20 e poucos anos de idade.
Qual era a distração comum aos jovens na Nuporanga daquela época?
Havia um jardim muito grande e bonito na área central, onde eram executadas músicas, havia o cinema, uma parte da nossa família morava em Ribeirão Preto, íamos muito para lá, eles vinha muito para Nuporanga, usávamos o trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Era muito gostoso andarmos de trem, passava dentro das cidades. A linha de trem cortava as fazendas, as paisagens eram deslumbrantes: canaviais, arrozais, aquela imensidão de plantação de algodão, quando se abria em plumas brancas era de uma beleza indescritível.
Dona Aparecida, a locomotiva era a vapor ainda?
Era! Vinham às fagulhas pelas janelas, cheguei a queimar uma blusa, saiam aquelas faisquinhas, tínhamos que tomar cuidado com elas. Quando o trem parava em uma estação, descíamos, comprávamos biscoitos, maçãs, peras. Naquela época maçã e pêra eram frutas raras, pareciam pertencerem a outro mundo.
Aparecida complementa:
A fazenda em que moramos era muito rica em frutas. Passamos a chamar de mamãe nossa tia Maria do Carmo, eu tinha 10 meses quando minha mãe biológica faleceu. A mãe que nos criou, era muito curiosa, se comesse uma fruta ela guardava a sementinha no fundo da bolsa, chegando em casa ela enterrava, cuidava, ali nascia uma árvore frutífera! Com isso tínhamos uma variedade enorme de frutas. O pomar era lindo, foi ela que formou, com isso tínhamos uma fartura imensa. Tínhamos leite, fazíamos queijo branco, quanto ao queijo meia-cura havia uma maneira especial de fazer. Havia um quarto grande, onde havia a banca de fazer o queijo, no inicio o queijo ficava para sorar, Tinha umas prateleiras onde colocávamos o queijo, eram constantemente virados, havia uma tela de proteção contra insetos. Era uma região com tradição na produção de queijos. Muitos negociantes iam adquirir nossos queijos.
Dona Luzia como surgiu a decisão da família ir morar em São Paulo?
Nosso irmão já estava trabalhando em São Paulo, era um dos três proprietários de uma empresa metalúrgica. No início fomos morar no bairro Santa Cecília, próximo a Igreja Santa Cecília, imediações da Avenida Angélica.
Dona Aparecida a senhora permaneceu também em São Paulo?
Como professora eu tinha trabalhado com creches, estudei em Ribeirão Preto o curso Educação Infantil com foco no Método Montessori. Em São Paulo trabalhei em uma creche municipal na Bela Vista, era uma instituição modelar, tinha dentistas, médicos, pedagogas, cuidadoras de crianças. A diretora era uma mulher muito chique, de família muito importante. Uma assistente social conheceu o meu trabalho, chamava-se Heloisa, ela casou-se com o dono da fábrica Vulcabrás, uma das maiores empresas de calçados do país. Situava-se em Jundiaí. A Heloisa foi me buscar em São Paulo, disse-me que na empresa em que ela trabalhava, a Argos Industrial, havia uma creche e ela estava precisando de uma pessoa com o meu perfil. Na época a Argos produzia principalmente o brim, ela especializou-se em jeans, foi na época em que o jeans passou a dominar o mercado. A Arrgos tinha uns 6.000 funcionários, exportava para Itália, Alemha, Estados Unidos. Era uma fábrica completa, entrava o algodão cru e saiam as peças prontas. Na frente da fábrica havia um edificio muito grande, uma parte ficou como ambulatório, com quatro médicos, sendo que um deles era pediatra, tinha desde bebes até crianças com nove anos, era cerca 250 crianças. Junto a indústria havia uma vila de casas para funcionários, sendo dada prioridade a bombeiros, pessoal de manutenção. Todas as casas tinham telefone para emergências. Ali trabalhei como diretora até me aposentar. A fábrica trabalhava as 24 horas do dia. As crianças maiores subiam uma escada já estavam no grupo escolar. A creche fornecia café da manhã, almoço, café da tarde, lanche. Eu morava em São Paulo, mas tinha um apartamento dentro desse prédio.
Entre São Paulo e Jundiaí qual onibus a senhora utilizava?
Usava os ônibus da empresa Cometa.
Dona Luzia a senhora trabalhava em que área?
Trabalhei em diversas atividades, por muito tempo trabalhei em um colégio em Americana, Trabalhava na secretaria do Colégio Divino Salvador, era de freiras. Infelizmente esse colégio não existe mais. Trabalhei muito com assistência a pobres, como voluntária, com essas meninas que trabalhavam como empregadas domésticas e não tinham sequer um documento. Em São Paulo me envolvi muito nessa atividade assistencial.
A senhora trabalhou com Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano, arcebispo emérito de São Paulo e cardeal brasileiro?
Trabalhei com Dom Paulo, mas não na Catedral da Sé e sim nas paróquias que faziam parte da Catedral da Sé. Conheci muito Dom Evaristo, era uma pessoa muito boa, gostava muito do povo, realizei atividades com jovens, preparando-os para ajudar as pessoas necessitadas.
No período da Revolução de 1964 e o que veio a seguir, trouxe dificuldades ao seu trabalho?
Eu estava trabalhando com esses jovens, passamos por momentos muito difíceis. Havia um cuidado extremo sobre o que iríamos falar com quem iríamos falar, era muito perigoso, havia um controle muito grande, muitos agentes do governo infiltrados, vivíamos o tempo da ditadura. Dom Evaristo era a favor da liberdade, como brasileiro, como cristão. Ele foi muito ativo nesse setor.
Dona Luzia, nesse período havia muitas lideranças políticas, a senhora conheceu algum?
Conheci de longe, bem de longe! Não queríamos envolvimento com política. Sobretudo porque era muito perigoso. As grandes concentrações que eram feitas em frente à Catedral da Sé às vezes assistíamos para conhecer, mas de longe. Nunca subi no palanque! Mesmo entre os jovens havia os que eram revoltados com a situação e outros eram a favor. Todo cuidado era necessário com o que dizíamos.
Sob o seu ponto de vista, naquela época o jovem era preocupado com a questão social?
Era muito preocupado! Hoje o jovem é muito preocupado com a situação social dele, está preocupado exclusivamente com ele. Houve uma mudança muito grande nesse período. A ditadura foi uma coisa terrível. As prisões que eram realizadas, acompanhamos a prisão de dois filhos de um professor da USP. Não havia unanimidade de opinião dentro da USP, uns eram contra, outros a favor do regime militar. A ditadura impôs um regime de vigilância extremamente eficaz. Sabiam de tudo, escutavam tudo. Um dos filhos do professor desapareceu, só muito mais tarde é que descobriram que tinha sido morto e enterrado naquelas valas onde sepultaram muitos corpos. O outro estava “ruinzinho da cabeça”. Rezamos muito naquela época, Trabalhei muito com cursilhistas, (O Cursilho, também conhecido como Movimento de Cursilhos de Cristandade,é um movimento eclesial de evangelização cristã, surgido na Igreja Católica Apostólica Romana, no seio da Ação Católica Espanhola do início do século XX). Assim como grupo de casais que acompanhávamos. Rezamos o terço inteiro de joelhos, na intenção de descobrir o que estava acontecendo com esses meninos.
Isso foi em qual igreja?
Não era igreja, era nas casas, tudo era muito visado. Houve uma missa que metade da igreja era composta por fiéis e outra metade por policiais. Fazíamos muitas reuniões sem aviso prévio. O perigo estava sempre rondando. Fazíamos reuniões para rezar o terço, vinha o padre para celebrar a missa, era tudo camuflado. Rezávamos não só para o filho do professor, mas para todos os jovens, inclusive para o jornalista Vladimir Herzog, foi uma morte que ficou na cabeça dos jovens, das pessoas.
A senhora chegou a conhecer Sérgio Fernando Paranhos Fleury que atuou como delegado do DOPS de São Paulo ?
Se conheci! Cometeu muitos desacertos! Aprendi a ler jornal quando era criança ainda. Meu tio tinha catarata, naquele tempo para operar diziam que tinha que esperar a catarata amadurecer. Era o tempo da guerra, todos eram acostumados a ler “O Estado de São Paulo”, meu tio pedia para ler para ele, eu estava no primeiro ano escolar, ele me ensiva o significado das palavras que eu desconhecia. Acostumei-me tanto com o jornal que lia do começo ao fim. Tinha os anúncios dos cinemas de São Paulo. Até hoje minha irmã e eu lemos o “Estadão”. Meu pai estava sempre com o Estadão embaixo do braço.
No período em que moravam em São Paulo frequentavam os cinemas?
São Paaulo tinha ótimos cinemas, o Ipiranga, o Cine República, Cine Cairo, eram muitos na região central. Frequentavamos o Mappin, ficamos muito tristes quando o Mappin encerrou as suas atividades. Havia a TELESP na Rua Sete de Abril, era uma beleza de prédio, com muitas cabines telefônicas para chamadas interurbanas. Dois acontecimentos muito tristes foram os incendios do Edificio Andraus em 24 de fevereiro de 1972 e Edifício Joelma ocorrido a 1 de fevereiro de 1974 chegamos a presenciar as cenas que ficaram gravadas em nossa memória. Do nosso apartamento dava para ver.
Vocês frequentavam algum clube?
Íamos ao Clube Piratininga, onde havia bailes com orquestras. Usávamos o bonde como meio de transporte. Na Bela Vista havia muitas cantinas lindas, festas italianas. A Rua José Paulino naquele tempo era uma beleza, os judeus dominavam o comércio local. A Estação da Luz era muito linda. Íamos de trem para Santos.
As mudanças ocorridas através do tempo foram positivas?
Com o progresso vieram coisas novas, boas e ruins. A violência aumentou. Não tínhamos o Metrô, que trouxe grande facilidade de mobilidade.
Qual foi a sensação que vocês tiveram a primeira vez que usaram o Metrô logo após a inauguração?
Aquilo foi tão rápido! Nessa época andávamos muito de ônibus, que parava em todo lugar.
Vocês chegaram a utilizar o papa-fila, que era um caminhão rebocando uma carroceria de ônibus?
Chegamos a ver, mas não andamos. Em Santos havia o papa-fila. Andamos muito com o ônibus elétrico. Conhecemos a mansão do Conde Matarazzo, era um casarão amarelo situado na Avenida Paulista. Quando íamos à fazenda comprávamos muitos produtos com a marca Matarazzo: sabão, querosene para lamparina e outros itens. Morávamos no Alto da Lapa, íamos a pé até o Ceasa. Conhecemos o famoso Castelo da Rua Apa, esquina com a Avenida São João, na Santa Cecília. Ali ocorreu um dos crimes mais comentados de todos os tempos, faleceram dois irmãos, ambos eram advogados, e a mãe deles também foi assassinada, três cadáveres e muito mistério que ainda paira até hoje. No centro havia também um restaurante muito famoso, e caro, o Fasano, de Vittório Fasano. No Mosteiro São Bento há uma missa as 9:45 com canto gregoriano. Sempre que possível íamos assistir.
Dona Luzia, São Paulo está em mudança constante?
Com certeza! Trabalhei em um ateliê de alta costura na Rua Augusta, ali eram feitos vestidos finos para a alta sociedade paulistana. A casa da estilista Dener Pamplona de Abreu e a casa do também estilista Clodovil Hernandes erambem próximas do ateliê em que eu trabalhava. Conheci os dois. No ateliê do Dener ele tinha uma pessoa que forrava o sapato com o mesmo tecido do vestido da moça. Os dois eram muito amigos das donas do atelê, a Dina e a Arlete. Eu sempre ia levar sapatos para eles forrarem.
O Clodovil e o Dener sempre foram rivais?
Sempre! Elas contavam as histórias deles, eram muito engraçadas. Naquela época víamos muitos artistas famosos circulando pela Rua Augusta.
É verdade que nesse meio tem muita fofoca?
E como tem! Escutávamos muitas coisas. Conheci também a Madame Rosita (Rosa de Libman) fez o seu primeiro desfile profissional do Brasil em 1944, era uma pessoa muito boa e humana.
Como a senhora aprendeu a costurar Dona Luzia?
Eu era menina ainda, morava na fazenda, “O Estadão” trazia o Suplemento Feminino, lá ofereceram um curso de costura, minha mãe costurava de tudo, eu queria aprender com técnica, fiz o curso daquele jornal, por correspondência, ali tive as primeiras noções. Eu gostava muito de artesanato, fui aprendendo artesanato: crochê, tricô, bordado. Depois fiz alguns cursos em São Paulo. Surgiu a linha Varicor, hoje é um artigo raro, pois a fábrica Varicor fechou na década de 1970. É um produto lindíssimo com uma qualidade impressionante. Essas linhas fazem parte da história do bordado brasileiro. Um fio 100% Viscose com tons surpreendentes. Foi criada por uma senhora que construiu uma fábrica, ela deu um curso. Assim fui aprendendo sempre coisas novas.
Como são vistos os jovens de hoje por pessoas com a experiência de vida que as senhoras têm?
Infelizmente os jovens de hoje já não se comunicam mais, estão vivendo uma geração onde o apelo da comunicação digital os absorve totalmente. Nós tivemos a oportunidade de trabalhar com muitas pessoas pelo fato de nenhuma de nós não termos casado e não termos filhos.
Dona Luzia a senhora gosta de algum esporte?
– Ela é louca por futebol! Adianta-se a irmã Aparecida. Luzia completa: -Torço para o São Paulo! Tudo começou quando fui fazer um trabalho missionário em uma região muito carente, em Minas Gerais. Estávamos em uma casa, aos poucos foram chegando pessoas muito pobres, que construíam casa de pau a pique coberta por sapé. As crianças queriam jogar futebol, mas não sabiam, Nem bola tinha. Reuni um grupinho, ganhamos uma bola de futebol, eu fui aprender o que é futebol, os nomes, como se joga, a posição que cada um ocupa para jogar, virei técnica do time. Um moço que jogava futebol veio trabalhar comigo, aprendi e acabei gostando. Em Campinas, em uma região muito pobre, também como missionária, montamos dois times de futebol, fui até a prefeitura pedir uniformes, ganhamos até as chuteiras. Gosto muito de futebol. Já vi hoje que o Tite vai para a Bolívia, está preocupado com a altitude e no que possa afetar o jogo.