PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de agosto de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de agosto de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: VERA CRUZ DE FIGUEIREDO DOS SANTOS
ASSOCIAÇÃO VIVA A VIDA
Vera Cruz de Figueiredo dos Santos nasceu a 3 de maio de 1953, na cidade de Cabo Verde, sul de Minas Gerais. É filha de João Paulino de Figueiredo e Tereza Rodrigues de Figueiredo que tiveram nove filhos: José, João, Antonio, Maria Aparecida, Helena, Pedro, Paulo, Francisco e Vera. Seu pai era agricultor, tinha uma fazenda. Tirava leite, colhia café. Vera Cruz de Figueiredo dos Santos é presidente da Associação Viva a Vida, que atende pessoas que tiveram câncer de mama. A entidade fica a Rua José Pinto de Almeida, 824, no centro, o telefone é 34337396, atende ao público de segunda a sexta feira das 14 horas até 17 horas.
Como era a vida na fazenda onde passou sua infância?
Na minha casa fazíamos de tudo, naquela época usava monjolo, fazia de tudo, farinha de milho, fubá, limpava café, arroz, tudo no monjolo. Foi uma infância maravilhosa. Na fazenda havia uma escolinha rural, a minha irmã mais velha que dava aula, meu tinha a fazenda e uma casa na cidade onde nós ficávamos para estudar. Até a quarta série estudei no Grupo Escolar Major Leonel. Depois estudei no Colégio Estadual de Cabo Verde até concluir o magistério. Fiz a Faculdade de Ciências Contábeis em São João da Boa Vista. Eu morava com uma irmã em Águas da Prata. Trabalhei em Poços de Caldas em uma revendedora de automóveis Chrysler, a Sul Minas Automóveis. Nessa época eu tinha de 22 a 23 anos.
Você não exerceu o magistério?
Eu só passei a dar aulas quando vim para Piracicaba.
Seus pais permaneceram na fazenda?
Permaneceram. Eu vim para Águas da Prata para ajudar uma irmã, ia e voltava todos os dias para Poços de Caldas. Naquele tempo tinha muita criação de gado, plantação de café. Cabo Verde era uma cidade rica, havia muitos fazendeiros. Meus avôs maternos José Sebastião Rodrigues e Maria Clementina moravam em Poços de Caldas. Mudei para São João da Boa Vista onde trabalhei na Santa Casa de Misericórdia daquela cidade. Fui trabalhar no atendimento do pessoal do Iamspe, fazia o cadastro das internações.
Ali você passou a atender um público completamente diferente.
Era um relacionamento muito diferente, nessa época eu tinha que fazer faculdade em São João da Boa Vista. Fiz a Faculdade de Ciências Contábeis. Minha mãe adoeceu, ficou internada nesse hospital, eu trabalhava o dia todo e a noite dormia como acompanhante dela. Ela faleceu, eu não me sentia mais disposta a permanecer no hospital. Soube que tinha uma vaga no Banco Itaú de Águas da Prata, fiz o teste em São Paulo, passei a trabalhar no banco onde permaneci por cinco anos.
Você conheceu seu marido no banco?
Eu conheci na faculdade meu futuro marido José Roberto Carvalho dos Santos, natural de Pirassununga. Ele trabalha na Secretaria do Governo Municipal de Piracicaba. Nós namoramos o tempo todo da faculdade, nos formamos, depois eu estava em Águas da Prata, decidimos casar, nos casamos na Igreja Nossa Senhora de Lourdes em Águas da Prata, foi em 9 de fevereiro de 1980. Em seguida viemos para Rio Claro. José Roberto como sub-gerente da Caderneta de Poupança A.P.E. , de lá ele foi transferido para Piracicaba, a A.P.E. ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, próxima a loja Ao Cardinalli. Tinha então uma atração que o público ficava fascinado, era a máquina de contar moedas! Distribuíam cofrinhos e depois recolhiam com as moedinhas. Na época a Selma Ferrato trabalhou com ele ali. A Antonia Amaral também trabalhou lá.
Vocês tiveram filhos?
Tivemos três filhas: Vanessa, Valéria e Veridiana. Em decorrência das atividades profissionais do meu marido a cada dois anos mudávamos de cidade. Nessa época eu tornei-me dona de casa e mãe de três filhas. Não tinha como trabalhar fora de casa.
Em que ano vocês voltaram à Piracicaba?
Voltamos em setembro de 1989, ele como gerente do Banco Econômico, ao lado da Catedral de Santo Antonio. Minhas três filhas estudaram no Grupo Escolar Moraes Barros, e por coincidência, embora em épocas diferentes, com a mesma professora: Hilda Castilho. Em 1990 o Presidente Collor foi eleito, meu marido José Roberto foi transferido para Dourados, Mato Grosso do Sul. Decidimos permanecer em Piracicaba. Decidi me inscrever na Delegacia de Ensino para lecionar, a primeira escola que me chamou foi a Escola Estadual Francisca Elisa da Silva, no Jardim Monumento. Eu morava na Rua Capitão Antonio Correa Barbosa, abaixo do SESC.
Esse período foi muito difícil para a economia do país, o governo bloqueou os valores depositados nos bancos.
Foi difícil para todo o mundo. Havia dias que eu ia a pé da minha casa até o Jardim Monumento. Dei aula uns doze anos. Fui transferida para a Escola Estadual Dr. João Sampaio, localizada em uma rua paralela a Avenida Raposo Tavares.
Como era o comportamento dos alunos?
Um ou outro aluno tinha comportamento diferenciado dos demais, a maioria era bem comportada. Nessa escola permaneci de 1994 a 1998. A diretora era a Giselda Ercolin. Fiz grandes amizades naquela escola. Foi uma benção. Em seguida fui para a Escola Estadual Professor Manassés Ephrain Pereira no Jardim Monte Líbano, onde permaneci por mais quatro anos. Além de dar aulas eu fazia salgados para vender, dia e noite. Umas tortas lindas que eu enfeitava, uma tortinha individual, menor para festas e nas quentinhas para vender. Fiz tortas por uns 10 a 12 anos. Vendia na cidade inteira, nas lojas de conveniência, algumas casas famosas de frios finos de Piracicaba. Clubes que adquiriam para festas. Minhas meninas e eu que fazíamos, meu marido ajudava muito nas entregas. Tinha noite que assava torta a noite inteira, desligava o forno, tomava um banho e ia dar aula.
O que aconteceu após quatro anos?
Descobri que estava com câncer. No carnaval de 2001 fiz muita torta para o Clube Cristóvão Colombo, quando terminei de embalar tudo, aquelas formas todas branquinhas, a última caixa que peguei, tinha chovido, eu escorreguei e cai. Quebrei o cotovelo. Estava doendo muito, mas eu não sabia que tinha quebrado. Fiz a entrega em seguida fui tirar o Raio-X. Saí com o braço engessado. Só que acho que bati a mama no chão e não percebi. Na minha família ninguém teve câncer. Fiz várias ultrassonografias, várias mamografias, não acusava nada, mas depois a mama inchou, ficou com mastite crônica, endureceu, parecia uma pedra.
Você sentia alguma dor?
Não doía, só ardia. Às vezes ficava quente. Escamando, saindo uma pelezinha. A roupa não incomodava. Nunca passou pela minha cabeça o que de fato poderia ser. Ao tocar não sentia dor, mas eu notava que a mama estava dura. A princípio o próprio médico que me atendia dizia que não era nada demais. Até o dia em que ele achou que eu deveria passar em outro médico.
Qual foi a sua reação?
Achei que era normal. Fui ao CESM – Centro Especializado em Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde de Piracicaba situado a Rua Santa Cruz, 2043 – Paulista Telefone:3434-6966 fui atendida pelo Dr. Alexandre Paulino da Costa, no primeiro atendimento ao me examinar a fisionomia dele mudou. Disse-me: “- Vera, você vai ter que fazer um exame, de punção, tenho que interná-la em um hospital”. Deu-me um calhamaço de exames para fazer, assim que estivesse com os resultados eu deveria levar para ele ver. Fiz tudo pelo SUS. Fui muito bem atendida. Quando chegou o resultado não tinha dado nada, na punção quando foi retirado o líquido. Dr. Alexandre viu o resultado, mas achou que mesmo assim eu deveria ser internada. Disse que iria fazer uma biopsia. Nem assim passou pela minha cabeça que poderia ser câncer. Na época não havia a divulgação que existe hoje, para prevenção e tratamento. Quem tinha feito essa cirurgia não comentava com ninguém. Isso em 2001 ! Dia 3 de maio foi meu aniversário, minhas amigas foram em casa, elas já desconfiavam, eu não ! No dia 4 de maio, quando Dr. Alexandre viu o exame, disse: “ – É mesmo!” e saiu rápido da sala, deixando e exame sobre a mesa, tinha umas seis palavras com termos técnicos da medicina , entre elas: Carcinoma Infiltrante da Mama. Quando li carcinoma é que tomei consciencia do mal que me acometia! Pensei; “-Nossa, estou com câncer de mama!”. Nisso o médico voltou, passou uma série de procedimentos que eu deveria fazer, marcou a cirurgia, Só que eu tinha que fazer um tratamento antes. Fiz três quimioterapias, uma a cada 21 dias, para depois operar. Fiz a cirurgia dia 19 de julho de 2002. Tive câncer em um seio, foi tirada a mama toda e a axila
Você acredita que aquele primeiro médico, poderia ter tomado uma providência assim que a atendeu?
Eu voltei ao Iamspe, falei com o médico, chorei muito, disse-lhe que nunca tinha imaginado que ele pudesse ter negligenciado com a minha saúde. Disse-lhe que ele poderia ter me avisado de que poderia ser outra coisa.
A seu ver porque ele não foi mais rigoroso em seus exames?
Pode até ser pelo volume de pacientes que ele atendia.
Após a cirurgia, como ficou o seu estado psicológico?
Eu com três mocinhas, coincidiu das três quase ao mesmo tempo ficarem desempregadas, a mais nova tinha 14 anos. Quando percebemos estávamos todos em casa! Nessa época eu morava na Rua Campos Salles ao lado do então Frios São José, do Seu Valdir e Dona Lina. Moramos ali por 10 anos, eles comercializavam muitos salgados que fazíamos. Até hoje os filhos dele mantém vinculo de amizade com o meu marido.
Você tomou remédios pesados.
Após a cirurgia fiz mais nove quimioterapias. E 28 radioterapias. Nesses anos que se passaram houve uma evolução muito grande com relação aos medicamentos. Fiquei careca um ano e dois meses. Eu não tinha vergonha. Não usei peruca, não usei nada. Usei um chapeuzinho de crochê. Ia fazer quimioterapia, radioterapia de ônibus.
Como você descobriu a Associação Viva a Vida?
Quando operei foi uma pessoa chamada Azize na minha casa. Ela era operada também. Através dela fiquei sabendo da Associação Viva a Vida. Logo depois da minha cirurgia eu decidi ir até a Associação. Para chegar ao andar superior havia uma escada de madeira, que dava até certo receio em subir. Lá em cima tinha as próteses de silicone, em algodão, ofereceram lenços para cabeça, eu não quis. E ofereceram a prótese.
Quem fundou a Associação Viva a Vida?
A fundadora é Dona Wilma Godoy de Almeida. Ela fundou a entidade na casa dela, dedicou 28 anos da sua existência a Viva a Vida. Ela percorreu muitas cidades para fazer palestras sobre câncer de mama. Divulgou muito os cuidados que ela tinha tido. Ela fazia umas próteses de alpiste e painço, ficava cômodo e confortável. O Dr. Sergio Bruno Barbosa do Instituto de Mama de Piracicaba em nossas reuniões dizia que ela media a mama da pessoa com a mão, para fazer a prótese. Como ela tinha tido câncer de mama aos quarenta anos, ela queria orientar as pessoas.
O câncer de mama pode ocorrer em homens heterosexuais ?
Pode sim! Já apareceram dois casos aqui. Por isso é necessário apalpar uma vez por mês, faço palestras nos bairros, comunidades. Levo um farto material para ilustrar.
Existe uma faixa etária em que a incidência do câncer de mama surge?
Há quem estime que ocorra após os quarenta anos, mas não é não, aqui aparecem pessoas com vinte, vinte e dois e até de dezesseis anos.
A origem é genética?
Também, mas pode ser uma tristeza, uma raiva, um rancor. Uma pessoa mal humorada. Álcool. Tabaco. Tudo isso causa câncer.
A seu ver doença é um reflexo do fator psicológico?
Eu tive alguns períodos de muita tensão. Principalmente após o falecimento do meu pai. Descobri que tinha a doença seis meses após ele ter falecido. Foi um abalo muito grande, ele tinha ficado em casa três meses. Embora tivesse 82 anos era uma pessoa super saudável.
O prédio da Associação é próprio?
É da prefeitura. Só que nós pegamos em péssimo estado. Fizemos uma promoção muito grande com o apoio do Vereador Capitão Gomes, a renda deu para fazer uma reforma muito bem feita. A filha da Dona Wilma é a arquiteta Katia Marques, da Imobiliária São Judas, ela higienizou tudo, ajustou as instalações, o setor de baixo todinho é o brechó, é a nossa sobrevivência, não tem dinheiro de doação de ninguém, a Dona Arlete Negri comanda a parte de artesanato, as mulheres vem bordar. Pagamos luz, água, esgoto. Somos todos voluntários, em torno de 40 pessoas, atendemos a saúde.
Quantas pessoas operadas vocês atendem aqui na Associação?
Todas que passaram por cirurgia, em média 35 pessoas por mês, ou seja, 420 ao ano. Foras as palestras e ações externas que realizamos.
Vocês fazem um acompanhamento da pessoa após a operação?
Temos uma psicóloga voluntária, a Luciana Eduardo, duas fisioterapeutas a Maria Cláudia e a Ana Lúcia Pacheco.
Pessoas carentes vocês atendem muitas?
Fazemos uma triagem, sendo comprovada a renda da pessoa, residência, fornecemos uma cesta básica. Isso além de lenços, perucas, próteses. Todo ano fazemos o “Outubro Rosa”, a conscientização da necessidade de exames periódicos e o tratamento em uma fase inicial têm ocorrido, as mulheres hoje estão mais atentas para os primeiros sinais da doença. Tenho procurado divulgar todo tipo de informação sobre câncer de mama nos bairros da periferia, postos de saúde. Levo folders, cartilhas, tudo material que alguém patrocina a impressão. Levar a informação é um fator primordial, sentimos que não existe divulgação, as pessoas não sabem que existem essas doenças graves.