PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de janeiro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
Aristides de Oliveira Campos é o nome civil do artista Ary Werneck nome sugerido em 1976 por uma diretora de teatro que admirava e quis homenagear Nelson Werneck Sodré (Pesquisador e escritor sobre a história do Brasil publicou dezenas de livros que se tornaram obras de referência para os historiadores e estudiosos do país.).
Você nasceu em qual cidade?
Nasci a 30 de agosto de 1934, em Jardinópolis, uma pequena cidade próxima a Ribeirão Preto. Meu pai era mineiro, seu nome é Abílio de Oliveira Campos e minha mãe Catharina Balbina do Nascimento, da região de Ribeirão Preto, com ascendência paulista de 400 anos. Tiveram quatro filhos: Alderico, Aristides, Irineu e Ivone de Lourdes.
Você estudou inicialmente em qual cidade?
O meu pai era encanador, no tempo em que era um ofício que exigia do profissional uma série de atribuições técnicas, os canos tinham que serem trabalhados com tarrachas, faziam-se as roscas, ele era contratado para fazer encanamentos nas cidades próximas. Fomos morar onde na época era chamado de distrito Sales de Oliveira. (Atualmente Sales Oliveira é um município Estado de São Paulo, que faz parte da Região Metropolitana de Ribeirão Preto). Entrei na escola com sete anos, meu pai aos 36 anos faleceu. Estudei na Escola Capitão Getulio Lima em Sales de Oliveira. Lembro-me da minha escola até hoje. Fiz os quatro primeiros anos lá, quando conclui não havia outro curso a seguir em Sales de Oliveira. Após o falecimento do meu pai, minha mãe e nós, seus quatro filhos, mudamos para Ribeirão Preto. Quando meu pai faleceu minha mãe tinha 34 anos. Ela teve que trabalhar muito para nos criar. Ela lavava roupa para outras pessoas, lembro-me de que eu ajudava quando ela ia passar roupa. Era utilizado ferro a carvão, ela passava roupas para pessoas grã-finas: camisas, saias. Trabalhava com dois ferros, enquanto usava um o outro já era preenchido com brasa do fogão a lenha. Isso foi no período da Segunda Guerra Mundial. Lembro de que tudo era racionado, havia o cartão de racionamento. Lembro de que meu tio Alberico resolveu fazer gasogênio, para um ônibus que circulava pelo local. Ele cortava a lenha, fazia o carvão e vendíamos em um posto de gasolina. Na época a gasolina era importada, vinha em tambores era colocada em bombas de gasolina. Essa gasolina era bombeada manualmente, abasteciam os veículos. Os ônibus denominados de jardineiras, utilizavam muito o gasogênio, era comum pararem na estrada, dar todo tipo de problema, mas acabavam chegando ao seu destino. O Brasil produzia muito pouca coisa, Importávamos o trigo que era consumido. Lembro-me com muita saudade da estrada de ferro. A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro passava bem no meio da cidade. Todos os dormentes que eram cortados para a Mogiana, cortados na Alto Sorocabana, envelheciam ali, no pátio, era cortadas com quatro faces, chanfradas, tinha acredito que uns dois metros e vinte sentimetros de comprimento, eram colocados ali para secarem em pilhas com dormentes sobrepostos dois a dois. Minha mãe descobriu que em cada dormente daquele tinham umas lascas que ficavam como cascas. Ela pediu licença para o chefe da estação ela, meus irmãos, eu, íamos tirar aquelas cascas enormes, juntavamos tudo em um quartinho no fundo de casa. Cozinhamos com aquelas cascas durante muito tempo. Outra coisa que ela fazia também, aos domingos após a missa, íamos até a beira da estrada de ferro, que era pertinho. Tinha a linha de trem, logo depois acompanhando os trilhos era plantada erva cidreira, Ao lado havia um pasto e em seguida a cerca, ali ela plantava abobora, pepino, buxa, antes de roçarem o pasto íamos lá e trazíamos, aboboras, pepinos. Havia uma fruta silvestre chamada marolo. Agora estão cultivando, na época era uma fruta silvestre que não se plantava. Tem um perfume que se sente a distância. Tenho muita saudade daquele perfume e da doçura da fruta.
Você permaneceu em Sales de Oliveira até quando?
Eu calculo que permanecemos lá até uns três anos após ter terminado a escola. De lá fomos à Ribeirão Preto aonde conhecíamos uma senhora amiga da família. Ribeirão Preto é uma cidade muito importante, eu me lembro de Ribeirão Preto com 70.000 habitantes. Com quatro jornais diários. Quatro estações de rádio. Com uma biblioteca chamada Padre Euclides. O que sobrou do Cassino Antárctica e transformou-se em um auditório. No passado a Antarctica tinha nontado esse cassino e patrocinava tudo. O Bar Pinguim já existia. Lembro-me do Edifício Antônio Diederichsen, um prédio de seis andares, mas muito alto para a época. Tinha uma parte residencial e outra de escritórios. Embaixo lojas. Na esquina da Rua São Sebastião tem a Cafeteria A Unica, eu acho que é o mellhor café do mundo. Próximo havia uma loja que vendia produtos importados: pera, maçã. Até hoje lembro-me do aroma da maçã. Minha mãe era uma escavadora. Quando a maçã estava um pouquinho amassadinha eles nos davam. Bem como outras frutas finas importadas. Essa loja chamava-se “ A Deliciosa”. Tinha as lojas Caprichosa que tinha artigos para senhoras, Caprichosinha com artigos para crianças e Caprichoso que era uma alfaiataria. Em frente tinha uma casa chamada “Arca de Noé”, o proprietário era um português, vendia todo tipo de frios importados: salame, presunto. Na Praça XV, que é a praça principal da cidade, tinha o Teatro D. Pedro II, a Companhia Cervejaria Paulista, produzia uma cerveja preta chamada Niger. A Cervejaria Paulista foi adquirida pela Antarctica. Na esquina havia o Palace Hotel, onde ficavam os grandes artistas. Na Praça XV tínhamos três café, entre eles o Café Pinho, famosíssimo e o Café Triangulo. Ainda na praça tínhamos uma loja de pianos, que tem uma ligação com Piracicaba. Ribeirão Preto tem dois times gloriosos de futebol: Botafogo e Comercial. O Comercial foi muito famoso nas décadas de 20,30, foi jogar na Europa, quando voltou fizeram uma campanha gloriosa pelo Norte do Brasil, sendo chamado “Leão do Norte” por causa disso. Atualmente não existe mais o Comercial, só o Botafogo. Belmácio Pousa Godinho nascido em Piracicaba, foi jogar no Comercial contratado a peso de ouro. Belmacio foi um importante futebolista, músico e comerciante. A família tem a loja “A Musical” em Piracicaba até hoje.
Você concluiu o ginásio em Ribeirão Preto?
Quando vim para Ribeirão Preto já tinha passado alguns anos, fui trabalhar. Trabalhei no comércio, na Cervejaria Paulista, por parte de mãe eu tinha um tio, ele possuía um Chevrolet ano 1944. Era representante comercial, viajava pelo Sul de Minas Gerais: Muzambinho, Sacramento, Guaxupé, eu ia com ele só para abrir as malas com mostruário de roupas, depois guardar e fechar. Naquela época não havia a quantidade de escolas que temos agora. A maioria era de escolas particulares. Quando tive a oportunidade fiz os chamados exames de madureza.
Como se deu a sua entrada para o teatro?
Em Ribeirão Preto havia um teatro chamado “Teatro Escola Ribeirão Preto”.
O que o levou a entrar para o teatro?
A fascinação pelo teatro. Quando a minha mãe foi para Ribeirão Preto ela foi trabalhar em uma pensão, como cozinheira, isso facilitava também porque morávamos no porão da pensão. Na época Ribeirão Preto estava no roteiro feito pelas grandes companhias de teatro. Os artistas famosos ficavam no Palace Hotel, Grande Hotel, Hotel Brasil, Hotel Aurora, e os técnicos, chamados maquinistas naquela época, ficavam na pensão aonde a minha mãe trabalhava. Eu ajudava a distribuir filipetas, às vezes tinha que conseguir algum móvel, às vezes ganhava ingresso para ir assistir ao espetáculo. Com isso vi grandes artistas que trabalhavam naquela época: vi muitas vezes Procópio Ferreira, Itália Fausto, Jaime Costa, Dulcina de Moraes e seu marido Odilon, ela era filha de Conchita de Moraes, eram atores de grande importância. Ribeirão Preto tinha um teatro amador muito forte também. Lá foi fundada uma escola de teatro chamada Teatro Escola de Ribeirão Preto, a fundadora, segundo consta, era chamada de Dona Pequena é tia do ator Lima Duarte.
Isso foi motivando a sua vontade de ingressar no teatro, qual foi a primeira peça em você participou?
Foi “Casa de Orates”, uma peça de Aluisio Azevedo. Casa de Orates é um asilo de malucos. (Casa de Orates palavra de origem espanhola que quer dizer loucos, doidos). Para mim isso foi importantíssimo, eu estava trabalhando com os bons atores da cidade. Em Ribeirão Preto recebemos o Teatro da Universidade de Coimbra. Fizeram apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto. Apresentaram “O Auto da Barca do Inferno” uma complexa alegoria dramática de Gil Vicente. Ribeirão Preto tinha uma Orquestra Sinfônica altamente conceituada, que infelizmente encerrou suas atividades. Durante a Segunda Guerra tínhamos um maestro idoso, chamado Inácio Stabile, quando ele faleceu trouxeram um maestro da Itália chamava-se Enrico Ziffer, na época tínhamos dois corais, eu participava, fazia a voz de tenor. Ele ficou tão animado que quis montar uma ópera. Ele conseguiu patrocínio e trouxe os artistas principais de fora. Escolheu as óperas mais conhecida como; “La Traviata”, onde participei; “La Bohème”, o pessoal do coro entrava, era uma maravilha! Foi uma vivência cultural muito grande. Naquele tempo tínhamos o chamado “Teatro de Lona”. Também denominado de “Circo Teatro”. Tivemos grandes espetáculos de Circo Teatro que viajava. Apresentávamos peças como: A Mulher Que Veio de Longe; Amar Foi a Minha Ruína, O Mundo Não Me Quis, eram sucessos garantidos.
Quando você mudou-se para São Paulo?
Fui em 1956, tinha 22 anos. Meu tio José Mário convidou-me para ir trabalhar Trabalhei em uma loja chamada Casa José Silva que vendia roupas masculinas. Eu era auxiliar, os vendedores eram muito bem pagos, bem vestidos. Trabalhavam com gravata, paletó. Diga-se de passagem, que naquela época todo mundo usava paletó, gravata e chapéu No Cine Ipiranga não entrava quem não estivesse usando paletó e gravata. Havia grandes lojas, lembro-me da “ Exposição” cujo slogan era: “ Basta ser um rapaz direito para ter crédito na Exposição”.
O teatro continuava em sua vida?
Fazia os espetáculos nos fins de semana, foi uma época em que o pessoal da musica raiz quis entrar no circo, eles já cantavam, eram fortes, além de nós que nos apresentávamos tinham os violeiros que cantavam. Lembro-me que Cascatinha & Inhana fizeram uma turnê grande conosco. Nos anos 50, 55, após a Segunda Guerra, começaram a vir para o Brasil as grandes cabeças do Teatro, inclusive o fundador da Companhia Cinematográfica Vera Cruz Franco Zampari. Todo mundo juntou-se no TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, na Rua Major Diogo, era a elite, embora ninguém fosse profissional ainda. Até que em 1952 tornaram-se artistas atuando como profissionais, com alto nível. Só fomos ter a nossa categoria reconhecida como profissional em 1972 pelo Ministério do Trabalho. De 1964 a 1972 tínhamos nossa carteira funcional emitida pelo Departamento de Diversões Públicas, ligado ao Ministério da Justiça, maldosamente também chamada de “carteirinha de prostituta”, isso porque essas profissionais para se safarem da policia se registravam como atrizes sendo que eram de fato prostitutas. Jamais pisaram em um palco.ndo o TBC Trabalharam muito pela categoria de ator e artista Lélia Abramo, Cacilda Becker, Juca de Oliveira. O pessoal da categoria era muito unido naquele tempo. Quaganhou importância e as companhias se dividiram, tinha uma crítica que acompanhava o teatro, começou com Décio de Almeida Prado, Sabato Magaldi veio depois. O Professor Alfredo Mesquita organizou em sua casa a EAD- Escola de Arte Dramática. Fiz um concurso, fui aprovado, mas não pude dar continuidade. Tinha que sobreviver, naquele tempo saia vendendo liquidificador, enceradeira, não havia lojas que vendessem esses produtos. Ninguém queria vender em loja esse tipo de produto. A Arno foi a primeira empresa que organizou esse tipo de venda de porta em porta para esses produtos.
Com raríssimas exceções o ator não é valorizado financeiramente?
Até hoje é uma profissão muito difícil. Em alguns países, há uma organização muito bem feita, e as coisas funcionam a contento. Aqui há o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo que é o mesmo tanto para o funcionário como para o patrão.
De quantas peças você participou?
Foram muitas peças, fazíamos muito Teatro Popular. Fundamos um grupo de teatro chamado PETECA – Pequeno Teatro da Capital. Fazíamos muitos entretenimentos, esquetes, peças curtas, variedades, canto, musica.
É mais difícil fazer o público rir ou chorar?
Acho mais difícil fazer rir. A comédia tem um “time” que o drama às vezes você está contando alguma coisa e leva a emoção, o riso tem o tempo certo, para ser engraçado tem que ter aquele momento, aquele instante. Fazíamos muitas comédias de costumes, eram originarias do teatro francês. Eu acho que tudo começou mesmo quando importamos grandes diretores: Gianni Ratto, Ruggero Jacobbi, Zbigniew Marian Ziembinski, Maurice Vaneau, o TBC era a grande estrela do teatro, o TBC não parava. Era uma peça atrás da outra.
Como o ator sente o público?
Cada lugar tem um publico diferente. Há localidades ou regiões, onde o publico vai ao teatro porque acha chique. Outros lugares o publico freqüenta porque gosta de fato. Enfim há inúmeras formas de manifestação do publico com relação ao espetáculo apresentado.
Você conheceu Plínio Marcos?
Conheci muito, do Teatro de Arena, do Redondo. (Bar Redondo tradicional ponto de encontro de artistas nas décadas 60,70,80 é vizinho do Teatro de Arena, na Rua Rego Freitas, ganhou esse nome pelo formato circular do prédio) Hoje também tem um pessoal novo na Praça Roosevelt. Mas o Redondo continua sendo ponto de encontro de artistas..
Quantas peças você escreveu?
Registradas na SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais tenho quatro peças.Duas políticas e duas infantis. Uma política chama-se”O Diabo Mostra o Rabo”. Uma peça infantil é “Alma das Coisas”. Quero apresentar a peça “ O Diabo Mostra o Rabo”. A nossa vida é curta, mas a arte é para sempre.
Ha quanto tempo você está em Piracicaba?
Já faz muito tempo, meu irmão mais velho veio para Piracicaba no inicio da década de 60. Ele faleceu, recebeu em homenagem uma rua com seu nome Alderico de Oliveira Campos, o Tenente Campos.
Quantos filhos você tem?
Tenho um, chama-se Paulo, tem 54 anos, já é avô também, ou seja, eu sou bisavô!
Você atuou em diversas ações culturais em São Paulo, sob patrocínio?
Tinha uma empresa que trabalhava basicamente com cultura, tive o patrocínio de diversas empresas de grande porte. Até que decidi morar em Piracicaba. Aqui realizei ações culturais, produzi um espetáculo que financeiramente foi oneroso para minhas economias. No inicio sentia muito a falta do ambiente teatral que eu vivia em São Paulo.
Ari tem um poema que você gosta muito e o acompanha em seus pensamentos?
Tem sim. É de Vinicius de Moraes. Chama-se Soneto da Fidelidade.
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.