PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de março de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de março de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: LUCI MATTAR
A simplicidade e simpatia da Profa. Dra. Luci Mattar não deixam transparecer seu profundo conhecimento científico, sua determinação e objetividade. Com um currículo robusto, foi sempre uma aluna aplicada e posteriormente professora rigorosa e conceituada. Participou de inúmeras bancas de examinadores, orientou cursos de pós-doutorandos e mestrados na área médica. Ela formou inúmeros alunos na área da saúde, muitos deles médicos renomados. Ganhadora de prêmios e títulos por méritos em suas pesquisas foi chefe de departamentos, onde com pulso firme obteve grandes êxitos. Contribuiu muito para o avanço da área médica em nosso país. Sua forte vocação como pesquisadora nata a manteve sempre intimamente inserida em inúmeras experimentações e realizações científicas.
Luci Mattar nasceu a 12 de setembro na cidade de Bauru, filha de Álvaro Mattar e Maria Nasralla Mattar, que tiveram duas filhas: Luci e Marli. Seu pai era corretor de cereais em Bauru.
O pai da senhora nasceu em que país?
O meu pai nasceu no Líbano e a minha mãe era filha e libaneses. Morei em Bauru até os meus dezoito anos. Estudei o primário no Grupo Escolar Rodrigues de Abreu. Bauru era uma cidade muito boa para as crianças, brincava-se na rua, tinha uma relação de interação com as outras crianças. O ginásio e o científico eu fiz no Instituto de Educação Ernesto Monte. Em seguida fiz a Faculdade de Biologia na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, que atualmente é UNESP- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e o meu curso hoje faz parte do Instituto de Biociências de Botucatu.
Após a formatura a senhora continuou na faculdade?
Logo que me formei fui trabalhar em uma usina de açúcar a Usina São José da Açucareira Zillo Lorenzetti, em Macatuba, próximo a Jaú. Fui trabalhar no Laboratório de Diagnose Foliar. Um laboratório que fazia a análise das folhas da cana-de-açúcar, para saber o estado nutricional da cana, qual era a adubação necessária. Após uns dois anos fui fazer uma viagem pela Europa onde permaneci por alguns meses.
Qual foi o impacto que lhe causou a Europa?
Eu tinha uns 26 anos, o grande impacto que eu tive foi em relação a noção do que é antigo. Para nós, antigo é 1.500. O mais antigo nosso, 1500, lá na Europa, foi ontem! Você entra na igreja de Notre Dame ela foi construída 300 anos antes do descobrimento do Brasil! O meu antigo já não era mais antigo! Isso foi um impacto muito grande. Outro aspecto foi ver “in loco” coisas que eu tinha estudado em Historia. È uma sensação muito forte estar em um local aonde aconteceram várias coisas que influenciaram no destino da humanidade. Isso mexeu muito comigo, os museus, Museu do Louvre.
Qual foi a impressão que a senhora teve ao se deparar com o quadro de Mona Lisa a sua frente?
Eu achei que ela está se divertindo com todo mundo que chega ali! O sorrisinho dela parece dizer: “- Você achou que fosse encontrar um quadro imenso e viu que estou retratada em um quadro pequeno!” Dá a impressão que ela está se divertindo com a nossa reação! Não se pode negar que é um quadro fenomenal. Nós não temos noção do tamanho do quadro, a grande maioria imagina ser um quadro enorme.
A senhora voltou para o Brasil em época aproximadamente?
Foi por volta de 1977. Fui dar aulas de botânica na Faculdade de Agronomia de Bandeirantes, no Paraná. Eu já tinha especialização em botânica. A faculdade vivenciou alguns problemas administrativos refletindo na remuneração do corpo docente. Nessa época o piracicabano Cláudio Costa, falecido recentemente, também dava aulas nessa faculdade. Quando voltei para Botucatu o Cláudio Costa também voltou para Botucatu. Só ficamos em departamentos diferentes. Voltando de Bandeirantes fui dar aulas nas Faculdades de Avaré: Faculdades de Pedagogia, Educação Física e Ciências. Após algum tempo lecionando resolvi que deveria voltar para a Universidade em Botucatu. Havia um concurso para estágio em uma área totalmente diferente da botânica. Era um estágio de Cirurgia Experimental na Área de Trombose Experimental de Coagulação. Tinha uma parte de análises humana, mas não de lidar diretamente com o paciente. Passei no exame e fui fazer esse estágio. Acabei gostando da área. Apareceu a chance de eu ser contratada no Departamento de Cirurgia para fazer Pesquisa Experimental de Trombose. Acabei fazendo mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina e Patologia, especificamente na parte de Trombose Experimental, nessa época já era UNESP- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Quando terminei o meu doutorado, continuei no departamento de cirurgia, fazendo as pesquisas, e paralelamente, era professora do curso de pós-graduação.
A trombose pode ter qual origem?
Existem várias origens. Fundamentalmente a trombose é uma massa de sangue que se forma dentro do vaso sanguíneo. Pode ser desencadeada por vários fatores: genético, alterações de coagulação que ocorra com a pessoa, os fumantes já têm uma pré-disposição, o colesterol muito alto também pode influenciar. São várias coisas, que estão relacionadas e que podem levar a trombose.
A pessoa que se exercita corre menor risco de ter trombose?
Ela corre menos risco! Ela irá correr maior risco se já tiver situações que predispõem. Mesmo uma pessoa que faça academia, musculação, se ela tiver predisposição ela poderá desenvolver.
A trombose é fatal?
Não necessariamente. Há inúmeros casos que foram curados.
Existe uma mística popular da “trombose aérea”, ou seja, trombose durante um vôo de longo percurso. Há alguma forma de evitar essa situação?
Há! Movimentar-se dentro do avião! A panturrilha é tida como um segundo coração. Quando a pessoa anda, movimenta o pé, movimenta a musculatura, ao contrair-se ela irá bombear o sangue para o coração. Essa contração da musculatura é que faz com que o sangue volte para o coração. Caso não consiga levantar-se, pode simular o movimento de caminhar, para que você faça uma bomba plantar, na sola do pé. Essa técnica pode ser aplicada em viagens de carro, ônibus, mais longas.
Basicamente a senhora trabalhou com pesquisas?
Pesquisas com animais era minha parte específica, tentava encontrar alguma droga que pudesse ser substituta da eparina. Eparina é a droga padrão usada em trombose.
A senhora aposentou-se em que ano?
Aposentei-me no inicio de 2012. De 2012 a 2017 nessa área é um tempo longo. Devem ter aparecido inúmeros remédios nesse período. No mundo inteiro tem pesquisadores trabalhando nisso. É uma área em que se ficasse um mês sem ler toda a bibliografia que estava saindo, já perdia muita coisa do que estava acontecendo. É uma área muito dinâmica, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
O profissional de saúde tem que estar constantemente atualizado?
Tem.
Tem que ler muito?
Depende da área. Em algumas áreas a evolução, pesquisas, coisas novas, acontecem rapidamente. Há área que não, é mais devagar, as coisas já estão mais descobertas, já tem muitos medicamentos, tem medicamentos substitutos em quantidade suficiente. Nesses casos as pesquisas são mais lentas.
O foco de estudo da senhora foi o estudo da trombose, foi dirigido a algum órgão do corpo ou de forma geral?
Trabalhei especificamente em carótida, é uma artéria de fácil acesso. Fiz alguns trabalhos com pacientes, participei de um trabalho com paciente de varizes e de paciente de claudicação intermitente, ou seja, pessoas que não conseguem caminhar muito por sentir dores nas pernas em função de problema arterial.
Nesse período em que a senhora vem realizando seus estudos, o progresso das drogas tem acompanhado? Elas são eficientes?
Algumas drogas são eficientes, outras não. É muito variável de paciente para paciente. Às vezes temos uma droga que funciona perfeitamente em um paciente, em outro não tem nenhum efeito. Por isso muitas vezes o médico faz a substituição de uma droga por outra até acertar a que adapta melhor ao paciente.
Os alunos da senhora eram todos médicos?
Eu dava uma aula para os alunos do quinto ano de medicina, na pós-graduação eram todos formados. Ali eu tinha como alunos: médicos, dentistas, veterinários, enfermeiros, fisioterapeutas, vários profissionais da área de saúde.
Como a senhora vê a medicina brasileira?
Eu acho que a medicina brasileira é muito boa. Infelizmente o que estamos assistindo é uma queda geral do ensino, não específico do ensino médico. Do ensino todo, desde as primeiras letras até a formação profissional. Isso está ocorrendo em todas as áreas. Eu acredito que isso vem desde a década de 60.
Independente das suas pesquisas científicas, a senhora gosta de literatura?
Gosto e muito. Sempre li bastante, quando morava em Botucatu tínhamos um grupo de discussão de livros, líamos um determinado livro e depois discutíamos sobre aquele livro. O grupo era denominado “Papos e Livros”.
A senhora passa a imagem de uma pessoa muito prática.
Tenho que ser! Na minha atividade eu tinha que ser muito prática. Quando se trabalha com aluno de pós-graduação, pesquisas têm que desenvolver muito o lado prático, senão fica-se enroscando muito nas coisas.
Há diferenças entre o aluno que está fazendo graduação e o que está fazendo pós-graduação?
O aluno quando está fazendo graduação ele assiste à aula faz a prova, tem nota ou não tem nota. O aluno de pós-graduação é diferente, é o aluno que está muito mais interessado, ele está fazendo aquilo depois de formado para se aprimorar. Ele tem que desenvolver um trabalho científico. Muitas vezes temos que orientá-lo, o orientador se envolve com o trabalho do aluno. Nós temos que acompanhar o aluno em suas pesquisas, dúvidas, discutirmos o material que ele lê, se ele entendeu ou não. Quando ele escreve o projeto de pesquisa dele temos que analisar aquele projeto. Quando ele escreve a tese a gente tem que estar presente o tempo todo.
O trabalho passa a ser quase um filho intelectual?
Mais ou menos! E eu sou muito chata! Quero as coisas muito certinhas. Se escrever tem que escrever direito. Como eu tive os meus orientadores também assim, isso me valeu muito, quando chegava para defender as minhas teses eu já tinha uma segurança muito grande. Isso porque os meus orientadores exigiram que eu fizesse as coisas muito direitinhas. Teve uma moça, uma médica, que fui sua orientadora, após defender a tese, ela foi me agradecer e me chamou de “Mão-de-Ferro”! Eu exigia que escrevesse direito, que explicasse. Quando escrevemos sobre determinado assunto e conhecemos bem o assunto, achamos que estamos sendo muito claros, mas quem não conhece o assunto não entende direito. Quem não está na área tem que entender o que você está escrevendo! Algumas vezes o orientado tinha que escrever tudo de novo, eu insistia nas coisas.
Com relação a verbas para pesquisas como elas são obtidas?
A Universidade não dispõe de dinheiro para pesquisas. Tem que pedir financiamento a algum órgão como FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Eles ajudam?
As vezes ajudam outras não. Escrevo o meu projeto de pesquisa e mando. Eles enviam para os consultores e dão a resposta, que pode até ser “Aprovado pelo mérito, mas não temos recursos”. Ai manda-se o mesmo projeto para outra agência de pesquisa. Pode ou não sair o recurso financeiro.
Em média quanto tempo demora um medicamento desde a sua pesquisa até sua entrada no mercado?
Demora vários anos. Quando você tem uma substância, irá testá-la, o teste inicial é feito em roedores (ratos), se funcionar não significa que irá funcionar para o ser humano. Há o exemplo da sacarina que é cancerígena em rato e no ser humano não. Após a comprovação de eficácia no rato, isso passa para outra espécie, superior a do rato. Até chegar a fase de pesquisas em seres humanos, onde há diferentes níveis de pesquisa. Até finalmente chegar à população. É um caminho longo.
Há um fato que ocorre sistematicamente de tempos em tempos, é alardeado que produto X causa uma doença gravíssima ou alimento Y é alta fonte de colesterol. Algum tempo depois ele é aprovado e até mesmo incensado como benéfico à saúde. O consumidor fica completamente aturdido.
Isso, para mim, é interesse da indústria alimentícia. Temos que buscar o equilíbrio em nossa alimentação. Evitar os alimentos industrializados que sabemos que tem substâncias que não boas para a nossa saúde.
A internet ajuda ou atrapalha?
As duas coisas! Ajuda quando a pessoa tem consciência e algum conhecimento do assunto, e acredito que prejudica quando a pessoa lê e aceita tudo.
Atualmente aposentada, a senhora desempenha alguma atividade?
Gosto muito de fotografia, como fotógrafa amadora já fiz algumas exposições. Tenho uns amigos em Botucatu, ele é cardiologista e sua esposa pediatra, e outra amiga, que também gostam de fotografar. Decidimos fazer uma viagem a São Francisco do Sul, a terceira cidade mais antiga do Brasil. Estabelecemos a regra de cada um fotografar o que desejasse e da forma que quisesse. Quando voltamos a Botucatu decidimos fazer uma exposição sobre os três olhares a respeito de São Francisco do Sul. Quando fomos escolher as fotos parecia que tínhamos viajado para três lugares diferentes.
A senhora que sempre teve uma vida de muitas atividades, como se vê aposentada?
Depois que me aposentei, entrei em uma fase que denomino “desconstrução”. Ou seja, enquanto estamos trabalhando estamos sujeitos a cumprir um horário têm que manter uma aparência visual condigna com o ambiente, enfim uma série de coisas que senti a necessidade de me libertar delas após aposentar-me. Hoje faço o meu horário, uso uma roupa mais informal. Acho que ao longo da vida vamos aprendendo uma série de coisas, com o passar do tempo essas coisas deixam de ter sentido. Quando vim para Piracicaba foi o ponto alto dessa desconstrução, consegui me desligar de uma série de coisas.
Tensão influencia na saúde?
Muito! Mexe com o corpo inteiro.
A seu ver, uma boa parte das doenças que acometem a população é conseqüência da tensão?
Acredito que uma boa parte das doenças deriva da tensão. Quando você fica tenso há uma liberação de adrenalina no organismo e isso mexe com todo o funcionamento.
Atualmente temos crianças com depressão, isso é novidade?
Na realidade anteriormente a depressão já podia ocorrer com crianças. Antes era conhecida como “birra” e outras denominações. O que existe hoje é uma compreensão maior dessas atitudes da criança. Às vezes é “birra” mesmo, às vezes não é. Depressão sempre existiu, ela só não era bem diagnosticada. Eram tidos como pessoas muito fechadas, que não conversavam com ninguém, pessoa chata. Ou até mesmo louco. Havia uma resistência muito grande de se conversar com um psiquiatra. Há várias explicações e desculpas.
Qual é a recomendação da senhora para a pessoa manter-se equilibrada, saudável, com o passar dos anos?
Recomendo ter atividade física, eu faço caminhada de segunda a sexta feira, faço academia de musculação de duas a três vezes por semana, faço yoga, a atividade física é muito importante, isso porque quando vamos envelhecendo vamos enferrujando, perdendo movimentos, músculos, e temos também que cuidar muito da saúde mental.
Como a pessoa pode cuidar da sua própria saúde mental?
É ficar atenta aos problemas mentais: se está tendo depressão, se está ficando triste, se está tendo problemas que estão afetando seu humor. Muito depende do estado mental da pessoa. É importante a pessoa sentir-se feliz, bem consigo mesma. É muito importante a pessoa se dar bem consigo mesma.