PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de setembro de 2017.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de setembro de 2017.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA:SYLVANA ZEIN
ENTREVISTADA:SYLVANA ZEIN
Beatriz Vicentini questiona em artigo de sua autoria: Seria Piracicaba a mesma sem a UNIMEP? A maioria dos piracicabanos, provavelmente diria não. Centenas de estudantes formaram-se nestes 50 anos levando da UNIMEP uma consciência crítica com relação ao país e à sociedade, centenas de professores tiveram em suas salas de aula oportunidade ímpar de serem docentes sem qualquer restrição de pensamento, centenas de funcionários ajudaram a fazer essa instituição se definir como diferente de uma simples Universidade interessada no lucro e no mercado. Sylvana Zein tem estreita ligação com a UNIMEP por laço trabalhista e familiar.
Sylvana Zein é libanesa, sua mãe Sycil (Cecília) Akzam, era síria e seu pai Elias Khalil Zein é libanês. Eles residiam em Beirute quando do nascimento de Sylvana. Ao completar dois anos e meio de vida, juntamente com seus pais veio para o Brasil.
Qual era a atividade do seu pai no Líbano?
Ele tinha curtume de couro de boi e de carneiro. Faziam tapetes com a pele de carneiro, almofadas, como lá nas montanhas é muito frio, cai neve, depois de curtida as peles de carneiro se transformam em uma espécie de edredom ou manta, feito pelas mulheres.
O que os trouxe para o Brasil?
Um primo do meu pai, Simom Hajjar, que mora no Estado de Minas Gerais atualmente, contou ao meu pai que a exportação de carne e a fabricação de calçados estavam expandindo muito. Havia a necessidade de curtumes. Na época viemos a convite do governo brasileiro, viemos com visto permanente. Meu pai teve curtume em Pederneiras, São Manoel, Bauru, Bariri, Brotas.
Do Líbano vocês vieram para Santos?
Embarcamos em Beirute, fizemos uma escala em Alexandria, no Egito de lá fomos até Nápoles, onde permanecemos por uma semana. Em seguida embarcamos no navio Julio Césare, que foi reformado e está até hoje navegando. Quando chegamos em Santos o primo do meu pai já estava esperando-nos. Fomos até São Paulo, onde pernoitamos, já morava em São Paulo um tio do meu pai. Em seguida fomos para Pederneiras. Meu pai começou a trabalhar no curtume do primo Simom, eram sócios, após algum tempo meu pai construiu um curtume em São Manoel. Meu pai teve um problema sério de saúde, até recuperar-se fomos para Bauru, onde ele montou um comércio. Após ter-se recuperado ele decidiu retomar para o ramo de curtume, fomos para Bariri onde permanecemos por nove anos.
Em Bariri você fez seus primeiros estudos?
Lá estudei na Escola Professor Euclides Moreira da Cunha, onde cursei o grupo escolar e os dois primeiros anos de ginásio. Em seguida voltamos para Bauru. Uma pessoa da família nos convidou para vir morar em Piracicaba, disse que a cidade estava expandindo muito. Meu pai veio em 1971 e montou um comércio, a principio loja, depois lanchonete.
Você continuou estudando?
Aqui fiz o ensino médio no Colégio Piracicabano. A seguir, aos 18 anos, passei a trabalhar na UNIMEP. Iniciei na operação de máquina de Xerox, no prédio central a Rua Boa Morte esquina com a Rua Rangel Pestana. Estudando, fiz o curso de Administração de Empresas, prestando exames para vagas internas, cheguei a analista financeira. Em 1994 vim para o Campus Taquaral onde permaneci até 2011 quando me aposentei por tempo de serviço.
Você chegou a se casar?
Casei-me duas vezes. Tenho quatro filhos, três naturais e um adotivo: Jéssica, Samir, Antonio e Isabelle.
Foi lá que você conheceu o professor Elias Boaventura?
Apesar dos coordenadores, entre os quais eu estava, termos reuniões periódicas e mensais, a nossa relação inicial sempre foi de estrito profissionalismo e até mesmo de certa distancia. Após termos nos separados de nossos conjuges, houve uma ocasião em que ele foi homenageado, e a partir de então passamos a conversar como amigos, até percebermos que tínhamos afinidades. Ele já não era mais reitor. Houve uma evolução natural do relacionamento entre nós e contraímos segundas núpcias em 1989.
Como era o professor Elias Boaventura?
Era um espírito de Luz, uma visão totalmente diferente e muito elevada de todas as coisas. Gostava de polemizar, contestar, para fazer as pessoas pensarem. Ele dizia que quando todo mundo concorda com uma coisa isso não é saudável. Ele assumiu a reitoria em 1978 e foi reitor até 1986. Ele colheu os frutos do fim do regime militar. O reitor que o antecedeu foi o Dr. Richard Senn.
O campus da UNIMEP originariamente deveria ser onde?
Era para ser onde hoje é o Shopping Piracicaba. Aquele terreno era da UNIMEP. Não foi autorizada a construção da UNIMEP naquele local, as autoridades de segurança nacional não queriam outra escola em frente a FOP- Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Queriam evitar o agrupamento de estudantes. Houve a negociação, a troca da Fazenda Taquaral pela área onde é o Shopping hoje. A história da UNIMEP de Piracicaba ainda é muito recente para ser definitivamente delineada. As visões nem sempre coincidem. O seu grau de importância é substancial para Piracicaba e para o País. O Dr. Senn iniciou o projeto de construção do Campus Taquaral, em 1975 houve o reconhecimento da Universidade, a primeira Universidade Metodista da América Latina, ele articulou junto às autoridades maiores da época para o surgimento da UNIMEP. O Elias esteve muito envolvido na montagem dos processos, foi muitas vezes a Brasília, conversou com ministros.
Como surgiu o Congresso da UNE na UNIMEP?
Em 1979 houve o primeiro congresso da UNE, ela ainda estava na ilegalidade. Vieram muitos político da época e que ajudaram a UNE a voltar à legalidade. Pela UNIMEP de então, como em muito poucas universidades do país, passaram as figuras mais importantes da resistência do país na luta pela democracia que teimava em surgir e que nem sempre eram bem-vindas em outras instituições: D. Helder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, Luiz Carlos Prestes, Paulo Freire, Luiz Inácio Lula da Silva, Dante de Oliveira, Frei Betto, Roge Ferreira, favelados, palestinos, presidentes da UNE, metalúrgicos do ABC, petroleiros de Paulínia, comitês de anistia, comitês de solidariedade a governos da América Latina, convidados estrangeiros como o Prêmio Nobel da Paz Perez Esquivel, ministros da Educação de Cuba e Nicarágua. O João Herrmann Neto à frente da prefeitura. O Elias era brizolista.
Há uma versão de que um poderoso ministro da época ofereceu uma série de benesses à UNIMEP desde que a mesma não promovesse esse encontro nitidamente contrário ao pensamento governamental vigente?
Isso foi criatividade de uma pessoa de Piracicaba e ao que parece queria vantagens pessoais. Essa pessoa já faleceu.
Para o Elias o que significou esse congresso em Piracicaba?
Como educador o Elias sempre acreditou que temos que preparar os jovens para fazer um país grande. Ele acreditava nos movimentos estudantis bem organizados, bem politizados. Dentro do movimento estudantil tem todas as correntes, não é só esquerda, quando eles vieram tinha grupos da direita. Trabalhei nos dois congressos da UNE, de 1979 e de 1981. Em 1985 houve o congresso da Juventude Palestina. Isso incomodou muita gente de fora de Piracicaba. Publicaram matéria paga na grande imprensa nacional contra o que estava acontecendo em Piracicaba. O Elias era muito envolvido na questão da Igreja Metodista, ele sempre foi a favor dos menos favorecidos: os palestinos, os árabes em geral, os africanos. Uma coisa que quase ninguém sabe: quem fundou o Movimento Negro em Piracicaba foi um “branquelo” de olhos azuis, chamado Elias Boaventura! Noedi Monteiro foi escolhido para ser o líder. O Elias atraiu os jovens negros, deu bolsa para quem quisesse estudar, temos diversos profissionais negros que ingressaram nesse período. O Elias foi muito criticado, chegou a receber ameaças, de que ele estava se metendo onde não devia. Onde já se viu montar um movimento negro? Estava muito bom do jeito que estava! Quando o Movimento Negro de Piracicaba completou 30 anos o Elias recebeu um troféu de reconhecimento. Em março de 2015 tivemos a visita do Embaixador da Palestina para dar a aula magna aos alunos de Negócios Internacionais.
Quantas línguas você fala?
Português, árabe, francês e entendo inglês.
A sua cozinha é árabe?
No dia-a-dia acabo fazendo o trivial brasileiro, mas mesclo pelo menos uma vez por semana com pratos árabes.
Como você vê a UNIMEP?
A UNIMEP é um patrimônio cultural da cidade de Piracicaba! A infra-estrutura educacional em termos físicos e pedagógicos é de altíssimo nível. Infelizmente há uma concorrência desleal, instituições com objetivos exclusivamente financeiros, ligadas a grupos internacionais, com ações na Bolsa de Nova Iorque, massificaram o ensino, com um nível de péssima qualidade e preços de ocasião. Constroem barracões para serem escolas universitárias. A pergunta que faço, é quem tem coragem de contratar ou consultar um profissional desse nível? É assustador!
Abordar assuntos tão polêmicos não é gerar indisposições generalizadas?
Ele quis mostrar que todos são pessoas como nós. Tem uma pátria. Sempre foi muito participativo, levou muitos ônibus para o movimento Diretas Já! Ficou no palanque.
Ele era pastor?
Foi pastor metodista.
O Elias escreveu vários livros?
Escreveu! A UNIMEP era a paixão dele. Um dos seus livros foi “Pela Autonomia Universitária” – Crônicas da luta na UNIMEP. Elias Boaventura nasceu em Coimbra, Minas Gerais, a 27 de janeiro de 1937, saiu de Coimbra aos 16 anos, foi para o Granbery estudar, permaneceu por oito anos no Granbery de Juiz de Fora, como aluno interno, era aspirante ao ministério, o primeiro diploma dele foi de contabilidade.Foi professor de geografia, permaneceu 15 anos em Minas, em diversas cidades, ele veio à Piracicaba para fazer mestrado. Veio trabalhar na UNIMEP que ainda era denominada Faculdades Integradas. Foi atuante em Piracicaba por quarenta anos. Quando ele assumiu a reitoria no campus Taquaral não havia um tijolo assentado. A inauguração do primeiro bloco foi em 1979. A humildade do Elias era até chocante. Nunca quis uma placa sequer com o nome dele. Quando terminou o seu mandato tinha construído os blocos 2;3e 4; o bloco administrativo; a praça da alimentação e a parte da educação física. Depois o Professor Almir ampliou e aumentou o campus. Tem uma única placa em frente aos prédios administrativos com as datas das inaugurações dos prédios na gestão dele e só um versículo bíblico: “Até aqui nos ajudou o Senhor”. A fé dele era assustadora. Ele tinha um pensamento positivo, a energia das coisas acontecerem. Em 1975 quando a UNIMEP foi reconhecida, foi apresentado o desenho arquitetônico, o Dr. Senn havia encomendado. O Dr. Senn foi peça chave para o reconhecimento da UNIMEP pela sua posição política na época. O Elias contratou outra empresa, um escritório arquitetônico de Brasília, mudou tudo, ele sobrevoou uma vez para ver o terreno e o sol estava se pondo. A cor original da UNIMEP é laranja com marrom. Foi feito um desenho da forma que ele pediu os blocos todos e o sol.
Elias Boaventura faleceu em Piracicaba em 2012. Graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Marcelina, de Minas Gerais, mestre em Filosofia da Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, doutor em Educação pela Universidade de Campinas, Unicamp, foi professor da Pós-Graduação em Educação na UNIMEP e reitor. Membro da Academia Gramberyense de Letras, Artes e Ciências, presidente do Conselho Geral das Instituições da Igreja Metodista Cogeime, coordenador do Movimento em Defesa da Ética e Cidadania – Modec de Piracicaba. Em 1995 recebeu o título de “Dr. Honoris Causa” da UNIMEP e o de “Cidadão Piracicabano” Publicou seis livros: “ Desmemórias A força do Fraco”; Desmemórias a lição que ficou” Como bem escreveu Dom Eduardo Koaik quando leu o livro; As pessoas que fizeram o Elias ser quem ele era. Pessoas simples, do povo. Ele conta essas histórias, e através desas histórias vamos conhecendo o Elias. Outros dois livros, um é o mestrado dele e o outro é o doutorado. O livro “Comunicado Urgente”, que é o título que foi usado em 2006 para demitir os 148 professores. Um livro “Autonomia Universitária” é muito importante. Ele escreveu muito para as revistas de universidades de outras instituições. Colaborou com muita coisa para muitas obrs acadêmicas. O Professor Clóvis Pinto de Castro na homenagem feita a ele disse que o Elias é considerado o melhor educador metodista do Século XX. Pelo trabalho todo, ele escreveu a historiografia da Educação Metodista no Brasil. Quando se faz pesquisa sobre a Educação Metodista, invariavelmente Elias Boaventura é citado.
Você faz parte de diversas entidades?
Participo da Sociedade Sírio Libanesa, desde quando passaram a aceitar mulheres, nos últimos 10 anos venho fazendo parte das diretorias. Já fui vice-presidente. Atualmente sou diretora social. Nossos eventos são todos voltados para a benemerência. As mensalidades do ensino da língua árabe são pagas com alimentos não perecíveis. Participo ainda da Associação dos Granberyenses; IHGP;Diretoria da Escola de Mães; do Lions Club Piracicaba Leste. Há mais de uma década somos mantenedores da Escola de Mães onde temos uma sala, todos fazem trabalhos voluntários, voltados também para as comunidades, em parceria com a Secretaria da Cultura da Prefeitura, fazemos mutirões da saúde, participamos daquele “Mexa-se” que a EPTV fez recentemente no engenho, temos outras atividades, como companheiros que ministram cursos básicos por exemplo: como fazer sabão utilizando óleo de cozinha já utilizado, voltado a comunidades carentes. È um trabalho com enfoque para a área da saúde e da cultura. Na Escola de Mães Professora Branca Motta de Toledo Sachs são atendidas gestantes, ela está situada a Rua Prudente de Moraes esquina com a Rua Alfredo Guedes, já existe há mais de 70 anos. Temos médicos voluntários, pediatras e ginecologistas. No oitavo mês as mães recebem o enxovalzinho, atualmente temos 24 voluntários.