PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 09 de setembro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 09 de setembro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: ZÉLIO ALVES PINTO
ENTREVISTADO: ZÉLIO ALVES PINTO
Zélio Alves Pinto é penense, nasceu a 20 de fevereiro de 1938, em Conselheiro Pena, localidade próxima a Caratinga, Minas Gerais, onde se criou. É filho de Geraldo Alves Pinto, bancário, gerente do Banco Ribeiro Junqueira, e Zizinha Alves Pinto, que tiveram os filhos Ziraldo, Ziralzi, Zélio, Maria Elisa, Maria Helena, Maria Elisabete, Geraldo Júnior e os filhos adotivos: Dinair e outro filho de nome Geraldo. Moravam bem no centro de Caratinga. Zélio é casado com Cecília Whitaker Vicente de Azevedo Alves Pinto, a Ciça, tiveram os filhos: Ana Cecília, Pedro e Fernando.
Sua mãe tinha alguma atividade além de dona de casa?
Ela tinha um atelie de costura, em casa, naquela época era uma coisa muito animada. Não existia prêt-à–porter (roupa feita industrialmente em série), tinha as moças que trabalhavam lá em casa, havia as máquinas de costura. Mamãe ficava ensinando. Era uma atividade profissional muito importante, mamãe ensinar para elas a costurar, alguém tinha que costurar em cada casa. O prêt-à-porter mudou todas as capas de revistas do mundo, as roupas passaram a ser produzidas por outro enfoque.
Até que idade você permaneceu em Caratinga?
Até os 17 anos. Estudei lá o curso primário e ginasial. No Grupo Escolar Princesa Isabel. Minha primeira professora foi Dona Mimi, muito brava. De Caratinga fui para Belo Horizonte, meus dois irmãos moravam em república de estudante, fui morar nessa república a “Inferno 17”. Fiz o científico e o pré-vestibular, a minha intenção era ir para Paris. Meu primeiro emprego foi no Banco Ribeiro Junqueira, como Office boy, estafeta. O Ziraldo e o Ziralzi quando foram para Belo Horizonte foram com emprego no Banco Ribeiro Junqueira. Naquela época trabalhar em banco significava ter uma bela carreira profissional. Com uns 15 anos tive que fazer uma viagem para o banco fui de paletó e gravata, fui de Caratinga até Leopoldina de trem vestido como autoridade! Paletó,gravata e guarda-chuva italiano.Perdi o guarda-chuva, papai amava aquele guarda-chuva. A minha missão mais importante era voltar com o guarda-chuva. Esqueci em Leopoldina, nunca mais o resgatei, possivelmente deve ter ficado no trem da Estrada de Ferro Leopoldina. Era a locomotiva a vapor, chamada de Maria Fumaça, não podia ficar próximo a janela porque senão vinha fagulha que poderia atingir o olho. Tinha que usar guarda-pó para não estragar a roupa.
Em Belo Horizonte você trabalhava?
Trabalhava no banco, em seguida fui trabalhar em uma agência de publicidade, chamava-se Grant. (A Grant Advertising Publicidade foi instalada em São Paulo, em 22/03/1943, por Will Calway Grant. Ela existia em Dallas desde 1935. Funcionou, no Rio de Janeiro, desde 1944 até 1979 e teve filiais em Belo Horizonte e Porto Alegre. Foi a Terceira Agência de Propaganda a instalar-se no Brasil.) Da Grant fui convidado para trabalhar no jornal “O Estado de Minas” inicialmente como ilustrador de publicidade e depois virei repórter.
O seu talento artístico tem uma origem conhecida?
Em casa todo mundo era artista: papai era ator amador, mamãe pintava, meu irmão mais velho já era desenhista. O irmão do meio cantava, fazíamos muitas festas em Caratinga. Éramos uma família muito alegre, festeira.
Quem arcou com os custos da sua ida à Paris?
Eu mesmo! Se você sai de casa para ir a algum lugar, acaba indo! Com 17 anos a pessoa vai até a nado para Paris. Quando cheguei a Belo Horizonte fiz um estágio, fui ao Rio de Janeiro, onde fiz outro estágio, lá consegui uma bolsa de estudos que me permitiu ir à Paris.
A sua ida ao Rio de Janeiro foi através de algum convite?
Nesse aspecto sou mais mineiro, antes de ir a algum local faço uma sondagem. O mineiro não é introspectivo, ele é desconfiado mesmo. A introspecção é mais um estado de espírito e a desconfiança é mais um estado de animo. Eu vou para lá, mas quero saber como é que é, quero informação, não quero chegar lá cego. O mineiro nunca irá chegar cego a lugar nenhum, só se for um mineiro bobo! Mas não é o mineiro! O mineiro não é introspectivo, ele é tímido por natureza. Não se joga de peito aberto como o Ziraldo! O Ziraldo é o tipo mais anti-mineiro que já vi! Por isso ele se deu tão bem no Rio de Janeiro, o carioca é do tipo que tira a camisa e mete o peito. Acaba tendo problemas, levando bala como está acontecendo. Por isso acho que existe essa afinidade tão grande entre mineiros e cariocas. Não disputam um com o outro. São universos diferentes, o carioca é extrovertido, Deus fez o carioca extrovertido, deu para ele o cenário para isso! Para Minas Deus deu a introspecção, a timidez, são montanhas de todos os lados. Mamãe dizia: “- O único problema de Caratinga é que não tem horizonte!”. Ela gostava de ir para o Rio porque lá tem aquele “marzão”, ela adorava aquele horizonte fantástico. A família da minha mãe nos anos 40 a 50 mudou-se para o Rio, meu avô e minhas 11 tias. Meu avô era de uma região de Minas onde havia muitas pedras preciosas: turmalina, topázio, essas pedras que hoje são valiosíssimas, na época jogávamos bola de gude com elas. Quando era menino abria uma gaveta em casa estava cheia de pedrinhas coloridas. Passavam no rio, pegavam e levavam para casa. Até que a Segunda Grande Guerra levou os norte-americanos para a região, dirigiram-se à Governador Valadares, uma cidade relativamente próxima a Caratinga, lá havia minas incríveis, o que era mais importante para eles era a malacacheta, na época um mineral estratégico. Entre outras aplicações eles usavam como isolantes nos tanques de guerra. Antigamente era muito utilizado em ferros elétricos domésticos. Com a descoberta das minas em Governador Valadares, muitos americanos dirigiram-se até lá para explorarem a extração do mineral. Estabeleceram uma grande colônia, casaram-se, tiveram filhos. Terminada a guerra voltaram aos Estados Unidos, mas deixaram muita saudade em Valadares e toda a região. É por isso que dizem que mineiro de Valadares vai para os Estados Unidos! Eles sempre são parentes de alguém! É aquela história: “Posso ir tia? Tem um quarto para mim? To indo!
Em que bairro você foi morar no Rio de Janeiro?
Morei em Copacabana, tinha parentes no Rio.
Foi um choque cultural?
Nunca fui submetido a nenhum tipo de choque. Quando ui para Paris foi a mesma coisa, cheguei, desci na estação, já estava na Caratinga ali. Só que ela falava em francês. Fui de avião até Lisboa e de lá até Paris até a Gare d’Austerlitz pelo trem Sud Express. Eu trabalhava na revista “O Cruzeiro”. Quando desci tinha uma pessoa do Diários .Associados me esperando. Eu não o conhecia, era um cearense. Ele estava segurando a revista “O Cruzeiro”. Eu trabalhava na revista “O Cruzeiro”. Ele me levou a um hotel que tinha reservado para mim, deixei minha mala e saímos.
Você conheceu Assis Chateaubriand ?
Conheci. A minha mulher é afilhada dele, o pai dela era um dos diretores da revista “O Cruzeiro”.
Zélio Alves Pinto e sua esposa Cecília Whitaker Vicente de Azevedo Alves Pinto, a Ciça
Em Paris como foi o seu trabalho?
Além de bolsista, dada pelo Itamarati, ganhei um dinheiro inesperado, fiz uma campanha de publicidade e recebi um valor que nunca tinha ganho, era bastante dinheiro. Algo em torno de 20.000 dólares. Eu tinha 19 a 20 anos. Esse prêmio ganhei na França. Lá fui trabalhar no bureau da revista “O Cruzeiro” onde permaneci por três anos. Até que a minha mulher apareceu por lá. Acabamos voltando ao Brasil e casamos. Estamos casadoa ha mais de 50 anos.
Qual foi a sua impressão do povo francês na época?
Havia um problema gravissimo, que era a Revolução Argelina. Havia um movimento de libertação da Argélia, as colônias estavam se livrando das metrópoles. A Guerra da Argélia foi uma guerra pesadíssima.Eu com essa minha tez de “sueco” todo dia era parado na rua. O que mais eu ouvia era um guarda dizendo “- Vos papiers monsieur !” (Os documentos). Isso foi por volta de 1962 a 1963. (Nesse instante chega um amigo de Zélio, vindo da Paraíba. Após os devidos cumprimentos e abraços prosseguimos. Zélio contando as maravilhas da Paraiba).
Você voltou ao Brasil e foi trabalhar em qual local?
Fui trabalhar de novo em “O Cruzeiro”, como a vida de jornalista não pagava placê, tive que arrumar emprego em uma agência de publicidade. Continuei colaborando com “A Cigarra”, “O Cruzeiro”, “Manchete”, “JB”, publicava meus cartuns em todos os lugares. Eu fazia muita ilustração. Se você mora em Paris e manda um trabalho seu para qualquer veículo do mundo, como rementente escreve seu endereço em Paris, esse trabalho é visto com muito mais interesse, respeito e levado mais a sério. De Paris eu enviava material para revistas alemãs, suecas, russas, quase sempre aceitavam. Compravam. Comecei a mandar do Brasil, o interesse mudou radicalmente. Não é o fato de ser do Terceiro Mundo, mas sim porque o Terceiro Mundo não traz supostamente as informaçõess que interessam a esse públco de Primeiro Mundo. Infelizmente o país não investe em cultura, pesquisa, o que ocorre são inicitavas pontuais de valores: um esportista,um cientista, alguém brilhante em sua área. Os cartunistas brasileiros, por acaso nesses últimos 50 anos tem brilhado no mundo, desde quando Piracicaba começou a impulsionar um diálogo com o exterior, a pósição para os brasileiros mudou muito. Brasileirada hoje são hoje campeões mundiais de salão de humor. Quem mais ganha salão de humor são: iranianos, brasileiros, russos, ucranianos. São regimes onde o uso do humor como linguagem para dizer as coisa, para comentar, criticar, é muito mais saudável do ponto de vista do autor, do que de outra forma. A linguagem metafórica do humor permite afirmar: “Não foi bem isso, você é quem está dizendo que eu disse isso. Isso é a sua leitura. Não estou falando isso, estou fazendo um comentário absolutamente pertinente”. Casei, fui convidado para vir para São Paulo, permaneci aqui por um a dois anos, voltei para o Rio, fiz a Revista Urubu, trabalhei na Manchete.
Como era a relação com a Manchete?
A relação era complicacada, eles eram excessivamente familiares, não que eu veja nisso uma dificuldade, mas naquela circunstância ficou, porque cresceu. A Manchete era uma gráfica, ficou uma gráfica boa porque os administradores eram competentes, fizeram uma bela gráfica no Estácio. Com a gráfica adquiriram equipamentos que permitiam novos empreendimentos, o Adolpho decidiu fazer uma revista. A família não estava acreditando. Era loucura fazer aquilo. Havia um lobby judaico, precisavam publicações, desde a Segunda Grande Guerra os judeus estão lentamente assumindo o contrôle sobre as comunicações, no mundo, e sobre as finanças. Isso é histórico. O Chateubriand falhou nisso, ele não fez um grande banco. Ele era um romântico, não um financista. Era um homem notável, fazia as coisas acontecerem. Ele estava mais centrado na Inglaterra e eu na França. Ele vivia em Londres. Quando ele chamava alguém para ir a Londres iam os mais velhos de casa. Eu ainda era muito novo. Estive com ele umas duas vezes em que ele foi a Paris. Nunca fui a Londres enquanto ele era embaixador. Aonde Chateubriande chegasse em Londres naquela época era festa. Era o Rei do Brasil, Dono do Brasil.
Quanto tempo você permaneceu na Manchete?
Uns dois a três anos. Fiz uma revista de humor chamada “Reis do Iê-Iê-Iê” foi por volta de 1966 a 1967. Essa revista era de um dono de uma pequena editora, tinha sido funcionário da Rio Gráfica, ele brigou com o Roberto Marinho, saiu, comprou o equipamento, naquela época podia importar máqina de impressão, o Roberto Campos desenvolveu uns planos para facilitar a importação de insumos básicos, uns dos itens eram equipamentos de impressão gráfica. Isso tinha financiamento do BNDS da época, me convidou para fazer revistas. Ele perguntou-me como seria o nome da revista de humor, disse=lhe: “Urubu!”. Ele deu uma risada e disse que isso não era nome de revista. Eu disse-lhe que era exatamente isso que eu queria, que as pessoas rissem ao pegar a minha revista. Foi um grande sucesso. Assim fiz uma segunda revista, uma terceira, uma revista de música popular brasileira. Uma outra revista feminina chamada Carinho, vendia bastante. Foi antecessora da Capricho e outras semelhantes. Essas revistas deram um impulso para a editora pequenininha, a gráfica dele era pequena e a demanda muito grande, ele começou a imprimir na gráfica da Manchete. O Adolpho viu que estava aumentado cada vez mais, quiz saber quem estava fazendo a revista, ao saber que era eu, convidou-me para fazer uma revista chamada Jóia. Convidaram-me pa ra sair daquela editora pequena e ir dirigir uma revista em uma grafica com potencial maior. Tinha uma grande redação, veiculos, toda uma infta-estrutura. Fui para a Manchete onde permaneci por um bom período. Eram três parentes: tio-avô: Adolpho Bloch, coordenava todo mundo, o genro Oscar Bloch era o financeiro, e o neto Pedro Jack Kapeller, o Jaquito era do editorial, o Adolpho concentrava as decisões, por exemplo eu queria colocar uma capa na revista ele queria outra. Todo mês era uma briga para acertar a capa com ele. Quando saia a revista ele dizia: “Está vendo! Vendeu menos do que teria vendido, se fosse a minha capa teria vendido mais!”. Era sempre assim! Até um dia em que não aguentei mais, disse-lhe: “Desculpe-me, recebi um convite, estou indo para São Paulo”. Vim para São Paulo para criar uma agência de públicidade: a Probras Propaganda Brasileira Sociedade Anônima. Situava-se na Rua 3 de Dezembro, no centro. Naquela época alí que era São Paulo. Fiquei pouco tempo na agência. O banco não queria fazer publixcidade porque o avô da minha mulher dizia que banco sério não faz publicidade. Quem faz a publicidade do banco é o cliente. Tinha criado uma campanha linda para o Banco Comercial do Estado de São Paulo, com fotos lindíssimas. O banco era todo estilo inglês, o prédio quem tinha construido foi o avô da minha mulher, José Maria Whitaker, um financista reconhecido, respeitado mundialmente, foi quem tirou o Brasil do jugo financeiro anglo-saxônico, quem atribuía valor ao dinheiro brasileiro, distribuía, era um banco alemão e o inglês Rothschild. Em 1917 os americanos assumiram com o Federal Reserve. O dolar é a moeda mundial. Ha mais de 40 anos a China está trabalhando para tentar deslocar, o BRICS( Brasil,Russia,India, China e África do Sul) foi uma tentativa, o Brasil não estava fortee o suficiente para essa participação. Infelizmente o Brasil está sob o jugo do mercado internacional, e quem está no mercado internacional não quer mais parceiro. O máximo que eles podem aceitar é como fornecedor de insumos, matéria prima.
Você é religioso?
Fui seminarista, ia ser padre.
Como você foi parar no Pasquim?
O Pasquim me pegou no pulo! Em 1969 eu estava vindo para São Paulo, quando saiu a primeira edição do Pasquim. Tinha gente muito boa: Paulo Francis, Jaguar, Tarso de Castro, Fausto Wolff, Millor,
E quanto ao Salão de Humor de Piracicaba?
A primeira palestra que fiz em Piracicaba foi no Hotel Beira Rio que estava em obras. Fui convidado pelo pessoal de Piracicaba a explicar o que era um salão de humor. O pessoal era muito conservador, continua sendo uma cidade conservadora. Aconteceu um incidente que marcou o salão, e imagino que até hoje existe por certa camada da população uma rejeição disfarçada pelo Salão de Humor de Piracicaba. Existem várias razões: Primeiro porque o Salão foi feito por pessoas alheias a sociedade piracicabana; os filhos de Piracicaba participaram, mas muito discretamente. O Salão é Internacional não por pretensões, mas por precaução. Quando o Salão surgiu em 1974 por acaso eu tinha uma relação muito estreita com a Europa, preocupado com a reação dos militares que poderiam achar que éramos todos comunistas, isso tinha acontecido com o Pasquim.
Você foi quem lançou o Primeiro Salão de Humor do Mackenzie, em São Paulo?
Tinha sido convidado para ir ao salão de Lucca, Itália, que era um salão muito importante, de quadrinhos e desenhos animados. Freqüentavam lá também os grandes cartunistas. Fizemos o Primeiro Salão Nacional de Humor no Mackenzie. O Fagundinho de Piracicaba tinha viajado, quem ficou substituindo-o como Secretário da Ação Cultural foi Alceu Righetto, quando ele entrou no meu ateliê com Carlinhos Colonese, Adolpho Queiroz isso em São Paulo. Tinha a disponibilidade de fazer um salão em Piracicaba. Eles, por minha indicação foram até o Rio de Janeiro, levando cachaça de Piracicaba. A Neuma que os recebeu. Piracicaba hoje é uma metrópole. Eu a conheci quando ainda era uma cidade, uma boa cidade. Tudo com sobrados, era linda. Quando cheguei aqui pela primeira vez me encantei com o casario. Foi em junho ou julho de 1974. Foi o ano em que fizemos o Primeiro Salão de Humor de Piracicaba, no prédio onde havia funcionado o Banco Português do Brasil.